Capa Luiz Barcelos e Jerolino Aquino, Tratado de Análises Clínicas sexta-feira, 8 de junho de 2018 09:36:30
TRATADO DE ANÁLISES CLÍNICAS Editores
Luiz Fernando Barcelos | Jerolino Lopes Aquino Editores Associados Ana Lígia Bender | Humberto Façanha da Costa Filho José Abol Corrêa | Lenilza Mattos Lima | Marcos Kneip Fleury Mauren Isfer Anghebem | Paulo Murillo Neufeld | Pedro Alves d’Azevedo
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EDITORA ATHENEU
São Paulo — Rua Jesuíno Pascoal, 30 Tel.: (11) 2858-8750 Fax: (11) 2858-8766 E-mail: [emailprotected] Rio de Janeiro — Rua Bambina, 74 Tel.: (21)3094-1295 Fax: (21)3094-1284 E-mail: [emailprotected] Belo Horizonte — Rua Domingos Vieira, 319 — conj. 1.104
Produção editoriaL/CAPA: Equipe Atheneu projeto GRÁFICO/DIAGRAMAÇÃO: Triall Composição Editorial Ltda. Ilustrações: xxxxxx CAPA: xxxxx
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ T698 Tratado de análises clínicas / editores Luiz Fernando Barcelos, Jerolino Lopes Aquino. 1. ed. - Rio de Janeiro : Atheneu, 2018. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-388-0887-9 1. Bioquímica clínica. 2. Toxicologia. I. Aquino, Jerolino Lopes. 18-49696 CDD: 612.015 CDU: 612.015 Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária CRB-7/6439 11/05/2018 16/05/2018
barcelos, l. f; aquino, j. l
Tratado de Análises Clínicas © EDITORA ATHENEU São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, 2018
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Sobre os Editores
Luiz Fernando Barcelos
Farmacêutico-Bioquímico. Especialização em Bioquímica Clínica na Keyo University, Tóquio - Japão; Especialização em Administração Hospitalar pelo Instituto de Administração Hospitalar e Ciências da Saúde (IAHCS); Título de Especialista em Análises Clínicas pela Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC); Professor de Patologia Clínica da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) 1974-1999; Professor de Bioquímica da Faculdade de Farmácia da PUC-RS 1991-1999; Diretor Executivo da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC) 2011-2016; Presidente da SBAC – Biênio 2017-2018; Assessor Científico do Programa Nacional de Controle de Qualidade (PNCQ); Auditor do Programa de Acreditação de Laboratórios do Sistema Nacional de Acreditação (SNA/DICQ); Membro do Comitê Editorial da Revista Brasileira de Análises Clínicas (RBAC).
Jerolino Lopes Aquino Professor Titular de Parasitologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) (aposentado); Farmacêutico Bioquímico pela Universidade Federal de Goiás (UFG); Especialista em Análises Clínicas pela Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC); Membro da Comissão Científica da SBAC, Área Parasitologia; Diretor-Presidente do Laboratório Carlos Chagas, Cuiabá - MT e do Conselho de Administração do Laboratório Cerba/ LCA, São Paulo - SP.
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Sobre os Editores Associados
Ana Lígia Bender Farmacêutica-Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Biociência pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Doutora em Medicina e Ciências da Saúde pela PUC-RS. Professora Adjunta e Coordenadora do Curso de Farmácia da Escola de Ciências da Saúde da PUC-RS. Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Imunodiagnóstico da PUC-RS.
Humberto Façanha da Costa Filho Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Engenheiro Eletricista pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Engenheiro de Segurança pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Especialista em Engenharia de Análise e Planejamento de Operação de Sistemas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG/Eletrobras). Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho através do Instituto Argentino de Seguridade, Buenos Aires. Auditor Líder pelo Stat – Matrix – Institute/USA/HGB/BR. Engenheiro Superintendente da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Presidente da Fundação CEEE de Seguridade Social. Professor Titular da UPF. Professor do Centro de Ensino e Pesquisa em Análises Clínicas (CEPAC) da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC). Professor do Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo (IESA). Pós-Graduação em Análises Clínicas. Diretor do Laboratório Unidos – Passo Fundo. Diretor da Unidos Consultoria e Treinamento. Criador do Sistema de Gestão Custo Certo (SGCC) e do Programa de Proficiência em Gestão Laboratorial (PPGL).
José Abol Corrêa Presidente do Conselho de Administração do Programa Nacional de Controle de Qualidade (PNCQ). Diretor de Administração do PNCQ. Título de Especialista em Análises Clínicas pela Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC). Graduação como Farmacêutico-Bioquímico pela Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Estado do Pará (UFPA).
Lenilza Mattos Lima Farmacêutica-Bioquímica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Farmácia na Área de Concentração e Análises Clínicas pela Universidade de São Paulo (USP). Professora Titular da Parasitologia Clínica do Departamento de Análises Clínicas do Centro de Ciências da Saúde. Curso de Farmácia pela UFSC. Professora da Disciplina de Análises Clínicas do Curso de Odontologia da UFSC.
Marcos Kneip Fleury Professor-Associado da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Mauren Isfer Anghebem Farmacêutica-Bioquímica. Doutora em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora Adjunta da Escola de Ciências da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Professora Adjunta do Departamento de Análises Clínicas da UFPR.
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Tratado de Análises Clínicas
Paulo Murillo Neufeld Professor Doutor e Chefe do Laboratório de Micologia Médica e Forense do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Pedro Alves d’Azevedo Professor Titular do Departamento de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Pós-Doutorado na Disciplina de Infectologia no Laboratório Especial de Microbiologia Clínica da Universidade Federal de São Paulo (LEMC-Unifesp). Dourado em Ciências (Microbiologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Farmacologia pela Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA). Especialização em Análises Clínicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Graduado em Farmácia pela UFRGS.
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Sobre os Colaboradores Afonso Luís Barth
Aline Borsato Hauser
Farmacêutico-Bioquímico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Microbiologia Clínica pela Universidade de Londres. Professor Titular da Faculdade de Farmácia da UFRGS. Farmacêutico-Bioquímico III do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HC-PA). Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1B do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Coordenador do Instituto Nacional de Pesquisa em Resistência aos Antimicrobianos (INPRA). Coordenador do Laboratório de Pesquisa em Resistência Bacteriana (LABRESIS).
Farmacêutica-Bioquímica. Professora do Laboratório Escola do Departamento de Análises Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Alceu de Oliveira Toledo Júnior Farmacêutico-Bioquímico, Professor de Bioquímica Clínica do Departamento de Análises Clínicas da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
Alessandra Loureiro Morassutti Bióloga, Mestre em Biologia Celular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutora em Zoologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Pós-Doutorado em Parasitologia pela The University of Nottingham, Inglaterra. Professora Adjunta de Parasitologia pela PUC-RS. Pesquisadora do Instituto de Pesquisas Biomédicas da PUC-RS no Laboratório de Parasitologia Molecular.
Amadeo Sáez-Alquézar Farmacêutico-Bioquímico. Assessor Científico do Programa Nacional de Controle de Qualidade (PNCQ). Consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ana Paula Duarte de Souza Farmacêutica-Bioquímica pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Mestre em Biotecnologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutorado em Biologia Celular e Molecular pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) com sanduíche na University of Melbourne, Austrália. Pós-Doutorado em Imunologia pela PUC-RS. Professora do Curso de Farmácia da Escola de Ciências da Saúde da PUC-RS. Professora Permanente de Pós-Graduação em Pediatria e Saúde da Criança e do Programa Mestrado Profissional em Biotecnologia Farmacêutica pela PUC-RS.
Angela Maria de Souza
Farmacêutico-Bioquímico pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Mestrado em Ciências Farmacêuticas pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Doutorado em Ciências Médicas pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Pós-Doutorado em Farmácia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSC).
Farmacêutica-Bioquímica formada pela Universidade Estadual do Ponta Grossa (UEPG), Paraná. Especialista em Hematologia Laboratorial pela UEPG. Mestre em Ciências Farmacêuticas – Insumos, Medicamentos e Correlatos pela Universidade Federal do Paraná (UFP). Doutoranda em Ciências Farmacêuticas – Insumos, Medicamentos e Correlatos pela UFP. Farmacêutica do Complexo Hospital de Clínicas da UFP com ênfase em Hematologia.
Alexandre Januário da Silva
Carlos Augusto Albini
Alessandro Conrado de Oliveira Silveira
Licenciatura em Ciências Biológicas. Mestre em Microbiologia (Especialidade Imunologia Diagnóstica em Parasitologia). Doutor em Microbiologia (Especialidade Diagnóstico e Biologia Molecular de Parasitas). Senior Biomedical Research Service Research Microbiologist/Lead Parasitologist pela Office of Applied Research and Safety Assessment/Center for Food Safety and Applied Nutrition U.S. Food and Drug Administration.
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Professor Adjunto IV da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Bacteriologia pela UFPR. Especialista em Metodologia Científica pela FrenchCanadian Heritage Society of California (FCHSC). Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Sócio Fundador do Núcleo de Bacteriologia Clínica de Curitiba (Nebac).
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Tratado de Análises Clínicas
Carmen Paz Oplustil Biomédica pela Universidade de Santo Amaro (UNISA). Mestre em Microbiologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Diretora da Formato Clínico Brasil e Chile.
Carolina De Marco Veríssimo Bacharel em Biomedicina pelo Centro Universitário Metodista do Sul IPA – IPA. Mestre em Microbiologia Agrícola e do Ambiente pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutora em Biologia Celular e Molecular pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Pós-Doutorado em Biologia Celular e Molecular pela PUC-RS.
Cássia Maria Zoccoli Farmacêutica Bioquímica. Diretora Técnica do Laboratório Médico Santa Luzia, Florianópolis - SC.
Catieli Gobetti Lindholz Bacharel em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestre em Biologia Celular e Molecular pela PUCRS. Doutoranda em Zoologia pela PUCRS.
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (DLC/HC-FMUSP). Coordenadora da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CIPA IC/HC-FMUSP).
Fabiane Gomes de Moraes Rego Farmacêutica-Bioquímica. Professora de Bioquímica Clínica do Departamento de Análises Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Fernando Thomé Kreutz Médico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Biotecnologia pela University of Alberta, Canadá. Professor Adjunto da Escola de Ciências da Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Farmacêutica da PUC-RS. Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Imunodiagnóstico da PUC-RS. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) DT nível ID. Diretor do Grupo FK-Biotec.
Fernando Pretti
Farmacêutica-Bioquímica. Professora-associada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Professor (Aposentado) de Hematologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Sócio-Diretor do Laboratório Bioclínico, Vitória - ES. Membro da Sociedade Internacional de Hemostasia e Trombose (ISTH).
Cícero Armídio Gomes Dias
Flavia Valladão Thiesen
Doutor em Microbiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor-Associado em Microbiologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
Farmacêutica Bioquímica. Professora da Faculdade de Farmácia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
Célia Regina Garlipp
Daniane Grando Remor Canali Farmacêutica-Bioquímica. Gestora da Qualidade do Laboratório Médico Santa Luzia, Florianópolis - SC. Especialista em Interdisciplinaridade em Análises Clínicas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Auditora do Programa de Acreditação de Laboratórios Clínicos/Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (PALC/SBPC).
Elenice Messias do Nascimento Gonçalves Biomédica pela Universidade de Mogi das Cruzes, São Paulo (UMC). Especialista em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Mestre em Parasitologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas II da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Doutora em Patologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Encarregada do Laboratório de Parasitologia da Divisão de Laboratório Central do Hospital das Clínicas
Flávio Naoum Médico Hematologista. Residência em Hematologia e Hemoterapia pela Santa Casa de São Paulo (SCSP). Mestre em Hematologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Doutor em Medicina Interna pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). Pós-Doutorado pela Middlesex University (Inglaterra). Diretor Clínico da Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto. Coordenador do Instituto Naoum de Hematologia.
Geraldo Attilio de Carli Farmacêutico Químico pela Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Parasitologia e Doutor em Farmácia e Bioquímica pela UFRGS. Ex-Professor Titular do Programa de PósGraduação em Gerontologia Biomédica do Instituto de Geriatria e Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Ex-Professor Titular de
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Sobre os Colaboradores
Parasitologia Clínica da Faculdade de Farmácia da PUC-RS. Ex-Professor Titular de Análises Parasitológicas da Faculdade de Farmácia da UFRGS. Ex-Professor Titular de Parasitologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). ExPesquisador pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ex-Bolsista da Universidade de Wisconsin, Madison, EUA. Ex-Bolsista do Centro Pan-Americano de Zoonoses da Oficina Sanitária Pan-Americana da Organização Pan-Americana da Saúde da Organização Mundial da Saúde (OPS/OMS), Buenos Aires, Argentina. Ex-Bolsista da Japan International Coorporation Agency (JICA) da Japanese Association of Parasite Control (JAPC). Ex-Bolsista da Deutscher Akademischer Austausch Diemst (DAAD) no Instituto de Medicina Tropical Bernhard Nocht, Hamburgo, Alemanha. Ex-Bolsista da Universidade de Kyorin, Tóquio, Japão.
Geraldo Picheth Farmacêutico-Bioquímico. Professor de Bioquímica Clínica do Departamento de Análises Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Gisele Maria Buczenko Singer Farmacêutica-Bioquímica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Tecnologia Química – Setor de Tecnologia Química – pela UFPR. Farmacêutica-Bioquímica do Setor de Hematologia, Hemostasia e Líquidos Cavitários do Complexo Hospital de Clínicas da UFPR. Preceptora da Residência Multiprofissional do Complexo Hospital de Clínicas.
Gustavo Pelicioli Riboldi Farmacêutico-Bioquímico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Mestrado e Doutorado em Biologia Celular e Molecular pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGBCM, Centro de Biotecnologia - UFRGS). Pós-Doutorado em Metaloproteômica e Cristalografia de Proteínas (ICaMB, Newcastle University). Pesquisador do Structural Genomics Consortium da Universidade Estadual de Campinas (SGC/ Unicamp).
Helena Aguilar Peres de Mello de Souza Graduação em Farmácia e Bioquímica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestrado em Microbiologia, Parasitologia e Patologia pela UFPR. Farmacêutica pela UFPR, Seção de Bacteriologia do Hospital de Clínicas de Curitiba. Responsável Técnica da Newprov Produtos para Laboratórios Ltda. e Diretora do Núcleo de Estudos de Bacteriologia Clínica de Curitiba. Doutoranda em Medicina Interna e Ciências da Saúde pela UFPR.
Itacy Siqueira Graduação em Biomedicina pela Universidade de Santo Amaro (Unisa). Coordenadora Técnica do Laboratório Clínico do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein. Possui experiência na Área de Microbiologia e Controle de Qualidade.
Jorge Sampaio Professor de Microbiologia Clínica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP).
José Mauro Peralta Médico pela Escola Médica do Rio de Janeiro da Universidade Gama Filho (UGF). Mestre em Microbiologia e Doutor em Ciências pela Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). PósDoutorado no Centers for Disease Control e Georgia State University (EUA). Professor Titular do Departamento de Imunologia do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes da UFRJ.
Juliana Caierão Farmacêutica-Bioquímica. Doutora em Ciências (Microbio-logia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-Doutorado pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Professor Adjunto do Departamento de Análises da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Júlio Cezar Merlin Farmacêutico-Bioquímico. Doutor em Ciências da Saúde pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professor de Hematologia e Citologia Clínica na Escola de Ciências da Vida e Escola de Medicina da PUC-PR.
Karin Silva Caumo Professora de Parasitologia Clínica. Doutora do Departamento de Análises Clínicas do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Lauro Santos Filho Farmacêutico-Bioquímico pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Doutorado em Microbiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-doutorado no Hartford Hospital Health Center, Connecticut, EUA. Professor Titular de Microbiologia Clínica da UFPB.
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Tratado de Análises Clínicas
Leandro Reus Rodrigues Perez
Nina Reiko Tobouti
Doutorado em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Microbiologista do Hospital Mãe de Deus.
Farmacêutica-Bioquímica. Gestora do Setor de Microbiologia do Laboratório Médico Santa Luzia, Florianópolis - SC. Especialista em Qualidade e Produtividade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Maitê Peres de Carvalho Fisioterapeuta. Especialista na Área de Fisioterapia em Geriatria e Gerontologia.Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande (UFRG). Pós-Doutoranda em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Farmacêutico-Bioquímico. Especialista em Citologia.
Patrícia Haas Farmacêutica-Bioquímica. Professora de Citologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Mara Cristina Scheffer Farmacêutica-Bioquímica do Setor de Microbiologia da Divisão de Análises Clínicas do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestrado em Microbiologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutorado em Farmácia na Área de Microbiologia pela UFSC.
Marcelo Pilonetto Doutor em Ciências da Saúde pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Professor Adjunto de Microbiologia Médica pela PUC-PR. Microbiologista do Setor de Bacteriologia Molecular dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACEN/PR). Consultor do DB Medicina Diagnóstica.
Marcos E. de Almeida Mestre e Doutor em Biologia Molecular pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Responsável pelo Diagnóstico de Leishmaniose no Centers for Disease Control and Provention – CDC, Atlanta, GA, EUA.
Marcos José Machado Farmacêutico-Bioquímico. Professor-Associado Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Orildo dos Santos Pereira
IV
da
Paula Koga Doutorado em Agronomia (Produção Vegetal) pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp).
Paula Virginia Bottini Médica, Supervisora da Seção de Líquidos Biológicos da Divisão de Patologia Clínica do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Paulo Cesar Naoum Professor Titular pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Diretor da Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto.
Pedro Luis Colturato Farmacêutico-Bioquímico. Oncótica.
Especialista
em
Citologia
Pedro Peloso
Farmacêutica-Bioquímica. Professora de Bioquímica Clínica da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Biólogo, Microbiologista Clínico, Mestre em Saúde, Medicina Laboratorial eTecnologia Forense pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Gerente de Microbiologia Clínica do Laboratório Richet - RJ. Consultor de Microbiologia Clínica da Rede D’Or São Luiz - RJ. Consultor Líder da BIOMIC Consultoria em Microbiologia Clínica.
Marilise Brittes Rott
Rafael Bueno Orcy
Marileia Scartezini
Professora de Parasitologia. Doutora pelo Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Fisioterapeuta. Doutor em Ciências Biológicas (Fisiologia) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor Adjunto da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Marinês Dalla Valle Martino
Regina Helena Saramago Peralta
Doutorado em Medicina (Pediatria) pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). Coordenadora Médica do Laboratório da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira do Hospital Albert Einstein.
Farmacêutica-Bioquímica pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Ciências pelo Instituto de Microbiologia Paulo de Góes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutora em Ciências pelo Instituto
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Sobre os Colaboradores
de Microbiologia Paulo de Góes da UFRJ. ProfessoraAssociada da Faculdade de Medicina da UFF.
Renata Russa Frasca Candido Bióloga pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Mestrado em Zoologia pelo Programa de Pós-graduação em Zoologia da PUC-RS. Doutorado pelo Programa de Pós-Gradução em Biologia Celular e Molecular da PUC-RS, com período sanduíche no Queensland Institute of Medical Research, Brisbane, Austrália e The University of Western Australia, Perth, Austrália, sendo indicada ao prêmio Capes-Inerfarma de Inovação e Pesquisa 2015. Foi Bolsista de Pós-Doutorado Júnior com bolsa concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no Laboratório de Biologia Parasitária da PUC-RS e no Laboratório de Parasitologia Molecular no Instituto de Pesquisas Biomédicas do Hospital São Lucas da PUC-RS. Pós-Doutorando pelo Programa PDE do CNPq na Universidade de Queensland, Brisbane, Austrália, com períodos intercalados na Escola de Física da UWA, Perth, Austrália. Tem experiência na Área de Parasitologia, com ênfase em Diagnóstico de Helmintíases Humanas.
Samuel Ricardo Comar Farmacêutico-Bioquímico. Especialista em Hematologia e Líquidos Biológicos.
Sérgio Eduardo Fontoura da Silva Farmacêutico-Bioquímico. Professor de Toxicologia da Escola de Saúde e Biociências da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Sérgio Luiz Bach Farmacêutico-Bioquímico. Professor da Faculdade Pequeno Príncipe da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
Sérgio Monteiro de Almeida Professor Adjunto do Departamento de Patologia Médica da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor no Programa de Pós-Graduação em Medicina Interna. Mestrado e Doutorado. Membro Titular da Academia Brasileira de Neurologia. Coordenador do Departamento Científico de Líquido Cefalorraquidiano da Academia Brasileira de Neurologia. Neurologista Especialista em Líquido Cefalorraquidiano do Laboratório de Virologia do Hospital das Clínicas (HC) da UFPR. Responsável pelo Ambulatório de Neuroinfecção HC-UFPR. Mestrado em Neurologia e Doutorado em Imunologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).Pós-Doutorado no Setor de Neuroimunologia, Queen Square, Londres, Inglaterra. Pós-Doutorado pelo HIV Neurobehavior Research Center, UCSD, San Diego, EUA. Pesquisador Visitante, UCSD San Diego, EUA.
Silva Maria Spalding Graduação em Farmácia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRJ). Graduação em Análises Clínicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestrado em Ciências Veterinárias pela UFRGS. Doutorado em Biologia Parasitária pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e MBA em Gestão de Hemocentros pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE e Ministério da Saúde). Professora-Associada da UFRGS. Técnica em Saúde e Ecologia Humana da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde da Secretaria da Saúde do Estado.
Thalita Martinelli Médica pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Residente em Medicina Interna pelo Hospital Universitário São Francisco de Paula, Pelotas - RS.
Tiana Tasca Farmacêutica-Bioquímica em Análises Clínicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Biociências, Área de Zoologia – Parasitologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutora em Ciências Biológicas – Bioquímica pela UFRGS, com Doutorado-sanduíche pela University of Texas Health Science Center, San Antonio, Texas, EUA. Professora da Disciplina de Parasitologia Clínica do Departamento de Análises da Faculdade de Farmácia da UFRGS.
Valter Teixeira Motta Farmacêutico-Bioquímico. Professor de Bioquímica Clínica da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Vera Lucia Plagliusi Castilho Doutorado em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP). Médica Chefe do Laboratório de Parasitologia Clínica da Divisão de Laboratório Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médica Primeira Assistente do Laboratório de Patologia Clínica da Irmandade de Misericórdia de São Paulo. Responsável pelo Setor de Parasitologia e Sistema de Gestão e Controle de Qualidade.
Vlademir V. Cantarelli Professor Adjunto da Universidade Feevale no Novo Hamburgo e da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, RS (UFCSPA). Consultor do Laboratório Qualitá em Novo Hamburgo, RS. Formado em Farmácia e Análises Clínicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Biomedicina pela Universidade Feevale. Doutorado (PhD) em Ciências Farmacêuticas na Área de Microbiologia pela Universidade de Osaka, Japão. PósDoutorado pela Universidade de Osaka, Japão. Consultor Internacional da American Society for Microbiology (ASM).
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Tratado de Análises Clínicas
William Peres Farmacêutico-Bioquímico. Doutor em Ciências Biológicas pela Universidad de León, Espanha.. Professor Adjunto do Centro de Ciências Químicas, Farmacêuticas e de Alimentos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
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Prefácio
Distinguem-me os colegas Luiz Fernando Barcelos e Jerolino Lopes Aquino, editores deste Tratado de Análises Clínicas, convidando-me para prefaciar esta obra. Faço-a, entre surpreso e honrado, porém entendo que a escolha vem de seu carinho especial e, talvez, pela homenagem que fazem a mim pelos anos vividos nessa seara maravilhosa do diagnóstico laboratorial. Seus editores, bem como os coordenadores e autores dos capítulos, devem sentir-se recompensados pela missão cumprida e, mais importante, terem contribuído com suas especialidades para enriquecer essa grande área do laboratório clínico. É fora de dúvida a grande experiência e o longo trabalho de seus editores dedicado a essa área, cujos currículos demonstram atividades na área de ensino, professores que são, além de inúmeras outras exercidas como assessores ou consultores em diversos órgãos governamentais ou não. Saliento a grande experiência dos editores, junto à Sociedade Brasileira de Análises Clínicas/ (SBAC), cuja Presidência foi exercida pelo Dr. Jerolino e, agora, pelo Dr. Barcelos. Suas atividades empresariais merecem ser destacadas, como o Laboratório Carlos Chagas, de Cuiabá, desde 1968, empreendimento pioneiro, de sucesso, do Dr. Jerolino e aquelas em Porto Alegre, exercidas pelo Dr. Barcelos em diversas empresas desde 1969. Por isso, não era sem tempo que esta obra devesse ser editada, mormente quando se sabe que a medicina diagnóstica, no país, quase 82% dizem respeito às análises clínicas que, de outro modo, representam cerca de 16.600 unidades, segundo censo estatístico. Penso que nada foi subestimado na obra se partirmos da premissa de que não se pode favorecer nesta área a nenhum dos capítulos pela própria importância que cabe a cada um deles. A criteriosa escolha de seus autores faz jus à excelência dos temas alinhados, bem como seu destaque, item por item. Gostaria de salientar, pelo que representa para aqueles que desejam se iniciar na área do laboratório clínico, a preocupação dos editores em iniciar esta obra com temas básicos que devem e precisam ser pensados. As Partes 1 e 2 tratam da Gestão Administrativa e Financeira e Gestão da Qualidade. São dois capítulos que considero de extrema importância para aqueles que se dispõem a enfrentar as primeiras responsabilidades no laboratório diagnóstico, entendido este como uma empresa que, ao lado da preocupação de administrar e gerir seus destinos, tem a obrigação de atender à gestão da qualidade técnica, como preliminares do empreendimento. Desse claro pressuposto deve partir o pensamento e a definição do profissional para seguir adiante em sua missão de melhor atender o cliente e o médico que requisita o exame. Fazer certo é a principal qualidade do laboratório para ser confiável, independentemente das novas tecnologias que exigem mudanças. Razões que me fazem dizer que um bom prognóstico traduz-se pelo bom resultado laboratorial e disto, imagino, uma decisão clínica desejada. As razões deste Tratado não é, pois, outra, senão a de trazer ao profissional tudo o que precisa para informar-se melhor sobre os exames que compõem o quadro do diagnóstico laboratorial, bem como as doenças que importam ser conhecidas para o nexo devido. Mesmo assim, é preciso não esquecer que nessa área do diagnóstico clínico o avanço da tecnologia é tão rápido que nos deixa e, certamente, seus autores, numa sensação de que esse cenário vai se modificando, à medida que crescem as exigências da medicina. Mas é absolutamente válida a importância deste Tratado de Análises Clínicas, cuja preocupação maior de seus editores foi a de entregar aos profissionais que militam nesta seara o que de mais tradicional compõe seu universo, neste instante do conhecimento. E que abre ao leitor mais uma oportunidade para inteirar-se de seus domínios na área. Faço votos que o livro alcance os seus objetivos e as expectativas de seus editores e autores. José Carlos Barbério/Professor Titular Aposentado da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo. Ex-Diretor do Setor de Radiofarmácia do IEA/IPEN Diretor da Central de Radioimunoensaio de São Paulo/CRIESP/1973-2001
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Sumário
Parte 1
Gestão Administrativa e Financeira 1 Humberto Façanha da Costa Filho
Capítulo 1
Gestão Administrativa e Financeira...................................................................................................................3 Humberto Façanha da Costa Filho
Parte 2
Gestão da Qualidade 11 Luiz Fernando Barcelos
Capítulo 2
Gestão da Qualidade.......................................................................................................................................13 Luiz Fernando Barcelos José Abol Corrêa
Parte 3
Bioquímica 33 Mauren Isfer Anghebem
Capítulo 3
Desequilíbrio Acidobásico................................................................................................................................35 Valter Teixeira da Motta
Capítulo 4
Equilíbrio Hidreletrolítico.................................................................................................................................45 Valter Teixeira da Motta
Capítulo 5
Diabetes Mellitus.............................................................................................................................................55 Geraldo Picheth
Capítulo 6
Dislipidemias...................................................................................................................................................69 Marileia Scartezini
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Tratado de Análises Clínicas
Capítulo 7
Doenças Cardiovasculares...............................................................................................................................81 Alceu de Oliveira Toledo Júnior
Capítulo 8
Pâncreas..........................................................................................................................................................89 Marcos José Machado
Capítulo 9
Doenças Renais...............................................................................................................................................99 Aline Borsato Hauser
Capítulo 10 Endocrinologia Clínica e Diagnóstica............................................................................................................113 Fabiane Gomes de Moraes Rego
Capítulo 11 Envelhecimento.............................................................................................................................................127 William Peres Maitê Peres de Carvalho Thalita Martinelli Rafael Bueno Orcy
Capítulo 12 Fígado, Enzimas e Proteínas Plasmáticas......................................................................................................141 Amadeo Sáez-Alquézar
Parte 4
Líquidos Biológicos 157 Mauren Isfer Anghebem
Capítulo 13 Líquido Amniótico.........................................................................................................................................159 Mauren Isfer Anghebem Júlio Cezar Merlin
Capítulo 14 Líquido Cefalorraquidiano - LCR....................................................................................................................167 Samuel Ricardo Comar Gisele Maria Buczenko Singer Mauren Isfer Anghebem Angela Maria de Souza Sérgio Monteiro de Almeida
Capítulo 15 Líquido Seminal.............................................................................................................................................199 Orildo dos Santos Pereira
Capítulo 16 Líquido Sinovial.............................................................................................................................................213 Sérgio Luiz Bach
Capítulo 17 Líquidos Cavitários ou Líquidos Serosos........................................................................................................221 Patrícia Haas Pedro Luis Colturato Samuel Ricardo Comar
Capítulo 18 Urinálise........................................................................................................................................................257 Célia Regina Garlipp Paula Virginia Bottini
Parte 5
Toxicologia 265 Mauren Isfer Anghebem
Capítulo 19 Controle Toxicológico....................................................................................................................................267 Sérgio Eduardo Fontoura da Silva
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Sumário
Capítulo 20 Monitoramento Terapêutico..........................................................................................................................277 Flavia Valladão Thiesen
Parte 6
Imunologia 283 Ana Lígia Bender Ana Paula Duarte de Souza Fernando Thomé Kreutz
Capítulo 21 Imunidade Celular.........................................................................................................................................285 Ana Lígia Bender Ana Paula Duarte de Souza Fernando Thomé Kreutz
Capítulo 22 Imunidade Humoral.......................................................................................................................................288 Ana Lígia Bender Ana Paula Duarte de Souza Fernando Thomé Kreutz
Capítulo 23 Hipersensibilidade.........................................................................................................................................289 Ana Lígia Bender Ana Paula Duarte de Souza Fernando Thomé Kreutz
Capítulo 24 Reações Imunológicas...................................................................................................................................291 Ana Lígia Bender Ana Paula Duarte de Souza Fernando Thomé Kreutz
Capítulo 25 Imunodeficiências.........................................................................................................................................295 Ana Lígia Bender Ana Paula Duarte de Souza Fernando Thomé Kreutz
Capítulo 26 Autoimunidade..............................................................................................................................................299 Ana Lígia Bender Ana Paula Duarte de Souza Fernando Thomé Kreutz
Capítulo 27 Marcadores Tumorais....................................................................................................................................305 Ana Lígia Bender Ana Paula Duarte de Souza Fernando Thomé Kreutz
Capítulo 28 Doenças Infecciosas......................................................................................................................................309 Ana Lígia Bender Ana Paula Duarte de Souza Fernando Thomé Kreutz
Parte 7
Microbiologia 315 Pedro Alves d’Azevedo
Capítulo 29 Montagem e Gerenciamento do Laboratório de Microbiologia.....................................................................317 Lauro Santos Filho
Capítulo 30 Gestão da Qualidade e Biossegurança em Laboratórios de Microbiologia Clínica........................................327 Cássia Maria Zoccoli Daniane Grando Remor Canali Nina Reiko Tobouti
Capítulo 31 Coleta, Transporte e Processamento Inicial de Amostras Clínicas..................................................................345 Carmen Paz Oplustil
Capítulo 32 Uroculturas....................................................................................................................................................361 Alessandro Conrado de Oliveira Silveira Mara Cristina Scheffer
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Tratado de Análises Clínicas
Capítulo 33 Coprocultura.................................................................................................................................................375 Vlademir V. Cantarelli
Capítulo 34 Culturas de Amostras Genitais......................................................................................................................385 Carlos Augusto Albini Helena Aguilar Peres de Mello de Souza
Capítulo 35 Cultura de Secreções do Trato Respiratório ..................................................................................................395 Juliana Caierão Alessandro Conrado de Oliveira Silveira
Capítulo 36 Hemocultura e Cultura de Ponta de Cateter..................................................................................................405 Leandro Reus Rodrigues Perez Cícero Armídio Gomes Dias
Capítulo 37 Líquor............................................................................................................................................................409 Marcelo Pilonetto Pedro Alves d’Azevedo
Capítulo 38 Culturas de Vigilância....................................................................................................................................415 Leandro Reus Rodrigues Perez Cícero Armídio Gomes Dias
Capítulo 39 Teste de Suscetibilidade aos Antimicrobianos...............................................................................................419 Jorge Sampaio Afonso Luís Barth
Capítulo 40 Microbiologia Molecular...............................................................................................................................427 Gustavo Pelicioli Riboldi Vlademir V. Cantarelli
Capítulo 41 Meios de Cultura...........................................................................................................................................441 Pedro Alves d’Azevedo Juliana Caierão
Capítulo 42 Microbiologia Automatizada.........................................................................................................................447 Marcelo Pilonetto Pedro Peloso
Capítulo 43 Controle de Qualidade..................................................................................................................................461 Marinês Dalla Valle Martino Paula Koga Itacy Siqueira
Parte 8
Parasitologia 479 Lenilza Mattos Lima
Capítulo 44 Protozoários..................................................................................................................................................457 Complexo Entamoeba Histolytica/Entamoeba Dispar ................................................................................... 481 José Mauro Peralta Regina Helena Saramago Peralta
Amebas Não Patogênicas do Intestino.......................................................................................................... 485 Lenilza Mattos Lima
Giardia Lamblia............................................................................................................................................. 488 Karin Silva Caumo Lenilza Mattos Lima
Chilomastix Mesnili....................................................................................................................................... 490 Lenilza Mattos Lima
Cyclospora Cayetanensis............................................................................................................................... 491 Alexandre Januário da Silva
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Sumário
Cryptosporidum spp...................................................................................................................................... 494 Alexandre Januário da Silva
Cystoisospora Belli........................................................................................................................................ 497 Lenilza Mattos Lima
Blastocystis spp............................................................................................................................................. 500 Lenilza Mattos Lima Karin Silva Caumo
Amebas de Vida Livre.................................................................................................................................... 503 Marilise Brittes Rott Karin Silva Caumo
Trichomonas Vaginalis................................................................................................................................... 508 Tiana Tasca Geraldo Attilio de Carli
Leishmania spp.............................................................................................................................................. 510 Marcos E. de Almeida Catieli Gobetti Lindholz
Trypanosoma Cruzi........................................................................................................................................ 517 Silvia Maria Spalding
Plasmodium spp............................................................................................................................................ 521 Alexandre Januário da Sliva
Toxoplasma Gondii........................................................................................................................................ 531 Silvia Maria Spalding
Capítulo 45 Helmintos......................................................................................................................................................542 Alessandra Loureiro Morassutti Carolina De Marco Veríssimo
Capítulo 46 Procedimentos Técnicos em Parasitologia.....................................................................................................557 Alessandra Loureiro Morassutti Lenilza Mattos Lima Renata Russo Frasca Candido Tiana Tasca
Capítulo 47 Diagnóstico Imunológico e Molecular ..........................................................................................................565 Alessandra Loureiro Morassutti Alexandre Januário da Silva
Capítulo 48 Controle de Qualidade em Parasitologia.......................................................................................................573 Vera Lucia Pagliusi Castilho Elenice Messias do Nascimento Gonçalves
Parte 9
Hematologia 583 Marcos Kneip Fleury
Capítulo 49 Hematopoese................................................................................................................................................585 Marcos Kneip Fleury
Capítulo 50 Anemias – Classificação e Diagnóstico Diferencial .......................................................................................600 Paulo Cesar Naoum
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Tratado de Análises Clínicas
Capítulo 51 Diagnóstico Laboratorial das Neoplasias Hematológicas..............................................................................619 Flávio Naoum
Capítulo 52 Infecções Bacterianas e Virais........................................................................................................................639 Flávio Naoum
Parte 10
Hemostasia 645 Marcos Kneip Fleury
Capítulo 53 Fisiologia da Hemostasia...............................................................................................................................647 Fernando Pretti
Capítulo 54 Fatores da Coagulação..................................................................................................................................657 Fernando Pretti
Capítulo 55 Abordagem do Paciente com Síndrome Hemorrágica....................................................................................661 Fernando Pretti
Capítulo 56 Púrpuras Vasculares......................................................................................................................................667 Fernando Pretti
Capítulo 57 Trombocitopenias..........................................................................................................................................671 Fernando Pretti
Capítulo 58 Defeitos Funcionais das Plaquetas................................................................................................................675 Fernando Pretti
Capítulo 59 Hemofilias.....................................................................................................................................................679 Fernando Pretti
Capítulo 60 Doença de Von Willebrand............................................................................................................................683 Fernando Pretti
Capítulo 61 Coagulação Intravascular Disseminada.........................................................................................................689 Fernando Pretti
Capítulo 62 Trombofilia....................................................................................................................................................693 Fernando Pretti
Parte 11
Micologia 703 Paulo Murillo Neufeld
Capítulo 63 Diagnóstico Laboratorial das Infecções Fúngicas..........................................................................................705 Paulo Murillo Neufeld
Índice Remissivo.................................................................................................................................................................799 xxii
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PARTE
1
Gestão Administrativa e Financeira Humberto Façanha da Costa Filho
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capítulo Humberto Façanha da Costa Filho
Gestão Administrativa e Financeira Introdução O mercado é inexorável! Ainda que manipulado (subsídios, dumping etc.) continua impondo as suas regras. A falta de capacidade produtiva instalada para atender a determinada demanda, fatalmente irá provocar alta nos preços dos produtos, sejam eles bens, serviços ou informações. O inverso também é verdadeiro. Atualmente, no mundo globalizado, a abertura do mercado internacional, a tecnologia que proporciona velocidade para a troca de informações (internet, web), a alta capacidade de transportar grandes volumes a grandes distâncias em curto espaço de tempo, e a imensa capacidade de armazenamento por tempo praticamente indeterminado são fatores que influenciam os preços de mercado e impactam diretamente na competitividade das empresas. Hoje, um concorrente competente e agressivo pode estar na disputa por uma fatia dos clientes de determinada organização, que até ontem liderava o mercado local, ainda que distante de um grande centro. Em suma, isso mostra que ninguém está garantido, esteja onde estiver. Só há uma maneira de sobreviver: sendo competitivo em qualquer lugar do planeta! No caso específico dos laboratórios clínicos essa situação é cristalina. Até o início dos anos de 1980, bastava o profissional da área estruturar um laboratório, na prática, sem se preocupar com a existência de mercado, calcular seus custos, adicionar a margem de lucro desejada, e impor aos clientes o “seu” preço. A concorrência era branda, havia mercado em expansão, a medicina não era socializada, os clientes pagavam à vista, a inadimplência inexistia. Era a época de “ouro” para o segmento das análises clínicas e seus correlatos. Quais as razões dessa situação maravilhosa? Reduzida capacidade produtiva, os exames eram feitos quase todos de forma manual, frente à demanda e mercado fechado para o mundo. Adicionalmente, não havia a cultura das ações judiciais e nem a consciência coletiva dos consumidores, proporcionada fundamentalmente pelo novo Código de Defesa do Consumidor (CDC) acrescido pelas exigências crescentes vinculadas à vigilância sanitária. Hoje, os convênios são os principais compradores dos produtos (informações e serviços) dos laboratórios clínicos.
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São os atores intermediários entre os clientes e os laboratórios, frutos da socialização da medicina, que impõem os preços, pois a força do coletivo está com eles. O capital estrangeiro aportou nesse mercado alterando drasticamente o perfil da concorrência com fusões, aquisições e integrações entre fornecedores e prestadores de serviços! Foi o fim da era de “ouro” e o início da era do “euro/dólar”. Atualmente, não basta simplesmente obter um diploma e abrir um novo laboratório. Não existe mais espaço para a aventura, para o amadorismo na gestão desses negócios. Há, sim, a imperiosa necessidade de gestões profissionais nos laboratórios. Se não formos competitivos, não sobreviveremos como empreendedores! É nesse contexto que se insere a proposta do Capítulo 1 do tratado.
Referencial teórico A competitividade tão necessária para assegurar não só a sobrevivência digna, mas também as justas remunerações aos acionistas das organizações se originam, dentre outros requisitos, de uma gerência eficaz e eficiente na qual as decisões são tomadas com fundamento em dados e comparações competitivas. Mas o que significa isto? Ser competitivo é ter a maior produtividade entre os seus concorrentes e gerenciar uma organização significa controlar os seus processos. Os processos devem ser identificados, sendo rastreados para cada um, quais são os seus produtos, quem são os seus clientes e fornecedores, estabelecidos indicadores de desempenho (itens de controle e de verificação) nas dimensões pertinentes da qualidade (Qualidade intrínseca, Custo, Entrega, Moral e Segurança), metas e responsáveis. Ainda, o ciclo PDCA de gestão deve ser rodado de forma sistemática e permanente. Os processos devem ser padronizados e ter a documentação alterada em decorrência das inovações e de solução das não conformidades, caracterizando a melhoria contínua desses processos organizacionais, proporcionando uma situação de efetiva competitividade empresarial. O estado da arte em gestão pode ser modelado pelos requisitos dos critérios que regulamentam os prêmios de qualidade ao redor do mundo. A variação das exigências não é significativa, existindo quase um “consenso” entre eles.
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Tratado de Análises Clínicas
Vejamos o caso do Prêmio Nacional da Qualidade (PNQ), organizado pela Fundação Nacional da Qualidade (FNQ). Seus Critérios de Excelência “... constituem um modelo sistêmico de gestão adotado por inúmeras organizações de Classe Mundial. São construídos sobre uma base de conceitos fundamentais, essenciais à obtenção da excelência do desempenho. O Modelo de Excelência da Gestão® (MEG), em razão de sua flexibilidade e, principalmente, por não prescrever ferramentas e práticas de gestão específicas, pode ser útil para a avaliação, o diagnóstico e o desenvolvimento do sistema de gestão de qualquer tipo de organização”. O MEG está alicerçado sobre um conjunto de conceitos fundamentais da gestão. Esses conceitos originaram os Fundamentos da Excelência, os quais, por sua vez, são a base dos Critérios da FNQ. Esses Fundamentos são seguintes: 1. Pensamento sistêmico. 2. Aprendizado organizacional. 3. Cultura de inovação. 4. Liderança e constância de propósitos. 5. Orientação por processos e informações. 6. Visão de futuro. 7. Geração de valor. 8. Valorização das pessoas. 9. Conhecimento sobre o cliente e o mercado. 10. Desenvolvimento de parcerias. 11. Responsabilidade social.
Para os laboratórios é muito importante o fundamento de número 5 (Orientação por processos e informações), cujo conceito é: “Compreensão e segmentação do conjunto das atividades e dos processos da organização que agregam valor para as partes interessadas, sendo que a tomada de decisões e a execução de ações devem ter como base a medição e a análise do desempenho, levando-se em consideração as informações disponíveis, além de incluir-se os riscos identificados”. O Modelo de Excelência da Gestão® (MEG) é baseado em 11 Fundamentos da Excelência e colocado em prática por meio de oito Critérios (ano de 2010): 1. Liderança. 2. Estratégias e planos. 3. Clientes. 4. Sociedade. 5. Informações e conhecimento. 6. Pessoas. 7. Processos. 8. Resultados. O Modelo de Excelência da Gestão® (MEG) (Figura 1.1), representado pela figura mostrada a seguir, sugere uma visão sistêmica da gestão organizacional. A Figura 1.1 representativa do MEG simboliza a organização, e é considerada um sistema orgânico e adaptável ao ambiente externo.
es e conhecime rmaçõ nto Info Clientes
Pessoas
Liderança
Estratégias e planos
Resultados
Processos
Sociedade
es e conhecime rmaçõ nto Info Figura 1.1 Modelo de excelência de gestão. Fonte: Critérios de Excelência do PNQ, 2009.
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Parte 1
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Gestão Administrativa e Financeira
O critério de número 5 (Informações e Conhecimento) é a envoltória dos demais, exatamente pela sua característica de fundamentar as decisões baseadas em dados e fatos que conduzem ao critério 8 (Resultados), onde todas as repercussões são quantificadas. As seguintes informações são requeridas para a sua construção (Critério 8 - Resultados): 1. Séries históricas de resultados relevantes que permitam analisar a sua tendência recente. Para tanto, é requerida a apresentação de resultados quantitativos decorrentes do sistema de gestão, observando-se pelo menos três períodos consecutivos, coerentes com ciclos de planejamento e de análise do desempenho na organização. 2. Níveis de desempenho esperados: associados aos principais requisitos de partes interessadas – para os resultados que os expressam, a fim de permitir avaliar se esses requisitos foram atendidos. 3. Referenciais comparativos pertinentes: para os resultados da organização que são comparáveis – no mercado ou no setor de atuação, na sua região de atuação ou mundialmente, a fim de permitir avaliar o nível de competitividade dos resultados alcançados pela organização. Os indicadores de desempenho de um laboratório de análises clínicas, que mensuram os resultados alcançados, devem estar alinhados no Balanced Scorecard (BSC), no qual todas as partes interessadas dispõem de indicadores nas perspectivas pertinentes, viabilizando uma avaliação completa de todos os principais processos da organização.
Sistema Integrado de Gestão (SIG) Na introdução ficou evidente a existência de um novo cenário para o universo dos laboratórios clínicos, uma nova realidade e novas necessidades: de profissionalismo na gestão administrativa, aumento da exigência por qualidade técnica certificada ou acreditada, e necessidade de tecnologia de ponta no cotidiano do laboratório. Todos esses requisitos serão tratados neste livro, sendo o enfoque do Capítulo 1 a Gestão Administrativa e Financeira. A necessidade dos laboratórios de competir, sobreviver, crescer ou manter uma fatia do mercado impõe a implantação de conceitos tais como: planejamento, finanças, custos, marketing, seis sigmas e outros, envolvendo uma profusão de novas teorias, técnicas e ferramentas, tornando imperiosa a implantação de uma gestão integrada com enfoque em custos. De forma sintética, um Sistema Integrado de Gestão (SIG) pode ser representado pelos conceitos mostrados na Figura 1.2. Na Figura 1.2 fica evidente que o SIG é composto por três níveis de gestão, com exigências diferentes, mas que convergem para a chamada “Garantia da qualidade” definida pela competência do laboratório em produzir resultados tecnicamente válidos para a sociedade, sem, entretanto, deixar de assegurar a competitividade da organização. Esses níveis são: 1) A gestão estratégica de longo prazo, que se vincula à inovação e à eficácia, e envolve o laboratório com a aplicação dos critérios de excelência de prêmios nacionais, por exemplo, o PNQ; 2) O segundo nível contempla aquelas empresas que
Figura 1.2 Sistema Integrado de Gestão (SIG). Fonte: Acervo do autor.
capítulo 1
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Tratado de Análises Clínicas
empregam o ciclo PDCA de forma habitual para promover a melhoria contínua do sistema de gestão, havendo registros dos resultados dos processos, ações preventivas, corretivas, planos de ação, análises críticas, auditorias e atualização sistemática da documentação decorrente do giro do PDCA. São as organizações com acreditação e/ou certificação da chamada terceira parte e, num plano estratégico, estariam operando no nível tático. E, finalmente, o terceiro nível de gestão: 3) vincula-se ao objetivo de a empresa dispor de processos produtivos, com capacitação adequada, sendo competente para fornecer resultados exatos e precisos, caracterizando a eficiência desses processos produtivos que, num plano estratégico, estariam operando no nível operacional. Laboratórios nessa condição são os acreditados pelas Sociedades Científicas, por exemplo, pelo Sistema Nacional de Acreditação (DICQ), patrocinado pela Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC). Esse sistema, pelas suas exigências, também enquadra as empresas no nível tático, pois contempla os requisitos da melhoria contínua, dentre outros.
os critérios de excelência do PNQ. Nesse diagnóstico são identificados pontos fortes e fracos da empresa, oportunidades de melhoria e a necessidade de ações imediatas, de curto prazo, para sanar problemas agudos encontrados nessa fase. A seguir, então, é elaborado um plano de implantação de longo prazo, em média com três a quatro anos de duração, em que basicamente se estabelecem as metas e o método para atingi-las. A próxima etapa é a de execução desse plano, onde previamente a força de trabalho é treinada e capacitada. Nessa fase é de suma importância que todos os dados resultantes dos processos sejam coletados de forma sistemática e padronizada. Na etapa seguinte é feita a verificação se o planejado foi alcançado em termos das metas estipuladas, bem como anualmente efetivadas avaliações conforme critérios de excelência do PNQ, no caso. Finalmente, em função dessa verificação, são propostas ações corretivas, mantidos os pontos fortes e atualizado o plano estratégico de longo prazo, reiniciando um novo ciclo do PDCA.
Implantação do Sistema Integrado de Gestão (SIG)
O plano de implantação de longo prazo é realizado sobre três pilares: uma estrutura de recursos humanos – RH (humanware), um método (software) e uma estrutura física (hardware). A estrutura de RH deve ser fundamentada nos princípios da equidade, delegação e participação, materializados, por exemplo, na forma de comitês (Qualidade, integração, 5S’s, participação nos resultados, grupos de solução de problemas etc.). O método deve contemplar uma organização definida e gerenciada por processos: cada processo (recepção, coleta) aten-
Um método bastante efetivo, empregado pelas organizações na busca do SIG, é o chamado CA-PDCA demonstrado de forma sintética e autoexplicativa na Figura 1.3, em que todas as etapas estão evidenciadas. O conteúdo da figura mostra, de forma resumida, que é feito um diagnóstico do laboratório segundo, por exemplo,
Detalhamento da implantação do SIG
Implantação SIG: método CA - PDCA C - (Check) Diagnóstico • Diagnóstico conforme critérios de excelência; • Identificação de pontos fortes e oportunidades de melhorias; • Identificação das ações necessárias
A - (Action) Ações imediatas • Ações de curto prazo
A - (Action) Atuação • Manter os pontos fortes • Revisar o PILP quanto aos pontos a melhoras
C - (Check) Verificação • Reuniões sistemáticas de acompanhamento • Avaliação anual conforme critérios de excelência
P - (Plan) PILP - plano de implantação à longo prazo • Definir atividades • Definir responsáveis • Elaborar cronograma • Elaborar orçamento
D - (Do) Execução do PILP • Capacita e executa • Coleta dados
Figura 1.3 Método CA - PDCA. Fonte: Acervo do autor.
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Parte 1
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Gestão Administrativa e Financeira
de ao conjunto total de requisitos pertinentes; cada processo é integralmente identificado e parametrizado (clientes, fornecedores, indicadores de desempenho, metas); um único manual de gestão; uma única análise crítica, uma única auditoria; um único Sistema Integrado de Gestão (SIG) atendendo o ao rol dos critérios/requisitos: ISO 9001, SBAC-DICQ, RDC 302 Anvisa, ONA, e outros. Finalmente, a estrutura física deve ser composta por instalações adequadas às exigências legais e por equipamentos tecnologicamente capazes de atender aos requisitos de qualidade exigidos dos produtos (laudos).
Balanced scorecard No item anterior, vimos que o SIG se fundamenta sobre três pilares: recursos humanos, método, e instalações/equipamentos. Considerando os propósitos do livro e capítulo, vamos nos deter ao pilar do método. Método significa caminho para a meta, ou seja, o meio para atingir um objetivo, que no caso é implantar o SIG. Esse sistema, em última análise, irá servir para aumentar a competitividade dos laboratórios, assegurando não só a sobrevivência, mas também a lucratividade esperada pelos empreendedores. Já vimos que para implantar o SIG devemos utilizar o método PDCA de gestão e que este contempla, na sua primeira etapa, a formulação do planejamento estratégico. Neste, é de suma importância o chamado balanced scorecard, que será objeto de detalhamento. A seguir, é mostrada de forma autoexplicativa, na Figura 1.4, a origem do balanced scorecard. Objetivando consolidar o conceito dessa importante ferramenta de gestão, vamos detalhar um exemplo prático para laboratório, possibilitando ao leitor uma aplicação imediata dentro da realidade da sua empresa.
Balanced scorecard – exemplo prático O planejamento estratégico contempla a definição do negócio da organização, a definição da visão, a formulação da política (missão) e dos princípios (valores) da qualidade.
Formulação das estratégias S
Negócio
Visão
Strength Forças
O
Opportunity Oportunidades
W
Weakness Fraquezas
T
Threat Ameaças
Missão - política da qualidade
Postura estratégica
Princípios
Estratégias
Balanced scorecard
Figura 1.4 Origem do balanced scorecard. Fonte: Acervo do autor.
capítulo 1
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A combinação desses itens com a matriz composta pela interação do ambiente externo (ameaças e oportunidades), no qual se insere o laboratório, com o ambiente interno (forças e fraquezas) da corporação, resulta na postura estratégica. Desta se originam as estratégias, insumo básico para a estruturação do balanced scorecard, conforme Tabela 1.1. A seguir será detalhado um exemplo prático aplicado a um laboratório de análises clínicas. Visão: Ser o laboratório de referência da região de atuação. Missão: Produzir exames com qualidade, atender às expectativas dos clientes e assegurar a melhoria contínua dos processos, garantindo o sucesso do negócio. Princípios: 1. Manter constantemente a atenção no cliente, comprometendo-se com o bom atendimento e a qualidade dos exames. 2. Colocar-se sempre no lugar do cliente. 3. Proporcionar um ambiente de trabalho agradável e seguro. 4. Investir na educação e no treinamento dos colaboradores. 5. Promover o trabalho em equipe, com base em fatos e dados. 6. Manter o espírito empreendedor por meio de ações flexíveis e inovadoras. 7. Promover uma relação de parceria com os fornecedores. 8. Maximizar os resultados. Postura Estratégica: Desenvolvimento. Estratégias: 1. 2. 3. 4.
Aumentar o mercado. Manter o foco no cliente. Garantir a qualidade. Controlar custos.
O conjunto de indicadores do balanced scorecard serve para controlar os processos do laboratório. No item Referencial teórico, vimos que qualquer organização é formada por um conjunto de processos, portanto, controlar uma organização é controlar os seus processos, decorrendo daí toda a importância dessa ferramenta. Adicionalmente, os indicadores de desempenho servem para medir se o laboratório está atingindo sua visão dentro do âmbito proposto no negócio. O pressuposto para chegar a esse objetivo é de que se aplicarmos os princípios (objetivos) da qualidade, isso nos levará à realização da missão (política da qualidade) da empresa e, por decorrência, da visão, garantindo o sucesso do negócio. Portanto, é de suma importância comprovar que os princípios e a política estão sendo gerenciados. Com essa finalidade, podemos utilizar o método a seguir descrito.
MÉTODO PARA CONTROLE DA POLÍTICA E DOS PRINCÍPIOS DA QUALIDADE A política e os princípios da qualidade são asserções usadas pela empresa para anunciar os seus valores, os seus compro7
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Tratado de Análises Clínicas
missos com e para a sociedade, bem como o caminho para implantá-los. Portanto, é fundamental que sejam controlados, gerenciados, pois só assim poderá se afirmar de fato que estão sendo seguidos. Criamos um método com esta finalidade. Como são asserções, basta decompor esses textos em suas frases que expressem em si, uma ideia, um pensamento, uma afirmação, em última análise, um processo. Uma vez obtidas
essas sentenças isoladas, criar indicadores de desempenho para mensurar os resultados dos processos expressos pelas sentenças, estabelecer as metas para esses indicadores, e verificar de forma sistemática se foram atingidas. Dito de outro modo, girar o método PDCA de gestão para esse conjunto de indicadores de desempenho irá garantir de forma quantificada o controle da política e dos princípios da qualidade (Tabelas 1.2 e 1.3).
Tabela 1.1 Estrutura do balanced scorecard. Perspectivas
Fatores críticos de sucesso
Indicadores críticos
Indicadores complementares
I – Financeira (Para sócios e acionistas)
1 – Equilíbrio financeiro 2 – Controle de riscos 3 – Custos dos investimentos
• Lucro • Geração de caixa • Margem de lucro • Retorno sobre os investimentos
• Razão operacional • Lucro por exame • Lucro por cliente • Ponto de equilíbrio • Margem de contribuição • Margem de segurança
II – Dos clientes (Para usuários finais)
1 – Adequação à expectativa • Satisfação dos clientes • Qualidade intrínseca 2 – Credibilidade • Exames entregues com 3 – Atendimento atraso • Exames antecipados • Laudos incompletos • Tempo médio de atendimento
• Insatisfação dos clientes • Manutenção dos clientes • Exames realizados • Clientes atendidos
III – Interna (Para os funcionários)
1 – Motivação 2 – Confiabilidade
• Clima organizacional • Absenteísmo • Rotatividade • Taxa de acidentes • Frequência de acidentes
• Produtividade dos funcionários • Investimento com educação • Horas de treinamento por funcionário
IV – Interna (Para os processos internos)
1 – Registros 2 – Digitação
• Cadastros incompletos • Laudos não conformes
• Repetição de exames • Recoleta • Requisições com dados incompletos • Faturas erradas
V – Externa (Para logística/suprimentos e marketing)
1 – Volume 2 – Prazo 3 – Exatidão 4 – Divulgação
• Quantidades erradas • Entregas fora do prazo • Produtos errados • Convênios realizados
• Kits rejeitados
VI – Social (Para comunidade e meio ambiente)
1 – Cidadania 2 – Responsabilidade pública
• Impacto social • Impacto ambiental
• Exames para a assistência comunitária
VII – Inovação e aprendizagem (Para o crescimento sustentado do laboratório)
1 – Antecipação, visão de futuro
• Planejamento estratégico
• Novos serviços • Novas informações
Fonte: Acervo do autor.
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Parte 1
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Gestão Administrativa e Financeira
Tabela 1.2 Indicadores para a política da qualidade – missão. Política
Indicadores de desempenho
Interpretação
Produzir exames com qualidade...
IQI – Qualidade intrínseca ILI – Laudos incompletos IETA – Exames entregues com atraso
Laudos corretos e honrando o prazo prometido
... Atender às expectativas dos clientes...
ISC – Satisfação dos clientes ITMA – Tempo de atendimento IAREC – Atendimento na recepção IACOL – Atendimento na coleta IINC – Insatisfação dos clientes
Aprovação final do usuário
... Assegurar a melhoria contínua dos processos...
INC – Não conformidades abertas IEAC – Eficácia de ações corretivas IAP – Ações preventivas Auditorias e planejamento estratégico são ações complementares
Aprimoramento constante do desempenho
... Garantindo o sucesso do negócio
IGD – Indicador geral de desempenho Todos os demais indicadores da organização
Equilíbrio econômico e financeiro, crescimento sustentado da empresa
Fonte: Acervo do autor.
Tabela 1.3 Indicadores para os princípios (objetivos) da qualidade. Princípios – objetivos
Indicadores de desempenho
1 – Manter constantemente a atenção no cliente, comprometendo-se com o bom atendimento e a qualidade dos exames
IQI – Qualidade intrínseca ISC – Satisfação dos clientes IINC – Insatisfação dos clientes ITMA – Tempo de atendimento IETA – Exames entregues com atraso ILI – Laudos incompletos
2 – Colocar-se sempre no lugar do cliente
IQI – Qualidade intrínseca ISC – Satisfação dos clientes IINC – Insatisfação dos clientes ITMA – Tempo de atendimento IETA – Exames entregues com atraso ILI – Laudos incompletos
3 – Proporcionar um ambiente de trabalho agradável e seguro
TF – Taxa de frequência
4 – Investir na educação e no treinamento dos colaboradores
IHT – Horas de treinamento por colaborador Provas de conhecimento
5 – Promover o trabalho em equipe, baseado em fatos e dados
Todos os indicadores de desempenho da organização (Continua)
capítulo 1
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Tratado de Análises Clínicas
Tabela 1.3 Indicadores para os princípios (objetivos) da qualidade.
(Continuação)
Princípios – objetivos
Indicadores de desempenho
6 – Manter o espírito empreendedor por meio de ações flexíveis e inovadoras
Todos os indicadores de desempenho da organização Planejamento estratégico
7 – Promover uma relação de parceria com os fornecedores IPR – Produtos rejeitados IEF – Entregas fora dos prazos IPE – Produtos errados IQE – Quantidades erradas 8 – Maximizar os resultados
IPC – Produtividade dos colaboradores IQI – Qualidade intrínseca IREP – Repetição de exames IETA – Exames entregues com atraso ILI – Laudos incompletos TF – Taxa de frequência ISC – Satisfação dos clientes ICON – Convênios IGD – Geral de desempenho IF – Todos os indicadores financeiros
Fonte: Acervo do autor.
Conclusão Vimos que as mudanças no ambiente externo aos laboratórios criaram novas exigências para o sucesso do negócio, necessidade de permanente atualização tecnológica, necessidade de certificações/acreditações, e uma necessidade premente de profissionalismo na gestão administrativa. Esse conjunto de requisitos, uma vez satisfeito, deve levar os laboratórios a se tornarem competitivos, assegurando sobrevivência e rentabilidade ao longo dos tempos. No quesito da gestão foi sugerido e detalhado um caminho seguro para solução: implantação de um Sistema Integrado de Gestão (SIG).Também foi mostrado um método para implantar o SIG, e um exemplo de aplicação eminentemente prático para a realidade de um laboratório, restando apenas, por não fazer parte do capítulo, o detalhamento do segmento dos recursos humanos e da infraestrutura das instalações físicas e dos equipamentos. Com isto, dentro do âmbito delimitado pelos objetivos do livro, encerramos o presente capítulo.
referências consultadas 1. Bruni AL. Gestão de custos e formação de preços. São Paulo: Atlas, 2004.
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2. Campos JA. Cenário Balanceado: Painel de indicadores para a gestão estratégica dos negócios. São Paulo: Aquariana, 1998. 3. Droms WG. Finanças para executivos não-financeiros. São Paulo: Bookman, 2002. 4. FAÇANHA 5. Façanha H, Prestes R. Cálculo dos custos e análise da rentabilidade em laboratórios clínicos. São Paulo: Eskalab, 2008. 6. Fundação Nacional da Qualidade. Critérios de Excelência 2010. São Paulo, 2009. [Internet] [Acesso em 30 mar 2017]. Disponível em: https://www.fnq.org.br/criterios_completo_ isbn_pdf_-_FINAL.pdf 7. Gil AL. Qualidade Total nas Organizações. São Paulo: Atlas, 1992. 8. Oliveira ET. Planejamento financeiro para pequenas empresas. Porto Alegre: SEBRAE/FAURGS, 1997. 9. Porter M. Estratégia Competitiva – Técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Campus, 1991. 10. Rosa NB. Ponto de equilíbrio: Análise gráfica para planejamento e monitoramento de pequenos negócios. Porto Alegre: SEBRAE, 2002. 11. Santos JJ. Fundamentos de custos para formação do preço e do lucro. São Paulo: Atlas, 2005. 12. Valadares MCB. Planejamento Estratégico Empresarial. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2002.
Parte 1
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PARTE
2
Gestão da Qualidade Luiz Fernando Barcelos
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capítulo Luiz Fernando Barcelos José Abol Corrêa
Gestão da Qualidade FONTE DE ERROS Os erros, assim como em qualquer atividade, estão presentes também no laboratório, sendo suas fontes distribuídas nas três fases que envolvem a realização dos exames: fase pré-analítica, fase analítica e pós-analítica. O laboratório deve estar atento, incluindo no seu sistema da qualidade procedimentos que assegurem a prevenção e minimização dos erros. Esta é uma tarefa difícil e requer organização e persistência. A atenção e o conhecimento das causas dos erros são fundamentais para a implantação de ações preventivas com o objetivo de evitá-los, além de medidas para a detecção destes, quando ocorrerem. Também em cada ocorrência de erro devem ser realizadas ações corretivas para evitar a sua recorrência. Na fase pré-analítica, a participação do médico na prevenção de erros é fundamental, porque a sua palavra é a mais ouvida e importante para o cliente, que muitas vezes não acredita que a influência de alguns fatores pré-analíticos pode resultar em alterações significativas nos resultados dos exames.
em 1996, no início do estudo, a frequência era de 4.700 erros por milhão, correspondendo a 0,47%.
DISTRIBUIÇÃO DOS ERROS A Tabela 2.1, a seguir, especifica o percentual de erros, nas três fases, encontrados em cinco trabalhos de pesquisa.
FASE PRÉ-ANALÍTICA Inclui todas as etapas compreendidas entre o pedido médico e a fase instrumental da realização dos exames no laboratório. É uma fase decisiva, porque os fatores que incidem sobre ela podem afetar e até destruir os componentes e as propriedades que serão analisadas. Nenhum analista clínico, mesmo contando com a melhor tecnologia em equipamentos e reagentes, poderá realizar um bom exame a partir de uma amostra de má qualidade.
FREQUÊNCIA DOS ERROS
Considerações sobre o preparo e os hábitos dos pacientes
A frequência dos erros nos exames de laboratório foi avaliada por vários pesquisadores. O mais importante estudo foi realizado por Plebani num hospital universitário da Itália, com dez anos de duração (de 1996 a 2006), que encontrou uma frequência de 3.092 erros por milhão, correspondendo a 0,31% no ano de 2006, havendo significativa melhoria, pois
Existem muitos fatores que interferem nos resultados. Quando a interferência ocorre diretamente sobre o processo utilizado no laboratório, chama-se interação in vitro. Quando ocorre em função das modificações fisiológicas, ocasionadas pelo interferente no organismo, é denominada interação in vivo ou efeito colateral. Cabe ao médico e ao laboratório to-
Tabela 2.1 Distribuição dos erros nas três fases. Pré-analítica
Analítica
Pós-analítica
Plebani et al.
68%
13%
19%
Lapwort et al.
62%
32%
6%
Goldschimit et al.
53%
23%
24%
Nutting et al.
57%
13%
30%
Stahl et al.
75%
16%
9%
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Tratado de Análises Clínicas
mar providências, no sentido de minimizar essas interferências e, na impossibilidade, é importante considerá-las na interpretação dos resultados. Quando existe um segundo exame do mesmo cliente, é importante verificar se as condições em que foram realizados os dois exames foram semelhantes.
Jejum e dieta O jejum habitual e tradicional para exames de laboratório é de 8 horas, porém, na maioria dos casos, 4 horas são suficientes. Para alguns, o jejum não é necessário, enquanto, para outros, tais como Colesterol total, Colesterol-HDL, Colesterol-LDL, e Triglicerídios, o ideal é de 12 horas. Um jejum prolongado altera vários parâmetros: bilirrubina, aldosterona, glicerol, triglicerídios, ureia e ácido úrico. O último Consenso que tratou do jejum para o perfil lipídico estabelece a possibilidade de flexibilizar o jejum. É recomendado ao laboratório, quando solicitado, realizar o exame sem jejum, sendo obrigatório no entanto que no laudo esteja explicitada esta condição e o tempo de decorreu após a última alimentação. Além do jejum previsto, alguns exames tais como: Catecolaminas, Ácido Vanil Mandélico e Serotonina necessitam de uma dieta especial por três dias. A pesquisa de sangue oculto nas fezes, por método químico, também exige uma dieta especial, para evitar que a hemoglobina, alimentos e interferentes cromógenos provoquem resultados falso-positivos. Atualmente, a pesquisa da hemoglobina humana nas fezes pode ser realizada por teste imunológico, que dispensa essa dieta.
O Cortisol apresenta valores mais altos pela manhã (6 horas) do que à tarde. Tradicionalmente é coletado pela manhã (entre 7 e 9 horas) ou à tarde (entre 16 e 17 horas) ou nos dois horários. Os Triglicerídios, a Ureia, o Fósforo e o Urobilinogênio urinário estão mais altos à tarde. O Hormônio do crescimento, a Aldosterona e a Fosfatase ácida, encontram-se mais elevadas às 6 horas do que às 15 horas.
Idade Os valores de alguns parâmetros bioquímicos são dependentes da idade e de outros fatores, como maturidade funcional dos órgãos e sistemas, conteúdo hídrico e massa corporal. Esses fatores influenciam notadamente nas fases neonatal e de crescimento quando, inclusive, é necessário adotar intervalos de referência diferenciados para esses períodos. Os mesmos fatores afetam os resultados dos indivíduos idosos, porém com menor intensidade. Nos idosos ocorre diminuição da capacidade de hematopoiese, determinando menor produção de eritrócitos por unidade de tempo, provocando maior facilidade de desenvolvimento de anemias. O LDL-Colesterol aumenta progressivamente a partir dos 20 a 30 anos de idade. Na parte hormonal ocorrem as maiores mudanças nos idosos: Aumentos
Masculino
Estrona livre, estradiol livre, FSH e LH. Se houver hiperplasia prostática, aumenta também a dihidrotestosterona.
Feminino
Testosterona ovariana, FSH e LH.
Ambos os sexos
Norepinefrina, vasopressina e insulina.
Hábitos alimentares Os não vegetarianos tendem a ter aumento de ácido úrico, ureia e amônia comparados com os vegetarianos. Além disso, os vegetarianos exclusivos podem ter o LDL-Colesterol e o HDL-Colesterol mais baixos que os não vegetarianos. Já os lactovegetarianos têm o LDL-Colesterol e o HDL-Colesterol mais altos que os vegetarianos exclusivos.
Esgotamento (estresse) Afeta as concentrações de muitos constituintes, tais como: Catecolaminas, Metabólitos, Glicose e alguns fatores de Coagulação.
Ritmo biológico (circadiano) Em especial para exames hormonais, é interessante programar a data e/ou a hora para a coleta. Para a dosagem de glicose, quando solicitada em jejum, o paciente deverá estar em jejum de 8 horas e a coleta deverá ser realizada até, no máximo, 10 horas. Após esse período, mesmo com o jejum de 8 horas, a coleta poderá ser feita, mas convém que se registre no laudo o horário da coleta. Ferro Sérico, ACTH e Creatinina estão 30% a 50% mais elevados pela manhã. O ideal é que sejam coletados antes das 10 horas. 14
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Diminuições
Masculino
Testosterona, testosterona livre, Androsterona, androstenediona, de-hidroepiandrosterona e sulfato de de-hidroepiandrosterona
Feminino
Estrona, estradiol, progesterona, androsterona, dehidroepiandrosterona, sulfato de de-hidroepiandrosterona.
Ambos os sexos
Tri-iodotironina (T3), ACTH e Somatomedina.
Gênero Além das diferenças hormonais específicas e características de cada sexo, outros parâmetros, em decorrência de Parte 2
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Gestão da Qualidade
diferenças metabólicas, massa muscular e de outros fatores apresentam diferenças como a Fosfatase alcalina, Ácido úrico, CK, AST, ALT e Ureia que são mais altas nos homens.
Exercício Os exercícios físicos modificam a concentração de vários constituintes do sangue em especial CK. Vejamos alguns estudos realizados (Figura 2.1).
CK Bilirrubina Ureia Ácido úrico Glicose Albumina Cálcio Fosfatase alcalina Sódio
1x
2x
3x
4x
Figura 2.1 Alterações pós-corrida.
Também o Potássio, a Prolactina e a Aldosterona aumentam após trabalho muscular vigoroso, e até em exercícios mais suaves, ocorrendo de modo especial aumento significativo do Lactato em até dez vezes, e na Renina em quatro vezes. Pessoas em treinamento físico de longo prazo têm aumento de Androsterona, Androstenediona, Cortisol, hGH, Colesterol HDL, LH, Prolactina, Proteína total, Testosterona, T3 livre, T4 livre e Ureia, Ácido úrico e Creatinina. Hematúria e Proteinúria podem aparecer como consequência de exercício, sendo diretamente proporcionais à intensidade e duração.
Tabagismo Os tabagistas têm níveis sanguíneos mais altos de Carboxi-hemoglobina, Epinefrina, 11 hidroxicorticoides (até 75%), Cortisol (até 40%), Aldosterona, Hemoglobina, Eritrócitos, VCM, Leucócitos (até 30%),Triglicerídios, Glicose, CEA e Amilase. Pode ocorrer, também, redução dos níveis de Colesterol HDL e da enzima conversora da Angiotensina.
Consumo de álcool Uma dose moderada e isolada de álcool tem pouco efeito nos testes de laboratório. Dose maior isolada pode aumentar o Ácido úrico, o Lactato e os Triglicerídios. A ingestão contínua de Etanol pode aumentar os níveis de Ácido úrico, ALT, AST, Gastrina, GLDH, GGT, Colesterol HDL, Cortisol, Magnésio, Triglicerídios, e reduzir os valores da Glicemia. A ingestão recente de álcool (2 a 6 horas antes da coleta) pode provocar diminuição de Glicose, Bicarbonato, Osteocalcina, Prolactina, Cortisol, e aumento de Triglicerídios, Ácido úrico, Ácido lático e Aldosterona.
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As interferências causadas por drogas podem se dar por meio de dois mecanismos: 1. Mecanismo fisiológico da droga e seus metabólitos. 2. Mecanismo analítico da droga in vitro, resultante de alguma propriedade física ou química, que interfere no ensaio laboratorial. É especialmente importante a interferência das drogas nas provas hepáticas, aumentando os níveis da Fosfatase alcalina, Bilirrubinas, ALT, AST e Gama GT devido à indução das enzimas microssomais, lesão ou colestase intra-hepática. Os contraceptivos orais aumentam a concentração no sangue de Ceruloplasmina, Tireoglobulina, a-1-tripsina, Transferrina, Ferro, Triglicerídios, ALT e Gama GT, e diminuem as concentrações de Albumina, Mucoproteínas e Zinco. O uso de antibióticos interfere nos resultados das Culturas e do Antibiograma.
Alterações pós-corrida
capítulo 2
Medicamentos
Medicamentos locais Nas coletas de secreções (uretral, vaginal, ferida, pústula, lesões etc), o uso de medicamentos locais deverá ser suspenso quatro dias antes da coleta.
Drogas de abuso Podem interferir nos resultados dos exames. A maconha aumenta a Insulina, o Sódio, o Potássio e a Ureia e diminui a Creatinina, o Ácido úrico e a Glicose. A heroína aumenta o Colesterol, o Potássio e T4, diminuindo a Albumina e o pO2. A morfina provoca aumento na AST, ALT, Amilase, Lípase, Bilirrubinas, Fosfatase alcalina, Gastrina e TSH, causando diminuição na Norepinefrina e Insulina.
Postura A permanência no leito determina uma retenção de líquidos no compartimento intravascular, e devido a essa diluição ocorre diminuição da concentração no sangue das substâncias não filtráveis. Na posição ereta existe um outro equilíbrio, com a passagem desses líquidos do compartimento intravascular para o intersticial, determinando uma hemoconcentração e, com isso, Proteínas totais, Albumina, Tiroxina, Renina, Catecolaminas, Cálcio, Bilirrubinas, Colesterol, Triglicerídios, várias Enzimas, Hemoglobina, e Drogas aumentam no sangue. Esse efeito é muito importante na comparação de resultados de pacientes internados (pacientes internos) e pacientes ambulatoriais (pacientes externos). Statland mediu os mesmos analitos nas seguintes condições: 1. Indivíduos na posição ereta ou sentada. 2. Os mesmos indivíduos na posição deitada por 30 minutos.
Ciclo menstrual Na ovulação há redução dos níveis de Colesterol em relação às demais fases do ciclo. Durante o período menstrual as 15
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Tratado de Análises Clínicas
plaquetas diminuem em até 10%. Os hormônios relacionados ao ciclo menstrual variam significativamente nas diversas fases do período.
Gravidez Na gravidez ocorre aumento do volume plasmático, causando hemodiluição e também aumenta o índice de filtração glomerular: a depuração da Creatinina pode aumentar em 50%. No 2o e 3o trimestres de gestação ocorre aumento do metabolismo lipídico, com consequente elevação dos níveis séricos de Apolipoproteínas, Triglicerídios, e principalmente do LDL-Colesterol. Retornam ao normal geralmente após dez semanas. Também se elevam os resultados de a-1-antitripsina, Amilase, Fosfatase alcalina e cortisol. Ocorre a diminuição de Albumina sérica, Cálcio, Folatos, Vitamina C, Imunoglobulinas, Hemoglobina, Eritrócitos, Ureia e Ácido úrico.
Peso corporal Algumas avaliações hormonais e depurações necessitam da informação do peso corporal para seu cálculo. O Ácido úrico, o Colesterol e a Glicose estão geralmente mais elevados no grupo de alto peso.
Hemólise A hemólise devido à punção venosa ou decorrente da anemia hemolítica eleva as Bilirrubinas, Transaminases, LDH, Magnésio e Potássio, e de forma mais discreta a Fosfatase alcalina, o Ferro, o Fósforo e as Proteínas totais. Também pode prejudicar os resultados dos testes de coagulação.
Sazonalidade Alguns parâmetros têm concentrações diferentes de acordo com as estações do ano. A Vitamina C tem seus níveis mais altos no verão devido à maior exposição ao sol, e o T4 é mais baixo no verão do que no inverno.
Altitude Os níveis do Hematócrito e da Hemoglobina podem se elevar em 8% em pessoas que vivem em altitudes de 1.400 metros. A Proteína C-reativa pode elevar-se em 65% a 3.600 metros de altitude. Renina plasmática, Transferrina, Creatinina urinária e Estriol decrescem com a altitude.
Manobras médicas A massagem e a palpação da próstata alteraram os níveis do PSA. 16
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Cuidados na coleta dos materiais biológicos Instruções para pacientes Os pacientes devem receber instruções escritas, em linguagem clara, objetiva e de fácil entendimento. Também é conveniente que as instruções escritas sejam transmitidas oralmente, confirmando o entendimento pelo paciente.
Identificação A identificação dos tubos e recipientes deve ser feita perante o cliente, e caso a caso. É um dos erros mais graves do laboratório, pois a troca de materiais implica em vários erros.
Local da punção O local da punção é importante, principalmente em pacientes internados que estão recebendo solução parenteral. O acesso deve ser feito em outro braço e deve ser informada ao laboratório a administração via parenteral. Também é importante citar que os valores de alguns parâmetros são diferentes no sangue venoso, arterial e capilar.
Garroteamento O garroteamento utilizado para localizar a veia, quando prolongado, produz aumento das Proteínas, Enzimas e substâncias ligadas a proteínas tais como: Colesterol, Cálcio, Ferro e Triglicerídios devido ao seu aumento no espaço intravascular em função da saída dos fluidos com baixo peso molecular para o espaço intersticial. O ideal é um garroteamento leve e por um período inferior a 1 minuto.
Dificuldade na punção A dificuldade para puncionar uma veia difícil pode determinar a entrada de líquidos tissulares em excesso, que podem alterar as provas de coagulação.
Contaminação Coletas de urina para culturas e coletas para hemocultura podem ter contaminação bacteriana.
Critérios de rejeição de amostras O laboratório clínico deve ter um procedimento que especifique os critérios de aceitação e rejeição das amostras para os exames. O procedimento de rejeição das amostras pode ocorrer tanto na fase pré-analítica quanto na fase analítica.
As amostras de sangue podem ser rejeitadas por: Falta de identificação no tubo da amostra. Coleta realizada em frasco inadequado para o exame requisitado. Apresentar volume insuficiente para o exame solicitado. Armazenagem da amostra de forma inadequada ao estabelecido para o exame. Parte 2
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Gestão da Qualidade
Preparo inadequado do paciente. Falta de confiança na qualidade da amostra. Coleta da amostra fora do horário especificado. Amostra hemolisada.
Apresentar contaminação fecal ou vaginal. Tempo de armazenagem superior ao especificado. Conservação inadequada após a coleta. Coleta em frasco inadequado. Urinas coletadas com mais de 1 a 2 horas para a pesquisa de Trichomonas. As amostras de fezes podem ser rejeitadas por:
Falta de identificação no recipiente da amostra. Coleta em frasco inadequado. Armazenagem superior à permitida para análise. Preparo inadequado do paciente. Contaminação com urina ou com outros materiais. Fezes em estado sólido, quando solicitadas para cultura.
nota 1 A hemólise é a causa mais frequente de rejeição de amostras de sangue. Ela pode aparecer na obtenção da amostra por: • • • • • • • • • •
Punções repetidas. Uso prolongado de torniquete. Veias finas ou frágeis. Inadequado processamento de separação e estocagem da amostra. Cateter parcialmente obstruído. Diâmetro da agulha inadequado. Contaminação de álcool da pele para amostra. Exposição da amostra a temperaturas extremas. Centrifugação a alta velocidade. Transporte inadequado.
nota 2 A hemólise determina alterações nas dosagens de K, LDH, CK, CK-MB etc.
nota 3 Para a obtenção da amostra de sangue com anticoagulante é imprescindível respeitar a proporção de sangue para o anticoagulante especificado.
Exemplo 1: Excesso de sangue coletado com Citrato de sódio determina o encurtamento dos testes de coagulação, e a insuficiência, o alongamento. Exemplo 2: O sangue coletado para hematologia, quando a sua quantidade é insuficiente, vai diminuir o valor do hematócrito, provocando alterações na coloração da lâmina e mudanças morfológicas nas hemácias. Exemplo 3: Sangue em excesso coletado com Fluoreto de sódio provoca hemólise. As amostras de urina podem ser rejeitadas por: Falta de identificação no recipiente da amostra. Coleta que não obedeceu às especificações. Apresentar volume insuficiente para o exame solicitado. capítulo 2
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As amostras de secreções, exsudatos, transudatos e líquidos biológicos podem ser rejeitadas por:
Falta de identificação no recipiente da amostra. Não ter obedecido à especificação de coleta. Apresentar volume insuficiente para o exame solicitado. Apresentar contaminação com outro tipo de material. Armazenagem da amostra por tempo superior ao especificado.
FASE ANALÍTICA Compreende a fase instrumental, incluindo reagentes, calibração e controle. Nessa fase os erros podem ser de dois tipos:
Erros sistemáticos ou viés São os erros que têm sempre a mesma direção e são previsíveis. Suas fontes podem ser o instrumento, a calibração ou o operador. É possível reduzi-los, sendo sua eliminação completa muito difícil. São caracterizados pelo afastamento que ocorre entre o valor verdadeiro e o valor médio obtido, e podem ser quantificados. São responsáveis pela inexatidão, ou seja, a diferença entre o valor obtido e o valor real. São avaliados pelo Bias.
Erros aleatórios, assistemáticos ou ao acaso Podem ser negativos ou positivos com direção e magnitudes imprevisíveis. Ocorrem sempre, mas não é possível determinar o seu valor. Não são elimináveis, mas podem ser minimizados. São decorrentes da variabilidade analítica e responsáveis pela imprecisão dos resultados.
Erro total É a soma dos efeitos do erro aleatório e do erro sistemático (Bias) e aleatório.
CONTROLE INTERNO DA QUALIDADE É o controle intralaboratorial. Consiste na análise diária de amostras-controle, com valores conhecidos, dosadas simultaneamente com as amostras dos pacientes, com o objetivo de monitorar a precisão dos resultados. 17
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Tratado de Análises Clínicas
Implantação A implantação do controle interno da qualidade em um laboratório clínico é de exclusiva responsabilidade do responsável técnico ou de profissional por ele designado, e deve ser realizado cumprindo as seguintes etapas: a) Escolher a amostra-controle a ser utilizada. b) Estabelecer a média, desvio-padrão e coeficiente de variação da amostra-controle aplicando os cálculos estatísticos. c) Elaborar o gráfico de Levey-Jennings referente a cada analito determinado no laboratório clínico. d) Implantar uma rotina de determinações da amostra-controle de valor e variabilidade conhecidas, assim como treinar e conscientizar o pessoal técnico responsável pela utilização do sistema analítico.
3.
Materiais de controle Os materiais de controle e suas amostras são ferramentas fundamentais no controle da qualidade analítica, razão pela qual devem ter uma matriz, a mais próxima possível, semelhante às amostras dos pacientes, possibilitando deste modo maior credibilidade das determinações realizadas nestas.
Tipos de materiais de controle
4.
Existem diversos tipos de materiais de controle para as áreas do laboratório clínico. Eles podem ser diferenciados pela composição de sua matriz. O ideal é que sejam os mais similares possíveis com as amostras dos pacientes. Entretanto, em algumas situações podem ser utilizados com vantagens os materiais baseados em matriz animal.
Escolha da amostra-controle 1. Para implantação do controle interno da qualidade em Bioquímica podem ser utilizadas as amostras-controle: Comerciais, liofilizadas ou líquidas, provenientes de soro humano ou animal. Provenientes de um “pool” de soro humano preparado. Provenientes de um “pool” de soro animal. Soluções sintéticas às quais foram acrescentadas as substâncias representativas dos analitos a serem avaliados, com concentrações especificadas.
5.
6.
nota 4 Para evitar o efeito matriz, sempre que possível, deve ser dada preferência ao material de origem humana.
7. 2. Para determinações imunológicas (imunologia de doenças infecciosas, hormônios, marcadores tumorais, drogas terapêuticas etc.) podem ser usadas como controle interno as seguintes amostras-controle: 18
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Comerciais, liofilizadas ou líquidas, provenientes de soro humano. Provenientes de um “pool” de plasma humano, obtidos em Bancos de Sangue ou de amostras de soro do próprio laboratório. Provenientes de soro animal, submetidos à inoculação de antígenos humanos resultantes de patologias a serem examinadas. Amostras divididas. Para determinações hematológicas podem ser utilizadas como controle interno as seguintes amostras-controle: Comerciais, oriundas de empresas fabricantes de equipamentos, de reagentes ou de fornecedores de amostras-controle. Provenientes de provedores de ensaios de proficiência. Amostras de pacientes do dia anterior. Regra do três: Multiplicar o valor dos dois primeiros dígitos das hemácias por 3 = Hemoglobina; multiplicar a Hemoglobina por 3 = Hematócrito. Esta é uma fórmula de controle, que não deve ser usada para as determinações desses analitos, pois não representam a realidade quando há microcitose ou macrocitose. Algoritmo de Bull:VCM, CHCM e HCM. Amostra dividida. Para determinações de componentes químicos em urinálise podem ser utilizadas como controle interno as amostras-controle: Comerciais, líquidas, provenientes de fabricantes tradicionais de amostras-controle. Provenientes de provedores de ensaios de proficiência. Preparação artificial do próprio laboratório ou “pool” de urina. Amostra dividida. Para determinações da avaliação dos elementos anormais em urinálise utilizando as tiras reagentes (screening) podem ser usadas como controle interno as amostras-controle: Comerciais, líquidas ou liofilizadas provenientes de fabricantes internacionais de amostras-controle. Provenientes de provedores de ensaios de proficiência. Preparação artificial do próprio laboratório ou “pool” de urina. Amostra dividida. Para determinações microbiológicas podem ser usadas como controle interno as amostras-controle: Bactérias validadas provenientes de organismos de validação de bactérias, como a ATCC, IPT, Adolfo Lutz, Manguinhos. Provenientes de provedores de ensaios de proficiência, com sua identificação validada pelos mesmos. Fase pré-analítica: meios de cultura, corantes e processos. Para controle interno em Parasitologia, Citologia clínica, Bacterioscopia e determinação específica do Hemograma sugerimos que o laboratório clínico estabeleça uma rotina de garantia da qualidade, com verificação por outro profissional de 10% das amostras positivas de pacientes, para alguma patologia, e as negativas, para confirmação dos laudos. Parte 2
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Gestão da Qualidade
nota 5 Essa verificação dever ser registrada para comprovar a execução deste processo de validação e de precisão.
8. Para líquidos biológicos temos de levar em consideração que: a) Geralmente é um material escasso. b) Raramente é solicitado ao laboratório. c) Não existem amostras-controle disponíveis. d) Testes pluralizados: proteínas, celularidade, bacterioscopia, cultura, bioquímicos etc. nota 6 Sugestão de controle interno: amostra dividida ou teste supervisionado.
9. Para outras especialidades ou analitos, para os quais não existem amostras-controle disponíveis, o laboratório clínico deve aplicar um método alternativo para esse controle e que estão estabelecidos na norma CLSI GP29-A. Os procedimentos alternativos de avaliação interna da qualidade são: Amostra dividida, em que o laboratório clínico envia para outro laboratório ou outro profissional uma alíquota de sua amostra para confirmação de resultado. Esse outro laboratório pode ser o seu laboratório de apoio. Utilização de amostras de pacientes em que os resultados foram confirmados por correlação clínica. Repetição das dosagens sob a supervisão de outro profissional. Utilização de calibradores de fabricantes dos reagentes. Utilização das amostras-controle dos provedores de ensaios de proficiência. Utilização das médias obtidas em amostras de pacientes. Utilização das faixas de valores de referência. Revisão de lâminas por outro profissional ou supervisor em análises morfológicas. Quando é utilizado um método alternativo, o próprio laboratório deve definir o seu limite de aceitação, assim como a frequência com que ele deve ser realizado, registrando os resultados obtidos.
Preparação de soro-controle a partir de uma mistura (pool) de soros É um processo econômico de utilizar um soro-controle para o controle interno em laboratório clínico. Coletar diariamente, em frasco plástico, as sobras de soros do dia, do próprio laboratório. Descartar os soros que sejam reagentes para doenças infecciosas, os lipêmicos, os ictéricos e os hemolisados. Estocar o frasco no congelador. capítulo 2
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Quando obtiver um volume suficiente de soro, retirar o frasco do congelador para descongelar, que pode ser feita em banho-maria a 37 oC ou em temperatura ambiente. Após o descongelamento completo, homogeneizar por agitação por cerca de uma hora. Filtrar a mistura através de capa grossa de gaze ou centrifugar em alta rotação para eliminar o máximo de turvação. Dosar os analitos e avaliar a necessidade de acrescentar os que estão com baixa concentração, de acordo com suas necessidades. Agitar bem após o acréscimo para dissolver a substância acrescentada. Filtrar ou centrifugar de novo, se necessário, para diminuir a turvação. Aliquotar em tubos, em quantidade suficiente para a utilização diária, tampar, rotular e congelar a menos 20 oC. Para a utilização diária, retirar um tubo do congelador e deixar descongelar normalmente à temperatura ambiente antes do uso. notaS 7 e 8 1 O manuseio deve ser realizado o mais asséptico possível, com o intuito de não haver contaminação excessiva do soro-controle. Pode ser avaliada a possibilidade de acrescentar Azida sódica para evitar a contaminação, desde que não haja interferência da mesma nas metodologias das dosagens. 2 O volume do material deve ser o suficiente para a utilização pelo prazo de um ano.
Determinação da média, desvio-padrão e coeficiente de variação A determinação da média, o desvio-padrão e o coeficiente de variação da amostra-controle utilizados no controle interno da qualidade é de exclusiva responsabilidade do laboratório clínico. No caso de utilização de soros-controle comerciais, com valores conhecidos, validados, as suas médias e a sua variabilidade informada devem ser confirmadas pelo usuário, utilizando os processos estatísticos, do seguinte modo: Dosar diariamente cada parâmetro vinte vezes, no mínimo, em dias diferentes. A amostra-controle deve ser analisada de modo idêntico às amostras dos pacientes. Determinar, com esses vinte valores, a média, o desvio-padrão e o coeficiente de variação. Elaborar o gráfico de Levey-Jennings e avaliar os resultados, seguindo as regras estabelecidas por Westgard.
Elaboração dos gráficos de controle Após o cálculo da média e do desvio-padrão, o laboratório clínico deve elaborar o gráfico de Levey-Jennings em papel quadriculado para cada analito examinado. Esse gráfico, que é utilizado somente para valores numéricos, deve ser in19
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Tratado de Análises Clínicas
terpretado pelo pessoal designado antes de liberar os resultados diários de cada rodada de exames. O gráfico de Levey-Jennings pode ser construído manualmente, do seguinte modo: a) Selecionar uma folha de papel quadriculado e registrar a rotulagem do gráfico com o nome do teste ou analito, nome e número de lote do material de controle, unidades de medida, a média e o desvio-padrão obtido, e a identificação do instrumento. b) Preparar a escala do eixo x: o eixo horizontal ou eixo x representa o tempo. Criar uma escala dividida igualmente para acomodar trinta dias ou trinta corridas analíticas. Colocar o título do eixo x, que pode ser: Dias ou Corridas analíticas. c) Preparar a escala do eixo y: o eixo vertical ou eixo y representa os valores observados dos controles, sendo necessário ajustar a escala para acomodar o menor e o maior valor esperado. Para criar uma escala adequada deve-se acomodar valores que vão da média -4 desvios-padrão a valores da média +4 desvios-padrão. A criação de uma escala para acomodar as concentrações esperadas para valores da Tabela 2.1, escalar valores de média (90) menos 4 desvios-padrão (4 × 2) e média (90), mais 4 desvios-padrão (4 × 2). Assim, os valores estão distribuídos entre 82 e 98. Marcar as concentrações apropriadas no eixo y e colocar o título, que pode ser: Concentrações ou Valores dos controles. d) Marcar as linhas da média e dos limites de controle: localizar no eixo y o valor correspondente à média e traçar uma linha horizontal. Localizar os valores correspondentes a -1s, -2s, e -3s, e +1s, +2s, e +3s, e traçar linhas horizontais. Um exemplo do mapa de Levey-Jennings é mostrado na Figura 2.2. Com a utilização de métodos de boa precisão e exatidão, os valores encontrados de cada analito na amostra-controle devem apresentar seus pontos plotados no gráfico de Levey-Jennings entre os limites de ± 2 desvios-padrão, ficando os mesmos distribuídos, aproximadamente, a metade de cada lado, e a reta que liga os mesmos deve cruzar a linha da média. É comum um resultado em cada 20 ficar fora dos limites de ± 2 desvios-padrão, pois o limite de confidência é de 95% (Figura 2.2).
Observações 1. Uma das vantagens da aplicação dos gráficos de LeveyJennings ou de Shewart é a possibilidade de, visualmente, após a inserção de cada ponto, avaliar o desempenho da determinação da amostra-controle. 2. Existem programas de computadores que auxiliam o laboratório na elaboração do gráfico e na aplicação das regras de Westgard, possibilitando uma decisão logo após a inserção do resultado diário do soro-controle. 3. Os participantes do Programa Nacional de Controle de Qualidade (PNCQ) podem acessar a ferramenta PROIN em tempo real, no site do programa, para a avaliação dos resultados desse controle.
CONTROLE EXTERNO É o controle interlaboratorial em que os resultados de cada teste são comparados com a média de consenso dos dados agrupados por metodologias. Os laboratórios participantes analisam amostras-controle de concentrações desconhecidas. É uma ferramenta que visa a avaliar a exatidão dos métodos empregados. Os laboratórios recebem periodicamente amostras de valor desconhecido, realizam as determinações, e os resultados encontrados são enviados ao provedor até uma data-limite. Após o tratamento estatístico dos dados a avaliação é encaminhada ao laboratório sob a forma de relatório para permitir uma análise detalhada e providências quanto às correções necessárias. É fundamental que a análise dos relatórios feita pelo laboratório seja com ênfase especial para os resultados com desvio da média de consenso acima da permitida, mas também é importante a análise de todos os demais resultados na busca de tendências que podem estar ocorrendo. Na maioria das vezes, um mau resultado pode estar precedido de resultados tendenciosos em avaliações anteriores, e acabam levando a um desvio indesejado da média.
TRANSPORTE DO MATERIAL BIOLÓGICO Tempo O tempo entre a coleta do material e a realização dos exames deve ser o mínimo possível. Quando as coletas são
+3s +2s +1s x –1s –2s –3s Dias 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 Figura 2.2 Gráfico de Levey-Jennings.
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Gestão da Qualidade
realizadas em postos de coleta ou em unidades hospitalares é importante que exista um sistema contínuo de transporte.
tão convidados a informar seus dados para [emailprotected]. es para permitir uma atualização constante da tabela.
Temperatura
ESPECIFICAÇÕES DA QUALIDADE ANALÍTICA
O material, quando é transportado, deve ser acondicionado em recipientes térmicos para garantir a sua integridade, e embalado de acordo com a legislação vigente.
FASE PÓS-ANALÍTICA Etapas realizadas após a fase analítica, necessárias para que os resultados obtidos cheguem ao destino (médicos e clientes).
Transcrição dos resultados Transcrição errada, números ou letras mal-escritas induzindo a erro.
Laudo Informações de difícil interpretação, mal-expressas ou incompletas podem gerar confusão na interpretação dos exames.
Avaliação médica do resultado A interpretação dos resultados é talvez a mais importante desta fase. Resultados mal-interpretados podem causar grande dano ao cliente e, muitas vezes, repercutir no laboratório e ocasionar descrédito.
GARANTIA DA QUALIDADE A Garantia da Qualidade é o conjunto de atividades planejadas e sistemáticas do Laboratório Clínico com o objetivo de garantir que o seu serviço atende aos requisitos da qualidade. A Garantia da Qualidade engloba as atividades relacionadas aos processos pré-analíticos, analíticos e pós-analíticos. Portanto, o seu objetivo é assegurar que o produto final de suas atividades seja adequado às necessidades e satisfação do cliente. Para garantir a qualidade de seus serviços, o laboratório deve implantar um Sistema de Gestão da Qualidade, que possa dar sustentação a todas as suas atividades. É importante que os laboratórios ofereçam serviços que superem as expectativas de seus clientes, não atendendo apenas às suas necessidades, mas indo além delas.
VARIABILIDADE BIOLÓGICA (VB) É a variação resultante de fatores próprios, particulares e característicos de cada indivíduo, sendo independente das variáveis pré-analíticas. Reflete, ao acaso, as flutuações dos níveis dos constituintes em torno de pontos homeostáticos. A variabilidade biológica não é dependente do sistema diagnóstico empregado, nem dos operadores do laboratório, sendo uma característica com grandeza individual. A existência da variabilidade biológica é um conhecimento antigo, mas somente a partir de 1999 Carmen Ricos e colaboradores elaboraram uma base de dados que é atualizada periodicamente. Todos os pesquisadores sobre esse assunto escapítulo 2
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É o nível de desempenho do laboratório clínico para dar suporte às decisões médicas. Em abril de 1999, na cidade de Estocolmo, na Suécia, foi realizada a conferência denominada “Strategies to set Global Quality Specifications in Laboratory Medicine” com o objetivo de obter consenso e estabelecer especificações globais da qualidade laboratorial. As estratégias foram hierarquizadas com respeito ao grau com que atendem às necessidades médicas: 1. Avaliação do efeito do desempenho analítico em decisões clínicas específicas. 2. Avaliação do efeito do desempenho analítico em decisões clínicas gerais: a) especificações gerais da qualidade baseadas na Variação Biológica (VB); b) especificações gerais da qualidade baseadas em opiniões médicas. 3. Recomendações profissionais publicadas: a) recomendações de grupos de especialistas nacionais e internacionais; b) recomendações de especialistas ou de grupos institucionais. 4. Metas de desempenho analítico baseadas em comparações interlaboratoriais: a) especificações da qualidade definidas por regulamento (Ensaios de Proficiência - EP); b) especificações da qualidade definidas por provedores de programas de Avaliação Externa da Qualidade (AEQ). 5. Dados publicados com base no estado da arte: a) dados do estado da arte extraídos de programas EP e AEQ; b) metodologias individuais publicadas. O modelo de Avaliação do efeito do desempenho analítico em decisões clínicas específicas, que é considerado o melhor modelo, tem aplicação difícil, limitada, e ainda não é bem compreendido pelos profissionais da saúde. Sendo assim, o modelo que utiliza os componentes da Variação Biológica (VB) e que ocupa a segunda posição na tabela hierarquizada de modelos passa a ser o modelo de escolha pelas seguintes características: Imprecisão e bias definidos. Baseado nas necessidades médicas. Aplicáveis a todos os laboratórios, independentemente do porte, do tipo ou da localização. Construídos a partir de modelos simples, facilmente compreensíveis e coerentes. 21
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Tratado de Análises Clínicas
Sendo assim, podem ser estabelecidas as especificações da qualidade analítica ou metas de desempenho do laboratório clínico baseadas na variabilidade biológica. Esse modelo tem sido recomendado por especialistas dedicados ao estudo da qualidade laboratorial.
cador da doença estudada, isto é, avalia a capacidade do teste em detectar a doença quando ela está presente.
Níveis da especificação da qualidade para o erro aleatório (imprecisão)
VP = Verdadeiro positivo FN = Falso-negativo
Ótimo Desejável Mínimo
CVa igual ou menor que 0,25 CVi CVa igual ou menor que 0,50 CVi CVa igual ou menor que 0,75 CVi
CVa = Coeficiente de variação analítica CVi = Coeficiente de variabilidade intraindividual
Níveis de especificação da qualidade para o erro sistemático (Bias) Ótimo Desejável Mínimo
ES = 0,125 × (CVi² + CVg²)¹/² ES = 0,25 × (CVi² + CVg²)¹/² ES = 0,375 × (CVi² + CVg²)¹/²
ES = Erro sistemático ou Bias CVi = Coeficiente da variabilidade intraindividual CVg = Coeficiente de variabilidade interindividual
Níveis da especificação da qualidade para o erro total Ótimo Desejável Mínimo
ET = ES ótimo + 1,65 × CVa ótimo ET = ES desejável + 1,65 × CVa desejável ET = ES mínimo + 1,65 × CVa mínimo
ET = Erro total ES = Erro sistemático CVa = Coeficiente de variação analítica 1,65 = Escore Z da distribuição gaussiana
OBSERVAÇÃO Os níveis desejáveis são os mais utilizados e aplicáveis para a maioria dos analitos. Ocorre que, para alguns, principalmente aqueles homeostaticamente bem regulados, o nível desejável é tão baixo que não é possível obtê-lo mesmo utilizando sistemas reagentes e equipamentos avançados. Por esta razão, recomenda-se que sejam utilizadas as especificações ótimas para os analitos com maior variabilidade biológica, e as mínimas para aqueles com menor variabilidade biológica.
SENSIBILIDADE, ESPECIFICIDADE E ACURÁCIA Sensibilidade diagnóstica É a probabilidade de um teste dar resultado “POSITIVO”, quando o paciente analisado tem a doença ou o mar22
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Sensibilidade =
VP × 100 VP + FN
Portanto, um teste com 99% de sensibilidade indica que, em 100 indivíduos doentes ou com o marcador da doença, o resultado será positivo em 99 casos e haverá 1 resultado falso-negativo. Quanto maior a sensibilidade, menor será o número de resultados falso-negativos. nota 9 O nível mais baixo que um método é capaz de detectar com boa precisão é chamado de “sensibilidade analítica ou limiar de detecção” e não deve ser confundido com a sensibilidade diagnóstica. Utiliza-se muito o limiar de detecção nas pesquisas qualitativas.
Especificidade diagnóstica É a probabilidade de um teste dar resultado “NEGATIVO”, quando o paciente analisado não tem a doença ou o marcador da doença, isto é, avalia a capacidade do teste em afastar a doença quando ela está ausente. Especificidade =
VN × 100 VN + FP
VN = Verdadeiro negativo FP = Falso-positivo
Portanto, um teste com 99% de especificidade indica que, em 100 indivíduos não doentes ou sem o marcador da doença, o resultado será negativo em 99 casos e haverá 1 resultado falso-positivo. Quanto maior a especificidade de um teste, menor será o número de resultados falso-positivos. nota 10 A quantidade máxima de substâncias potencialmente interferentes, que podem estar presentes sem causar problemas no desempenho de um método, estabelece a especificidade analítica desse método e não deve ser confundida com a especificidade diagnóstica.
Não existem testes diagnósticos perfeitos, capazes de acertar todos os diagnósticos, pois simultaneamente deveriam apresentar 100% de sensibilidade diagnóstica e 100% de especificidade diagnóstica. Portanto, acurácia de 100%. O estudo das curvas de distribuição de frequência demonstra que quando se quer ganhar na sensibilidade, necessariamente haverá perda na especificidade, assim como o Parte 2
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Gestão da Qualidade
inverso é verdadeiro e, portanto, sempre existirá a possibilidade de resultados falso-positivos, falso-negativos ou ambos.
principalmente nas situações em que é importante que os pacientes com resultados positivos sejam corretamente identificados (testes confirmatórios).
Acurácia do teste É a proporção de testes verdadeiramente positivos e verdadeiramente negativos em relação à totalidade dos resultados. Acurácia =
VP + VN VP + VN + FP + FN
VP = Verdadeiro positivo VN = Verdadeiro negativo FP = Falso-positivo FN = Falso-negativo
Nos testes imunológicos, a maior frequência de resultados falso-positivos e falso-negativos ocorre na região próxima ao limiar de reatividade (cut-off) e vai diminuindo na medida em que se afastam desta zona. As limitações e as diferenças de desempenho (sensibilidade diagnóstica e especificidade diagnóstica) entre os testes decorrem de questões tecnológicas que cada fabricante procura resolver na busca de maior eficiência. É possível que existam resultados diferentes quando os testes são realizados com reagentes diferentes.
VALOR PREDITIVO DOS RESULTADOS As decisões clínicas são baseadas em informações sobre o paciente, obtidas mediante procedimentos diagnósticos. Todo o meio utilizado para obter informações científicas de um paciente pode ser considerado um procedimento diagnóstico: história clínica, exame físico, exames de laboratório, exames por imagem, exames por traçados gráficos, e outros. A prevalência de uma doença é representada pelo número de indivíduos doentes dentro de uma população considerada. O exame físico e a história clínica do paciente são as maiores e melhores ferramentas para aumentar a prevalência da doença num indivíduo, à medida que possibilitam melhor seleção e classificação dos pacientes, para os quais serão solicitados os exames. Um teste ideal de laboratório deveria ser capaz que separar corretamente os indivíduos doentes dos indivíduos não doentes, e então não haveria resultado falso-positivo ou falso-negativo. Infelizmente, não existe teste que preencha esse requisito. Portanto, é necessário conviver com a existência de testes falso-positivos e falso-negativos e administrá-los.
Valor Preditivo Positivo (VPP ou VP+) É a probabilidade de doença ou presença do marcador da doença num paciente com o resultado positivo de um teste. É influenciado pela prevalência da doença. O valor preditivo positivo somente pode ser de 100% se a especificidade do teste utilizado for de 100%.Testes com alta especificidade têm valor preditivo positivo também alto, e devem ser utilizados capítulo 2
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Valor preditivo positivo =
VP × 100 VP + FP
VP = Verdadeiro positivo FP = Falso-positivo
Valor Preditivo Negativo (VPN ou VP-) É a probabilidade de não ter a doença ou do marcador da doença num paciente com o resultado negativo de um teste. É pouco influenciado pela prevalência. O valor preditivo negativo somente pode ser de 100% se a sensibilidade do teste utilizado for de 100%. Testes com alta sensibilidade têm valor preditivo negativo também alto e devem ser utilizados principalmente nas situações em que é importante que os pacientes com resultados negativos sejam corretamente identificados (testes de triagem). Valor preditivo negativo =
VN × 100 VN + FN
VN = Verdadeiro negativo FN = Falso-negativo
Prevalência da doença A prevalência de uma doença é a proporção de indivíduos de um grupo ou de uma população que apresentam esta doença. Não pode ser confundida com incidência, que é uma medida de casos novos de uma doença num período de tempo determinado. A prevalência se reflete a todos os indivíduos afetados, independentemente da data em que contraíram a doença. A prevalência de uma doença, provavelmente, é o fator mais importante, mas também o menos compreendido. Afeta significativamente a utilidade do resultado de um teste, porque tem forte influência sobre o valor preditivo do teste. Quanto maior a prevalência da doença, maior o valor preditivo positivo de um teste positivo; quanto menor a prevalência, maior o valor preditivo negativo de um teste negativo. Um bom exame físico e uma história clínica corretamente interpretada são essenciais para uma boa prática médica, assim como são fundamentais para o uso eficaz dos testes de laboratório, porque selecionam pacientes com maior prevalência da doença e, com isso, aumentam o valor preditivo positivo dos resultados. No diagnóstico da hepatite, por exemplo, a história de uma transfusão de sangue separa a população em dois grupos: aqueles que receberam transfusão, e por isso têm maior risco e maior prevalência de hepatite do tipo B do que aqueles que não receberam transfusão. O mesmo ocorre quando o paciente tem sua atividade profissional na área da saúde, pois pertence a um grupo de risco de maior prevalência para hepatite B do 23
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Tratado de Análises Clínicas
que os profissionais de outras atividades. Da mesma forma, a prevalência para Anti-HIV reagente é muito maior numa população prisional do que na população em geral, porque pertencem a grupos de risco diferentes, e por isso o valor preditivo de um resultado positivo desse exame, quando realizado na população prisional, também é maior do que quando realizado na população em geral. Prevalência =
VP + FN × 100 VP + FP + FN + VN
VP = Verdadeiro positivo FN = Falso-negativo FP = Falso-positivo VN = Verdadeiro negativo
Valor preditivo positivo do resultado de um exame, isto é, a capacidade desse exame em identificar corretamente os indivíduos doentes ou com presença do marcador depende da especificidade do sistema diagnóstico utilizado no laboratório (componente de responsabilidade técnico-laboratorial), pois quanto mais específico o sistema diagnóstico, menos falso-positivos serão encontrados, aumentando o valor preditivo positivo desse resultado. O valor preditivo negativo de um resultado, isto é. a capacidade desse exame em identificar corretamente os indivíduos não doentes depende da sensibilidade do sistema diagnóstico utilizado no laboratório, sendo menos influen-
ciado pela prevalência da doença. Portanto, o valor preditivo negativo do exame depende de sua sensibilidade e diminui com o aumento da prevalência da doença. Deve-se ter muito cuidado na interpretação de exames realizados, tais como: check-up, pré-natal, pré-operatório, admissional, demissional ou ao acaso, porque esses pacientes, provavelmente, têm a prevalência para a doença semelhante à da população em geral, isto é, baixa prevalência. Portanto, os resultados desses exames têm valor preditivo positivo também baixo devido à maior influência de resultados falso-positivos. Porém, os resultados negativos desses exames são muito relevantes, devido ao alto valor preditivo negativo, devido à menor influência de resultados falso-negativos nesses casos. Também estão incluídos nesse contexto os exames solicitados com a finalidade de excluir doenças e, ainda, aqueles solicitados em caráter defensivo para evitar problemas que possam ser levantados em relação à má prática e dano moral. Na população com baixa prevalência para a doença os resultados positivos podem ser pouco conclusivos, mas os resultados negativos são bons excludentes de doença.
VALORES CRÍTICOS São os resultados cujos valores representam risco grave ao paciente, e que os laboratórios devem, após confirmados, comunicar imediatamente ao médico assistente. Na impossibilidade de contato direto com o médico, a comunicação deve ser feita com a enfermagem ou familiar.
Quantitativos Adultos Ácido úrico
> 13,0 mg/dL Risco de nefropatia aguda por ácido úrico, com bloqueio tubular à insuficiência renal. Em tal circunstância, o quociente ácido úrico/creatinina na urina (de uma micção) é > 1,0 mg/mg.
Antitrombina
< 50% Indicativo de deficiência considerável de inibidor, o qual, em presença de uma atividade aumentada de pró-fatores da coagulação constitui alto risco de complicações tromboembolíticas.
Amilase
> 200 UI/L Possibilidade de aneurisma aórtico abdominal, pancreatite crônica, obstrução do ducto biliar, obstrução intestinal, infecção supurativa, abscesso hepático, câncer hepático.
Aminotransferases
> 1.000 UI/L Dependendo da população atendida no consultório ou clínica correspondente.
Amônea
> 100 mg/dL (59 mmol/L) Risco de encefalopatia hepática. Os estados comatosos iniciam habitualmente a partir de > 300 mg/dL (176 mmol/L).
Bilirrubina total
> 15,0 mg/dL (257 mmol/L) Enfermidade hepatobiliar produzida predominantemente por viroses hepatotrópicas com risco de contágio.
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Quantitativos Adultos Cálcio total
< 6,6 mg/dL (1,65 mmol/L)
Cálcio iônico
< 3,1 mg/dL (0,38 mmol/L) Risco de tetania hipocalcêmica.
Cálcio total
> 14,0 mg/dL (3,50 mmol/L)
Cálcio iônico
> 6,3 mg/dL (1,60 mmol/L) Risco de crise hipercalcêmica associada a sintomas, tais como: déficit de volume, encefalopatia metabólica e sintomas gastro-intestinais.
Cloretos
< 75 mmol/L Indicativo de alcalose metabólica considerável. > 125 mmol/L Indicativo de acidose metabólica primária maciça ou pseudo-hipercloremia, em caso de intoxicação por brometos.
Creatinina
> 7,40 mg/dL (654 mmol/L) Insuficiência renal aguda, por exemplo devido a uma insuficiência multiórgãos ou de uma sépsis.
CK total
> 1.000 UI/L Dependendo da população atendida no consultório ou clinica correspondente.
Dímeros D
Positivo ou dosagem aumentada Em presença de uma CIVD, a detecção ou o valor aumentado de D dímeros indica a presença de fase II - ativação descompensada do sistema hemostático ou de fase III - quadro clínico completo de CID.
Digoxina
> 2,0 mg/dL (2,56 nmol/L) Possibilidade de arritmia sinusal, bradicardia e sintomas extracardíacos, tais como: cansaço, debilidade muscular, náuseas, vômitos, letargia, cefaleia. Distintos graus de bloqueio auriculoventricular.
Digitoxina
> 40 mg/dL (52 nmol/L) Os mesmos da digoxina.
Etanol
> 3,5 g/L (76 mmol/L) Concentração sanguínea de 3 a 4 g/L pode ser fatal quando em uso simultâneo com medicamentos.
Fibrinogênio
< 0,8 g/dL Risco de hemorragia.
Fósforo inorgânico < 1,0 mg/dL Possibilidade de dores musculares, sintomas do sistema central tais como: desorientação, confusão, convulsão, coma, insuficiência respiratória com acidose metabólica. > 9,0 mg/dL Esses valores aparecem na síndrome de lise tumoral aguda e na insuficiência renal terminal.
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Tratado de Análises Clínicas
Quantitativos Adultos Glicose
< 45 mg/dL Risco de sintomas neurológicos de hipoglicemia, que podem estender-se desde uma diminuição da função cognitiva até a inconsciência. > 450 mg/dL Risco de coma diabético devido à falta de insulina. Desenvolvimento de uma diurese osmótica com desidratação grave e cetoacidose diabética.
Hematócrito
< 18% Corresponde a uma concentração de hemoglobina < a 6,0 g/dL. O miocárdio recebe uma quantidade insuficiente de oxigênio. > 61% Significa uma intensa hiperviscosidade do sangue. A resistência ao fluxo circulatório está elevada; situação de ameaça de insuficiência cardiocirculatória.
Hemoglobina
< 6,6 g/dL Os mesmos do hematócrito. > 19,9 g/dL Os mesmos do hematócrito.
Lactato
> 45 mg/dL Indicativo de uma hiperlactacidemia do tipo A, que causa uma diminuição no recebimento de O2 nos tecidos. O metabolismo do ácido pirúvico deixa de ser oxidativo para ser predominantemente redutor.
LDH
> 1.000 UI/L Dependendo da população atendida no consultório ou clinica correspondente.
Leucócitos
< 2.000/µL Perigo elevado de infecção, quando a contagem dos granulócitos for inferior a 500/mL. > 50.000/µL Indicativo de uma reação leucemoide. Por exemplo, sépsis ou leucemia.
Lipase
> 700 UI/L (Método turbidimétrico) > 225 U/L (Método colorimétrico) Indicativo de pancreatite aguda.
Magnésio
< 1,0 mg/dL Risco de sintomas, tais como: parestesia, cãibras musculares, irritabilidade, tetania. As arritmias cardíacas aparecem, em geral, quando existe ao mesmo tempo hipopotassemia, e são intensificadas pelos digitálicos. > 4,9 mg/dL Diminuição da transmissão neuromuscular, resultando em sedação, hipoventilação com acidose respiratória, debilidade muscular, diminuição dos reflexos tendinosos.
Mioglobina
> 110 µg/L Suspeita de infarto do miocárdio em pacientes com angina pectoris.
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Parte 2
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Gestão da Qualidade
Quantitativos Adultos Sódio
< 120 mmol/L Intenso transtorno da tonicidade (distribuição de água entre o espaço intracelular e extracelular) devido a um distúrbio do hormônio antidiurético, da ingestão de água ou da capacidade de concentração e diluição renais. Os sintomas clínicos de uma hiponatremia intensa são resultantes do déficit de volume. > 160 mmol/L As principais manifestações de uma hipernatremia severa são os distúrbios do sistema nervoso central, tais como: desorientação e aumento da excitabilidade neuromuscular com tremores e ataques convulsivos.
Osmolaridade
< 240 mOsm/kg Edema celular com aumento do volume celular e aparecimento de sintomas neurológicos e psiquiátricos. > 330 mOsm/kg Intensa hiperviscosidade do sangue. A resistência ao fluxo circulatório está elevada, situação discreta de insuficiência cardiocirculatória.
PCO2
< 19 mmHg Hiperventilação. > 67 mmHg Hipoventilação.
pH
< 7,20 Acidose gravemente descompensada representando perigo de morte. > 7,60 Alcalose gravemente descompensada representando perigo de morte.
PO2
< 43 mmHg Esses valores correspondem a uma saturação de oxigênio da hemoglobina inferior a 80% e, portanto, pode-se considerar risco de vida.
Protrombina
Tempo > 27 s ou Atividade < 50% Diminuição dos fatores da coagulação dependentes da vitamina K (fatores II,VII e X) ou do fator V. Como todos esses fatores são produzidos pelo fígado, uma redução do tempo de protrombina, a esses níveis, traduz um transtorno considerável da capacidade de síntese. Em uso de terapia cumarínica existe o risco de sangramento se a atividade da protrombina for inferior a 15%, equivalente a um RNI de aproximadamente > 4.
Plaquetas
< 20.000/uL Risco de sangramento. Descartar uma trombocitopenia induzida por EDTA. > 1.000.00/uL Risco de trombose.
Troponina
> 1,0 mg/L (1,0 µg/mL) Indicativo de infarto do miocárdio ou angina pectoris instável.
capítulo 2
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Tratado de Análises Clínicas
Quantitativos Adultos T3
> 30 mg/L e
T4 livre
> 35 ng /L (3,5 ng/dL) Indicativos de tireotoxicose, condição detetável clínica e laboratorialmente, em que os tecidos são submetidos a uma hiperconcentração de hormônios tireoideos e, então, reagem frente a isso. As causas podem ser: enfermidade de Basedow, tumores trofoblásticos, adenoma hiperfuncionante da glândula tireoide, bócio nodular tireotóxico e, raras vezes, uma hiperprodução de hormônio tireoestimulante (TSH).
Tromboplastina
Tempo > 75 s
(ATTP)
Deficiência ou inativação dos fatores VII, VIII, IX, XI ou XII, com perigo de sangramento. Em tratamento com heparina há perigo de sangramento se a ATTP está aumentada em mais de 2,5 vezes o limite superior de referência.
Ureia
> 214 mg/dL (35,6 mmol/L) Indicativo de insuficiência renal aguda, com aumento proporcional entre a ureia e a creatinina. Nas alterações pré-renal e pós renal, os aumentos da ureia e da creatinina não são proporcionais.
Recém-nascidos Bilirrubinas
Glicose
Glicose Hematócrito
Hemoglobina
IgM Leucócitos
Potássio
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> 14 mg/dL (239 mmol/L) No primeiro dia de vida, indicativo de doença hemolítica do recém-nascido, com risco de encefalopatia por bilirrubina. < 30 mg/dL (1,7 mmol/L) Hipoglicemia devido a transtorno congênito, ou hiperinsulinismo devido a diabetes mellitus da mãe. A concentração de glicose < 25 mg/dL (1,3 mmol/L) deve ser tratada mediante administração parenteral de glicose. > 325 mg/dL (18,0 mmol/L) Deve ser investigada a causa com urgência. < 33% Indicativo de anemia severa, com suprimento inadequado de oxigênio nos tecidos. > 71% Hiperviscosidade do sangue, com aumento da resistência circulatória. < 8,5 g/dL Risco de falência múltipla de órgãos, especialmente em pacientes com combinação de isquemia e hipóxia. > 23% Hiperviscosidade do sangue, com aumento da resistência circulatória e sobrecarga do coração. > 20 mg/dL Uma concentração de IgM acima do limite pode estar correlacionada a uma infecção intrauterina. < 5.000/µL Pode indicar sépsis neonatal. > 25.000/µL Pode indicar sépsis neonatal. < 2,6 mmol/L Ocorrência de sintomas neuromusculares, com hiporreflexia e paralisia dos músculos respiratórios. > 7,7 mmol/L As consequências clínicas são: distúrbio do ritmo cardíaco, debilidade da musculatura esquelética e paralisia respiratória. Parte 2
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Gestão da Qualidade
Quantitativos Recém-nascidos PO2
< 37 mmHg Queda da saturação de oxigênio da hemoglobina, levando a valores abaixo de 85%.
Plaquetas
< 100.000/µL Em recém-nascidos de peso normal esse resultado deve ser investigado. Em recém-nascidos com peso inferior a 2.500 g, o valor limite é de 50.000/µL.
Proteína C-reativa
> 5,0 mg/L Indicativo de sépsis neonatal.
Qualitativos Líquido cefalorraquidiano Aumento da contagem de células.
Leucocitose, presença de células tumorais. Glicose mais baixa que 2/3 da do soro. Lactato > 20 mg/dL (2,2 mmol/L). Detecção de microrganismos no Gram ou provas de aglutinação.
Urina
Reação fortemente positiva para glicose e acetona nas tiras reagentes. Presença de cilindros eritrocitários. Mais de 50% dos eritrócitos deformados. Hemoglobinúria nas tiras reagentes, sem presença de eritrócitos no exame do sedimento ao microscópio. Pesquisa positiva para drogas.
Leucograma
Reação leucemoide. Suspeita de leucemia. Suspeita de aplasia. Presença de células falciformes. Presença de agentes da malária.
Microbiologia Pesquisa direta ou cultural de microrganismos em exsudatos e transudatos, procedentes de cavidades. Pesquisa positiva para agentes infecciosos, tais como: Estreptococos do Grupo B, Legionelas, Pneumocistis carinii, Cryptococcus etc. Pesquisa positiva para BAAR. Coprocultura positiva para Salmonella, Shigella, Campilobacter,Víbrio e Yersinea. Pesquisa positiva para C. dificile, C. perfingens, N. gonorrhoeae, B. pertussis, M. meningitidis, C. diphteriae e fungos, como Aspergilus, Blastomyces, Coccidioides, Histoplasma. Hemocultura positiva.
Imunologia/Imuno-hematologia
Teste de Coombs direto ou indireto em espécimes de rotina. Teste de Coombs positivo em cordão umbilical. Teste positivo confirmado para hepatite, sífilis e HIV. Aumento dos níveis de anticorpos para agentes infecciosos.
capítulo 2
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Tratado de Análises Clínicas
INDICADORES DA QUALIDADE O conceito de indicador está associado a um modelo e a uma variável aleatória em função do tempo. A utilização de indicadores no laboratório clínico permitirá ao administrador conhecer o seu desempenho e tomar as medidas preventivas ou de melhoria antes de serem transformadas em não conformidades. A importância dos indicadores pode ser definida em três parágrafos: a) Se os indicadores não podem ser definidos e calculados não podem ser medidos. b) Se não podem ser medidos, os processos não podem ser controlados. c) Se os processos não podem ser controlados, não podem ser introduzidas as melhorias. Portanto, os indicadores quanto às suas características devem ser: a) Simples: indicador de fácil obtenção dos dados, de elaboração, de calcular e de ser compreendido. b) Pertinente e específico: é a capacidade de medir quantitativamente e mostrar claramente só a evidência que se quer controlar. c) Reproduzível: que tenha a capacidade de reproduzir nos limites estabelecidos em um sistema estável, os valores de uma medição realizada, em condições idênticas, assegurando o conhecimento da evolução do desempenho do processo. d) Confiável: é a capacidade de ser verdadeiro e preciso, condições difíceis de serem obtidas em avaliações subjetivas, que dependem da percepção do analista. Existem três conceitos de especificações que ajudam a estabelecer os indicadores da qualidade: a) Característica do produto ou necessidade do paciente. b) Característica do desempenho do produto para atender às necessidades do paciente. c) Característica do desempenho do processo. Como consequência, os indicadores da qualidade são oriundos da mensuração dessas características, sendo que a primeira mede a satisfação ou insatisfação do paciente, a segunda mede o desempenho dos produtos, e a terceira mede o desempenho dos processos de obtenção. Nesta última característica estão incluídos, além do desempenho global, o desempenho dos recursos humanos, o serviço de apoio, dos fornecedores, da comunidade e da sociedade como um todo. As metodologias de medição utilizadas para estabelecer as metas dos indicadores da qualidade podem ser: a) Processo de comparação em tempo real de funcionamento, com as especificações de excelência, estabelecidas pelo próprio laboratório ou em comparação com outras características do mercado, concorrentes ou necessidades dos pacientes. b) Processo de projeção (média, desvio-padrão, média acumulada etc.). c) Processo de previsão (projeção + previsão). 30
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Todos os indicadores da qualidade devem estar expressos em uma unidade, e sendo ela utilizada para a verificação de desempenho e avaliação de melhoria contínua, a melhor unidade é em percentual (%), que permite comparar o estado atual com a melhoria a ser implementada no serviço. Portanto, gráficos como os de Pareto, de Ishikawa, de dispersão ou similares fornecem uma visão rápida para a avaliação dos indicadores da qualidade, aplicados aos laboratórios clínicos. Para planejar a implantação de indicadores da qualidade em um laboratório clínico podemos utilizar as seguintes fases: Preparação: criar cultura e clima adequados na empresa, formar equipes, estabelecer metas, e planejar contatos com os pacientes. Identificação das características, indicadores e metas: realizar pesquisas, traduzir necessidades e expectativas, desenvolver e desdobrar indicadores, selecionando os mais importantes. Sistema de informação: identificar as fontes de dados, eliminar indicadores inviáveis, desenvolver metodologias, verificar consistência do sistema. Medição e análise de dados e resultados: coletar, processar e analisar os dados e resultados, procurar reduzir o ciclo, analisar criticamente, tomar decisões, utilizar no planejamento e medir o uso dos dados e resultados. Avaliação e melhoria: avaliar o uso dos indicadores e aprimorar o sistema quando necessário. Nos laboratórios clínicos os indicadores da qualidade deverão conter, no mínimo, os seguintes itens, sem necessariamente se restringir a eles: a) Desempenho dos controles interno e externo da qualidade. b) Avaliação da satisfação do paciente (atendimento, qualidade, liberação e entrega do laudo). c) Avaliação da satisfação do paciente médico (atendimento, qualidade, liberação e entrega do laudo). d) Desempenho do setor de coleta de material. e) Avaliação da qualidade da amostra. f) Desempenho dos processos de dosagens. g) Mensuração das não conformidades. h) Tempo de permanência da amostra no laboratório até a liberação do laudo. i) Amostras insatisfatórias ou incorretas por falta da preparação padronizada do paciente. j) Cadastramento incompleto do paciente. k) Recusa das amostras por não cumprimento das especificações. l) Falta de reagentes por deficiência do setor de compras. m) Pane nos equipamentos. n) Erros de transcrição nos laudos. o) Tempo de disponibilização dos resultados dos exames de rotina e urgentes. p) Emissão de um segundo laudo por extravio do primeiro. q) Repetições de exames e suas causas. Parte 2
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Gestão da Qualidade
SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE O Sistema de Gestão da Qualidade (SGQ) é uma estrutura organizacional criada para gerir e garantir a qualidade, os recursos necessários, os procedimentos operacionais e as responsabilidades estabelecidas. O SGQ deve ser documentado e formalizado segundo o Manual da Qualidade (MQ), devendo incluir claramente os elementos que identifiquem a forma de gestão que possa ter influência na Qualidade do serviço oferecido. Todos os documentos do SGQ devem ser organizados e controlados obedecendo a uma hierarquia. 1o nível: MQ - Manual da Qualidade: É o documento básico do SGQ, deve conter a política da qualidade, determinar os requisitos à serem cumpridos de acordo com a norma de referência e descrever toda a documentação do sistema. 2o Nível: PQ - Procedimentos da Qualidade: São os documentos do 2º nível da hierarquia dos documentos e devem descrever como são realizadas as atividades. Devem relatar o que se faz e como se faz. 3o Nível: IT - Instruções de Trabalho: São documentos com um nível de detalhamento maior. Devem estar disponíveis nos locais em que a tarefa é executada. DC - Descrição de Cargos: É o documentos que descreve os cargos e funções dos colaboradores. FR - Formulários de Registro: Anexos São os documentos que registram os dados que evidenciam as atividades realizadas.
ACREDITAÇÃO Acreditar significa dar crédito, crer, ter como verdadeiro, dar ou estabelecer crédito. Acreditação significa outorgar a uma organização um certificado de avaliação que expressa a conformidade com um conjunto de requisitos previamente estabelecidos.
capítulo 2
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Portanto, a Acreditação do Sistema da Qualidade de Laboratórios Clínicos é um processo periódico e voluntário, outorgado por entidades credenciadas, com a finalidade de comprovar a implementação do seu sistema da qualidade, quer seja em relação à capacidade organizacional ou técnica. No Brasil existem três entidades reconhecidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para realizar a acreditação de laboratórios, que são: DICQ: Sistema Nacional de Acreditação patrocinado pela Sociedade Brasileira de Análises clínicas (SBAC). PALC: Programa de Acreditação de laboratórios Clínicos patrocinado pela Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC). ONA: Organização Nacional de Acreditação.
referências consultadas 1. Abol J C - Garantia da qualidade no laboratório clínico, 5ªed, 2015-2016 2. Barth J H – Clinical quality indicators in laboratory medicine: a survey of current practice in the UK. Ann Clin Biochem. 2011;48(3): 238-40 3. Fernandes Espina C, Mazziotta D – Gestión de la calidad em el Laboratorio Clinico, 1ª ed, 2005 4. Fraser C Z - Biological variation from principles to practice, AACC Press 2001 5. Guder W.G, Narayanan S, Wisser H. Samples: From the patient tyo the laboratory.The impact of preanalytical variables on the quality of laboratory results. Darmstadt, Cit Verlag GMBH, 2. ed.,2001. 6. Henry J B - Diagnósticos Clínicos e Tratamento por Métodos Laboratoriais, 19ª edição, 1999. 7. Plebani M - The detection and prevention of errors in laboratory medicine. Ann Clin Biochen 2010;47:101-10 8. Ricós C, Garcia-Victoria M, de la FUENTE B – Quality indicators and specification for the extra-analytical phases in clinical laboratory management. Clin Chem Lab Med.. 2004;42(6):578-82. 9. The Journal of International Federation of Clinical Chemistry and Laboratory Medicine, v. 14, nº1. 10. Wallach Jacques, M.D. Interpretação de Exames Laboratoriais. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003. 11. Westgard J O - Westgard QC Home page (www.westgard. com) 12. Young D S (ed) – Effects of Drugs on Clinical Laboratory Tests. 4ª ed, AACC Press, Washington, 1997
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PARTE
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Bioquímica Mauren Isfer Anghebem
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capítulo Valter Teixeira da Motta
Desequilíbrio Acidobásico CONCEITOS FISIOLÓGICOS FUNDAMENTAIS
TAMPÕES
A compreensão dos desequilíbrios acidobásicos requer o conhecimento de definições e princípios fundamentais, que enfatizam esses processos fisiológicos. Ácidos são substâncias que podem doar íons hidrogênio (H+), e bases são substâncias que podem aceitar íons H+, independentemente da carga da substância.
Tampões são ácidos ou bases fracas que são capazes de minimizar alterações no pH por captar ou liberar H+. Fosfato é um exemplo de um tampão efetivo, como na reação:
H2CO3 (ácido) ↔ H + HCO (base) (Reação 1) +
– 3
Ácidos fortes são aqueles que estão completamente ionizados, e ácidos fracos são os que estão parcialmente ionizados. HCl ↔ H+ + Cl– Ácido clorídrico (HCl) é considerado um ácido forte porque está presente somente na forma ionizada no organismo, enquanto o H2CO3 é um ácido fraco, porque está ionizado parcialmente e, no equilíbrio, os três reagentes estão presentes. A lei da ação das massas estabelece que a velocidade da reação é proporcional ao produto da concentração dos reagentes. Com base nesta lei, a adição de H+ ou bicarbonato impulsiona a reação 1 para a esquerda. Em condições fisiológicas normais, a concentração de íons hidrogênio ([H+]) nos líquidos do corpo é mantida em limites bastante estreitos em cerca de 40 nEq/L. A concentração do bicarbonato (24 mEq/L) é 600 mil vezes aquela do [H+]. A regulação rígida de [H+] em baixos teores é crucial para as atividades normais da célula porque H+ em altas concentrações liga-se fortemente às cargas negativas das proteínas, incluindo enzimas, impedindo o seu funcionamento. Sob condições normais, ácidos e, em menor extensão, bases são adicionadas constantemente ao compartimento extracelular, e para que o corpo mantenha a concentração fisiológica de H+ de 40 nEq/L, três processos são realizados: Tamponamento por tampões extracelulares e intracelulares. Ventilação alveolar que controla a PaCO2. Excreção renal que controla o bicarbonato plasmático.
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+ H+ ↔ H2 PO4– HPO2– 4 Com a adição de H+ ao líquido extracelular, o monoidrogeno fosfato liga o H+ para formar o di-hidrogenofosfato, minimizando a alteração no pH. Do mesmo modo, quando [H+] está reduzida, a reação se desloca para a esquerda. Assim, os tampões trabalham como uma defesa de primeira linha para evitar alterações no pH que, caso contrário, poderia resultar da constante adição diária de ácidos e bases aos líquidos do corpo.
Sistema tampão HCO–3/H2CO3 O principal sistema tampão extracelular é o HCO3–/ H2CO3 cuja função é ilustrada pelas reações: H2O + CO2 ↔ H2CO3 ↔ H+ + HCO3– Os componentes da reação tornam o sistema altamente efetivo pela capacidade de controlar a PaCO2 por alterações na ventilação. O aumento do teor de dióxido de carbono (CO2) impulsiona para a esquerda a reação. De modo simplificado, a adição de um ácido (H+) aos líquidos do corpo resulta no consumo de HCO3– e formação de ácido carbônico; o ácido carbônico, por sua vez, forma água e CO2. A concentração de CO2 é mantida em níveis estreitos, via respiração, que elimina o CO2 acumulado. Os rins regeneram o HCO3– consumido durante a reação. A reação continua orientada para a esquerda enquanto o CO2 é eliminado ou até que HCO3– seja significativamente exaurido, produzindo menos HCO3– disponível para ligar H+. Como o HCO3– e a PaCO2 podem ser manejados independentemente (rins e pulmões, respectivamente) tornam esse sistema-tampão altamente efetivo. No equilíbrio, a relação entre os três reagentes da reação é expressa pela equação de Henderson-Hasselbalch, que relacionam a concentração do
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Tratado de Análises Clínicas
CO2 dissolvido (ou seja, H2CO3) à pressão parcial de CO2 (03 × PaCO2) do seguinte modo: pH = 6,10 + log
[HCO ] 0,03 × PaCO2 – 3
Alternativamente: [h+] = 24 ×
PaCO2 [HCO3–]
Notar que as alterações no pH ou [H+] são o resultado das modificações relativas na razão do PaCO2 ao HCO3–, em lugar da alteração absoluta de qualquer um. Em outras palavras, se tanto a PaCO2 e o HCO3– mudam na mesma direção, a razão permanece a mesma e o pH ou [H+] permanece relativamente estável. Para reduzir a alteração no pH quando tanto o HCO3– ou PaCO2 alteram seus teores, o organismo, dentro de certos limites, modifica a outra variável na mesma direção. Na acidose metabólica crônica os tampões intracelulares (ex.: hemoglobina, osso) podem ser mais importantes que o HCO3– nos casos em que o HCO3– extracelular é baixo.
Manuseio do ácido renal Ácidos são adicionados constantemente aos líquidos corporais. Isso inclui ácidos voláteis (ex.: carbônico) e não voláteis (ex.: sulfúrico, fosfórico). O metabolismo dos carboidratos e gorduras da dieta produz aproximadamente 15 mil mmol de CO2 por dia, que é excretado pelos pulmões. Obstáculos na execução dessa ação resultam em acidose respiratória. O metabolismo das proteínas (ex.: aminoácidos contendo enxofre) e fosfatos da dieta formam ácidos não voláteis, H2SO4 e H3PO4. Esses ácidos são inicialmente tamponados pelo sistema HCO3– /H2CO3 como segue: H2SO4 + 2 NaHCO3 ↔ Na2SO4 + 2H2CO3 ↔ 2H2O + CO2 O resultado líquido é o tamponamento de um ácido forte (H2SO4) por duas moléculas de HCO3– e a produção de um ácido fraco (H2CO3), que minimiza as alterações de pH. Os pulmões excretam o CO2 produzido, e os rins, para prevenir a progressiva perda de HCO3– e acidose metabólica, substituem o HCO3– consumido (principalmente pela secreção de H+ no ducto coletor). Alguns aminoácidos (ex.: glutamato, aspartato) formam citrato e lactato, que, por sua vez, serão convertidos em HCO3–. O resultado líquido é uma carga de 50 a 100 mEq de H+ por dia. Para manter o pH na faixa normal, os rins realizam duas funções fisiológicas. A primeira é a reabsorção do HCO3– filtrado (qualquer perda deHCO3– é igual a adição de uma quantidade equimolar de H+), uma função do túbulo proximal. A segunda é a excreção da carga diária de H+ (a perda de H+ é igual a adição de quantidade equimolar de HCO3–), função do tubo coletor. 36
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Reabsorção do HCO–3 Um indivíduo saudável, com concentração sérica do HCO3– de 24 mEq/L e ultrafiltrado glomerular diário de 180 L contém 4.300 mEq de HCO3–, que será todo reabsorvido. Aproximadamente, 90% do HCO3– filtrado é reabsorvido no túbulo proximal, e o restante é reabsorvido na alça ascendente e no ducto coletor. A 3Na+-2K+/ATPase (sódio-potássio trifosfatase) fornece a energia para o processo, que mantém a concentração do Na+ intracelular baixo e um relativo potencial intracelular negativo. A baixa concentração do Na+ indiretamente fornece a energia para a troca Na+/H+ apical, NHE3 (símbolo do gene SLC9A3), que transporta H+ para o interior do lúmen. O H+ no lúmen tubular combina com o HCO3– filtrado na reação: HCO3– + H+ ↔ H2CO3 ↔ H2O + CO2 A anidrase carbônica (isoforma CA IV), presente na borda em escova dos primeiros dois segmentos do túbulo proximal acelera a dissociação do H2CO3 em H2O + CO2, que desloca a reação para a direita e mantém a concentração luminal de H+ baixa. O CO2 difunde para a célula tubular proximal provavelmente via canal aquoso aquaporina-1, onde a anidrase carbônica (isoforma CA II) combina o CO2 e água para formar HCO3– e H+. O HCO3– produzido intracelularmente retorna ao espaço pericelular e, então, para a circulação via cotransporte Na+/3HCO3– basolateral, NBCe1-A (símbolo do gene SLC4A4). Em essência, o HCO3– filtrado é convertido a CO2 no lúmen, que difunde para a célula tubular proximal e, então, é reconvertido a HCO3– para retornar à circulação sistêmica e, assim, recuperar o HCO3– filtrado.
Excreção ácida A excreção da carga ácida diária (50 a 100 mEq de H+) ocorre principalmente pela secreção de H+ pela H+/ATPase apical nas células intercaladas a dos tubos coletores. O HCO3– formado intracelularmente retorna para a circulação sistêmica via Cl-/HCO3–, o AE1 (símbolo do gene SLC4A1) e o H+ entram no lúmen tubular via bombas de prótons 1 para 2 apical, H+/ATPase ou H+-K+/ATPase. A secreção de H+ nesses segmentos é influenciada pela reabsorção de Na+ nas células principais adjacentes ao tubo coletor. O Na+ reabsorvido cria uma negatividade relativa no lúmen, que decresce a quantidade de H+ secretada e difunde de volta ao lúmen. Os íons hidrogênio secretados pelos rins podem ser excretados como íons livres, entretanto, em pH urinário 5 (igual à concentração de 10 µEq/L de H+ livre), exigiria a excreção de 5.000 a 10.000 L de urina por dia. O pH urinário não pode diminuir muito abaixo de 5,0 porque o gradiente contra a bomba de prótons H+/ATPase (pH 7,5 intracelular para o pH 5,0 luminal) torna-se muito abrupto. Uma urina acidificada ao máximo, mesmo com um volume de 3 L diáParte 3
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Desequilíbrio Acidobásico
rios poderia conter somente 30 µEq de H+ livre. No entanto, mais que 99,9% da carga de H+ é excretada tamponada pelas bases fracas NH3 ou fosfato.
Acidez titulável A quantidade de H+ secretado tamponado por ácidos fracos filtrados é chamada acidez titulável. O fosfato como HPO2 – é o principal tampão nesse sistema. 4
pela diferença entre a concentração do Na+ e dos ânions Cl– e HCO3–. Aumentos dos AI resultam tanto da redução dos cátions não medidos (ex.: hipocalemia, hipocalcemia, hipomagnesemia) como de aumentos em ânions não medidos (ex.: hiperfosfatemia, teores elevados de albumina). Em certas formas de acidose metabólica, outros ânions se acumulam; o aumento de AI pode sugerir um diagnóstico diferencial para a causa da acidose.
H2PO4 ↔ H+ + HPO2 – 4
HA + NaHCO3 ↔ NaA + H2CO3 ↔ CO2 + H2O
A quantidade de fosfato filtrado é limitada e relativamente fixa, portanto, somente uma fração do H+ secretado pode ser tamponada pelo HPO2 – . Outros tampões urinários in4 cluem o ácido úrico e a creatinina.
A reação indica que a adição de ácido (HA, onde H+ está combinado com um ânion não medido) resulta no consumo de HCO3–; a adição de ânions contribuirá para o aumento dos AI. Por exemplo, a acidose metabólica é assim classificada com AI normais (também chamada acidose metabólica hiperclorêmica) e acidose metabólica com AI altos.
Amônia O segundo mais importante sistema de tamponamento urinário para o H+ secretado é a utilização da amônia (NH3) como tampão: NH3 + H+ ↔ NH+4 A amônia é produzida no túbulo proximal a partir do aminoácido glutamina em reação acelerada pela carga ácida e hipocalemia. Amônia é convertida em íon amônio (NH+4 ) pelo H+ intracelular, e é secretada no lúmen tubular proximal pelo antiporte Na+H+(NH+4 ) apical. O contratransportador Na+/K+(NH+4 )/2Cl– apical no ramo ascendente da alça de Henle então transporta NH+4 para o interstício medular, onde é dissociado em NH3 e H+. O NH3 entra nas células epiteliais do ducto coletor via transportadores basolaterais de amônia, RhBG e RhCG, e então é transportado para o lúmen do ducto coletor via RhCG apical, onde está disponível para tamponar íons H+ e tornar-se NH+4 . O NH+4 é captado no lúmen e excretado como sal de Cl, e cada íon H+ tamponado é um HCO3– ganho para a circulação sistêmica. O aumento da secreção de H+ no ducto coletor desvia a equação para a direita e reduz a concentração de NH3, facilitando a difusão continuada de NH3 do interstício, reduz seu gradiente de concentração no lúmen do ducto coletor, permitindo que mais H+ seja tamponado. Os rins podem ajustar a quantidade de NH3 sintetizada para atingir a demanda, tornando-a num poderoso sistema para tamponar o H+ secretado na urina.
Ânions indeterminados (AI) O plasma, como qualquer outro compartimento líquido do corpo, é neutro. A carga elétrica dos ânions é igual à dos cátions. O principal cátion é o Na+ e os principais ânions no plasma são o Cl– e o HCO3–. Ânions extracelulares presentes em baixas concentrações incluem fosfato, sulfato e alguns ânions orgânicos, enquanto os cátions presentes incluem K+, Mg2+ e Ca2+. Os ânions indeterminados (AI) são calculados capítulo 3
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Ânions indeterminados urinários O cálculo do AI urinário colabora na avaliação de alguns casos de acidose metabólica não AI. Os principais cátions urinários medidos são o Na+ e K+, e o principal ânion é o Cl-. AI urinários = ([Na+] + [K+]) – [Cl–] Os principais ânions e cátions urinários não medidos são o HCO3– e NH+4 , respectivamente. A excreção do HCO3– em indivíduos saudáveis é geralmente negligenciável, e a média de excreção diária de NH+4 é de aproximadamente 40 mEq/L, que resulta em AI positivo ou perto de zero. Na acidose metabólica os rins aumentam a quantidade de NH3 sintetizada para tamponar o excesso de H+ e a quantidade de NH4Cl aumenta. A elevação de NH+4 não medido aumenta a medida do Cl– na urina, e o efeito líquido é um AI negativo, representando uma resposta normal à acidificação sistêmica. Assim, o achado de um AI positivo na urina diante da acidose metabólica não AI direciona para um defeito da acidificação renal (ex.: acidose tubular renal [RTA]).
Ressalva no cálculo dos AI urinários A presença de cetonúria torna esse teste sem sentido, pois a carga negativa das cetonas não é medida e os AI urinários serão positivos ou zero, apesar da acidificação renal e os níveis de NH+4 estarem aumentados. Além disso, redução severa do volume de perda de NaHCO3 extrarrenal causa reabsorção proximal de Na+, com pequena quantidade de Na+ chegando ao lúmen do tubo coletor para ser reabsorvido em troca pelo H+. A limitada excreção de H+ reduz a excreção de NH+4 e pode tornar os AI urinários positivos.
Potássio e secreção ácida renal A secreção ácida renal é influenciada pelo K+ sérico. Pode resultar do deslocamento transcelular do K+ quando o K+ intracelular é trocado pelo H+ extracelular ou vice-versa. Na hipocalemia pode se desenvolver uma acidose intracelu37
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Tratado de Análises Clínicas
lar; na hipercalemia, uma alcalose intracelular é possível. A reabsorção do HCO3– está secundariamente aumentada para compensar a acidose intracelular. O aumento da concentração de H+ intracelular promove a atividade da Na+/H+ apical (que troca o H+ pelo Na+). A produção renal de NH3 está elevada na hipocalemia, resultando em aumento na excreção ácida renal. O aumento na produção de NH3 pelos rins pode ser significantemente suficiente para precipitar encefalopatia hepática em pacientes com doença hepática avançada. A correção da hipocalemia pode reverter esse processo. Pacientes com hipocalemia podem ter urina relativamente alcalina porque a hipocalemia aumenta a amoniogênese renal. O excesso de NH3 então liga mais H+ no lúmen do néfron distal e o pH urinário aumenta. O que sugere RTA como etiologia de acidose com AI normais. Entretanto, essas condições são esclarecidas pela medida dos AI urinários, que será negativo em pacientes com excreção de NH+4 urinário e positivo em pacientes com RTA. A causa mais comum de hipocalemia e acidose metabólica é a perda gastrintestinal (ex.: diarreia, uso de laxantes). Outras etiologias menos comuns incluem perda renal de potássio secundária ao RTA ou nefropatia perdedora de sal. O pH urinário, o AI urinário e a concentração de K+ urinário podem diferenciar essas condições. Hipercalemia tem efeitos sobre a regulação ácido-base oposto àquele observado na hipocalemia. Hipercalemia impede a excreção de NH+4 pela redução da síntese de NH3 no túbulo proximal e redução da reabsorção de NH+4 no ramo ascendente, resultando em redução intersticial medular da concentração de NH3. Isso leva a uma redução na secreção ácida renal líquida, e é uma característica clássica de hipoaldosteronismo primário e secundário. Consistente com o papel central da hipercalemia na geração de acidose, a redução do teor de K+ sérico pode corrigir a acidose metabólica associada.
Gasometria arterial Artérias são vasos que transportam o sangue oxigenado do coração para os tecidos. A distribuição das artérias lembra uma árvore ramificada, cujo tronco comum é a aorta, que inicia no ventrículo esquerdo, enquanto as ramificações se estendem para as partes periféricas do corpo e órgãos. Para os exames de gasometria arterial, o sangue é colhido da artéria radial ou, menos frequentemente, da artéria femoral ou branquial. Uma vez colhido o sangue arterial, devem ser eliminadas bolhas de gás visível para evitar que as mesmas se dissolvam e produzam resultados inexatos. A amostra é submetida ao analisador de gases. Valores de referência ao nível do mar: Pressão parcial de oxigênio (PaO2): 15 a 100 mmHg. Pressão parcial do dióxido de carbono (PaCO2): 35 a 45 mmHg. pH do sangue arterial: 7,38 a 7,42. Saturação de oxigênio (SaO2): 94% a 100%. Bicarbonato (HCO3–): 22 a 26 mEq/L. 38
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Muitas vezes são determinadas concomitantemente as concentrações de lactato, hemoglobina, eletrólitos, oxi-hemoglobina, carboxi-hemoglobina e meta-hemoglobina.
ACIDOSE METABÓLICA A acidose metabólica é um distúrbio clínico caracterizado pelo aumento na acidez do plasma. É considerada um sinal de uma doença subjacente. A identificação da condição subjacente é essencial para o início de terapia. A acidose metabólica é classificada como tendo ânions indeterminados (AI) normais, e com ânions indeterminados altos. A acidose com AI normais é caracterizada por hipercloremia, às vezes também chamada acidose hiperclorêmica.
Acidose metabólica com ânions indeterminados normais (acidose hiperclorêmica) A acidose metabólica AI normais pode ocorrer principalmente quando houver a perda de HCO3– pelo trato gastrintestinal, pelos rins ou por defeitos na acidificação renal. Alguns mecanismos que resultam nessa acidose são: Perda renal de HCO3–. Acidose tubular renal proximal (tipo 2). Terapia com inibidores da anidrase carbônica. Perda de HCO3– pelo trato gastrintestinal. Diarreia. Fístula enterocutânea (ex.: pancreática). Transplante de pâncreas com drenagem da bexiga. Secreção renal insuficiente de H+. Acidose tubular renal distal (tipo 1). Acidose tubular renal hipercalêmica (tipo 4). Insuficiência renal. Infusão ácida. Cloreto de amônio. Hiperalimentação. Expansão rápida de volume com salina isotônica. Aumenta o teor de cloretos que excede a capacidade de gerar iguais quantidades de HCO3–. As causas de acidose metabólica com ânions indeterminados altos são: Acidose lática (acúmulo de ácido lático). L-Latato, D-lactato. Cetoacidose. b-hidroxibutirato, acetoacetato. Insuficiência renal crônica. Sulfato. Fosfato, urato e hipurato. Ingestão. Salicilatos, metanol ou formaldeído (formato), etilenoglicol (glicolato, oxalato), paraldeído (ânions orgânicos), fenformina/metformina. Acidemia piroglutâmico. 5-Oxoprolinemia. Rabdomiólise massivo. Liberação de H+ e ânions orgânicos do músculo lesado.
Acidose metabólica com ânions indeterminados altos Algumas condições que causam acidose metabólica com ânions normais são: Acidose lática (acúmulo de ácido lático). L-Latato, D-lactato. Parte 3
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Desequilíbrio Acidobásico
Cetoacidose. b-hidroxibutirato, acetoacetato. Insuficiência renal crônica. Sulfato, fosfato, urato e hipurato. Ingestão. Salicilatos, metanol ou formaldeído (formato), etilenoglicol (glicolato, oxalato), paraldeído (ânions orgânicos), fenformina/metformina. Acidemia piroglutâmico. 5-Oxoprolinemia. Rabdomiólise massiva. Liberação de H+ e ânions orgânicos do músculo lesado.
Compensação da acidose metabólica O mecanismo de compensação da acidose metabólica é a hiperventilação. A redução do pH do sangue estimula os centros respiratórios e a hiperpneia resultante excreta o excesso de CO2 do organismo. A compensação respiratória raramente é completa na acidose respiratória. Pacientes com função renal normal aumentam a excreção do ácido na forma de fosfato.
Diagnóstico laboratorial Acidose metabólica se caracteriza por redução do bicarbonato plasmático e do pH sanguíneo. Nas formas agudas, a hiperventilação compensatória tende a normalizar o pH sanguíneo. Encontra-se, na maioria dos casos, hiperpotassemia devido à troca com H+ extracelular para manter a eletroneutralidade.
Distúrbios neuromusculares. Miastenia grave, poliomielite, esclerose lateral amiotrófica, alguns antibióticos com atividade curariforme, tétano, paralisia do diafragma, distrofia muscular e síndrome de Guillain-Barré. Desordens do sono. Apneia do sono. Obesidade intensa (síndrome de Pickwick). Depressão do SNC. Fármacos: narcóticos, benzodiazepínicos e outros depressores. Desordens neurológicas. Encefalite e trauma. Hipoventilação alveolar primária. Estados comatosos. O acidente vascular cerebral por hemorragia intracraniana.
Compensação da acidose respiratória Fase aguda Durante os primeiros 10 minutos do aumento da PaCO2 sanguínea ocorre uma elevação de 2 a 4 mmol/L no bicarbonato plasmático. Esse aumento eleva os valores de bicarbonato acima dos limites de referência e é devido ao aumento do conteúdo de CO2, que desloca a reação para a direita: H2O + CO2 ↔ H2CO3 ↔ H+ + HCO3– Ocorre principalmente nos eritrócitos, onde o excesso de íons hidrogênio é tamponado pela hemoglobina, e o bicarbonato permanece em solução.
ACIDOSE RESPIRATÓRIA
Fase crônica
A acidose respiratória se caracteriza pela incapacidade dos pulmões em eliminar CO2 devido à hipoventilação. Assim, a PaCO2 aumenta e, se o nível de bicarbonato persistir dentro de faixas normais, ocorre redução da razão bicarbonato/ácido carbônico com baixa do pH. A acidose respiratória é causada por uma redução da ventilação alveolar, que traz consigo um aumento do conteúdo plasmático de CO2 e, como consequência, de H2CO3. Na fase aguda (antes da compensação renal) o ácido formado é neutralizado por tampões celulares, pela hemoglobina e por proteínas. Como resultado da ação tamponante, aumenta o bicarbonato plasmático em aproximadamente 1,0 mmol/L a cada 10 mmHg de elevação da PaCO2. O aumento persistente da PaCO2 desencadeia, lentamente, mas com eficiência, uma compensação renal. Assim, os rins eliminam mais H+ e retêm bicarbonato. Por exemplo: nos aumentos da PaCO2 em 10 mmHg, a redução de bicarbonato plasmático será de, aproximadamente, 3 mmol/L. Desse modo, se a PaCO2 permanece elevada em 70 mmHg, o bicarbonato aumenta para 33 mmol/L e o pH atinge 7,30. Portanto, o mecanismo de compensação é muito eficiente, considerando o pH na fase aguda.
O aumento da PaCO2 e do pH estimula o rim a secretar íons hidrogênio, e durante o processo o bicarbonato é regenerado. Entre dois e quatro dias é atingido o maior nível de bicarbonato (aproximadamente 45 mmol/L) na acidose respiratória não complicada.
Causas da acidose respiratória Doença pulmonar obstrutiva crônica é a causa mais comum e ocorre: bronquite crônica, enfisema, asma grave e edema pulmonar agudo (raro). capítulo 3
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Diagnóstico laboratorial Os achados característicos da acidose respiratória são a elevação da PaCO2 (> 47 mmHg) com redução do pH, que tende para a acidemia (pH < 7,35). A compensação renal pela reabsorção de bicarbonato é um processo lento na acidose respiratória aguda (em geral com pH e bicarbonato plasmático normais). Na acidose respiratória crônica (em geral com pH compensado pelo aumento do bicarbonato), a compensação renal é reconhecida pelo teor do bicarbonato plasmático. Alguns pacientes apresentam “hipercompensação”, com o pH sanguíneo que se desloca até a alcalemia e certa perda de potássio. Deve-se ter em conta que um paciente previamente desconhecido, cuja análise de gases sanguíneos apresenta dados de acidose respiratória aguda (redução do pH, elevação da PaCO2 e bicarbonato normal), na realidade pode esconder uma acidose respiratória crônica associada a qualquer causa possível de acidose metabólica, com tendência a normalizar o valor de bicarbonato, que deveria estar aumentado para compensar o transtorno crônico. Em tais casos, o cálculo dos ânions indeterminados pode resolver o problema diagnóstico. 39
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Tratado de Análises Clínicas
ALCALOSE METABÓLICA Alcalose metabólica é o aumento primário da concentração do bicarbonato. Isso ocorre como consequência da perda de ácido (H+) do organismo ou do ganho de bicarbonato (HCO3–). Em sua forma pura, se manifesta como alcalemia (pH > 7,40). Como mecanismo de compensação, a acidose metabólica provoca hipoventilação alveolar, que aumenta a pressão de dióxido de carbono (PaCO2), que reduz a elevação no pH. Normalmente, a PaCO2 arterial eleva cerca de 0,5 a 0,7 mmHg para cada 1 mEq/L de aumento na concentração do bicarbonato plasmático. Se a modificação não permanecer dentro desses limites, pode estar ocorrendo um distúrbio acidobásico misto. Por exemplo, se o aumento na PaCO2 é maior que 0,7 vezes o aumento do bicarbonato, a alcalose metabólica coexiste com a acidose respiratória primária. Ademais, se o aumento na PaCO2 é menor que a alteração esperada, então uma alcalose respiratória também está presente. O primeiro indício de alcalose metabólica é o teor do bicarbonato elevado no sangue. No entanto, a concentração do bicarbonato elevada pode também ser observada como resposta compensatória à acidose respiratória primária. Entretanto, valores de bicarbonato acima de 35 mEq/L quase sempre têm como causa a alcalose metabólica. A alcalose metabólica é diagnosticada pela medida dos eletrólitos séricos e pela gasometria arterial. Se a etiologia da alcalose metabólica não estiver esclarecida pela história clínica e pelo exame físico, incluindo o uso de medicamentos e a presença de hipertensão, deve ser determinada a concentração de cloretos na urina. O cálculo dos ânions indeterminados pode ajudar a diferenciar entre a alcalose metabólica primária e a compensação da acidose respiratória. O tratamento da alcalose metabólica depende da etiologia subjacente e das condições de volume do paciente. A alcalose metabólica é gerada por um dos seguintes mecanismos: Perdas de íons hidrogênio. Os íons hidrogênio podem ser perdidos pelos rins ou pelo trato gastrointestinal. Vômitos ou aspiração nasogástrica geram alcalose metabólica pela perda de secreções gástricas ricas em ácido clorídrico (HCl). Enquanto um íon hidrogênio é excretado, um íon bicarbonato é ganho no espaço extracelular. A depleção de volume mantém a alcalose. Perdas renais de íons hidrogênio ocorrem se a entrega distal de sódio aumenta em presença de excesso de aldosterona, que estimula o canal eletrogênico epitelial do sódio (ENaC) no tubo coletor. Nesse canal ocorre a absorção de íons sódio, o lúmen tubular torna-se mais negativo, levando a secreção de íons hidrogênio e íons potássio para o lúmen. Deslocamento de íons hidrogênio para o espaço intracelular. O deslocamento pode desenvolver hipocalemia. Como a concentração do potássio extracelular diminui, os íons potássio se movem para fora das células. Para manter a neutralidade, os íons hidrogênio se deslocam para o interior do espaço intracelular. 40
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Administração de bicarbonato. Administração de bicarbonato de sódio em quantidades que excedem a capacidade dos rins em excretar esse excesso de bicarbonato pode causar alcalose metabólica. Essa capacidade está reduzida quando existir redução do filtrado de bicarbonato, com o observado na insuficiência renal ou quando ocorre a reabsorção tubular aumentada de bicarbonato, como o observado na depleção de volume. Perda de líquido extracelular pobre em bicarbonato e rico em cloretos. Encontrada na administração de tiazida ou diuréticos de alça. Também presente na diarreia com cloretos, leva à contração de volume do líquido extracelular. Devido à quantidade de bicarbonato original estar agora dissolvida em menor volume do líquido, um aumento na concentração do bicarbonato ocorre. Esse aumento no bicarbonato causa, no mínimo, um aumento de 2 a 4 mEq/L na concentração do bicarbonato.
Manutenção da alcalose metabólica A redução de perfusão dos rins, causada tanto pela depleção do volume quanto por redução no volume efetivo do sangue circulante (ex.: estados edematosos como a insuficiência cardíaca ou cirrose) estimula o sistema renina-angiotensina-aldosterona. Esse aumento da reabsorção renal do íon sódio através do néfron, incluindo as células principais de tubo coletor, resulta em aumento na secreção de íon hidrogênio via bomba próton apical H+ adenosina trifosfatase nas células intercaladas adjacentes tipo A. A aldosterona pode também, de forma independente, aumentar a atividade da bomba de próton apical. Quando o íon hidrogênio é secretado para o lúmen tubular, um íon bicarbonato é ganho no sistema circulatório via troca basolateral Cl–/HCO3.– A depleção de cloretos pode ocorrer no trato gastrointestinal pela perda de secreções gástricas, que são ricas em íons cloretos, ou por meio dos rins com tiazida ou diuréticos de alça. A depleção dos cloretos, mesmo sem depleção de volume, aumenta a reabsorção de bicarbonato por diferentes mecanismos. No túbulo ascendente distal e túbulo distal estão presentes células especializadas chamadas máculas densas. Essas células têm um cotransportador Na+/K+/Cl– na membrana apical que é principalmente regulado por íons cloretos. Quando alguns íons cloretos atingem esses transportadores (ex.: depleção de cloretos), por sinais da mácula densa, o aparelho justaglomerular (ou seja, células especializadas na parede da arteríola aferente adjacente) para secretar renina, que aumenta a secreção de aldosterona via angiotensina II. Na alcalemia os rins secretam o excesso de bicarbonato via trocador cloreto/bicarbonato apical nas células intercaladas tipo B do tubo coletor. Deste modo, prótons são adicionados a circulação sistêmica via H+ ATPase basolateral. Na depleção de cloretos, poucos íons cloretos estão disponíveis para serem excretados com bicarbonato, e a capacidade dos rins para excretar o excesso de bicarbonato está prejudicada. Parte 3
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Desequilíbrio Acidobásico
Muitas das causas da alcalose metabólica estão associadas com a hipocalemia. Por sua vez, a hipocalemia mantém a alcalose metabólica por cinco diferentes mecanismos. 1. A hipocalemia resulta no deslocamento de íons hidrogênio intracelularmente. A acidose intracelular resultante aumenta a reabsorção do bicarbonato no tubo coletor. 2. Provoca o estímulo da H+/K+ ATPase apical no tubo coletor. O aumento da atividade desta ATPase lida com a causa/efeito da absorção apropriada do íon potássio, mas a um correspondente de secreção de íon hidrogênio. Isto leva a um ganho líquido de bicarbonato, mantendo a alcalose sistêmica. 3. Estimula a gênese da amônia renal. Os íons amônio (NH+4) são produzidos no túbulo proximal a partir do metabolismo da glutamina. Durante esse processo, o acetoglutarato é produzido, desencadeando o mecanismo pelo qual gera bicarbonato, que retorna para a circulação sistêmica. 4. Promove prejuízo na reabsorção do íon cloreto no néfron distal. Isto resulta em um aumento na eletronegatividade luminal, com subsequente aumento da secreção de íon hidrogênio. 5. Reduz a taxa de filtração glomerular (TFG). Estudos animais têm mostrado que a hipocalemia, por mecanismos desconhecidos, reduz a TFG, que diminui a carga de bicarbonato filtrado. Na presença de depleção de volume, isto deteriora a excreção renal do excesso de bicarbonato.
ALCALOSE RESPIRATÓRIA A alcalose respiratória se caracteriza pela eliminação excessiva de CO2 pelos pulmões. A redução da PaCO2 (hipocapnia) com níveis normais de bicarbonato aumenta a razão bicarbonato/ácido carbônico (normal: 20:1), elevando o pH. A alcalose respiratória é o resultado de um aumento da ventilação alveolar, com uma redução da PaCO2. Na fase aguda, a redução dos ácidos voláteis circulantes requer a saída do H+ do compartimento celular para os líquidos extracelulares, onde combinam-se com o bicarbonato: H2O + CO2 ↔ H2CO3 ↔ H+ + HCO3– A redução do bicarbonato é de aproximadamente 2 mmol/L para cada 10 mmHg de PaCO2. Por exemplo, se a PaCO2 é reduzida a 25 mmHg, o bicarbonato aumenta a 21 mmol/L e o pH eleva a 7,55. O mecanismo de tamponamento é bastante ineficiente, já que com um conteúdo de bicarbonato inalterado o pH se elevaria a um valor não superior a 7,60. Na hipercapnia persistente sobrevém uma compensação renal em forma de redução de excreção urinária de H+ e de amônia além de aumento da eliminação de bicarbonato. No caso, uma redução da PaCO2 de 10 mmHg reduzirá o bicarbonato plasmático em 5 mmol/L, com bom efeito compensatório sobre o pH sanguíneo. capítulo 3
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Causas de alcalose respiratória Desordens pulmonares. Pneumonia, asma, embolia pulmonar, atelectasia, fibrose, doença vascular e pneumotórax. Desordens cardiovasculares. Insuficiência cardíaca congestiva, hipotensão e cianose de etiologia cardíaca. Desordens metabólicas. Acidose (diabética, renal ou láctica). Desordens do sistema nervoso central. Hiperventilação psicogênica ou induzida por ansiedade, infecção ou tumores do SNC, encefalites e meningites. Fármacos. Salicilatos, metilxantinas, agonistas a-adrenérgicos, nicotina e progesterona. Hipoxemia. Elevadas altitudes (baixos teores de oxigênio) e anemia severa. Outros. Febre, sepse, dor, insuficiência hepática, gravidez (a progesterona estimula o centro respiratório), hipertireoidismo, fase de compensação respiratória na correção da acidose metabólica.
Compensação na alcalose respiratória A resposta compensatória da redução da PaCO2 é uma diminuição do bicarbonato plasmático que ocorre em duas fases:
Fase aguda Nos primeiros 10 minutos da diminuição da PaCO2 há uma queda de 2 a 4 mmol/L do bicarbonato plasmático pelo deslocamento da reação para a esquerda: H2O + CO2 ↔ H2CO3 ↔ H+ + HCO3– Como no caso da reação na acidose respiratória (ver acima), esta também ocorre, principalmente nos eritrócitos. A concentração do bicarbonato pode cair a 18 mmol/L, mas raramente abaixo desse valor.
Fase crônica Após a queda aguda na concentração do bicarbonato, o valor do pH é mantido pela retenção dos íons hidrogênio pelo rim (a regeneração do bicarbonato é mais lenta que nos estados normais). Se esta condição persistir por sete ou mais dias, o nível de bicarbonato pode cair o suficiente para o pH retornar ao normal, ou seja, pode ocorrer a completa compensação. O teor de bicarbonato plasmático pode baixar até 12 a 14 mmol/L na alcalose respiratória não complicada.
Diagnóstico laboratorial da alcalose respiratória O quadro característico consiste em redução da PaCO2 (< 36 mmHg), que tende a elevar o pH sanguíneo até a alcalemia (> 7,44). Como na acidose respiratória, a compensação renal (em forma de redução do conteúdo de bicarbonato plasmático) é mais completa na forma crônica que na aguda. O número aumentado de leucócitos indica sepse como uma das prováveis etiologias. Hematócrito reduzido indica anemia. Na insuficiência hepática as provas de função apresentam-se alteradas. 41
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Tratado de Análises Clínicas
DISTÚRBIOS MISTOS DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE
Como a PaCO2 é uma expressão da ventilação, pode-se afirmar que:
Não é raro que um paciente sofra simultaneamente dois ou mais transtornos primários do equilíbrio ácido-base. Os efeitos sobre o pH do sangue podem ser somatórios, como na acidose metabólica e respiratória associadas, ou na alcalose metabólica e respiratória associadas. Em outros casos, os efeitos de transtornos coexistentes podem empurrar o pH em direções opostas para efetuar uma neutralização parcial ou completa, como na acidose metabólica associada a alcalose metabólica ou respiratória, e na alcalose metabólica associada com a acidose respiratória e metabólica. Uma compreensão correta da compensação renal e respiratória, em termos de suas respectivas magnitudes, proporciona o diagnóstico exato de transtornos complexos do equilíbrio ácido-base. Os transtornos mistos do equilíbrio ácido-base podem ser produzidos de várias formas, já que quaisquer das possíveis causas de acidose metabólica podem ser induzidas conjuntamente com qualquer causa de alcalose respiratória e acidose ou alcalose respiratória.
Em PaCO2 < 30 mmHg existe hiperventilação alveolar. Em PaCO2 entre 30 e 45 mmHg existe uma ventilação normal. Em PaCO2 > 45 mmHg existe insuficiência respiratória.
DIAGNÓSTICO DOS DESEQUILÍBRIOS ÁCIDO-BASE Do ponto de vista laboratorial, os distúrbios ácido-base apresentam anormalidades em um ou mais dos seguintes testes: Avaliação dos gases sanguíneos. Ânions indeterminados no soro. Bicarbonato sérico. É possível, mas infrequente, existir uma severa desordem ácido-base em um paciente, e os valores dos parâmetros acima se apresentarem normais. Essa ocorrência se dá em alguns casos de distúrbios mistos de acidose e alcalose metabólica, em que a acidose metabólica apresenta ânions indeterminados normais, por exemplo, no vômito severo (aumento do bicarbonato plasmático) em pacientes com acidose tubular renal não tratada (redução do bicarbonato plasmático sem elevação dos ânions indeterminados). Obviamente, essas ocorrências são raras, mas possibilitam enfatizar a importância do cuidadoso exame de todas as condições do paciente com distúrbios ácido-base.
Interpretação dos resultados da análise dos gases e pH A interpretação dos resultados de gases sanguíneos é facilitada pelo conhecimento dos aspectos clínicos implicados. Mesmo assim, em alguns casos, a interpretação pode ser difícil. Normalmente, as avaliações dos transtornos ácido-base são realizadas a partir das determinações pH, PaCO2 e PaO2.
Avaliação da ventilação e do estado ácido-base PaCO2 arterial: 33 a 45 mmHg. A PaCO2 é um parâmetro direto e sensível que expressa a ventilação alveolar. 42
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Assim, o valor da PaCO2 oferece uma informação clara acerca da ventilação pulmonar. pH arterial: 7,36 a 7,42. Para diagnosticar qualquer transtorno do equilíbrio ácido-base é necessária a determinação do pH. A medição do pH do sangue informa se o paciente está normoacidêmico ou se sofre uma acidemia (pH < 7,36) ou alcalemia (pH > 7,42). No entanto, as medições do pH não permitem a expressão quantitativa dos transtornos metabólicos, pois a presença dos sistemas tampões impedem uma relação direta entre o transtorno primário e as leituras de pH. Sendo assim, a simples medição do pH não trará as informações acerca da natureza da causa primária responsável pelo transtorno observado. No entanto, a avaliação simultânea do pH e da PaCO2 informarão se os transtornos primários são de natureza respiratória ou metabólica. Interpretação do pH com PaCO2 < 30 mmHg (hiperventilação alveolar). Em PaCO2 inferior a 30 mmHg pode-se avaliar as seguintes situações com respeito ao pH: pH > 7,50: hiperventilação alveolar aguda. As variações do pH são secundárias a uma alteração da ventilação. pH entre 7,40 e 7,50: hiperventilação alveolar crônica. É muito provável que tenha lugar uma compensação renal; a hiperventilação deve ter iniciado em menos de 24 horas. pH entre 7,30 e 7,40: acidose metabólica compensada. Em presença de acidose metabólica primária, o sistema respiratório normalizou o pH do sangue criando uma situação de alcalose respiratória. É pouco provável que esse quadro represente uma hiperventilação alveolar primária, pois o rim teria hipercompensado. pH < 7,30: acidose metabólica parcialmente compensada, que representa um transtorno de acidemia metabólica, ante a qual o sistema respiratório respondeu com hiperventilação alveolar, que demonstra ser ineficiente. Interpretação do pH com PaCO2 entre 30 e 45 mmHg (ventilação normal). Com valores de PaCO2 dentro dos limites da normalidade devem ser consideradas as seguintes situações do pH: pH > 7,50: alcalose metabólica primária não compensada eficazmente pelo sistema respiratório. pH entre 7,30 e 7,50: estados respiratórios e ácido-base compatíveis. Parte 3
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Desequilíbrio Acidobásico
pH < 7,30: acidose metabólica não compensada pelo sistema respiratório. Interpretação do pH com pCO2 > 45 mmHg (insuficiência ventilatória). Com valores de PaCO2 superiores a 45 mmHg pode-se postular os seguintes transtornos do pH: pH > 7,50: alcalose metabólica parcialmente compensada. Representa uma alcalose primária, incompletamente compensada pela hipoventilação alveolar. pH < 7,30: insuficiência ventilatória aguda. Uma ventilação inadequada, com pH reduzido no sangue arterial, reflete com grande segurança um transtorno agudo da ventilação. Anormalidades da PaO2. A caracterização da composição de oxigênio no sangue requer a medida de PaO2, concentração da hemoglobina e a percentagem de saturação do oxigênio. As anormalidades nesses constituintes são: Redução (ou aumento) na PaO2 inspirada. Hipoventilação. Doença pulmonar. A medida de PaO2 no sangue arterial (valores de referência: 80 a 110 mmHg) é de grande valor na avaliação da respiração e na eficiência da terapia pelo oxigênio. Resultados das medidas de PaO2 estão alterados quando a capacidade de transporte do oxigênio no sangue é afetada pela anemia, envenenamento por monóxido de carbono, e em presença de derivados de hemoglobinas (ex.: meta-hemoglobina). A hipoxemia deve ser avaliada após uma exploração adequada da ventilação e do estado ácido-base do paciente. A medição direta da PaO2 arterial indica a presença de hipoxemia tissular, mas não necessariamente a demonstra. É igualmente importante o fato de a hipoxemia, por si mesma, poder produzir transtornos respiratórios e ácido-base diversificados. A hipoxemia arterial se define como a presença de valores de PaO2 inferiores aos limites aceitáveis. Os graus de hipoxemia em pacientes com menos de 60 anos de idade e que respiram sem equipamentos são: Leve, com leituras de PaO2 entre 80 e 60 mmHg. Moderada, com leituras de PaO2 entre 60 e 40 mmHg. Intensa, com leituras de PaO2 inferiores a 40 mmHg. A saturação de oxigênio indica a quantidade de oxigênio ligado à hemoglobina e é determinada para avaliar a respiração ou a oxigenoterapia.
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As principais causas de aumento dos valores da PaO2 arterial são: a) respiração com ar enriquecido com O2 – a administração de 100% de O2, a PaO2 pode chegar a valores acima de 600 mmHg; b) exercícios, tanto em indivíduos saudáveis como em pacientes cardíacos resultam em aumento dos valores existentes em repouso. A hipoxemia arterial (redução da PaO2 arterial) é geralmente uma emergência médica. Vários mecanismos podem ocorrer simultaneamente. As principais causas são: Diminuição da PaO2 no ar inspirado pela baixa pressão em altas altitudes. Hipoventilação com aumento da PaCO2 e redução alveolar da PaO2. Hipoventilação de origem periférica é causada por sufocação, submersão, anormalidades esqueléticas ou trauma do tórax que dificulta a expansão completa, paralisia no nervo frênico, tétano, poliomielite aguda e síndrome de Pickwick. Hipoventilação de origem central é causada pela depressão do centro respiratório, por drogas como barbitúricos ou morfina. Redução da capacidade de difusão pulmonar de O2, como na síndrome do sofrimento respiratório em adultos ou recém-nascidos, carcinomatose lifangítica, adenomatose pulmonar, sarcoidose, síndrome de HammanRich, beriliose, hemosiderose pulmonar secundária a estenose mitral. Redução da área das membranas alveolocapilares como resultado de ressecamento ou compressão pulmonar. Ventilação irregular e perfusão do sistema cardiopulmonar por bronquites, asma, enfisema, bronquiectasias, atelectasias, pneumoconiose, granulomas, neoplasmas, infarto pulmonar, pneumonia, mucoviscidose ou obstrução das vias aéreas por neoplasma, corpo estranho ou secreções (ex.: difteria). Aumento do desvio do sangue do lado venoso para o lado arterial em razão de enfermidades cardíacas congênitas, pneumonia, atelectasia, edema pulmonar e choque.
referências consultadas 1. Dzierba AL, Abraham P. A practical approach to understanding acid-base abnormalities in critical illness. J Pharm Pract. 2011;24(1):17-26. 2. Motta VT. Bioquímica clínica para o laboratório: princípios e interpretações. 5.ed. Rio de Janeiro: Medbook, 2009. p.181-94. 3. Reddy P, Mooradian AD. Clinical utility of anion gap in deciphering acid-base disorders. Int J Clin Pract. 2009;63(10):1516-25.
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capítulo Valter Teixeira da Motta
Equilíbrio Hidreletrolítico ASPECTOS BÁSICOS DO METABOLISMO HIDRELETROLÍTICO Nos mamíferos, a manutenção da pressão osmótica e a distribuição da água em compartimentos do corpo são mantidas, fundamentalmente, por quatro eletrólitos: sódio (Na+), potássio (K+), cloreto (Cl¯), e bicarbonato (HCO3–). Os eletrólitos são classificados em ânions (íon com carga elétrica negativa) ou cátion (íon com carga elétrica positiva). Apesar de aminoácidos e proteínas em solução também possuírem cargas elétricas são considerados separadamente. Os eletrólitos ocorrem basicamente como íons livres e suas concentrações são descritas na Tabela 4.1.
Tabela 4.1 Concentrações de cátions e ânions no líquido extracelular (expressos em mmol/L). Cátions
Na+ K
Ânions
142
Cl–
103
4
HCO
27
Ca
5
HPO
2
Mg2+
2
SO24
1
Outros (traços)
1
Ácidos orgânicos-
5
Proteínas-
16
+ 2+
Total
154
– 3
2– 4
154
Fonte: Acervo do autor.
As necessidades dietéticas de eletrólitos variam amplamente; alguns são necessários somente em pequenas quantidades. Outros, como o cálcio, potássio e o fósforo são continuamente excretados e devem ser repostos regularmente para prevenir deficiências. A ingestão excessiva leva a um aumento correspondente na excreção, principalmente na urina. A perda anormal de eletrólitos como resultado de perspiração intensa, vômito ou diarreia é rapidamente detectada por testes laboratoriais e é corrigida pela administração oral ou parenteral de soluções salinas.
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O papel dos eletrólitos no organismo vivo é bastante variado. Praticamente não existe nenhum processo metabólico que não seja dependente ou afetado pelos eletrólitos. Dentre as várias funções dos eletrólitos, se destacam a manutenção da pressão osmótica, homeostasia da água, pH fisiológico, funcionamento cardíaco e músculos. Participam em reações de oxidação-redução (transferência de elétrons), e na catálise como cofatores enzimáticos. Assim sendo, torna-se óbvio que níveis alterados dos eletrólitos podem ser a causa ou a consequência de várias desordens.
ÁGUA CORPÓREA E SEUS COMPARTIMENTOS A água compõe 60% do peso corporal de um adulto. É essencial ao metabolismo intermediário e para as funções dos órgãos vitais. Tanto o equilíbrio da água no organismo como a sua distribuição entre os três compartimentos corpóreos – intracelular (interior das células), intersticial (espaço entre os tecidos) e intravascular (interior dos vasos sanguíneos) – são rigorosamente mantidos por mecanismos homeostáticos dentro de estreitos limites. A Tabela 4.2 mostra a distribuição de água em diferentes compartimentos em adultos. Tabela 4.2 Porcentagem de água nos compartimentos do corpo humano de um adulto.
Líquido intracelular (LIC)
40%
Líquido extracelular (LEC)
20%
Líquido intersticial
15%
Líquido intravascular
5%
Total
60%
Fonte: Acervo do autor.
Sem a água, o corpo é incapaz de manter a vida. Cinco são as funções da água para manter o organismo saudável: 1. Transporte de nutrientes, eletrólitos e oxigênio para as células.
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Tratado de Análises Clínicas
2. 3. 4. 5.
Remoção de produtos de excreção. Regulação da temperatura corpórea. Lubrificação de juntas e membranas. Meio para a digestão de alimentos.
Quando a quantidade de água é insuficiente e os rins estão funcionando normalmente, o volume de urina diminui e a pessoa torna-se sedenta. Ao ingerir água, o déficit de líquido é corrigido. Em presença de excessiva ingestão de água, a quantidade de urina aumenta proporcionalmente. Fontes de fluidos ingeridos incluem líquidos, alimentos e produtos da oxidação de alimentos. A média de ingestão e excreção diária de líquidos é de 1.800 a 2.600 mL. O corpo humano perde líquidos diariamente pela urina, fezes, pulmões e pele (perspiração insensível). Cerca de 300 mL a 500 mL de líquidos são perdidos, como suor e atividade glandular. Na Tabela 4.3 estão listadas as quantidades de ingestão e perdas diárias de líquidos.
Pressão líquida (Lei de Starling) O líquido extracelular (LEC) se desloca entre o espaço intravascular (vasos sanguíneos) e o espaço intersticial (tecidos) para manter o equilíbrio líquido no compartimento extracelular. Existem medidas que determinam o fluxo de líquido entre os espaços intravascular e intersticial. A pressão osmótica coloidal e a pressão hidrostática do sangue e dos tecidos influenciam o movimento do líquido através da membrana capilar. A troca líquida ocorre somente pelas paredes capilares e não pelas paredes de arteríolas ou vênulas. Assim, o líquido se move para o interior do espaço intersticial pelo capilar da terminação arteriolar e sai do espaço intersticial para o capilar pela terminação venular. O líquido flui somente quando há uma diferença na pressão nas duas terminações do sistema. A diferença na pressão entre os dois pontos é conhecida como gradiente de pressão. Se a pressão em um terminal é 32 mmHg e na outra terminação 26 mmHg, o gradiente de pressão é 6 mmHg. Tanto o plasma nos capilares como os líquidos teciduais têm suas próprias pressões hidrostáticas e pressões osmóticas coloidais. A diferença de pressão entre a pressão osmótica coloidal plasmática e a pressão osmótica coloidal tecidual é conhecida como gradiente de pressão osmótica coloidal; do mesmo modo, a diferença entre a pressão hidrostática plasmática
e a pressão hidrostática tecidual é conhecida como gradiente de pressão hidrostática. Como a pressão hidrostática do plasma (18 mmHg) na terminação arteriolar do capilar é maior que a pressão hidrostática tecidual (–6 mmHg) no espaço tecidual, o líquido move-se para fora do capilar em direção ao espaço tecidual. A pressão osmótica coloidal plasmática (28 mmHg) na terminação venular do capilar é maior que a pressão coloidal osmótica tecidual (4 mmHg) no espaço tecidual, causando o movimento dos líquidos dos espaços teciduais para os capilares. Sem as forças coloidais osmóticas, o líquido é perdido pela circulação e permanece nos tecidos, causando inchação e edema.
Ingestão de água A ingestão diária de água é variável e depende das perdas e de fatores psicológicos.A média de ingestão diária é de 2,5 L. O principal fator determinante da ingestão líquida é a sede, que está sob controle do centro da sede localizado no hipotálamo. O funcionamento normal desse centro é influenciado por: 1) Tonicidade do LEC (hipertonicidade aumenta a sede); 2) Volume sanguíneo (redução do volume aumenta a sede); 3) Fatores diversos (dor e estresse, por exemplo, aumentam a sede).
Excreção da água O organismo está em equilíbrio aquoso quando a ingestão e a perda total de água corporal são aproximadamente iguais. Quantidades variáveis de líquido são perdidas pela pele (suor), e membranas mucosas (água livre de eletrólitos no ar expirado) o que depende da temperatura ambiente e da ventilação pulmonar. Uma pequena quantidade de água é perdida nas fezes (< 100 mL/d). A principal perda de água ocorre pelos rins.
Excreção renal de água A cada dia, 130 a 180 litros de água são filtrados pelo glomérulo. Somente 1 a 2 litros são liberados como urina. Isso porque é realizada a reabsorção passiva de 70% a 80% no túbulo proximal (fluxo isosmótico de água obrigatório, consequente à reabsorção de sódio), e a reabsorção nos ductos coletores sob a influência do AVP (hormônio arginina
Tabela 4.3 Ingestão e perda líquida diária em adultos normais. Ingestão líquida
Líquidos Alimentação Oxidação
Total
Perda líquida
1.000-1.200 mL
Urina
1.000-1.500 mL
800-1.000 mL
Fezes
100 mL
200-300 mL
2.000-2.500 mL
Pulmões
400-500 mL
Pele
300-500 mL
Total
1.800-2.600 mL
Fonte: Acervo do autor.
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vasopressina). A produção e a excreção de AVP também são influenciadas pelos mecanismos que controlam a ingestão de água.
ÁGUA Pela grande importância da água como constituinte corporal e seu papel no metabolismo intermediário é vital o reconhecimento de distúrbios que afetam a sua distribuição entre os compartimentos – intracelular, intersticial e intravascular.
Osmolalidade É a concentração de solutos (expressas em mmol/L) por quilo de solvente. No plasma todas as partículas dissolvidas, como eletrólitos, carboidratos, produtos de excreção, vitaminas, fármacos e hormônios contribuem para a osmolalidade. No entanto, as principais contribuições são o sódio (cerca de 50% do total), cloretos, glicose, ureia, proteínas e álcool etílico (quando presente). A osmolalidade urinária é útil para a comparação com a osmolalidade plasmática na avaliação da regulação da água em relação ao controle hormonal e a função renal.
Osmometria É o termo geral empregado para a análise da osmolalidade. As partículas dissolvidas afetam uma solução pela alteração das propriedades coligativas, como a redução da pressão de vapor ou diminuição do ponto de congelamento. Essas propriedades são utilizadas pelos osmômetros para determinar a osmolalidade tanto no plasma quanto na urina. Valores aproximados da osmolalidade plasmática são obtidos pela fórmula (concentrações em mmol/L): Osmolalidade = 2[Na+] + 2[K+] + [glicose] + [ureia] O cálculo é aproximado e não substitui a medida direta. Duas situações alteram consideravelmente os valores obtidos por cálculo: a) aumento dos teores de proteínas ou lipídios plasmáticos, pois ambos diminuem a água plasmática por unidade de volume; b) também diferem quando elevados níveis de solutos de baixa massa molecular estão presentes no plasma (ex.: etanol). Um aumento da osmolalidade no plasma desencadeia rapidamente a sede, provocando a ingestão de água para diluir o Na+ e reajustar a osmolalidade para baixo. A excreção de água pelo organismo é regulada por dois sistemas de controle. Um deles é proporcionado pelos osmorreceptores hipotalâmicos, que respondem a uma elevação da osmolalidade, fazendo com que a glândula hipofisária secrete o hormônio arginina-vasopressina (AVP), também conhecido como hormônio antidiurético (HAD), aumentando, por sua vez, a reabsorção da água nos túbulos coletores renais. Com a água conservada, a osmolalidade decresce e a secreção de AVP é inibida. capítulo 4
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Com respeito à depleção de água, o parâmetro laboratorial mais importante é o sódio, especialmente para detectar a hiperosmolalidade causada pelas perdas de água. Enfermidades preexistentes, tais como disfunção renal e diabetes podem aumentar as concentrações de ureia e glicose, contribuindo para a elevação da osmolalidade plasmática.
Deficiência de água Indivíduos que apresentam deficiência de água (desidratação) também demonstram graus variáveis de depleção do sódio, pois todos os líquidos do organismo contêm este íon. A depleção de água está associada com hipovolemia (desidratação) e anormalidades nos níveis do sódio sérico e urinário, na osmolalidade e no volume que depende da via e do tipo de perda líquida. Em razão da quantidade concomitante da perda de sódio, a depleção de água é geralmente classificada com base nos tipos de perda de líquidos.
Depleção predominante de água Na depleção de água “pura” tem-se: a) a ingestão inadequada de água (oral ou parenteral) em relação ao normal; b) perda renal (incluindo diabetes insípido e diurese osmótica). Podem ocorrer em: 1) indivíduos idosos, muito jovens ou muito doentes para ingerir líquidos; 2) terapia parenteral inapropriada; 3) distúrbios no centro da sede.
Perda de líquidos hipotônicos A desidratação pela perda de líquidos contendo significantes quantidades de sódio (acompanhada de ingestão inadequada de líquidos) pode ser devida a: 1) perda pela pele: suor excessivo; 2) perda digestória: vômito, diarreia, gastroenterite, estomatite e drenagem em fístulas; 3) perda renal: terapia diurética, doença de Addison, nefrites perdedoras de sais, e diabetes insípido.
Perda de líquidos isotônicos Refere-se à depleção líquida acompanhada do sódio. A perda envolve o compartimento extracelular. Não ocorrem alterações na osmolalidade do LEC (normonatremia) como também deslocamentos de água para o compartimento intracelular. Ocorre: 1) perda sanguínea: hemorragia e acidentes; 2) perda de plasma: queimaduras; 3) acúmulo no “terceiro espaço”: pancreatite e peritonite.
Excesso de água O excesso de água total se apresenta como edema periférico e hiponatremia. O edema sempre está acompanhado de excesso de sódio. A hiponatremia está associada com um conteúdo de água total normal ou levemente reduzido. O excesso de água em geral reflete a diminuição da excreção renal pelo aumento da atividade do AVP. Pode ser devida a ingestão aumentada ou excreção inadequada de água, ou ambas. As principais causas: 1) retenção do sódio; 2) redução da excreção renal de água – Síndrome de secreção inadequada do hormô47
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nio antidiurético (SSIHAD). Tumores: carcinoma de brônquios, próstata e pâncreas. Tumores cerebrais: glioma e meningioma. Patologia cerebral: tumores, traumas/acidentes cerebrais, infecções, abscessos, meningite e encefalite. Patologia pulmonar: tumores, carcinoma bronquial. Infecções: tuberculose, pneumonia. Pneumotórax. Hidrotórax. Outras causas. Síndrome de Guillain-Barré e ingestão aguda de álcool. As características desse estado são a baixa osmolalidade sérica e hiponatremia associada com elevada osmolalidade urinária. 3) Fármacos antidiuréticos. Vários fármacos produzem uma síndrome indistinta da SSIHAD, pois estimulam a secreção de APV ou potencializando-o ao nível renal: a) fármacos que aumentam a secreção do HAD. Hipnóticos: barbitúricos. Narcóticos: morfina. Hipoglicêmicos: clorpropamida, tolbutamina. Anticonvulsivantes: carbamazepina. Antineoplásicos: vincristina, vimblastina, ciclofosfamida. Outros: clofibrato e derivados nicotínicos. b) Fármacos que potencializam a atividade do APV. Hipoglicêmicos: clorpropamida, tolbutamina, paracetamol e iodometacina. 4) Hiponatremia diurético-relacionada. São frequentes os achados de hiponatremia em pacientes sob terapia diurética e que estão relacionados à hipovolemia. Uma das características desse estado é a hipocalemia e a depleção de potássio (não associada a SSIHAD), principalmente em pacientes com mais de 70 anos de idade. O mecanismo exato ainda não foi esclarecido. a) Desordens endócrinas – hipotireoidismo e deficiência isolada de cortisol podem estar associados a síndromes semelhantes à SSIHAD. Aqui também a causa é desconhecida. b) Distúrbios na ingestão de água. A ingestão compulsiva de água não leva à intoxicação se a função renal estiver intacta.
SÓDIO (Na+) O sódio é o cátion predominante no líquido extracelular. Os níveis de sódio no organismo são regulados pelos rins e influenciados pelo hormônio aldosterona. O sódio é o principal responsável pela retenção de água e da osmolalidade nos líquidos vasculares. É também de grande importância na atividade neuromuscular e na ação da bomba sódio-potássio (Na+,K+ ATPase).
Regulação do teor de sódio plasmático A concentração do sódio no plasma depende grandemente da ingestão e excreção da água e, em menor grau, pela regulação renal do Na+. Três processos são fundamentais: 1) ingestão de água em resposta à sede, estimulada ou suprimida pela osmolalidade plasmática; 2) excreção de água, grandemente afetada pela liberação do NAP (peptídio natriurético atrial) em resposta às alterações no volume sanguíneo ou osmolalidade; 3) condições do volume sanguíneo que afeta a excreção do sódio pelo sistema renina-angiotensina II-aldosterona e o NAP (peptídio natriurético atrial). Os rins têm a capacidade de manter ou excretar grandes quantidades de sódio, dependendo do conteúdo de Na+ no LEC e do volume sanguíneo. Normalmente 60% a 70% do Na+ filtrado é reabsorvido no túbulo proximal; a eletroneutralidade é mantida tanto pela reabsorção do Cl- como secreção do íon 48
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hidrogênio (H+). Algum sódio é também reabsorvido na alça e no túbulo distal e (controlado pela aldosterona) trocado pelo K+ no túbulo coletor cortical e segmento de conexão.
Hiponatremia É a mais comum das desordens eletrolíticas. A hiponatremia é caracterizada por teores menores que 135 mmol/L, muitas vezes desenvolvida como consequência de elevados níveis do hormônio arginina-vasopressina (AVP). A elevação de AVP ocorre em várias condições clínicas, incluindo síndrome de secreção inapropriada de AVP, depleção de volume, estados pós-operatórios, insuficiência renal, cirrose, desordens neuroendócrinas e trauma. Níveis abaixo de 130 mmol/L são clinicamente significantes. Classificação usual das causas de hiponatremia: a) Aumento da perda de sódio: hipoadrenalismo, deficiência de potássio, uso de diuréticos, cetonúria, nefropatia perdedora de sais, vômito ou diarreia prolongada, queimaduras severas; b) Aumento da retenção de água: insuficiência renal, síndrome nefrótica, cirrose hepática, insuficiência cardíaca congestiva; c) Distúrbios do equilíbrio aquoso: excesso de ingestão de água, SSIHAD, pseudo-hiponatremia.
Hipernatremia É o aumento de Na+ no soro (> 150 mmol/L). a) Excesso de perda de água: diabetes insípido nefrogênico, desordem tubular renal, diarreia prolongada, sudoração excessiva, queimaduras severas. b) Redução de ingestão de água: idosos, crianças, dano mental. c) Aumento da ingestão ou retenção: hiperaldosteronismo, excesso de bicarbonato de sódio e excesso de líquido de diálise. Determinação do sódio: eletrodos íon-seletivos. Amostra. Soro ou plasma heparinizado. Valores de referência para o sódio plasmático: 135 a 145 mmol/L
Sódio na urina (natriúria) A medida do teor de sódio urinário é vital na determinação da integridade da função de reabsorção tubular. Baixa concentração de sódio urinário indica não somente função tubular renal intacta, mas também a presença de estímulos para a conservação do sódio, enquanto valores elevados de sódio na urina podem indicar etiologias de perda de sal. O sódio na urina é determinado para distinguir as várias formas de insuficiência renal e classificar a hiponatremia.
Hipernatriúria Condições associadas com o aumento de excreção de sódio na urina incluem: sal excessivo na dieta, terapia diurética, insuficiência adrenal, nefropatia perdedora de sal, necrose tubular aguda, abuso de analgésicos (induzido por nefrite intersticial), síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SSIHAD), vômito, hipotireoidismo, diurese pós-obstrutiva, insuficiência hepática, insuficiência cardíaco-congestiva, alguns antibióticos e prostaglandinas. Parte 3
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Equilíbrio Hidreletrolítico
Hiponatriúria Condições associadas com a redução de excreção de sódio na urina incluem: hiperaldosteronismo, hiponatremia, azotemia pré-renal, glomerulonefrite, síndrome hepatorrenal, insuficiência renal, síndrome nefrótica, alguns corticosteroides e anti-inflamatórios não esteroides. Determinação do sódio na urina: eletrodos íon-seletivos. Amostra de urina para a determinação do sódio: urina de 24 horas. Juntar 25 mL de ácido acético a 50% como preservativo no frasco antes de iniciar a coleta. Valores de referência para o sódio urinário: 40 a 220 mmol/d.
POTÁSSIO (K+) O potássio (K+) é o principal cátion intracelular. Muitas funções necessitam que o organismo mantenha baixa a concentração de íons K+ no plasma. Como resultado, somente 2% do K+ total circula no plasma. Funções do K+ no corpo incluem a regulação da excitabilidade neuromuscular, contração cardíaca, volume do LIC e concentração de H+. O potássio é ingerido através de alimentos e bebidas, e excretado principalmente pela urina. A determinação do potássio no sangue é utilizada no diagnóstico e tratamento de pacientes com hipertensão, insuficiência renal, arritmia cardíaca, desorientação, desidratação, náusea e diarreia.
Regulação do potássio plasmático Os rins são fundamentais na regulação do equilíbrio do potássio. Inicialmente os túbulos proximais reabsorvem quase todo o K+. Então, sob a influência da aldosterona, K+ adicional é secretado na urina em troca pelo Na+, tanto no túbulo distal quanto nos ductos coletores. Deste modo, o néfron distal é determinante na excreção urinária de potássio. Muitas pessoas consomem mais K+ que o necessário; o excesso é excretado na urina, mas pode acumular de maneira tóxica se ocorrer insuficiência renal. A captação do K+ do LEC para o interior das células é um importante mecanismo na normalização em aumentos agudos de K+ no plasma devido à ingestão excessiva. O K+ celular gradualmente retorna ao plasma de onde é removido pela excreção urinária.Três fatores influenciam a distribuição do K+ entre as células e LEC: 1) perda de K+ quando a bomba Na+, K+-ATPase está inibida como na hipóxia, na hipomagnesemia ou no excesso de digoxina; 2) a insulina promove a entrada de K+ no músculo esquelético e fígado pelo aumento da atividade da bomba Na+, K+-ATPase; e 3) catecolaminas, como a adrenalina (estimulador-b2), promove a entrada celular do K+, enquanto o propranolol (bloqueador b) bloqueia a entrada do K+ na célula. Deficiência ou excesso de ingestão raramente é causa primária de hipocalemia ou hipercalemia. Durante o exercício o K+é liberado das células que podem aumentar o K+ plasmático em 0,3 a 1,2 mmol/L e até capítulo 4
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3 mmol/L em exercícios vigorosos. Essas alterações são geralmente revertidas após alguns minutos de descanso. A hiperosmolalidade, como a encontrada no diabetes mélito não compensado, causa a difusão da água das células, carreando K+, que leva a uma gradual depleção de K+ se a função do rim estiver normal. A destruição celular libera K+ para o LEC. São exemplos: o trauma severo, a síndrome de lise tumoral e a transfusão de grandes quantidades de sangue.
Hiperpotassemia (hipercalemia) Potássio acima de 5 mmol/L: a) Redução da excreção renal: insuficiência renal aguda ou crônica, hipoaldosteronismo, doença de Addison; b) Deslocamento do potássio do espaço intracelular para o extracelular: acidose, dano músculo/celular, quimioterapia, leucemia, hemólise (anemia hemolítica); c) Excesso de ingestão: terapia de reposição de potássio oral ou intravenosa, transfusão sanguínea, desordens na alimentação (anorexia, bulimia); (d) Pseudo-hiperpotassemia: hemólise da amostra, trombocitose, uso prolongado de torniquete na coleta da amostra.
Hipopotassemia (hipocalemia) Potássio menor que 3,5 mmol/L: a) Perda gastrointestinal: vômito, diarreia, sucção prolongada, tumor intestinal, má absorção, quimioterapia, radioterapia, laxantes ou enemas; b) Perdas renais: diuréticos-tiazídicos e mineralocorticoides, nefrite, acidose tubular renal, hiperaldosteronismo, síndrome de Cushing, hipomagnesemia, leucemia aguda; c) Deslocamento do potássio do espaço extracelular para o intracelular: alcalose, excesso de insulina; d) Déficit de ingestão de potássio. Determinação do potássio: eletrodos íon-seletivos. Amostra. Soro, plasma heparinizado. Valores de referência para o potássio plasmático: 3,5 a 5,0 mmol/L.
CLORETOS Os cloretos são os ânions mais abundantes do líquido extracelular. Juntamente com o sódio, os cloretos desempenham importante papel na manutenção da distribuição de água no organismo, pressão osmótica do plasma e neutralidade elétrica.
Regulação do teor de cloretos no plasma O Cl‑ mantém a eletroneutralidade por duas vias. Primeiro, o Na+ é reabsorvido junto com o Cl– nos túbulos proximais. Segundo, a eletroneutralidade é também mantida pelo deslocamento de cloretos. Nesse processo, o dióxido de carbono gerado pelo metabolismo forma ácido carbônico, que libera H+ e bicarbonato. A deoxi-hemoglobina tampona o H+ enquanto o bicarbonato difunde para o plasma. O Cl– penetra na célula em troca de bicarbonato para manter a eletroneutralidade. 49
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Hipocloremia É a redução dos níveis de cloretos plasmáticos. Causas: perda gastrointestinal de bicarbonato, nefropatia perdedora de sal, insuficiência adrenal, acidose metabólica com acúmulo de ânions orgânicos (cetoacidose diabética), alcalose metabólica, hipoaldosteronismo primário.
Hipercloremia É o aumento de cloretos no plasma e está geralmente associada com a hipernatremia. Principal causa: acidose metabólica (redução do bicarbonato). Determinação dos cloretos: eletrodos íon-seletivos. Amostra: soro ou plasma heparinizado. Valores de referência para os cloretos: 98 a 106 mmol/L.
Fibrose cística Fibrose cística, também chamada de mucoviscidose, é uma doença autossômica recessiva (incidência no Brasil de 1:7.000 nascidos vivos), caracterizada pela falta ou defeito em uma glicoproteína de membrana, denominada regulador da condutividade transmembrânica da fibrose cística (CFTR), que atua como um canal para íons cloreto nas células epiteliais e é um membro da família de proteínas transportadoras com cassete de ligação à ATP (ABC). O canal para íons cloreto é vital para a absorção de sal (NaCl) e água através das membranas plasmáticas de células epiteliais em tecidos como pulmões, fígado, intestino delgado e glândulas sudoríparas. Na fibrose cística, o defeito dos canais CFTR resulta na retenção de Cl− no interior das células. Um muco espesso ou outras formas de secreção causam excessiva captação de água devido à pressão osmótica. As características encontradas na fibrose cística são a doença pulmonar (obstrução do fluxo de ar e infecções bacterianas crônicas), e a insuficiência pancreática (impedimento da produção de enzimas digestivas que pode resultar em deficiência nutricional severa).
Diagnóstico laboratorial da fibrose cística O diagnóstico de fibrose cística é clínico, podendo ser ratificado pela detecção de níveis elevados de cloreto e sódio no suor ou por estudo genético com a identificaçção de mutações para a fibrose cística. O teste efetuado no suor é a análise iônica quantitativa estimulada pela pilocarpina. Valores de referência para cloreto e sódio no suor: consideram-se positivos os valores de cloreto e sódio no suor > 60 mEq/L em pelo menos duas aferições.
BICARBONATO O bicarbonato é o segundo ânion mais importante do LEC. O CO2 total compreende o íon bicarbonato (hco–3), o ácido carbônico (H2CO3) e o CO2 dissolvido. Em pH fisiológico, o bicarbonato compõe a maior fração do CO2 total 50
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(90%); a medida do mesmo é um indicativo da medida do bicarbonato. O hco–3 é o principal componente do sistema tampão no sangue. A anidrase carbônica (AC) nos eritrócitos converte CO2 e H2O a ácido carbônico, que se dissocia em H+ e hco–3. H2O + CO2
AC
H2CO3
AC
H+ + hco–3
O hco–3 difunde para o exterior da célula, em troca pelo Cl-, para manter a neutralidade da carga iônica no interior das células (deslocamento de cloreto). O processo converte o potencialmente tóxico CO2 no plasma em tampão bicarbonato. O hco–3 tampona o excesso de H+ pela formação de ácido, que se dissocia em H2O e CO2 nos pulmões, onde o CO2 é eliminado.
Regulação do bicarbonato A maior parte de hco–3 é reabsorvida nos rins (85%) pelos túbulos proximais, com 15% sendo reabsorvido pelos túbulos distais. Como os túbulos são parcialmente impermeáveis ao hco–3, ele é geralmente reabsorvido como CO2. Isso ocorre como hco–3, que após filtração nos túbulos, combina com o H+ para formar ácido carbônico, que então dissocia em H2O e CO2. O CO2 rapidamente difunde para o interior do LEC. Normalmente, quase todo o hco–3 é reabsorvido pelos túbulos, com pequena perda na urina. Quando hco–3 é filtrado, em presença de excesso de H+, quase todo o excesso de hco–3 flui para a urina. Na alcalose, com o aumento relativo no hco–3 em relação ao CO2, os rins aumentam a excreção do hco–3 na urina, carreando junto o Na+. Essa perda de bicarbonato do organismo colabora para a correção do pH. Dentre as respostas do organismo à acidose, está o aumento da excreção de H+ na urina. Além disso, a reabsorção do hco– é virtualmente completa, com 90% do bicarbonato filtrado 3 reabsorvido no túbulo proximal, e o restante no túbulo distal. Determinação do dióxido de carbono. Aqui a determinação é tratada especificamente no soro ou no plasma venoso. A determinação no sangue arterial como PaCO2 é realizada por gasometria arterial. O CO2 total é determinado por eletrodos íon-seletivos e métodos enzimáticos. Amostra: soro ou plasma heparinizado (lítio heparina). Manter o frasco fechado para evitar a perda de CO2. Realizar a determinação imediatamente após a separação do soro ou plasma. Valores de referência para o dióxido de carbono: 23 a 29 mmol/L (plasma e soro).
CÁLCIO O cálcio está presente em três compartimentos principais: esqueleto (99% do total), tecidos moles (1% do total), e líquido extracelular (menos que 0,2% do total). O cálcio apresenta diferentes funções fisiológicas em diferentes compartimentos: 1) Cálcio intracelular: o cálcio ionizado facilita a condução neuromuscular, a contração e o relaxamento do Parte 3
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músculo esquelético e cardíaco. Atua na regulação da função das glândulas exócrinas e endócrinas; 2) Cálcio extracelular: exerce papel importante na mineralização óssea, no mecanismo da coagulação sanguínea e na manutenção do potencial de membrana plasmática que influencia a permeabilidade e a excitabilidade; 3) Cálcio do esqueleto: é o principal local de armazenamento e mobilização de cálcio para o “pool” extracelular e intracelular. O osso é continuamente remodelado por um processo combinado de reabsorção e formação óssea. O cálcio no plasma humano normal apresenta-se sob três formas distintas: 1) cálcio ligado a proteínas plasmáticas; 2) cálcio livre (ionizado) é a forma biologicamente ativa (45% a 50% do total; 3) cálcio complexado: constituído por uma variedade de ânions, tais como: citrato, fosfato, lactato, bicarbonato, e outros íons. Compreende (5% a 10% do total).
Controle do metabolismo do cálcio A manutenção da homeostase do cálcio envolve três órgãos: intestino delgado, rins e esqueleto. A glândula mamária, durante a lactação, é também importante, assim como a placenta e o feto durante a gestação. Vários compostos estão envolvidos na regulação do cálcio plasmático. Os dois principais são: o paratormônio (PTH) e a vitamina D. Outras substâncias contribuem em menor grau: calcitonina, hormônios da tireoide, esteroides adrenais, prostaglandinas, fator ativador dos osteoclastos e proteína PTH-relacionada.
Hipocalcemia A deficiência de cálcio deve ser examinada sob a luz das variáveis que afetam fisiologicamente o cálcio ionizado ativo, principalmente em relação ao teor de proteínas plasmáticas e pH sanguíneo. A hipocalcemia verdadeira (redução de cálcio total e ionizado) inclui: hipoparatireoidismo (aplasia glandular, destruição ou remoção); hipoalbuminemia (afeta o cálcio total); concentração do H+ no plasma; pseudo-hipoparatireoidismo; insuficiência renal; deficiência de vitamina D (deficiência nutricional, redução da exposição ao sol); raquitismo dependente de vitamina D; má absorção de vitamina D; doença hepatocelular crônica; doença pancreática; síndrome nefrótica; desordem tubular renal; anticonvulsivantes; hiperfosfatemia; síndrome de osso faminto; doenças graves; hipocalcemia neonatal; pancreatite aguda; hipomagnesemia. Determinação do cálcio: o-cresolftaleína complexona (CPC) ou o corante arseno III. Amostra: soro ou plasma heparinizado (lítio) isentos de hemólise e separados prontamente após a coleta, para evitar a captação do cálcio pelos eritrócitos. O sangue deve ser colhido sem estase venosa para evitar as variações do cálcio, ligado às proteínas. Antes da prova, o paciente deve consumir dieta com quantidades normais de cálcio, 600 a 800 mg/d durante três dias. Valores de referência para o cálcio plasmático: 8,9 a 10,1 mg/dL. capítulo 4
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Cálcio urinário A concentração do cálcio total na urina reflete: absorção intestinal, reabsorção óssea, filtração e reabsorção tubular renal. A medida do cálcio urinário é indicada no acompanhamento das terapias de reposição e na avaliação do metabolismo do cálcio nas doenças ósseas, na nefrolitíase, na hipercalciúria idiopática e nas doenças da paratireoide.
Hipocalciúria Deficiência de vitamina D, hipocalciúria familiar, hipoparatireoidismo, esteatorreia, pseudo-hipoparatireoidismo, metástases de câncer de próstata, osteodistrofia renal, osteomalácia, pré-eclâmpsia, diuréticos tiazídicos.
Hipercalciúria O excesso de excreção de cálcio na urina é a causa mais comum de formação de cálculo renal. Outras causas significantes são: hiperoxalúria, hiperuricosúria, volume urinário baixo e hipocitratúria. Define-se hipercalciúria conforme Tabela 4.4. Tabela 4.4 Definição de hipercalciúria. Dieta
Definição
Dieta normal (sem restrições)
Mulheres: > 250 mg/d de cálcio Homens: > 275-300 mg/d de cálcio > 4 mg/d de cálcio por quilo de peso corporal
Dieta restrita > 200 mg/d de cálcio (400 mg de > 3 mg/d de cálcio por quilo cálcio, 100 mEq de peso corporal sódio) Fonte: Acervo do autor.
Os tipos mais comuns de hipercalciúria clinicamente significantes são: absortivas (I, II e III), renais, reabsortivas, e perdas renais de fosfato. Outras causas de hipercalciúria incluem: hipertireoidismo, acidose tubular renal, sarcoidose e outras doenças granulomatosas, intoxicação por vitamina D, excesso de glicocorticoides, doença de Paget, acidose tubular de Albright, várias síndromes paraneoplásicas, imobilização prolongada, estados hipofosfatêmicos induzidos, mieloma múltiplo, linfoma, leucemia, tumores metastáticos especialmente ósseos, doença de Addison e síndrome leite-álcali. Cerca de 80% de todos os cálculos renais contêm cálcio e, no mínimo, um terço de todos os cálculos de cálcio são encontrados em pacientes com hipercalciúria. A hipercalciúria contribui para a formação de cálculos renais e osteoporose. Determinação do cálcio urinário: o-cresolftaleína complexona (CPC) ou o corante arseno III. 51
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Amostra para o cálcio urinário. O cálcio na urina é mantido sem precipitação durante a coleta ou quando armazenado, pela adição de 10 mL de ácido clorídrico 6 mol/L ao frasco de coleta para atingir o pH de 3 a 4. Valores de referência para o cálcio urinário: Dieta normal: 150 a 300 mg/d.
FÓSFORO (FOSFATO) Encontrados em todas as células vivas, os compostos de fosfato participam de muitos dos mais importantes processos bioquímicos. Os materiais genéticos ácido ribonucleico (RNA) e ácido desoxirribonucleico (DNA) são complexos de fosfodiésteres. A maioria das coenzimas é estere do ácido fosfórico e pirofosfórico. Os mais importantes reservatórios de energia bioquímica são o ATP, a creatina fosfato e o fosfoenolpiruvato. A deficiência de fosfato pode produzir depleção de ATP, que em última instância é responsável pelos sintomas clínicos encontrados na hipofosfatemia. Alterações na concentração do 2,3-bisfosfoglicerato (2,3-BPG) nos eritrócitos afeta a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio. Por atuar na formação de 2,3-BPG, a concentração de fosfato inorgânico afeta indiretamente a liberação de oxigênio pela hemoglobina. Compreender o que origina níveis alterados de fosfato no sangue muitas vezes é difícil, já que o seu deslocamento transcelular é a principal causa da hipofosfatemia. Ou seja, um aumento no deslocamento do fosfato para o interior das células pode reduzir o fosfato sanguíneo. Ao ser capturado pela célula, o fosfato pode ser usado na síntese de compostos fosforilados. Como esses compostos de fosfato são metabolizados, o fosfato inorgânico lentamente deixa a célula para o sangue, onde é regulado principalmente pelos rins.
Regulação do fosfato O fosfato presente no sangue pode ser proveniente da dieta, por absorção intestinal, liberado das células ou perdido pelos ossos. Em indivíduos normais, todos esses processos são relativamente constantes e facilmente regulados pela excreção ou reabsorção renal de fosfato. Distúrbios em qualquer desses processos podem alterar a concentração de fosfato no sangue; entretanto, a falta de regulação pelos rins produzirá os mais profundos efeitos. Apesar de outros fatores, como a vitamina D, calcitonina, hormônio do crescimento e o estado ácido-base poderem afetar a regulação renal do fosfato. O fator mais importante é o paratormônio (PTH) que, de modo geral, reduz a concentração sanguínea de fosfato pelo aumento da excreção renal. A vitamina D atua no aumento do fosfato no sangue; eleva tanto a absorção do fosfato no intestino como a reabsorção renal. O hormônio do crescimento atua na regulação do crescimento do esqueleto, e pode afetar as concentrações de fosfato no sangue. Em casos de administração ou secreção excessiva de hormônio do crescimento, os níveis de fosfato no sangue podem aumentar pela redução da excreção renal do mesmo. 52
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Distribuição O fosfato é um ânion predominantemente intracelular, com concentrações variáveis, dependendo do tipo de célula. Cerca de 80% a 90% do total está presente nos ossos, 10% a 20% em tecidos moles, e menos de 1% na forma ativa no plasma.
Hipofosfatemia Existem quatro causas gerais: desvio do fosfato do espaço extracelular para o intracelular, perda renal de fosfato, perda pelo trato gastrointestinal e perda de estoques intracelulares. A hipofosfatemia é encontrada, às vezes, em pacientes com cetoacidose diabética, doença obstrutiva pulmonar crônica, asma, malignidade, nutrição parenteral por longo tempo, doença intestinal inflamatória, anorexia nervosa e alcoolismo. Em internados em CTI com sepse, a hipofosfatemia é encontrada em até 80% dos pacientes. A hipofosfatemia pode também ser causada pelo aumento da excreção renal (hiperparatireoidismo) e redução da absorção intestinal (deficiência da viamina D ou uso de antiácidos).
Hiperfosfatemia Geralmente é secundária à incapacidade dos rins em excretar fosfato (insuficiência renal aguda ou crônica). Outros fatores: ingestão aumentada ou um desvio do fosfato dos tecidos para o líquido extracelular. Como ainda não desenvolveram plenamente a produção de PTH e o metabolismo de vitamina D, os neonatos são especialmente suscetíveis à hiperfosfatemia causada pela ingestão aumentada de leite de vaca ou laxantes. Aumentos da destruição celular podem, às vezes, levar à hiperfosfatemia, como em infecções severas, exercícios intensos, desordens neoplásicas ou hemólise intravascular. Como os linfoblastos imaturos contêm quatro vezes mais fosfato que os linfócitos maduros, pacientes com leucemia linfoblástica são especialmente suscetíveis à hiperfosfatemia. Determinação do fósforo: formação de complexo fósforo molibdato, com leitura em 340 nm ou convertido em azul de molibdênio com leitura em 600 a 700 nm. Amostra: soro, plasma heparinizado, e urina de 24 horas. Valores de referência para o fósforo: Adultos
2,2 a 4,5 mg/dL
Recém-nascidos
3,5 a 8,6 mg/dL
Crianças
4,0 a 7,0 mg/dL
Urina (adultos)
400 a 1.300 mg/d
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referências consultadas 1. Assadi F. Hiponatremia: a problem-solving approach to clinical cases. J. Nephrol 2012; 25(4):473-80. 2. Choi MJ, Ziyadeh FN. The utility of the transtubular potassium gradient in the evaluation of hyperkalemia. J Am Soc Nephrol 2008; 19:424-26.
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3. LeFever Kee J, Paulanka BJ, Polek C. Handbook of Fluid, Electrolyte, and Acid-Base Imbalances. 3 ed. Delmar, 2010. 4. Motta VT. Bioquímica clínica para o laboratório: princípios e interpretações. 5 ed. Medbook, 2009: 139-180. 5. Polancic JE. Electrolytes. In: Bishop ML, Edward P, Fody EP, Schoeff LE. Clinical chemistry: techniques, principles, correlations. 6 ed. Lippincott, 2010: 356-383.
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capítulo Geraldo Picheth
Diabetes Mellitus DEFINIÇÃO A Associação Americana de Diabetes (ADA), legitimada por múltiplas entidades internacionais e pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) definem o diabetes mellitus como “um grupo de doenças metabólicas caracterizadas por hiperglicemia, resultante de defeitos na secreção de insulina, ação da insulina ou ambos. A hiperglicemia crônica do diabetes está associada a lesões de evolução lenta, disfunções e insuficiências de diferentes órgãos, especialmente os olhos, rins, nervos, coração e vasos sanguíneos”. Portanto, o diabetes mellitus (ou Diabetes melito, DM) contempla um grupo heterogêneo de processos patológicos que apresentam em comum a hiperglicemia crônica.
O DIABETES EM NÚMEROS Múltiplos estudos, incluindo metanálises, comprovam que o DM é uma patologia em expansão. O termo “epide-
mia de diabetes” empregado para pontuar a rápida expansão da doença é pertinente. As projeções para o ano de 2030 sugerem a presença de mais de 550 milhões de diabéticos no mundo, e número semelhante de indivíduos com risco aumentado de diabetes (pré-diabetes), com crescimento global da patologia superior a 50% (Figura 5.1). Esse processo de rápida evolução do número de diabéticos está diretamente associado ao aumento de peso e à obesidade observados em todos os países. O Brasil, em 2012, contava com 13,4 milhões de diabéticos em sua população com idades entre 20 e 79 anos, ou seja, cerca de 7% da população adulta. As concentrações de glicose no sangue são controladas por diversos mecanismos, principalmente os fluxos hormonais (Figura 5.1). O pâncreas tem função central na homeostasia da glicose através de hormônios polipetídios produzidos nas ilhotas de Langerhans (Figura 5.2). As células a-pancreáticas produzem o hormônio glucagon, de ação hiperglicemiante, Mundo: 2011 = 366 milhões 2030 = 552 milhões aumento = 51%
52,8 64,2 22%
37,7 51,2 36%
32,6 59,7 83%
25.1 39.9 59%
71,4 120,9 69%
14,7 28,0 90% 131,9 187,9 42%
Figura 5.1 Estimativa da evolução do diabetes no mundo. Os quadros mostram, na parte superior, a frequência de indivíduos diabéticos estimada para o ano de 2011. Acima, a projeção para 2030, e a porcentagem esperada de aumento por continente. Fonte: Kozak BM; et al., 2012. Whiting DR; et al., 2011.
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Tratado de Análises Clínicas
Suprarrenal Cortisol Epinefrina
–
Intestino Incretinas (GLP-1 e GIP)
– Pâncreas
Hipófise Hormônio do crescimento
+ Glucagon
+
+
Somatostatina
+
Insulina –
–
Fígado Gluconeogênese Glucogenólise
Tecido adiposo Captação da glicose
– Tecido muscular Captação da glicose Glicólise
Figura 5.2 Regulação hormonal da glicose sanguínea. Os símbolos ⊕ e Θ indicam estímulo e inibição para o aumento da glicemia. Fonte: Adaptada de Bishop et al., 2013.
enquanto as células b, o hormônio insulina, o único que promove a redução da glicose sanguínea. A somatostatina produzida nas células d-pancreáticas tem efeito inibidor regulatório na liberação do glucagon e da insulina. Os hormônios cortisol, epinefrina e hormônio do crescimento têm efeito de aumentar a glicemia, principalmente estimulando a liberação de glicose pelo fígado. As ações do ACTH (hormônio adrenocorticotrófico) e a tiroxina promovem o aumento da glicemia. As incretinas, hormônios polipetídios secretados pelas células enteroendócrinas, principalmente o GIP (polipetídio insulinotrópico glicose-dependente) e o
GLP-1 (peptídeo-1 semelhante ao glucagon) estimulam a liberação de insulina pancreática e inibem a ação do glucagon. A manutenção da concentração sanguínea de glicose estável (homeostasia da glicose), mesmo em períodos de ausência de aporte alimentar, é fisiologicamente importante para suprir tecidos que utilizam esse carboidrato como fonte energética principal, a exemplo do tecido nervoso. O diabetes mellitus é classificado em quatro classes, reconhecidas pelas principais entidades mundiais no tema, como mostrado na Tabela 5.1.
Tabela 5.1 Classificação etiológica do diabetes mellitus. Tipos de diabetes
Frequências
I.
Diabetes tipo 1 A. Imunomediado B. Idiopático
5%-10%
II.
Diabetes tipo 2
> 90%
III.
Diabetes mellitus gestacional A. Defeitos genéticos relacionados à função da célula b-pancreática B. Defeitos genéticos na ação da insulina C. Doenças do pâncreas exócrino D. Endocrinopatias E. Induzido por drogas ou substâncias químicas F. Infecções G. Formas incomuns de diabetes imunomediado H. Outras síndromes genéticas, algumas vezes associadas ao diabetes
< 5% (?)
IV.
Outros tipos de diabetes
1%-14% das gestações
Fonte: Adaptada de American-Diabetes-Association. Standards of Medical Care in Diabetes 2017. Diabetes Care, 2017, 40, Suppl 1:S11-S24.
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Diabetes Mellitus
SINAIS E SINTOMAS ASSOCIADOS AO DIABETES O termo diabetes, de origem grega, tem o significado de “sifonar”, e “mellitus ou melito”, semelhante ao mel (sabor doce). A terminologia reflete os principais sintomas da patologia, a poliúria, a polidipsia, e a presença de glicose na urina. O afetado tem sede intensa e urina grandes volumes de “sabor” doce, como se a urina passasse por ele como em um sistema de sifonagem. De longa data se reconhecem os principais sinais e sintomas associados ao diabetes (Figura 5.3). Um grupo de sintomas, designados clássicos, estão presentes principalmente no diabetes tipo 1, mnemonicamente designados 4Ps (Poliúria, Polidipsia, Polifagia e Perda de peso), e refletem insuficiência aguda de insulina. Os outros sintomas são gerais, também frequentes em diferentes processos patológicos, e no diabético estão associados às complicações da hiperglicemia crônica. É
relevante ressaltar que muitos indivíduos com diabetes tipo 2 são assintomáticos, o que demonstra a necessidade da realização de exames periódicos para o diagnóstico.
Fisiopatologia DO DIABETES A patofisiologia do diabetes, apesar dos avanços no conhecimento da patologia, não é completamente conhecida. A Figura 5.4 sumariza os principais elementos associados aos tipos de diabetes mais frequentes.
Diabetes tipo 1 O diabetes tipo 1 tem predisposição genética associada a genes do sistema HLA (antígeno leucocitário humano) e está relacionado a uma agressão autoimune às células b− -pancreáticas, resultando na destruição do sítio produtor de insulina e, consequentemente, a uma deficiência desse hormônio, que necessita reposição externa (insulinoterapia) para
Clássico
Gerais
• Poliúria (volume urinário elevado) • Polidipsia (sede intensa) • Polifagia (fome intensa) • Perda rápida de peso • Cetoacidose
• Obesidade • Enurese noturna • Visão dupla ou borrada • Infecções (pele, vulvovaginites) • Feridas de difícil cicatrização • Prurido • Neuropatia periférica • Fraqueza e fadiga
Figura 5.3 Principais sinais e sintomas associados ao diabetes. Fonte: Adaptada de SBD, 2015-2016.
Predisposição genética Fatores ambientais estilo de vida (sobrepeso/obesidade)
Agressão autoimune (vírus, inflamação, outro) Fatores não conhecidos Destruição células beta pancreáticas insulina: deficiência ou ausência absoluta
Insulina: Resistência à ação Redução na produção Diabetes mellitus
DM tipo 1
DM tipo 2
Figura 5.4 Principais elementos relacionados à patofisiologia do diabetes. Fonte: Sacks DB; et al., 2011.
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que o paciente sobreviva. Presença de autoanticorpos contra várias estruturas celulares (antiGAD65, anti-insulina, antitirosinafosfatase, dentre outras) está presente na grande maioria dos pacientes com DM1, grupo designado diabetes tipo 1A. Em outro grupo minoritário, que apresenta deficiência de produção de insulina, diabetes tipo 1B, não há alteração dos marcadores de autoimunidade contra a célula b-pancreática ou com o sistema HLA, sendo considerado idiopático. Pacientes com DM1 estão sujeitos a apresentar cetoacidose, um evento de elevada gravidade, raro em outros tipos de diabetes.
Diabete tipo 2 O DM2 é um tipo de diabetes reconhecidamente poligênico (vários locos gênicos envolvidos) e caracterizado por padrões de transmissão genéticos bem definidos. No DM2, fatores ambientais como o estilo de vida, inatividade física e muito fortemente (> 90%) a presença de sobrepeso ou obesidade (IMC > 25 kg/m2) são fatores predisponentes à resistência e ação da insulina, e na evolução do processo a redução da produção desse hormônio.
Outros tipos específicos de diabetes Esse grupo congrega vários processos patológicos que produzem alteração na glicemia. O destaque nesse grupo heterogêneo está nas alterações genéticas monogênicas associadas à célula b-pancreática, como os diferentes tipos de diabetes MODY (diabetes da maturidade em jovens; Maturity Onset Diabetes of the Young). Mutações que afetem genes como
o da enzima glucoquinase (MODY-2 ou GCK-MODY), um sensor da glicemia, ou de fatores de transcrição como o fator hepatocítico nuclear (HNF1-a ou MODY-3), agentes que regulam a expressão de genes são exemplos desse tipo de diabetes.
Diabetes gestacional A definição de Diabetes mellitus gestacional (DMG) vem sofrendo modificações nos últimos anos. O diabetes identificado inicialmente durante a gestação é discutido de forma mais abrangente, com os novos critérios diagnósticos. É relevante pontuar que há fatores não conhecidos associados ao diabetes, incluindo aqueles que necessitam de comprovação com maior número de estudos. As características de heterogeneidade do diabetes sugerem que à medida que as pesquisas avançarem novos tipos específicos de diabetes poderão ser estabelecidos, com patofisiologia específica. A Tabela 5.2 resume as principais características dos tipos de diabetes mais frequentes. O diabetes latente autoimune do adulto (LADA, latent autoimmune diabetes in adults) ou tipo 1,5 (um e meio), descrito no final dos anos 1980, caracteriza um subgrupo de pacientes com diabetes que, embora apresentem autoanticorpos (como o GAD65) contra a célula b-pancreática, mantém a produção de insulina preservada por um período de tempo. Esses indivíduos têm sido referidos como diabéticos tipo 1 latentes e se diferenciam do diabetes tipo 2 clássico. A designação de diabetes 1,5 é sugestiva das características comuns ou de transição entre ambos os tipos 1 e 2 do diabetes.
Tabela 5.2 Características dos principais tipos de diabetes. Tipos de diabetes Características
DM1
DM 1,5
DM 2
Nomenclatura antiga
Diabetes insulinodependente
LADA Tipo ½
Diabetes não insulinodependente
Idade de início, anos
< 20 (3-40)
~35 (20-70)
> 40 (35-80)
% dos diabéticos
~10%
~10%
~ 80%
Sintomas clássicos
Sim
Não
Não
Peso corporal
Magro
Intermediário
Obeso (> 90%)
Dependência de insulina exógena
Sim Urgente: no diagnóstico
Sim Usual após ~6 anos do diagnóstico Hipoglicemiantes orais
Não Hipoglicemiantes orais Pode necessitar após vários anos
Presença de autoanticorpos
Sim (ICA, IA2, GAD65, IAA)
Sim (GAD65)
Não
Resistência à insulina
Não
Parcial
Sim
LADA: diabetes latente autoimune do adulto. Fonte: Adaptada de Laugesen E, et al., 2015.
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DIAGNÓSTICO DO DIABETES MELLITUS O diagnóstico do diabetes está baseado na concentração de glicose no sangue. Os critérios atuais para o diabetes se fundamentam nas concentrações glicêmicas associadas à prevalência de retinopatia, uma complicação frequente da patologia, e estão descritas na Tabela 5.3. Não está disponível um ensaio gold standard (ou padrão-ouro) para o diagnóstico do diabetes.Todos os critérios diagnósticos apresentam vantagens e desvantagens intrínsecas aos processos. O risco para desenvolvimento do diabetes associado às concentrações da glicemia é contínuo. Portanto, os valores de corte propostos para risco aumentado do diabetes refletem pontos que fazem um balanço de falso-negativos (falha em identificar aqueles que se tornarão diabéticos), e falso-positivos (identificação incorreta de pacientes que desenvolverão diabetes com as implicações nos gastos com intervenções desnecessárias). Em pacientes com diabetes tipo 2, quando do
diagnóstico laboratorial, estima-se que o diabetes já esteja em curso por cerca de quatro a sete anos antes do diagnóstico As categorias de risco aumentado para o diabetes, também designado de pré-diabetes, estão representadas na Tabela 5.4. Esse grupo de pacientes, além do diabetes, tem maior risco para doença cardiovascular
Diagnóstico do diabetes gestacional A gestação normal evolui para uma resistência progressiva à insulina, que tem início próximo à metade da gestação e progride até o terceiro trimestre, a níveis que se aproximam dos observados em pacientes com diabetes tipo 2. Essa resistência à insulina resulta da combinação do aumento da adiposidade materna e dos efeitos dos hormônios produzidos pela placenta, com destaque para o hormônio lactogênio placentário e estrógenos. O Diabetes Gestacional (DMG) é definido como intolerância à glicose, de início ou primeiro reconhecimento durante a gravidez.
Tabela 5.3 Critérios para o diagnóstico do diabetes. Critérios
Analitos
Concentrações
Comentários
1*
HbA1C
≥ 6,5 %
O teste deve ser realizado com método padronizado e certificado pelo NSGP e padronizado pelo ensaio do DCCT
Glicemia de jejum
≥ 126 mg/dL
Jejum definido como ausência de ingesta de alimentos calóricos por, no mínimo, 8h
ou 2* ou 3*
Glicemia 2h após ≥ 200 mg/dL 75 g de glicose oral
O teste deve ser realizado como descrito pela OMS, utilizando dose oral de glicose contendo o equivalente a 75 g de glicose dissolvida em água
Glicemia ao acaso
Esse critério diagnóstico deve ser associado a sintomas clássicos de hiperglicemia ou crise hiperglicêmica
ou 4
200 mg/dL
*Na ausência de glicemia inequívoca, os critérios 1 a 3 devem ser confirmados por repetição do teste. Glicemia em mg/dL × 0,0555 = mmol/L. Fonte: ADA, 2017; SBD, 2015-2016.
Tabela 5.4 Categorias que apresentam risco aumentado para o diabetes (pré-diabetes). Analitos
Concentrações
Nomenclatura*
Glicemia de jejum
100 a 125 mg/dL
Glicemia de jejum alterada
Glicemia 2h após 75 g de glicose oral
140 a 199 mg/dL
Tolerância à glicose diminuída
HbA1C
5,7% a 6,4%
–
*Sociedade Brasileira de Diabetes, 2015-2016, e ADA 2017. Fonte: ADA, 2017; SBD, 2015-2016.
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Essa definição clássica, no entanto, permite que mulheres com diabetes tipos 1, tipo 2 ou outros, que não tenham sido diagnosticadas previamente à gestação, sejam classificadas como diabéticas gestacionais. Essas alterações hormonais fisiológicas também afetam as concentrações dos lípides na gestação. O DMG induz a um estado de dislipidemia consistente com a resistência à insulina e à concentração de estrogênio. Durante a gestação, mulheres com diabetes gestacional apresentam concentrações elevadas de triglicerídios e reduzidas de LDL-C quando comparadas àquelas com gestações normais (Koukkou). Marcadores para o DMG com base nas concentrações de lípides séricos têm sido sugeridos. O estudo HAPO (Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcomes study) foi um marco relevante na consolidação dos efeitos adversos da hiperglicemia crônica na gestação. Esse estudo epidemiológico multicêntrico de larga escala (cerca de 25 mil gestantes avaliadas) demonstrou que o risco de efeitos adversos maternos, fetais e para o neonato aumentam continuamente relacionados à glicemia materna medida entre a 24a e a 28a semana de gestação. O DMG guarda similaridade com o diabetes tipo 2, e no Brasil a frequência média da patologia afeta certa de 7% das gestações. Após o parto, a maioria das pacientes com DMG retorna à normoglicemia, mas o risco dessas pacientes em desenvolver DM2 no futuro é aumentado (10% a 63%). Portanto, as diretrizes atuais recomendam que, no início da gestação, a gestante seja avaliada para o diagnóstico do diabetes, com os procedimentos padronizados para a população geral (Tabela 5.3). Aquelas que apresentarem os biomarcadores de hiperglicemia compatíveis com diagnósti-
co de DM serão classificadas como diabetes manifesto (overt diabetes), uma nova categoria que busca identificar o diabetes pré-gestacional, a qual deve ser caracterizada com outros ensaios para definir o tipo de diabetes (tipo 1, tipo 2 ou outros tipos específicos). Somente aquelas que apresentarem glicemia de jejum entre 92 e 125 mg/dL serão caracterizadas como apresentando DMG no início da gestação. Gestantes com glicemia < 92 mg/dL deverão ser encaminhadas para a realização de curva glicêmica entre a 24a e a 28a semana de gestação. Se a glicemia de jejum for igual ou superior a 126 mg/dL, o diagnóstico de diabetes manifesto será consignado. As gestantes que apresentarem alterações na glicemia após a administração oral de 75 g de glicose (curva glicêmica), acima dos valores de corte recomendados, serão caracterizadas como DMG. É importante ressaltar que apenas um valor, em qualquer tempo na curva glicêmica, é suficiente para o diagnóstico de DMG. A Figura 5.5 esquematiza os critérios para o diagnóstico do diabetes gestacional segundo a IADPSG. Os fatores de risco para o diabetes gestacional e tipo 2 têm íntima relação, como estão apresentados na Figura 5.6. Nesses dois fatores são proeminentes em todos os estudos: a obesidade e a história familiar com presença do diabetes. As metas estabelecidas para o controle glicêmico estão apresentadas na Tabela 5.5. As diferentes propostas das sociedades envolvidas no diabetes mostram que não há consenso neste tópico. Em especial para crianças, as metas apresentam maior tolerância, lembrando que as metas muito restritivas aumentam o risco de crises severas e indesejáveis de hipoglicemia.
Primeira consulta do pré-natal (todas as mulheres ou mulheres de alto risco) Diabetes manifesto (overt diabetes) Glicemia (mg/dL) jejum > 126 ao acaso > 200 HbA1c > 6,5%
Glicemia jejum < 92 mg/dL
Diabetes gestacional Glicemia jejum (mg/dL) > 92 e > 126
TOTG 75 g na 24-28 semana gestação
Diabetes manifesto (Overt diabetes) Glicemia jejum > 126 mg/dL
“Normal” < 92 mg/dL
Diabetes gestacional Glicemia (mg/dL) após 75-g glucose oral Jejum > = 92 e < 126 1 hora > 180 2 horas > 153 Um valor acima do corte
Figura 5.5 Critérios para o diagnóstico do diabetes gestacional segundo a IADPSG. Critérios da International Association of Diabetes and
Pregnancy Study Groups (IADPSG) aceitos pela Associação Americana de Diabetes (ADA) e outras instituições. Fonte: ADA, 2017.
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Parte 3
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Diabetes Mellitus
Obesidade pais ou irmãos com dm2
Obesidade e sobrepeso
• DMG prévio ou parto de criança com > 4.000 g • Hipertensão ou síndrome metabólica • Mães com peso ao nascer > 4.000 g • Síndrome do ovário policístico • Raça/etnia de alto risco • Acantose nigricans
• História de parto com criança com > 4.000 g • História de matabolismo anormal da glicose • História do próprio peso ao nascer > 4.000 g • Raça/etnia de alto risco • Idade ≥ 35 anos • Baixa estatura (< 1,50 m) • Histórico de passado obstétrico anormal
história familiar de dm
Figura 5.6 Fatores de risco para o desenvolvimento do diabetes tipo 2 e gestacional. Fonte: SBD, 2015-2016.
Tabela 5.5 Metas para critérios para controle glicêmico em adultos e crianças com diabetes. Dosagens
Adultos
Crianças
ADA/SBD*
IDF e AACE
Glicemia pré-prandial (mg/dL)
70-130
< 110
90-180
Glicemia pós-prandial (mg/dL)
< 180 ou < 160*
< 140
< 180
< 7,0
< 6,5
7,5-8,5
HbA1C (%)
Fonte: Joslin, SBD 2015-2016. Federação Internacional de Diabetes e Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos.
ENSAIOS LABORATORIAIS PARA DIAGNÓSTICO E CONTROLE GLICÊMICO
sumo da glicose na amostra (glicólise), e o conhecimento da variabilidade biológica associada ao ensaio.
Os ensaios laboratoriais são elementos centrais para o diagnóstico e monitoramento do diabetes. Todas as medidas laboratoriais são suscetíveis a variações pré-analíticas e analíticas, bem como a interferências que podem afetar a interpretação dos testes. Os ensaios de laboratório de rotina envolvidos no diabetes são: a glicemia de jejum, a curva glicêmica ou teste oral de tolerância à glicose (TOTG), a hemoglobina glicada, a frutosamina e o 1,5 anidroglicitol (1,5 AG). É crítico e essencial que laboratórios que realizam testes diagnósticos tenham estabelecido programas de controle de qualidade interno e externo para garantia da qualidade e a manutenção da consistência de resultados confiáveis. É consenso que as determinações laboratoriais para diagnóstico e controle do paciente com diabetes devam ser realizadas em laboratório acreditado.
Jejum
Glicemia de jejum Fase pré-analítica Os três elementos relevantes da fase pré-analítica são o estabelecimento do jejum, os cuidados relacionados ao concapítulo 5
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O tempo mínimo de jejum recomendado é de 8 horas, não devendo ultrapassar 16 horas. Durante o período de jejum o paciente pode receber água à vontade (ad libitum). Esse período de jejum é importante para padronizar o ensaio e colocar o paciente o mais próximo possível ao seu ponto de equilíbrio (homeostasia) dos fluxos hormonais que afetam a glicemia.
Inibidores da glicólise As células sanguíneas, com destaque para os leucócitos, consomem a glicose (glicólise) sanguínea para a obtenção de energia. Portanto, após a coleta de sangue para glicose, se a amostra não for adequadamente tratada, progressivamente terá seu conteúdo de glicose reduzido pela glicólise. Cerca de 5% a 7% da glicose pode ser consumido por hora, dependendo da temperatura ambiente e da contagem de leucócitos, entre outros fatores. É possível, portanto, que um paciente com 126 mg/dL tenha a glicemia reduzida a 110 mg/dL duas horas após, somente pela ação das enzimas da via glicolítica 61
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e, consequentemente, a perda do diagnóstico do diabetes se a glicose da amostra não for corretamente estabilizada. Duas formas clássicas são recomendadas para evitar a perda da glicose por glicólise in vitro. O processo mais conveniente é separar o soro ou plasma das células em período máximo de uma hora após a coleta. Essa amostra pode ser conservada refrigerada por três dias e vários meses no congelador a -20 ºC. Outro método tradicional é coletar o sangue na presença de agentes anti-glicolíticos. Dentre esses agentes, o fluoreto de sódio (2,5 mg/mL de sangue, associado ao EDTA ou oxalato) e o iodoacetato (0,5 mg/mL de sangue, associado à heparina) inibem enzimas da via glicolítica, respectivamente, enolase e gliceroaldeído 3-fosfato desidrogenase, e consequentemente preservam a glicose na amostra de plasma. A inibição por estes agentes antiglicolíticos, no entanto, não é imediata. A inibição com fluoreto só é completa após até 4 horas, resultando em perdas da glicemia (cerca de 8 mg/dL, usualmente). Uma nova mistura antiglicolítica, que inibe a glicólise rapidamente, baseada na acidificação do sangue com tampão citrato está disponível ao laboratório clínico, mas é pouco utilizada no momento.
Variabilidade biológica As variações de todos os elementos que afetam a concentração de glicose no sangue conferem flutuações a este analito, mesmo em jejum. Os fluxos hormonais e a dieta são os principais responsáveis por estes fluxos, cuja resposta varia entre os indivíduos. Essas flutuações nas concentrações da glicemia, bem como de outros analitos em líquidos biológicos decorrentes destes processos intrínsecos, são chamadas de variabilidade biológica. A variabilidade biológica (VB) pode ser estimada, assumindo que não ocorra variação pré-analítica pela equação: (CV total)2 = (CV analítico)2 + (CV biológico)2 Onde CV é o coeficiente de variação (%) que mostra a razão do desvio-padrão com a média da análise (CV analítico = imprecisão analítica) e da variação biológica (CV biológico). O coeficiente de variação biológico médio intraindividual e interindividual para a glicemia de jejum são parâmetros importantes para interpretar os biomarcadores glicêmicos (Tabela 5.6). Tabela 5.6 Variabilidade biológica média para os principais biomarcadores de hiperglicemia. Variabilidade biológica média (CV %) Analitos
Intraindividual
Interindividual
Glicemia de jejum
5,7
8,3-12,5
TOTG
16,7
-
HbA1C
1,9
5,7
Fonte: Sacks DB; et al., 2011.
62
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Quando se aplica o coeficiente de variação biológico médio para glicemia de jejum (CVb 5,7%), as concentrações de glicemia de 100 mg/dL e 126 mg/dL, respectivamente valores de corte para glicemia normal e diagnóstico do diabetes, o intervalo de confiança com 95% de probabilidade estima a variação esperada para estes valores. A Figura 5.7 mostra esses efeitos. 87
113 100
Normal
Pré-diabetes
112
126 mg/dL
Diabetes
140
Figura 5.7 Efeito da variabilidade biológica sobre valores de corte associados ao diabetes. Fonte: Sacks DB; et al., 2011.
Considerando apenas a variabilidade biológica, uma glicemia verdadeira de 100 mg/dL pode variar entre 87 e 113 mg/dL, e uma glicemia de 126 mg/dL varia entre 112 e 140 mg/dL. Portanto, um paciente que apresente uma glicemia de jejum na faixa do intervalo de confiança apresentado deve ter sua glicemia medida em outro momento para confirmar o resultado.
Metodologias para quantificação da glicemia Duas metodologias para a quantificação da glicemia predominam no laboratório clínico (Figura 5.8). As metodologias com glicose oxidase/Trinder com reação colorimétrica e o ensaio com hexoquinase no ultravioleta são equivalentes no diagnóstico do diabetes. Embora o ensaio colorimétrico com glicose oxidase seja mais utilizado no Brasil, apresentando reagentes com longa estabilidade, simplicidade metodológica e automação, está sujeito a interferências, principalmente quanto à reação colorimétrica. Esta metodologia, no entanto, não é recomendada para quantificações em líquidos biológicos diferentes do soro/plasma como urina e líquor, exceto quando o reagente, de maior custo, recebeu aditivos que eliminam e minimizam as interferências. O método com hexoquinase-UV apresenta menos interferentes, podendo ser utilizado em todos os líquidos biológicos, e facilmente adaptado à automação. O reagente, porém, é menos estável comparado à glicose oxidase/Trinder e necessita de equipamento para leitura na região UV (340 nm), de maior custo. Em termos metodológicos para a quantificação da glicemia, tem sido sugerido como aceitável um coeficiente de variação (CV) analítico ≤ 2,2% (imprecisão analítica), sem desvios (zero bias). Com base na variabilidade biológica, pode ser aceitável um CV analítico ≤ 2,9%, um bias de ≤ 2,2% e um erro total de ≤ 6,9%. Parte 3
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Diabetes Mellitus
Glicose oxidase - Trinder β-D-Glucose + O2
GOD
H2O2 + Fenol + 4-aminofenazona
Ácido glicônico + H2O2 POD
Cromógeno + H2O
Hexoquinase - UV Glucose
Hexoquinase ATP
Glucose-6-fosfato
ADP
G6PD
NAD
+
6-fosfogluconato NADH
Figura 5.8 Início dos principais ensaios laboratoriais para quantificação da glicemia. Fonte: Sacks DB; et al., 2011. Rifai N; et al., 2018.
Valor de referência para glicemia de jejum A concentração de glicose no soro/plasma varia com a idade em indivíduos saudáveis. O valor de referência para crianças, de 60 a 100 mg/dL, é similar ao intervalo para adultos, de 74 a 110 mg/dL. Observe que em nenhuma diretriz para diagnóstico do diabetes os valores de referência são utilizados, mas apenas os valores de corte.
Teste oral de tolerância à glicose O teste oral de tolerância à glicose (TOTG), também conhecido como curva glicêmica, tem como princípio administrar uma carga de glicose padronizada e monitorar a glicemia para identificar alterações na liberação de insulina e, consequentemente, o diagnóstico do diabetes. Embora mais sensível
que a glicemia de jejum, o teste apresenta baixa reprodutividade, sendo afetado por múltiplos fatores (Tabela 5.7). A Tabela 5.8 sintetiza os critérios para a interpretação do teste oral de tolerância à glicose, segundo a Organização Mundial da Saúde.
Hemoglobina glicada A reação não enzimática entre a glicose e a hemoglobina, designada glicação (Figura 5.9), produz a hemoglobina glicada, um marcador para o controle glicêmico, também utilizado no diagnóstico do diabetes. A reação de formação é lenta e a quantidade de produto formada (HbA1C) depende do tempo de exposição da hemoglobina à glicose. Considerando que o tempo médio de
Tabela 5.7 Características e fatores que afetam o teste oral de tolerância à glicose. Características
Comentários
O teste deve ser realizado em jejum
Jejum preconizado de 10 a 16h
O teste deve ser realizado pela manhã
O diagnóstico do diabetes pode ser perdido em ensaios realizados no período da tarde
Dieta prévia ao teste com, no mínimo, 150 g de carboidratos
Evitar resultados falso-positivos
Dose de glicose oral
75 g em solução aquosa a 25% (adultos). Tomar a dose em até 5 minutos. 1,75 g de glicose por kg de peso até o máximo de 75 g (crianças).
Suspender o teste na presença de vômitos e diarreia
Fatores que afetam o trânsito intestinal e a absorção da dose de glicose
Interferentes: • Exercícios extenuantes antes do teste • Alterações hormonais (TSH, GH, cortisol e catecolaminas) • Medicamentos: contraceptivos orais, aspirina, ácido nicotínico (tabagismo), diuréticos a agentes hipoglicemiantes. Fonte: Sacks DB; et al., 2011.
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Tratado de Análises Clínicas
Tabela 5.8 Critérios para a interpretação do teste oral de tolerância à glicose segundo a Organização Mundial da Saúde. Glicemia (mg/dL) dose 75-g glicose oral
Critérios
Jejum
2h
Normal
< 100
< 140
> 110 e < 126
< 140
Tolerância à glicose diminuída
< 126
> 140 e < 200
Diabetes mellitus
> 126
> 200
Glicemia de jejum alterada
Os critérios de jejum e 2 horas devem atender a ambos os critérios. Fonte: SBD, 2015-2016; ADA 2017.
OH
H HO HO
H
H
O
OH H OH α-D-Glucopyranose O
C
H Horas
Dias
H
H C OH HO C H H C OH H C OH CH2OH Glucose (cadeia aberta) + H2N Hb
Hb
Hb H
C
NH+
H
C
OH
HO
C
H
H
C
OH
H
C
OH
CH2OH Base de Schiff
H2C
NH
C O HO
C
H
H
C
OH
H
C
OH
CH2OH Produto de amadori
Figura 5.9 Formação da hemoglobina glicada A1C. O grupo aldeído da glicose reage não enzimaticamente com o grupo amino livre da hemoglobina (o resíduo de valina N-terminal da cadeia b na HbA1C) formando uma base de Schiff, que sofre rearranjo e gera uma cetoamina ou produto de Amadori estável, a hemoglobina glicada. Fonte: Rifai N; et al., 2018.
vida do eritrócito no sangue é de 120 dias, a hemoglobina glicada A1C captura uma média ponderada da glicemia entre seis e oito semanas anteriores ao ensaio (cerca de dois meses). Outras frações minoritárias provenientes da glicação da hemoglobina com carboidratos intracelulares são conhecidas, como as hemoglobinas glicadas HbA1a, HbA1b, mas a HbA1C, que contempla a ligação com a glicose, representa cerca de 80% da fração glicada da hemoglobina e aquela utilizada no diagnóstico laboratorial. O processo de glicação da hemoglobina não é constante ao longo do tempo, cerca de 50% da Hb glicada ocorre no primeiro mês de vida do eritrócito. Diferentes métodos estão disponíveis para a quantificação da HbA1C, sendo os mais utilizados os imunoensaios e a cromatografia de troca iônica. 64
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A cromatografia utilizando resinas carregadas positivamente em sistema de HPLC (cromatografia líquida de alto desempenho) é, no presente, o padrão- ouro para a quantificação da HbA1C.Vários fatores afetam o ensaio de HbA1C (Tabela 5.9). Para a utilização da HbA1C no diagnóstico do diabetes é consenso que o ensaio deva ser padronizado segundo o DCCT (Diabetes Control and Complication Trial) e o laboratório certificado pelo NGSP (National Glycohemoglobin Standartization Program), sítio que disponibiliza as informações atualizadas sobre métodos e laboratórios certificados (http:// www.missouri.edu/~diabetes/ngsp.html). A concentração de hemoglobina glicada A1C é expressa em porcentagem na maioria dos laboratórios clínicos. O sistema internacional de unidades (SI) preconiza para a HbA1C Parte 3
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Diabetes Mellitus
Tabela 5.9 Principais interferentes na determinação da HbA1C. Fatores que promovem resultados reduzidos de HbA1C
• Anemias hemolíticas • Hemoglobinopatias (exemplos HbS, HbC, entre outras) • Comprometimento da medula óssea • Deficiências nutricionais de ácido fólico, vitaminas B6 e B12 • Hipertireoidismo • Queimaduras severas com perda de líquidos • Leucemia • Mieloma múltiplo • Presença de concentrações elevadas de vitaminas C e E podem inibir a glicação
liberar o resultado em mmol/mol, sendo a conversão realizada pela equação [(HbA1C (%) -2,15) × 10,929]. Sociedades internacionais têm recomendado que, de forma adicional, a HbA1C também seja reportada como glicemia média estimada, valor obtido por meio de estudos que mediram a glicemia média e sua relação com a concentração de HbA1C. A Tabela 5.10 mostra a relação entre esses parâmetros e a equação recomendada para esta conversão. Os diferentes ensaios laboratoriais para o diagnóstico do diabetes não são iguais. Todos apresentam vantagens e desvantagens, e no presente não há um padrão-ouro para o diagnóstico. A Tabela 5.11 sumariza as principais características dos métodos diagnósticos no diabetes. Tabela 5.10 Correlação entre HbA1C e glicemia média estimada.
Fatores que promovem resultados aumentados de HbA1C
• Presença de hemoglobina carbamilada (ligação com ureia) em pacientes com insuficiência renal • Deficiência nutricional de ferro • Presença de hemoglobina acetilada em pacientes que recebem doses elevadas de ácido acetilsalicílico • Condições que promovam o aumento do número de eritrócitos ou do hematócrito. Fonte: SBD, 2015-2016.
HbA1C (%)
Glicemia média estimada (mg/dL)
5
97
6
126
6,5
140
7
154
8
183
9
212
10
240
Glicemia média esperada (mg/dL) = 28,7 × HbA1C (%) – 46,7. Fonte: SBD, 2015-2016.
Tabela 5.11 Resumo das principais vantagens e desvantagens dos testes diagnósticos no diabetes. Testes
Vantagens
Desvantagens
Glicemia de jejum
• Padrão estabelecido • Método rápido simples • Baixo custo • Reprodutível
• Amostra não é estável (glicólise) • Variabilidade biológica elevada • Necessário jejum (inconveniente) • Mede a homeostasia da glicose em um único período de tempo
TOTG
• Padrão estabelecido • Boa sensibilidade
• Amostra não é estável (glicólise) • Variabilidade biológica elevada • Baixa reprodutibilidade • Inconveniente: a glicose é impalatável • Custo maior
HbA1C
• Conveniente (não precisa jejum) • Necessária apenas uma amostra • Reflete a glicemia de longo período (glicemia média)
• Custo elevado do teste • Dosagem afetada por hemoglobinopatias e outras alterações hematológicas • Necessidade de padronizar o ensaio
TOTG, teste oral de tolerância à glicose com 75-g. Padrão estabelecido tem valores de corte definido para caracterização do diabetes. Fonte: Adaptada de Sacks et al., 2011.
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Outros ensaios laboratoriais associados ao diagnóstico ou monitoramento do diabetes Frutosamina
determinações não apresentar reação cruzada com a insulina, portanto, diferencia-se adequadamente da função pancreática em pacientes que recebem insulina exógena. Outra vantagem do peptídio C é que a molécula persiste em circulação por muito mais tempo que a insulina, o que melhora a sensibilidade do ensaio.
A frutosamina reflete a proteína glicada do plasma. Como a albumina é a proteína majoritária (> 50% do total), a frutosamina reflete a glicemia do tempo médio da albumina, cerca de duas a três semanas. O teste apresenta várias interferências e seu uso diagnóstico está, no presente, limitado a situações em que a HbA1C não possa ser utilizada. A determinação específica da albumina glicada, um ensaio novo, ainda não está disponível aos laboratórios clínicos, e tem potencial para ser um bom marcador para controle glicêmico de curto prazo.
Marcadores de agressão autoimune à célula b
1,5 anidroglucitol O 1,5 anidroglucitol (1,5AG) é um poliol de origem natural, proveniente da dieta, estruturalmente semelhante à glicose, que não é metabolizado pelo organismo. O 1,5AG é excretado pelos rins e compete com a glicose pelos transportadores tubulares renais. Quando a concentração de glicose aumenta no sangue mais 1,5AG é excretado via renal, reduzindo sua concentração sanguínea. A 1,5AG é um biomarcador de glicemia pós-prandial, identificando as “marés glicêmicas”, descritas como picos de elevação da glicemia, e associados ao aumento da severidade das complicações do diabetes. As concentrações de 1,5AG séricas refletem a hiperglicemia pós-prandial em período de 24 a 48 horas. A Tabela 5.12 mostra a relação entre a concentração de 1,5AG com a HbA1C e o status do controle glicêmico.
Os principais marcadores de agressão autoimune à célula b são os “anticorpos anti-ilhota”, designação genética para qualquer grupo de anticorpos contra estruturas associadas às ilhotas de Langerhans (células produtoras de insulina) ou contra autoantígenos das células b secretoras de insulina. A agressão por autoanticorpos à célula b está presente com elevada frequência nos pacientes com diabetes tipo 1A e LADA. Vários autoanticorpos contra a insulina, proteínas tirosina-fosfatases, enzimas (como a descarboxilase do ácido glutâmico) e várias estruturas celulares podem ser quantificadas como marcadores autoimunes associados ao diabetes. Dentre esses marcadores, os mais utilizados estão descritos na Tabela 5.13. Tabela 5.13 Principais marcadores de autoanticorpos contra ilhotas para o diagnóstico do diabetes tipo 1. Marcadores
Uso diagnóstico da dosagem de insulina e precursores
Sensibilidade (%)
Especificidade (%)
ICA
70-80
> 99
GAD65
70-80
97-98
IA-2A
60
97-98
IAA
60
95
IAA: insulin autoantibody (autoanticorpo anti-insulina); IA-2A: isulinoma 2-associated autoantibody (autoanticorpo anti-antígeno 2-associado ao insulinoma); ICA: islet-cell cytoplasmic autoantibody (autoanticorpo citoplasmático anti-ilhota); GAD65: autoantibody against glutamic acid decarboxylase isoform 65 kDa (autoanticorpo anti-descarboxilase do ácido glutâmico, isoforma de 65kDa). Fonte: Winter WE; et al., 2011.
O hormônio insulina é sintetizado como pró-insulina, que na sequência é convertido em insulina com a liberação do peptídio C (peptídio de conexão) em quantidade equimolecular. As quantificações de insulina, pró-insulina e peptídio C são empregadas para identificar a capacidade do pâncreas em produzir insulina (reserva pancreática de insulina). Esses peptídios, quantificados por métodos imunométricos, permitem confirmar o diabetes tipo 1 (ausência de produção de insulina). O peptídio C tem como vantagem sobre as outras
No presente, os autoanticorpos não são recomendados para o diagnóstico do diabetes de rotina. Esses autoanticorpos
Tabela 5.12 Relação entre o 1,5 anidroglucitol a HbA1C e o controle glicêmico. 1,5 anidroglucitol (µg/mL)
Controle do diabetes
HbA1C (%)
> 10
Bom
4-6
5-10
Moderado
6-8
2-5
Ruim
8-10
10
Fonte: Adaptada de Van Leeuwen; et al., 2013.
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Diabetes Mellitus
são usualmente encontrados em 85% a 90% dos pacientes com diabetes tipo 1.
CONSIDERAÇÕES FINAIS O Diabetes mellitus é uma síndrome de múltiplas facetas. O laboratório clínico é a chave para o diagnóstico precoce e para monitorar o controle glicêmico, fator crítico para minimizar as complicações do diabetes e sua severidade. Com o avanço do conhecimento, novos biomarcadores deverão identificar fatores de risco ou de proteção associados ao diabetes com amplos benefícios aos afetados.
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capítulo Marileia Scartezini
Dislipidemias Introdução Os lípides, ou lipídios, são substâncias orgânicas caracterizadas pela insolubilidade no meio aquoso. Os principais lípides são: colesterol livre (CL), colesterol esterificado (CE), triglicérides ou triacilglicerol (TG), fosfolípides (FL) e ácidos graxos livres (AGL). O colesterol é o precursor dos hormônios esteroides, dos ácidos biliares, da vitamina D e tem importantes funções nas membranas celulares, influenciando na sua fluidez e no estado de ativação de enzimas ligadas às membranas. Os triglicérides, formados a partir de três ácidos graxos ligados a uma molécula de glicerol, e os ácidos graxos livres, são importantes fontes de energia para uso imediato ou posterior armazenamento, depositados nos tecidos adiposo e muscular. Os fosfolípides compõem a estrutura básica das membranas celulares. Os ácidos graxos (AG) da nossa dieta podem ser classificados como saturados, aqueles sem duplas ligações entre seus átomos de carbono, mono ou polinsaturados, de acordo com o número de duplas ligações na sua cadeia. Os AG saturados mais frequentes em nossa alimentação são: láurico, mirístico, palmítico e esteárico, variando de 12 a 18 átomos de carbono. O mais frequente dos AG monoinsaturados é o ácido oleico, que contém 18 átomos de carbono. Entretanto, os AG polinsaturados podem ser classificados como ômega-3 (eicosapentaenoico, docosahexaenoico e linolênico), ou ômega-6 (linoleico) de acordo com presença da primeira dupla ligação, a partir do grupo hidroxila, entre os carbonos. As lipoproteínas (LP) são macromoléculas constituídas de uma fração lipídica e uma proteica, designada apolipoproteína (apoLP). As LP promovem o transporte dos lípides na circulação linfática, no interstício celular e no sangue. Porém, a albumina é o principal carreador dos ácidos graxos livres. As partículas de lipoproteínas organizam-se naturalmente, contendo um núcleo hidrofóbico com CE e TG e uma superfície hidrofílica composta de CE, FL e apoLP. As diversas apolipoproteínas que compõem a superfície das LP garantem a solubilidade, a estrutura e o direcionamento de todo o metabolismo lipoprotéico. As lipoproteínas são classificadas em cinco tipos, de acordo com a sua composição em lípides e apolipoproteí-
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nas, caracterizando-se em diferentes tamanhos, composição, densidade, carga elétrica e conformação estrutural. Essas diferenças permitem a separação das lipoproteínas por diversos procedimentos e o princípio da ultracentrifugação foi utilizado para a atual nomenclatura, no qual, quanto maior o teor lipídico menor é a densidade e, quanto maior é a fração proteica, maior é a densidade. As características das principais classes de lipoproteínas e apolipoproteínas são descritas a seguir. O quilomícrom (QM) é a maior e menos densa partícula, com alto teor de triglicérides provenientes da dieta, além do colesterol absorvido, este último tanto pela fonte alimentar quanto pela sua concentração na secreção biliar, bem como as vitaminas lipossolúveis. O teor em FL depende da sua síntese no enterócito e da absorção alimentar e biliar, com o auxílio de fosfolipases intestinais e pancreáticas. A VLDL (very low density lipoprotein), ou lipoproteína de densidade muito baixa, é uma partícula grande, porém menor que o QM, leve, e nela predomina o TG de origem hepática. A IDL (intermediate density lipoprotein), ou lipoproteína de densidade intermediária, tem teor lipídico intermediário entre a VLDL e a LDL. A LDL (low density lipoprotein), ou lipoproteína de densidade baixa, é a principal carreadora de colesterol na circulação para suprir os tecidos periféricos com este. A HDL (high density lipoprotein), ou lipoproteína de densidade alta, é a menor lipoproteína com maior teor em proteína e menor em lípides (FL e CE). Apresenta-se em subfrações, com propriedades metabólicas diferentes, onde a pré-bHDL é a nascente ou precursora das partículas de HDL3 e HDL2. A lipoproteína (a) [Lp(a)] resulta da associação covalente por pontes bissulfeto entre a apo B-100, da partícula de LDL, e uma proteína de alto peso molecular, a apo (a), que apresenta homologia estrutural com o plasminogênio. Essa união acontece na membrana externa do hepatócito ou no plasma, por mecanismo ainda não demonstrado. A partícula de Lp(a) não é removida pelos receptores hepáticos de LDL. A função fisiológica da Lp(a) não é conhecida, mas ela tem sido associada à formação e à progressão da placa aterosclerótica. Sua
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Tratado de Análises Clínicas
concentração no soro humano é geneticamente determinada e sofre pouca influência de dieta, fármacos ou estilo de vida. As apolipoproteínas atuam na formação e exportação das lipoproteínas das células, reconhecem os receptores celulares para a entrega dos lípides e atuam como cofatores para proteínas e enzimas envolvidas no metabolismo dos lípides, no plasma e nos tecidos. As apoLP que apresentam funções conhecidas são representadas pelas famílias das apo A, B, C e E. As apo A, especialmente a apo A-I, são as principais constituintes das HDL, participam da remoção do colesterol das células (transporte reverso do colesterol) e possuem ações anti-inflamatórias, antioxidantes, antitrombogênicas e vasodilatadoras. A apo B é representada pela apo B-100 e pela apo B-48. São proteínas estruturalmente importantes nas lipoproteínas, e encontramos apenas uma molécula de apo B-100 em cada partícula de VLDL, IDL e LDL, e uma apo B-48 no QM, sendo que a determinação plasmática da apo B estima o número de partículas aterogênicas circulantes. A apo B é reconhecida pelos receptores B-E e no plasma humano mais de 95% dessas apolipoproteínas são representadas pela apo B-100. Em indivíduos saudáveis, encontramos cerca de 80 mg/dL de apo B-100 no soro, em jejum ou pós-prandial, e em hiperlipidêmicos essa concentração pode estar duplicada. As apo C são importantes moduladoras da enzima lipoproteína lipase (LPL), sendo que a apo C-II a estimula e a apo C-III a inibe. A eficiência da ação da LPL, que atua na hidrólise do TG no Q e na VLDL, depende da concentração da apo C nas lipoproteínas QM,VLDL e IDL. As apo E são responsáveis por estimular a captação de QM, VLDL e LDL e por interagir com receptores celulares específicos, em especial no tecido hepático, mas também no adiposo, muscular e em macrófagos. A apo E apresenta variações no seu fenótipo, devido ao polimorfismo em sua constituição proteica (E-2, E-3, e E-4), o que está associado com diferentes concentrações de colesterol, nas populações, devido à afinidade seletiva pelo receptor de LDL (B-E). Foi descrito, também, a associação destes polimorfismos com o risco para a doença de Alzheimer.
Metabolismo dos lípides e lipoproteínas Como as gorduras da dieta são absorvidas? As gorduras provenientes da dieta são absorvidas inicialmente, solubilizadas por ácidos biliares conjugados de síntese hepática, e formam estruturas chamadas micelas. As lipases e colipases do suco pancreático garantem a digestão das gorduras pelo acesso facilitado às micelas. Os ácidos biliares conjugados, cerca de 95%, são absorvidos no íleo terminal por transportadores específicos designados IBAT (intestinal bile acid transporter) e são transportados ligados com a albumina, via circulação portal para o fígado. O colesterol da luz intestinal é absorvido, em 50%, no duodeno e na porção proximal do jejuno, passivamente. Aproximadamente 1 g de colesterol e cerca de 20 g a 24 g de ácidos biliares chegam ao intestino pela bile, diariamente. 70
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Normalmente, a quantidade de colesterol dos alimentos perfaz de 0,2 a 0,3 g/dia. O transporte do colesterol da luz intestinal para o enterócito é facilitado pela proteína NPC1L1 (Niemann-Pick C1 like 1 protein), localizada na membrana apical. A inibição da proteína NPC1L1 já é o alvo terapêutico de um fármaco, para reduzir a absorção intestinal do colesterol, no tratamento da hipercolesterolemia. Os fitoesteróis da dieta competem com o colesterol na formação das micelas, devido à maior afinidade, e em seguida competem pelo transporte mediado pela NPC1L1. O colesterol livre na célula da mucosa intestinal, no jejuno, é esterificado pela enzima ACAT-2 (acyl-CoA-cholesterol acyl transferase-2), localizada no retículo endoplasmático. O colesterol pode ser exportado para a circulação portal por meio do transportador ABCA-1 (ATP-binding cassette transporter A1), localizado na membrana basolateral do enterócito, contribuindo para a formação da HDL precursora. O ciclo entero-hepático da bile e do colesterol reinicia-se quando estes forem excretados por transportadores hepáticos específicos, ABCG5/8 (ATP-binding cassette sub-family G member 5 and 8), para serem agregados em micelas. A maior parte da gordura alimentar constitui-se de TG, principalmente os de cadeia longa, com 16 átomos de carbono ou mais, e de 5% de FL. As partículas de TG na luz intestinal não atravessam a membrana do enterócito e precisam sofrer a hidrólise parcial pelas lipases gástrica, intestinal e pancreática, formando mono e diacilglicerol, além de ácidos graxos livres. Dessa forma, são absorvidos passivamente na vilosidade intestinal (duodeno e jejuno) após ligação com uma proteína LBP (lipid binding protein) e são re-esterificados com produção de di e triglicérides. As vias do metabolismo das lipoproteínas são complexas e inter-relacionadas em múltiplas etapas. O processo inicia com a entrega dos lípides da dieta aos tecidos periféricos e fígado, chamada via exógena. Na sequência, pela via endógena, no tecido hepático, ocorre a união dos lípides da dieta e de síntese endógena (“de novo”), para serem encaminhados aos tecidos extra-hepáticos. O colesterol plasmático é controlado pela via do receptor LDL nos tecidos periféricos e removido pelo transporte reverso na HDL, retornando ao fígado para posterior eliminação.
Como os lípides da dieta chegam aos tecidos periféricos e fígado? A via exógena tem como função a entrega dos lípides da dieta aos tecidos periféricos e ao fígado. No enterócito, a proteína microssomal de transferência, ou MTP (microssomal transfer protein), transfere TG e FL para dentro da cisterna e é o componente mais importante na regulação, no empacotamento e na secreção da apo B-48. Os triglicérides são transportados por meio da proteína microssomal MTP ao aparelho de Golgi, acrescidos do conjugado de colesterol, FL com a apo B-48, e apo A, C e E, para formar a lipoproteína QM, que é liberada à linfa intestinal. Parte 3
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Dislipidemias
Os QM seguem pelo ducto torácico e atingem a circulação sanguínea, sofrendo a ação da LPL que hidrolisa o TG e FL, com liberação de monoglicérides, ácidos graxos e lisolecitinas. O tamanho dos QM se reduz e passam a ser chamados de quilomícrons remanescentes (QMrem), que são removidos da circulação, rapidamente, pelos receptores B-E, receptor E e receptor proteína análoga ao receptor de LDL (LRP), no tecido hepático.
Metabolismo endógeno A via endógena envolve a entrega dos lípides que foram recebidos da dieta e os de síntese hepática, para serem organizados e empacotados no fígado, para chegarem às células periféricas. Os lípides de síntese endógena no fígado, principalmente TG, FL e colesterol, são conjugados à molécula de apo B-100 nascente por intermédio da proteína microssomal MTP, do fator 1 de ribosilação de ADP (ADP ribosylation fator 1 – ARF-1) e da fosfolipase D, permitindo a formação da lipoproteína VLDL. O agrupamento hepático da VLDL também vem sendo estudado como alvo terapêutico no tratamento da hipercolesterolemia, tanto na inibição da síntese da apo B como na inibição da proteína microssomal MTP. O fígado libera a VLDL na circulação e, de modo análogo ao QM, sofre a ação da LPL, transformando-se em IDL ou remanescentes de VLDL e, posteriormente, em LDL. Durante a hidrólise do TG, na VLDL, as apo C são transferidas de volta para a lipoproteína HDL. As partículas de IDL, contendo apo E, ligam-se aos receptores hepáticos e são removidas em cerca de 50%. Parte do material da superfície da IDL, fosfolípides, colesterol livre e apolipoproteínas, são transferidos para a HDL ou formarão HDL “de novo” na circulação. Os ésteres de colesterol são transferidos da HDL para a VLDL pela ação da enzima CETP (cholesterol ester transfer protein); em troca, ocorre a substituição de partículas de TG, no centro da VLDL nascente, por partículas de ésteres de colesterol. Isso explica porque a LDL formada no final dessa cascata é rica em CE. A IDL restante continua sofrendo hidrólise, removendo o TG remanescente e transferindo as apolipoproteínas para as outras lipoproteínas, exceto a apo B100, que levará à formação das partículas de LDL circulantes. A alteração na enzima CETP vem sendo testada como alvo terapêutico no tratamento de concentrações de HDL-C baixo e na redução do risco cardiovascular. As lipoproteínas LDL retornam no fígado, ou chegam aos tecidos extra-hepáticos, pelos receptores de LDL, mas quando em excesso infiltram-se na parede dos vasos, acumulando-se e iniciando o processo de aterosclerose.
Controle do colesterol plasmático via receptores de LDL A lipoproteína LDL é removida do plasma pela sua ligação no receptor de LDL ou receptor B-E. Os receptores de LDL são glicoproteínas de superfície celular e desempenham função relevante na homeostase do colesterol plasmático. capítulo 6
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Os receptores de LDL (B-E), descritos por Goldstein e Brown, são acoplados por uma proteína adaptadora ARH (autossomal receptor hypercholesterolemia) à maquinaria endocítica, na região da cavidade revestida. Essa proteína ARH é essencial para o processo de endocitose da LDL e algumas mutações neste gene estão associadas com a elevação do colesterol sérico. Os receptores LDL presentes nas membranas plasmáticas reconhecem e ligam a apo B100, da LDL. Mutações nos genes, do receptor LDL ou da apo B100, causam Hipercolesterolemia Familiar (HF), uma das dislipidemias mais severas e mais frequentes, pela redução na captação da LDL do plasma. As partículas de LDL são internalizadas e formam um endossoma, que dissocia a lipoproteína LDL do receptor LDL, o qual retorna à superfície da membrana para ser reutilizado pela célula. A apo B no lisossoma é degradada em peptídios e aminoácidos. Os ésteres de colesterol são hidrolisados e o colesterol livre está disponível para a síntese de membrana celular, hormônios esteroides nos tecidos endócrinos ou síntese de ácidos biliares no fígado. As células possuem a habilidade de regular a concentração de colesterol intracelular, mecanismo relevante dessa molécula quando em excesso. Uma quantidade elevada de colesterol livre resultará em decréscimo da síntese endógena de colesterol, pela inibição do HMGCoA redutase (b-hidroxi-b-methyl-glutaril coenzima A redutase), aumentando a esterificação do colesterol pela ACAT (acyl-cholesterol-acyl-transferase) e a inibição da síntese de novos receptores de LDL, pela supressão da transcrição do gene do receptor LDL. Os mecanismos moleculares envolvidos na homeostase celular do colesterol foram compreendidos graças à identificação do fator de transcrição SREBP-2 (sterol regulatory element binding protein), ou proteína de ligação ao elemento responsivo a esteroide. Essa proteína SREBP migra na forma complexada, do retículo endoplasmático para o complexo de Golgi e sofre duas clivagens proteolíticas por proteases, liberando um fragmento ativo. Esse fragmento de SREBP migra para o núcleo onde atua e estimula a transcrição de genes envolvidos no metabolismo lipídico, entre eles o receptor B-E e a HMG-CoA redutase. Essa minuciosa regulação permite o ajuste estreito na concentração intracelular do colesterol. Na presença de esteroides no meio intracelular não há migração da SREBP para o Golgi, não liberando a porção ativa, ou fragmento ativo, da proteína. A mais recente descoberta no metabolismo dos lípides é a regulação da quantidade de receptor de LDL nas células pela proteína PCSK9 (Proprotein Convertase Subtilisin/Kexin type 9), ou pró-proteína convertase subtilisina/kexina tipo 9, uma protease que se expressa no fígado, intestino e rins. A PCSK9 está envolvida na regulação da degradação do receptor LDL, no lisossomo das células, após a internalização do complexo PCSK9/receptor LDL do plasma, impedindo que o mesmo recicle para a superfície celular, resultando em um menor número de receptores de LDL nas células e um aumento de LDL no plasma. 71
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Tratado de Análises Clínicas
Foram descritas mutações no gene da PCSK9 associadas com o ganho de função, onde ocorre um aumento na degradação do receptor, promovendo a elevação acentuada da colesterolemia. Esse tipo de mutação está presente em menos de 2% dos pacientes com diagnóstico clínico para HF no Reino Unido. Mutações que promovem a perda de função, no gene da PCSK9, diminuem a degradação do receptor, permitindo maior captação da LDL e diminuindo o LDL-C no plasma. A variante R46L do gene PCSK9 codifica a substituição da arginina pela leucina na posição 46 e está associada com os níveis reduzidos de colesterol no plasma e o perfil lipídico de baixo risco para a Doença Arterial Coronariana (DAC), em homens saudáveis do Reino Unido. A quantificação da PCSK9 no plasma pode ser uma estratégia simples na indicação dos indivíduos portadores de mutação neste gene. O ensaio, no entanto, está disponível apenas para pesquisa no presente. Embora as estatinas aumentem o número de receptores de LDL na célula, simultaneamente elevam a concentração da PCSK9 e isso justifica o porquê da ação limitada dessa droga ao dobrar a dose no paciente, um adicional de 6% a mais na redução do LDL-C. Portanto, o efeito redutor da estatina fica prejudicado e poderia ser maior se a PCSK9 não degradasse o receptor. Esse fato permitiu que a indústria farmacêutica procurasse uma intervenção farmacológica para inibir a PCSK9, na forma de anticorpos monoclonais, RNA antissentido e peptídios miméticos, para aumentar a eficácia da estatina na terapêutica da hipercolesterolemia. Várias companhias farmacêuticas desenvolveram os anticorpos anti-PCSK9 e, até agora, três já foram aprovados e liberados: Amgen (evolocumabe), Sanofi/Regeneron (alirocumabe) e Pfizer (bococizumabe). Todos são administrados por via subcutânea, uma ou duas vezes por mês, dependendo da concentração com que se apresenta o anticorpo . Os estudos clínicos demonstraram que são bem tolerados e produziram acentuada redução do LDL-C, cerca de 60% a 70%, quando combinados com a estatina No Brasil, já foi liberado e está sendo comercializado o anticorpo anti-PCSK9, indicado para o tratamento da hipercolesterolemia grave ou no alto risco da doença cardiovascular.
Transporte reverso do colesterol pela HDL O transporte reverso do colesterol é a maneira pelo qual esta molécula, presente nos tecidos periféricos e na íntima arterial, é removida pela lipoproteína HDL e transportada ao fígado para a sua eliminação na bile e excreção fecal, ou é levada às gônadas e à suprarrenal ou adrenal, para síntese hormonal. Essa via começa quando a HDL é secretada pelo fígado e pelo intestino como partícula nascente, na forma discoidal, que contém fosfolípides e apo A. Também, no processo de hidrólise das partículas ricas em TG, pelas LPL, surgem projeções de componentes de superfície das LP, contendo CL, FL e apo C e A, decorrentes da 72
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diminuição no volume dessas partículas. Essas projeções desprendem-se como se fossem “dedos de luvas”, dando origem às pré-bHDL ou HDL nascentes, de estrutura lamelar, e são ótimas incorporadoras de colesterol celular. O colesterol livre das membranas é transferido para a HDL nascente pelo processo passivo, difusão aquosa, mas ocorre por transportador específico chamado de ABCA1 (ATP-binding cassette transporter A1), que facilita a extração do colesterol das células pela HDL. O receptor hepático, SR-B1 (scavenger receptor class B member 1 [SRB1] or SR-BI), permite o efluxo do colesterol das várias formas de partículas de HDL. Uma vez que o colesterol seja entregue para a HDL, independente do mecanismo, imediatamente este é esterificado pela LCAT (lecithin-cholesterol acyl transferase), na presença do cofator, apo AI, no plasma. À medida que o colesterol livre é esterificado, as lipoproteínas HDL aumentam gradativamente de tamanho, assumindo formato próximo a uma esfera, sendo denominada HDL3. Mediante trocas de componentes lipídicos com outras lipoproteínas no plasma, por intermédio da CETP, as HDL3 se enriquecem de TG e são denominadas HDL2. Entretanto, esse processo é contínuo, o que gera frações intermediárias de HDL. Em síntese, o sistema que entrega o colesterol ao fígado é dividido em várias etapas que incluem: 1) remoção do colesterol intracelular pela HDL nascente ou pré-bHDL; 2) esterificação do colesterol pela LCAT no plasma; 3) captação seletiva de CE, da HDL, pelos receptores SR-BI no fígado, gônadas e adrenais; 4) transferência de CE da HDL, pela CETP, para as LP que contêm apo B; 5) captação de LP que contêm apo B pelos receptores B-E no fígado.
Classificação das dislipidemias As dislipidemias são alterações das concentrações dos lípides no sangue, ou no plasma sanguíneo, quer seja pelo aumento ou pela diminuição do Colesterol Total (CT), frações do colesterol (LDL-C, HDL-C) e Triglicérides (TG). Não existe um esquema perfeito ou ideal, na literatura, para classificar as doenças resultantes das alterações do metabolismo dos lípides e lipoproteínas. As dislipidemias podem ser classificadas, de acordo com a sua etiologia, em dois tipos: as de origem primária ou genética, onde ocorrem alterações, ou mutações, nos genes que codificam a sequência para uma apolipoproteína, um receptor ou uma enzima que participam no metabolismo das lipoproteínas. As principais causas das dislipidemias primárias e sua incidência na população estão na Tabela 6.1, adaptada de Quintão, E. e cols., 2011. As dislipidemias secundárias são desencadeadas por outras doenças, medicamentos ou fatores ambientais, e estão classificadas na Tabela 6.2, de acordo com as alterações dos lipídios séricos. O diagnóstico da dislipidemia primária deve ser realizado posteriormente à investigação das causas da dislipidemia secundária, estas com maior prevalência na população. Parte 3
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Dislipidemias
Tabela 6.1 Dislipidemias primárias e sua incidência na população. Dislipidemia
Causa
Incidência
Hipercolesterolemia familiar
Mutação do receptor B-E
Defeito familial de apo B-100
Mutação em apo B-100
1:1000
Hipercolesterolemia poligênica
Não identificada
1%-5%
Hiperlipidemia familial combinada
Não identificada
1%-2%
Hipercolesterolemia autossômica recessiva (ARH)
Mutação da proteína adaptadora do receptor de LDL (ARH)
Muito rara
Hipercolesterolemia PCSK9
Mutação com ganho de função da PCSK9 (proprotein convertase subtilisin Kexin type 9)
Muito rara
Hiperlipidemia familial combinada
Não identificada
1%-2%
Hipertrigliceridemia familial
Não identificada
1:300
Hiperquilomicronemia
Mutação de LPL ou de apoC-II
1:1.000.000
Hiperlipidemia familial combinada
Não identificada
1%-2%
Disbetalipoproteinemia
Mutação de apo E
Muito rara
Abetalipoproteinemia
Mutação em MTP
Muito rara
Hipobetalipoproteinemia
Mutação em apo B
Hipocolesterolemia PCSK9
Mutação com perda de função da PCSK9
Muito rara
Hipoalfalipoproteinemia familial
Não conhecida
1:400
Deficiência de apo A-1
Mutação em gene da apoA-1
Muito rara
“Fish eye disease” e Deficiência parcial de LCAT
Deficiência de LCAT
Muito rara
Doença de Tangier e Deficiência familial de HDL
Mutação no gene do ABCA-1
Muito rara
Hiperalfalipoproteinemia
Mutação na CETP, superexpressão de apo A-1ou causa desconhecida
Muito rara
heterozigose homozigose
Manifestação clínica
1:500* 1:1.000.000
Hipercolesterolemia
Hipertrigliceridemia
Hipercolesterolemia Hipertrigliceridemia
Hipocolesterolemia
HDL-c reduzido
HDL-c elevado
* 1:200 a 1:250, sugestão de estudos genéticos recentes. Fonte: Adaptada de Quintão, Nakandakare e Passarelli, 2011.
A classificação laboratorial das dislipidemias, considerada na V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e na Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose/2017, é dividida em quatro tipos: 1) Hipercolesterolemia isolada (LDL-C ≥ 160 mg/dL); 2) Hipertrigliceridemia isolada (TG ≥ 150 mg/dL ou ≥ 175 mg/dL, se a amostra for obtida sem jejum); 3) Hiperlipidemia mista (LDL-C ≥ 160 mg/dL e TG ≥ 150 mg/dL ou ≥ 175 mg/dL, se a amostra for obtida sem jejum). Se TG ≥ 400 mg/dL, o cálculo do LDL-C pela fórmula de Friedewald é inadequado, decapítulo 6
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vendo-se, então, considerar a hiperlipidemia mista quando o não HDL-C ≥ 190 mg/dL; 4) Hipolipidemia por redução do HDL-C (homens < 40 mg/dL e mulheres < 50 mg/dL) isolada ou em associação ao aumento de LDL-C ou de TG. A classificação proposta por Fredrickson teve por base a separação eletroforética e/ou por ultracentrifugação das frações de lipoproteínas combinada com o aspecto do soro ou plasma, em repouso na geladeira, durante a noite. Foi amplamente empregada e permitiu correlacionar síndromes de doenças clínicas, muitas das quais de origem hereditária, a 73
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Tratado de Análises Clínicas
Tabela 6.2 Principais causas de dislipidemias secundárias de acordo com a alteração do lipídio sérico.
• Aumento de LDL-C
• Diuréticos
• Hipotireoidismo
• Betabloqueadores
• Síndrome Nefrótica
• Estrógenos
• Hepatopatia
• Anticoncepcionais orais
• Colestase
• Síndrome de Cushing
• Anorexia nervosa
• Diabetes mellitus
• Deficiência de hormônio do crescimento
• Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
• Porfiria aguda
• Diminuição do HDL-C
• Aumento de TG
• Síndrome metabólica
• Síndrome metabólica
• Sedentarismo
• Excesso de álcool
• Tabagismo
• Obesidade
• Diabetes mellitus
• Gravidez
• Obesidade
• Hipotireoidismo
• Hipertrigliceridemia
• Insuficiência renal Fonte: Adaptada de Quintão, Nakandakare e Passarelli, 2011.
uma avaliação laboratorial. A classificação de Fredrickson não quantifica proteína e nem avalia o HDL-C, por isso não está sendo mais empregada, embora a nomenclatura para algumas síndromes tenha permanecido.Também, esta classificação não diferencia as hiperlipidemias primárias das secundárias.
Na Tabela 6.3 estão descritos os principais achados laboratoriais no soro de pacientes de acordo com a classificação em fenótipos de Fredrickson.
Tabela 6.3 Caracterização do soro lipêmico pela classificação de Fredrickson. Classificação de Fredrickson
CT (mg/dL)
TG
Normal
< 200
< 150
I
< 260
< 1.000
IIa
> 300
< 150
IIb
> 300
150-300
Levemente turvo
III
350-500
350-500
Turvo, com anel cremoso tênue, quase imperceptível
IV
< 260
200-600
Turvo a leitoso
V
> 300
> 1.000
Leitoso com anel cremoso no sobrenadante; infranadante turvo
(mg/dL)
Aparência do soro mantido em repouso de 12 horas (colhido em jejum)
Límpido Anel cremoso no sobrenadante; infranadante límpido Límpido
Fonte: Adaptada de Quintão, Nakandakare e Passarelli, 2011.
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Parte 3
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Dislipidemias
Diretrizes e diagnóstico laboratorial das dislipidemias As Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias (III, IV, V e a Atualização/2017), documentos emitidos pela Sociedade Brasileira de Cardiologia em 2001, 2007, 2013 e 2017, estabeleceram critérios para orientar o desempenho do laboratório na dosagem do perfil lipídico (CT, TG, LDL-C e HDL-C), proporcionando confiabilidade para estimar o risco para a Doença Arterial Coronariana (DAC). Participaram alguns representantes da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC) e da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), que orientaram sobre o preparo do paciente para realizar o exame do perfil lipídico e as possíveis interferências nos resultados laboratoriais. Várias alterações foram indicadas em 2013, na V Diretriz Brasileira de Dislipidemias, e o jejum foi dispensado para a análise de CT, HDL-C, Apo B e Apo A-I e foram mantidas 12h de jejum para o TG e LDL-C calculado. Foi referendado o uso do parâmetro colesterol não HDL (não -HDL-C), com a finalidade de estimar a quantificação de lipoproteínas aterogênicas circulantes no plasma em indivíduos com hipertrigliceridemia. O colesterol não HDL representa a fração do colesterol nas outras lipoproteínas, exceto da HDL, e é estimado subtraindo-se o valor do HDL-C do CT, portanto, colesterol não HDL = CT- HDL-C. Vários artigos científicos anteciparam a recomendação para liberar o jejum nos laboratórios clínicos e serviram de base para as Diretrizes Europeias da Federação Europeia de
Química Clínica e Medicina Laboratorial e da Sociedade Europeia de Aterosclerose, em 2016. Essa Diretriz analisou diversos estudos realizados por pesquisadores da Universidade de Copenhague, envolvendo 300.000 pacientes de países como Canadá, Estados Unidos e Dinamarca. Ficou confirmado não haver alterações significativas para o exame do perfil lipídico entre os grupos de pacientes com jejum quando comparados com os pacientes sem jejum prévio, em adultos, crianças e adolescentes.Várias evidências científicas demonstraram que a coleta de sangue para medir o perfil lipídico depois de uma refeição é mais adequada para refletir a situação metabólica habitual do paciente. Em outubro de 2016, um grupo de especialistas brasileiros em dislipidemias referendou a flexibilização do tempo de jejum para o perfil lipídico e divulgou o documento “Consenso Brasileiro para a Normatização da Determinação Laboratorial do Perfil Lipídico”, com o apoio das cinco (5) Sociedades Brasileiras: de Cardiologia (SBC), de Análises Clínicas (SBAC), de Patologia Clínica (SBPC/ML), de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e de Diabetes (SBD); Complementando, foi publicado na revista da SBC, Arquivos Brasileiros de Cardiologia, o artigo “Posicionamento sobre a Flexibilização do Jejum para o Perfil Lipídico”, com a divulgação das novas normas de coleta de amostra e os novos valores referenciais e de alvo terapêutico, conforme avaliação de risco cardiovascular estimado pelo médico solicitante do perfil lipídico, para adultos > 20 anos na Tabela 6.4. Os valores referenciais desejáveis do perfil lipídico para crianças e adolescentes estão na Tabela 6.5.
Tabela 6.4. Valores referenciais e de alvo terapêutico conforme avaliação de risco cardiovascular estimado pelo médico solicitante do perfil lipídico para adultos > 20 anos. Lípides
Colesterol total* HDL-C Triglicérides**
Com jejum (mg/dL)
Sem jejum (mg/dL)
Categoria referencial
< 190
< 190
Desejável
> 40
> 40
Desejável
< 150
< 175
Desejável Categoria de risco
LDL-C
< 130 < 100 < 70 < 50
< 130 < 100 < 70 < 50
Baixo Intermediário Alto Muito alto
Não HDL-C
< 160 < 130 < 100 < 80
< 160 < 130 < 100 < 80
Baixo Intermediário Alto Muito alto
* CT> 310 mg/dL considerar a probabilidade de hipercolesterolemia familiar. **Quando os níveis de triglicérides estiverem acima de 440 mg/dL (sem jejum) o médico solicitantefará outraprescrição para a avaliação de TG com jejum de 12h e será considerado umnovo exame de triglicérides pelo laboratório clínico. Fonte: Adaptada do Posicionamento sobre a Flexibilização do Jejum para o Perfil Lipídico. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2017.
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Tratado de Análises Clínicas
Tabela 6.5 Valores referenciais desejáveis do perfil lipídico para crianças e adolescentes. Lípides
Colesterol total*
Com jejum (mg/dL)
Sem jejum (mg/dL)
< 170
< 170
HDL-C
> 45
> 45
Triglicérides (0-9a) **
< 75
< 85
Triglicérides (10-19a) **
< 90
< 100
< 110
< 110
LDL-C
* CT > 230 mg/dL considerar a probabilidade de hipercolesterolemia familiar. **Quando os níveis de triglicérides estiverem acima de 440 mg/dL (sem jejum) o médicosolicitante fará outra prescrição para a avaliação de TG com jejum de 12h e será considerado um novo exame de triglicérides pelo laboratório clínico. Fonte: Adaptada do Posicionamento sobre a Flexibilização do Jejum para o Perfil Lipídico. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2017.
Avaliação laboratorial do perfil lipídico Coleta da amostra A amostra para a dosagem do perfil lipídico completo pode ser colhida sem jejum, mantendo-se o estado metabólico estável e a dieta habitual do paciente. No início de 2017, os laboratórios incluíram a flexibilização do tempo de jejum para o perfil lipídico, adequando os seus procedimentos e informando no laudo as diferentes situações de jejum, respeitando a orientação do médico solicitante. A avaliação do resultado do perfil lipídico pelo médico ocorre de acordo com a indicação do exame, o estado metabólico e a estratificação de risco do paciente. Os valores referenciais de CT, HDL-C, não HDL-C não se alteram no estado pós-prandial, exceto para os triglicérides. Essa confirmação pode ser observada nas Tabelas 6.3 e 6.4, que mostra os valores referenciais com e sem jejum. Na coleta de amostra sem jejum os triglicérides sofrem pequenas alterações em indivíduos normais, considerando uma refeição usual sem sobrecarga em gordura, e o valor desejável é inferior a 175 mg/dL. Teremos grandes alterações quando existe comprometimento de alguns órgãos ou há alterações genéticas no metabolismo dos triglicérides. Nos pacientes em que há retardo no metabolismodas lipoproteínas ricas em triglicérides, chamadas remanescentes, estas ficam por mais tempo em circulação e são mais aterogênicas, as quaispodem ser percebidas a partir dos resultados de TG elevados, representando mais eficazmente seu potencial impacto no risco cardiovascular. Em situações em que o paciente coletar a amostra sem jejum e estiver com os níveis triglicérides > 440 mg/dL ou em recuperação de hipertrigliceridemia severa, é recomendado ao médico solicitante a prescrição de uma nova avaliação de TG com jejum de 12h e será considerado um novo exame de TG pelo laboratório clínico. As justificativas para liberar o jejum na determinação do perfil lipídico são várias e a principal é evitar hipoglicemias 76
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secundárias ao jejum prolongado em pacientes idosos, diabéticos e crianças. A coleta de amostra sem jejum para o perfil lipídico viabiliza o acesso dos pacientes ao laboratório, evitando perda de horas de trabalho, abandono de consultas médicas por falta de exames e maior acesso à avaliação do risco cardiovascular. No documento de Posicionamento foram indicadas as recomendações para o atendimento do paciente no laboratório clínico, o modelo do laudo laboratorial e a dosagem direta ou uso de fórmulas para estimar o LDL-C. Foi sugerida, também, a inclusão de uma observação nos laudos laboratoriais quando encontrados valores de CT ≥ 310 mg/dL (para adultos) ou CT ≥ 230 mg/dL (entre os 2 e os 19 anos), que podem ser indicativos de Hipercolesterolemia Familiar (HF) se excluídas as dislipidemias secundárias. A principal finalidade do documento integrado das sociedades foi a de padronizar condutas clínicas e laboratoriais, em todo território nacional, para que se obtenha uniformidade no tratamento das dislipidemias, contribuindo para que os médicos e os laboratórios clínicos tenham segurança em suas tomadas de decisões, com o respaldo de evidências científicas.
Fase analítica A metodologia mais utilizada para a determinação de colesterol total, HDL-colesterol e dos triglicérides é a enzimática colorimétrica. Os diversos kits comerciais disponíveis para a análise de CT e TG apresentam boa correlação e um baixo coeficiente de variação entre eles, permitindo a comparação dos resultados de diferentes laboratórios, em uma mesma amostra. Na dosagem do HDL-C pode-se encontrar variações de até 15% entre os métodos disponíveis. Estes métodos constituem a melhor opção, por apresentarem muito boa sensibilidade e especificidade, simplicidade operacional, baixo custo e possibilidade de automação em laboratórios clínicos. A avaliação do LDL-C pode ser realizada por método direto ou estimada por fórmulas. A metodologia de dosagem direta do LDL-C por ensaios colorimétricos ainda apresenta grande variação entre os métodos disponíveis no mercado. Parte 3
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Dislipidemias
Esta variação pode chegar a 30% e não é muito bem entendida na literatura, mas provavelmente isso se deve às diferentes especificidades de cada ensaio, podendo ser fator limitante para a utilização ampla da dosagem direta na prática clínica. O cálculo do LDL-C pela fórmula de Friedewald é subestimado quando o TG está elevado, e deixa-se de tratar o paciente pela interferência do TG. Na fórmula original se utiliza o fator 5 para dividir o TG que corresponde ao VLDL-C. Na lipoproteína VLDL, à medida que aumenta a concentração de TG reduz o percentual de colesterol e induz a erro no cálculo do VLDL-C. Um estudo com 1.350.908 crianças, adolescentes e adultos sugere a fórmula de Martin, que utilizou como re-
ferência a ultracentrifugação e, por meio de cálculos estatísticos, definiu diferentes divisores para o valor de TG, que permitem estimar com maior fidedignidade os valores de VLDL-C. Para obter estes divisores depende-se da concentração do não HDL-colesterol e da concentração do TG da amostra do paciente (Tabela 6.6). Com este novo divisor (n), aplica-se a fórmula: LDL-C = CT – HDL-C – TG/n, onde n varia de 3,1 a 11,9. Isso significa que podemos calcular o LDL-C com valores de TG na amplitude de 7 mg/ dL a 13.975 mg/dL com seus respectivos fatores. A fórmula de Martin traz um benefício importante nas situações em que as limitações da fórmula de Friedewald estão presentes, como a falta de jejum e com valores de TG > 400 mg/
Tabela 6.6 Valores utilizados para o cálculo do VLDL-C e posterior cálculo do LDL-C. Não HDL-C (mg/dL) Triglicérides (mg/dL)
7-49 50-56 57-61 62-66 67-71 72-75 76-79 80-83 84-87 88-92 93-96 97-100 101-105 106-110 111-115 116-120 121-126 127-132 133-138 139-146 147-154 155-163 164-173 174-185 186-201 202-220 221-247 248-292 293-399 400-13.975
< 100
100-129
130-159
160-189
190-219
> 220
3,5 4,0 4,3 4,5 4,7 4,8 4,9 5,0 5,1 5,2 5,3 5,4 5,5 5,6 5,7 5,8 6,0 6,1 6,2 6,3 6,5 6,7 6,8 7,0 7,3 7,6 8,0 8,5 9,5 11,9
3,4 3,9 4,1 4,3 4,4 4,6 4,6 4,8 4,8 4,9 5,0 5,1 5,2 5,3 5,4 5,5 5,5 5,7 5,8 5,9 6,0 6,2 6,3 6,5 6,7 6,9 7,2 7,6 8,3 10,0
3,3 3,7 4,0 4,1 4,3 4,4 4,5 4,6 4,6 4,7 4,8 4,8 5,0 5,0 5,1 5,2 5,3 5,3 5,4 5,6 5,7 5,8 5,9 6,0 6,2 6,4 6,6 7,0 7,5 8,8
3,3 3,6 3,9 4,0 4,2 4,2 4,3 4,4 4,5 4,6 4,7 4,7 4,7 4,8 4,9 5,0 5,0 5,1 5,2 5,3 5,4 5,4 5,5 5,7 5,8 6,0 6,2 6,5 7,0 8,1
3,2 3,6 3,8 3,9 4,1 4,2 4,3 4,3 4,3 4,4 4,5 4,5 4,6 4,6 4,7 4,8 4,8 4,9 5,0 5,0 5,1 5,2 5,3 5,4 5,5 5,6 5,9 6,1 6,5 7,5
3,1 3,4 3,6 3,9 3,9 4,1 4,2 4,2 4,3 4,3 4,4 4,3 4,5 4,5 4,5 4,6 4,6 4,7 4,7 4,8 4,8 4,9 5,0 5,1 5,2 5,3 5,4 5,6 5,9 6,7
Fonte: Adaptada Martin e colaboradores. JAMA. 2013; 310(19): 2061-681.
capítulo 6
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Tratado de Análises Clínicas
dL para estimar o LDL-C, na ausência de reagentes para a dosagem direta. A inclusão do cálculo do não HDL-C junto aos demais resultados do perfil lipídico para adultos, mesmo sem jejum, é importante pois os níveis de triglicérides não interferem neste cálculo e ele permite a estimação do LDL-C com a fórmula de Martin. Existem vários artigos na literatura questionando as limitações e a confiabilidade na utilização da fórmula de Friedewald para o cálculo do LDL-C. A mais recente, uma carta ao editor, de especialistas brasileiros, argumenta a necessidade da substituição pela fórmula de Martin para o LDL-C, melhor estimando os níveis de colesterol na lipoproteína LDL no sangue, sem a influência dos níveis de triglicérides. Deve-se também avaliar a consistência entre as metodologias utilizadas e a existência de certificação do laboratório de análises clínicas que realizou a dosagem. Garantindo-se esses cuidados, se ainda assim persistir a variação além da esperada, o paciente com diagnóstico presuntivo de Dislipidemia deverá ser encaminhado a um serviço especializado para investigação complementar, confirmação diagnóstica, intervenção terapêutica específica e ação de atenção multiprofissional.
Perfil lipídico em Teste Laboratorial Remoto Os equipamentos disponíveis na plataforma TLR (Teste Laboratorial Remoto) ou POCT (Point-of-CareTesting) permitem reduzir o tempo de obtenção do resultado de um analito, oferecendo agilidade e o início precoce do tratamento clínico. No Brasil, estão disponíveis alguns analisadores de TLR para os lípides, possibilitando a utilização desses exames de acordo com as orientações das diretrizes nacionais. Podem quantificar um lipídio isoladamente, em conjunto com outros analitos ou o perfil lipídico completo. Esses analisadores portáteis possibilitam avaliar o perfil lipídico em uma única tira reagente, utilizando sangue total de punção capilar, e o resultado é obtido em poucos minutos. Na tira reativa do perfil lipídico são quantificados diretamente o CT, TG e HDL-C; o LDL-C é calculado pela equação de Friedewald, quando o TG < 400 mg/dL. Os valores obtidos permitem estimar o colesterol não HDL e geralmente a coleta é realizada em situação pós-prandial, sendo importante quando o LDL-C não pode ser calculado e porque agrega a avaliação de risco para DVC.
Performance do perfil lipídico em TLR O desempenho do sistema TRL é considerado aceitável se o coeficiente de variação (CV) estiver nos valores de ± 10% (CT), ± 12% (HDL-C) e ± 15% TG. Embora a metodologia da reação química tenha o mesmo princípio nas tiras reativas, usadas nos diversos equipamentos, é importante seguir as orientações do fabricante quanto ao tipo e à quantidade da amostra. No sistema POCT, para o perfil lipídico, a amplitude de medição é diferente daquela obtida nos equipamentos de 78
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laboratórios, mas é útil para rastrear as alterações dos lípides. Portanto, é indicada uma análise posterior em um laboratório clínico, para o diagnóstico definitivo e o início do tratamento clínico antecipado Em geral, os dispositivos POCT podem ter maior variabilidade em relação aos equipamentos encontrados nos laboratórios clínicos. Essas diferenças analíticas podem ser devido a uma combinação de variações ambientais como temperatura, umidade, o uso de uma amostra de sangue total e o treinamento de operadores individuais. Alguns estudos científicos registraram a performance e a validação dos equipamentos POCT para a metodologia de análise do perfil lipídico. A correlação clínica entre o sistema POCT (CardioChek® PA) e o laboratório clínico de referência do Hospital da Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), foi realizada com a coleta simultânea de amostras de sangue venoso e punção digital, em 516 pacientes com jejum de 12h. Ficou confirmado que a performance analítica desse equipamento de TLR é adequada para a utilização em programas de triagem populacional e como atendimento em serviços de saúde, proporcionando resultados rápidos e confiáveis. Em dislipidemias, o TLR tem demonstrado ser eficaz em triagem populacional, principalmente para identificar um portador da HF e pesquisar seus familiares, prevenindo a formação da aterosclerose precoce e as suas consequências: DCV e AVC (Acidente Vascular Cerebral).
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Parte 3
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capítulo Alceu de Oliveira Toledo Júnior
Doenças Cardiovasculares INTRODUÇÃO A doença cardiovascular decorrente de causas isquêmicas tem como principal causa a existência e progressão da aterosclerose, definida como doença crônico-evolutiva, com característica difusa, porém segmentar e excêntrica, apresentando-se com componentes proinflamatórios e protrombóticos, e importantes interações celulares do componente arterial, quer sejam de endotélio, macrófagos, plaquetas, músculo liso ou linfócitos. Há elementos multifatoriais envolvidos nos mecanismos aterogênicos, tais como: dislipidemia (principalmente), hipertensão arterial, sedentarismo, tabagismo, obesidade, Diabetes mellitus e estilo de vida, porém as alterações no metabolismo lipídico são etapa inicial do processo de formação da placa aterosclerótica, principalmente a passagem pela camada endotelial de lipoproteínas aterogênicas, alterações plasmáticas tais como: elevação do LDL-c, redução do HDL-c, maior permanência/concentração dos remanescentes de quilomícrons no período pós-prandial, elevação dos triglicérides, aumento de frações de VLDL-c pequenas ou mesmo as elevações da Lp(a). A presença de um estado pró-inflamatório e vasoconstritor, criando situação de estresse hemodinâmico, e a dislipidemia pró-aterogênica podem promover a ocorrência de eventos isquêmicos agudos ou intercorrentes nos ramos arteriais coronarianos, que em função da sua intensidade, locais atingidos, cronologia isquêmica, inexistência de malha coronariana colateral bem desenvolvida e condições clínicas preexistentes podem levar a eventos extensos, com altos custos financeiros, importantes consequências hemodinâmicas e intenso impacto na vida dos indivíduos, alterando não só o seu tempo, mas a sua qualidade, comprometendo sua estabilidade ou mesmo interrompendo-a. A Síndrome Coronariana Aguda (SCA), em função da sua manifestação, pode ser dividida em duas categorias: SCA Sem Supradesnivelamento do Segmento ST (SCA-SST) e SCA Com Supra-desnivelamento do Segmento ST (SCA-CST), considerando-se a manifestação eletrocardiográfica e a substituição do termo Infarto Agudo do Miocárdio (IAM)
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pela forma mais ampla, porém de maior receptividade, aqui descrita como SCA. Uma importante diferença deve ser aqui estabelecida, onde as SCA-CST têm como característica uma oclusão arterial prolongada e/ou persistente com tempo ≥ 30 minutos, com dano isquêmico seguido por necrose do cardiomiócito e surgimento subsequente, mas futuro, de uma alteração eletrocardiográfica denominada onda Q, a qual torna-se reveladora do acontecimento anteriormente descrito e cuja presença, mesmo durante eventos cardioisquêmicos agudos posteriores, indica acontecimento(s) cardio-necrótico(s) prévio(s). Já as SCA-SST melhor definem-se pela oclusão parcial e/ou transitória, gerando uma alteração momentânea entre aporte e consumo de oxigênio pelo cardiomiócito, com tempo de sua ocorrência < 30 minutos, mas sem dano necrótico imediato. Independentemente da natureza das lesões nas SCA, o evento inicial está fortemente vinculado à placa aterosclerótica, quer na lesão erosiva quer na ruptura da capa fibrosa. Esta, por sua vez, corresponde a aproximadamente 67% das tromboses coronarianas fatais, enquanto aquela contribui com aproximadamente 33% dos eventos. A participação do sistema hemostático (referencial ou protrombótico) está vinculada à geração de trombo plaqueta-dependente (trombo “macio”), o qual possui indicação ao uso de antiagregantes plaquetários ou fibrinogênio-dependente (trombo “duro”), este por sua vez com indicação ao uso de trombolíticos. A participação do componente lipídico nesse processo é lenta, porém contínua, iniciando o processo pela infiltração das LDL-c, e também das VLDL-c pequenas, quer inicialmente pela transcitose, microcitose ou com o avançar das lesões ateroscleróticas por mecanismos que envolvem as fenestrações endoteliais, com a formação progressiva das etapas envolvidas na aterosclerose, quer da estria lipídica inicial, a formação da capa fibrosa ou da lesão mais extensa e complicada, que terá como elemento diferencial maior ou menor espessura da placa fibrolipídica, que conferirá à placa em questão a condição de estável (placa “fria”) ou instável (placa “quente”), essa última com maior intensidade na sua atividade metabólica e maiores riscos de rompimento, com
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consequente exposição de seu mais volumoso conteúdo lipídico-celular na luz do vaso atingido. Os fatores que desencadeiam o rompimento da placa, apesar de bem definidos e conhecidos, nem sempre são estabelecidos como relação causa-efeito imediata nas SCA, principalmente nas SCA-CST. Nesse aspecto, a avaliação clínico-laboratorial deve ser realizada com fins discriminatórios e investigativos. Como exemplo, a determinação de Colesterol Total dentro de um período máximo de 24 horas após o evento, pois dela decorre uma melhor abordagem e conduta clínica-evolutiva aplicadas ao indivíduo.
MARCADORES LABORATORIAIS NAS SÍNDROMES CORONÁRIAS AGUDAS Aspectos históricos A definição do dano ao cardiomiócito, quer na forma de isquemia ou necrose, requer do laboratório uma participação ágil, resoluta e com importante consistência técnica. Nesse aspecto deve-se fornecer resultados que melhor expressem a realidade biológica do paciente, inclusas suas variáveis pré e pós-analíticas. Lembre-se de que a frase “músculo é tempo” aqui tem sua melhor forma de uso. O grande desafio que o laboratório enfrenta na abordagem cardiológica emergencial é estabelecer diferenças confiáveis e rápidas, mas sempre fundamentadas em evidências claras e bem-estabelecidas. Desta forma, a utilização de analitos, tais como: LDH Total ou suas isoenzimas, AST, CK Total, com fins de diagnóstico de inclusão e/ou exclusão ou mesmo monitoramento não mais se utiliza, tanto pela baixa sensibilidade clínica quanto pelo fato de não serem tecido-dependente de forma única, nas musculaturas lisa, esquelética ou cardíaca. Mesmo a determinação de CK-MB na forma Atividade ou mesmo Massa apresenta-se com limitações (a primeira com maiores), sendo mesmo considerada obsoleta quando comparada à análise de Troponinas Cardíacas (cTnI ou cTnT), elementos com menor cardiossensibilidade, elevações frequentes em situações não cardíacas, baixa relação com a progressão aguda do processo e presença de formas circulantes anômalas (nem sempre detectáveis pelo laboratório) seriam aspectos desfavoráveis à sua utilização. Entretanto, deve-se considerar aspectos que envolvam a indisponibilidade local da determinação de cTnI ou cTnT, assim a determinação da CK-MB Massa nessa situação seria uma opção secundária, pois comparativamente às cTn sua capacidade de exclusão/inclusão diagnósticas são menores ao avaliarem-se estados de injúria ao cardiomiócito e seus desdobramentos clínicos. Nas situações de reinfarto o uso de CK-MB, defendido por alguns, apresenta-se com menor consistência quando comparado ao uso de cTn, importante aspecto diz respeito que a interpretação dos resultados obtidos por Troponinas requer um protocolo muito bem-estabelecido entre o laboratório e a cardiologia. A Mioglobina, apesar da sensibilidade clínica, apresenta limitações pela sua baixa cardioespecificidade, impossibilitan82
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do a correta avaliação da origem no processo de dano muscular, mesmo porque mínimas alterações na permeabilidade do miócito da musculatura esquelética promovem sua liberação na circulação, além disso, como sofre eliminação via renal, redução na Filtração Glomerular promove a sua elevação plasmática, tornando seu uso limitado no diagnóstico cardiológico. A Figura 7.1 resume as possíveis relações decorrentes da injúria gerada ao cardiomiócito.
Injúria cardíaca Marcadores laboratoriais Isquemia cardíaca
Necrose cardíaca
Figura 7.1 Injúria gerada ao cardiomiócito e possíveis relações. A
isquemia, em função de sua cronologia, intensidade/extensão, pode promover morte do cardiomiócito. Os marcadores laboratoriais não definem a natureza imediata do dano, mas são indispensáveis na definição dos estados isquêmicos agudos, principalmente nas SCA-SST. Fonte: Acervo do autor.
Troponinas O aparato contrátil da estrutura muscular possui em sua composição proteínas regulatórias. As troponinas são um complexo formado por três subunidades proteicas:Troponina C (ligante ao cálcio), Troponina I (componente inibitório), e Troponina T (componente tropomiosina ligante), havendo presença de subunidades em suas isoformas, as quais são distribuídas em tecidos musculares cardíaco, esquelético e liso, porém o tecido cardíaco possui somente as isoformas I e T, motivo pelo qual a Troponina C não teve seu uso vinculado aos processos diagnósticos de natureza cardíaca. A especificidade das isoformas cardíacas é claramente definida por serem produtos de genes únicos, motivo pelo qual a denominação de Troponinas Cardíacas (descritas como cTnI e cTnT), sua localização é na miofibrila (95%) e em pequena concentração citoplasmática (5%), essa última localização mesmo em pequenos valores é vista como forma de mobilização rápida nos processos de injúria cardioespecíficos. A cTnI difere de sua isoforma esquelética por uma sequência de 31 aminoácidos, sendo sua presença exclusiva do tecido cardíaco, não existindo nem mesmo em tecidos normais, de regeneração, ou em miopatias esqueléticas, a cTnT difere de sua isoforma esquelética por uma sequência de 11 aminoácidos, sendo também cardioespecífica, porém há descrição da expressão de isoformas da cTnT em tecido muscular esquelético em situações que envolvem distrofia, polimiosite, dermatomiosite e doença renal crônica, razão pela qual a escolha do fabricante/ plataforma/anticorpo usado em ensaios laboratoriais deve levar em conta tais aspectos, evitando-se sobreposição de valores entre as Isoformas cardíacas e a Isoformas com reexpressão. Parte 3
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Há fortes evidências de que, em situações de dano miocárdico ou até mesmo de predisposição genética, haveria a liberação tissular e a presença no plasma de cTn em formas biológicas diferentes das encontradas em situações referenciais. Essas formas poderiam ser descritas como: complexos binários (cTnIC e cTnTC), complexos ternários (cTnTIC), formas livres (I), e, ainda, eventuais modificações (pela permanência aumentada das cTn no plasma), que promovam alterações tais como: oxidação, desfosforilação, redução ou fosforilação, pois mesmo nessas formas as cTn apresentariam valor laboratorial discriminatório nos processos cardíacos. Essas informações são importantes ao analisarmos os ensaios utilizados na mensuração das cTn, sendo determinante que os mesmos devem possuir anticorpos que reconheçam adequadamente todas as frações anteriormente descritas, e que demonstrem uma resposta equimolar em todas as formas circulantes das cTn.
Avaliação laboratorial das troponinas O uso das cTn requer um processo de padronização e também de cumprimento de normas e especificações por parte dos fabricantes, tanto na fase analítica quanto na pré-analítica, e aqui alguns são descritos: uso de epítopos na parte estável da molécula, adequada resposta frente a diferentes formas circulantes, comutabilidade de diferentes ensaios, capacidade em promover a diferenciação das formas circulantes, uso de anticoagulantes e suas implicações, rastreabilidade dos calibradores, análise crítica da faixa dinâmica da metodologia e definição de valores referenciais. Nesse aspecto, a definição de valor referencial esbarra em algumas importantes informações vinculadas à metodologia empregada, plataforma dos equipamentos e seus fabricantes, porém é necessária uma criteriosa análise por parte do laboratório na escolha do que melhor se adapte às suas necessidades: técnica, operacional, e mesmo de custo financeiro. Exemplo disso é a escolha por métodos de determinação de cTn vinculados às orientações de consensos internacionais como “Global Task Force for The Universal Definition of Myocardical Infartaction”, “National Academy of Clinical Biochemistry” (NACB) e atualizações do “American College of Cardiology/American Heart Association”. O uso de Troponinas, principalmente na atual modalidade dos ensaios de 4a e 5a gerações, designado Troponinas de Alta Sensibilidade (hs-cTnI e hs-cTnT), requer vinculação obrigatória a um Coeficiente de Variação (CV) máximo de 10% no percentil 99, esse por sua vez diz respeito a um valor referencial máximo, definido como Limite de Decisão (LD), onde incluem-se dentro de sua faixa 99% das pessoas referenciais, que não apresentariam alteração metabólico-funcional do cardiomiócito, sendo portanto compreendido como valor discriminatório na avaliação da injúria cardíaca. Há, ainda, a definição de Valor Mínimo Detectável (VMD − sensibilidade analítica) e o espaço estatístico existente entre este e o percentil 99 (faixa dinâmica da metodologia). Dentro desse espaço, os diferentes fabricantes têm suas plataformas/metodologias classificadas e estratificadas em: Diretrizes Aceitáveis, capítulo 7
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Clinicamente útil ou Não Aceitável, com graduações em níveis entre 1 e 4, em que, respectivamente, se tem: a) Nível 4 com detecção ≥ 95% entre o VMD e o percentil 99. b) Nível 3 com detecção ≥ 75% até 94% entre o VMD e o percentil 99. c) Nível 2 com detecção ≥ 50% até 74% entre o VMD e o percentil 99. d) Nível 1 com detecção ≥ 25% até 49% entre o VMD e o percentil 99. Tal descrição entre níveis 4 e 3 representa melhores desempenhos de plataformas/metodologias vinculadas a hs-cTnI e hs-cTnT, sendo um importante elemento diferencial na escolha das mesmas em nossas rotinas laboratoriais, portanto seu uso é recomendado e sua análise merece o esforço do laboratório para implantação pelos melhores resultados a serem obtidos. Outro aspecto crítico na escolha e no uso por parte do laboratório é a definição do LD, vinculado ao percentil 99, ao LMD, e à variação no percentil 99, pois esses elementos, por serem fabricante/plataforma/metodologia dependentes, apresentam-se com ampla margem de variação , com algumas importantes diferenças, abaixo descritas: a) LMD - Fabricante “A” 0,90 ng/L - Fabricante “B” 9 ng/L. b) Percentil 99 - Fabricante “A” 10 ng/L - Fabricante “B” 16 ng/L. c) CV no Percentil 99 - Fabricante “A” 9% - Fabricante “B” 5%. A análise de tais informações deve considerar a forma de uso das hs-cTnI e hs-cTnT pelo laboratório, e seu desdobramento em processos de inclusão/exclusão diagnósticas, monitoramento, público-alvo no atendimento, natureza dos serviços (emergência, UTI, ambulatório), definição associada aos serviços de cardiologia clínica e cirúrgica, bem como os desdobramentos técnico-financeiros de tais escolhas. A definição, ainda do percentil 99, deve ser muito bem-delimitada, pois o número de participantes envolvidos na constituição do grupo/estudo, idade, sexo e completa exclusão de cardiopatias (mesmo crônicas) que devem ter sido corretamente tratadas pelo fabricante em sua formulação estatística e ter sua descrição disponível ao laboratório (em um claro formato), para que se possa fazer a melhor opção vinculada à escolha fabricante/plataforma/metodologia a ser utilizada. Há importante elemento associado à possibilidade de separação do percentil 99 escalonado por elementos tais como: idade até 30 anos; idade maior que 30 anos, sendo que nesse último grupo a melhor opção seria haver média de idade entre 55 e 65 anos; e, finalmente, que o grupo populacional do estudo fosse composto por 300 a 500 participantes. A determinação analítica da hs-cTn deve seguir com rigor os protocolos pré-analíticos definidos pelo fabricante, quer em formas de coleta, natureza das amostras: plasma (escolha do anticoagulante) ou soro (com ou sem sistema de 83
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aceleração/separação de fases), estocagem, estabilidade térmica, bem como na fase analítica, no uso de sistemas de calibração, controles ou fases de trabalho, pois isso representa fator crítico na avaliação do resultado fornecido pelo laboratório.
maneira precoce, assim, a elevação da cTn em eventos não isquêmicos do cardiomiócito têm prognóstico adverso em quase todas as situações. Comparativamente, entre três grupos, mostra-se que a mortalidade média é de 1,5% no grupo com valores de cTn até o LMD; passa a 4% no grupo com valores de cTn, entre o LMD e o percentil 99; e chega a 6% no grupo com valores de cTn superiores ao percentil 99. Os valores obtidos pelo laboratório devem ser submetidos a análise, sempre vinculada à condição clínica. Nesse aspecto, valem algumas considerações: os valores discriminatórios de 20% são propostos pelo uso dos “delta” da hs-cTn em que, pela natureza da determinação das hs-cTn apresentar-se com Limite de Decisão, há importantes dificuldades na avaliação da Variabilidade Biológica (CVb). Não haveria possibilidade de avaliação das diferentes formas de hs-cTn, assim as duas determinações para obtenção do “delta” da Troponina sempre devem ser feitas sob os mesmos protocolos de fabricante/plataforma/metodologia, então não poderíamos analisar e comparar determinações realizadas entre hs-cTnI e hs-cTnT, ou mesmo entre hs-cTn e cTn por método convencional. A escolha dos períodos de tempo poderia ser realizada também entre 3 e 6 horas e 0 e 6 horas; a escolha do tempo 0-3 horas indica ser a opção mais resoluta no processo discriminatório, com melhor valor de exclusão diagnóstica, mas apesar disso a sua indicação como elemento diagnóstico de inclusão é mais bem estabelecida na presença de SCA-SST; o uso da hs-cTn teria então poder de inclusão médio de 91%, contra valor médio de exclusão de 96%. Nos momentos da avaliação imediata ao paciente com suspeita de SCA teríamos médias de incidência de SCA-SST em 70% e SCA-CST em 30%, o que reforça a participação do laboratório como elemento diferencial no diagnóstico. O uso de hs-cTn desde que inclusas nas Diretrizes Aceitáveis – níveis 3 e 4, e critérios experientes na análise e interpretação do(s) resultado(s) reduziria a incidência de resultados “falso-positivos” existentes na metodologia convencional. A Figura 7.2 esquematiza os aspectos clínico-laboratoriais envolvidos na interpretação dos resultados das troponinas cardíacas ultrassensíveis (ensaios de 5ª geração).
Interpretação Há descrição de alguns meios de melhoria na avaliação dos resultados das hs-cTn com o uso de duas determinações, em dois períodos de tempo distintos. Entre a primeira determinação e a segunda deve decorrer um intervalo máximo de 3 horas, com oscilações superiores a 20% entre a primeira e a segunda, sendo compatíveis com dano do cardiomiócito, desde que todas elas acima do percentil 99. Tal protocolo permitiria uma melhor avaliação dos valores obtidos, separando-os e analisando-os sob o enfoque do percentil 99 e do LD, e com isso melhorando a especificidade clínica, mas não necessariamente a sensibilidade clínica nos eventos de injúria cardíaca. Aliás, nesse aspecto, o uso das troponinas não avalia a natureza do dano, ou seja, não determina sua etiologia, porém consegue determinar sua existência. A cTn é liberada do aparelho contrátil em situações de injúria no cardiomiócito por meio da degradação proteolítica, e nessa situação os valores encontrados são maiores que o percentil 99. Mas há cTn livre no citoplasma, assim o encontro de valores de cTn inferiores ao Limite de Decisão deve também ser associado à apoptose, ao turnover do cardiomiócito, à elevação da permeabilidade celular ou à mínima degradação proteica, com possibilidade de haver situações de injúria reversível. Nesses casos, associando-se a situação clínica envolvida, seria necessária a determinação de uma segunda amostra. As diferentes formas de injúria, em suas intensidades, graus de reparação e frequência teriam maior importância clínica. Exemplo disso é o fato de valores acima do LD, desvinculados de sintomas clínicos imediatos, estarem associados a maior incidência de danos cardíacos futuros. O maior problema nesse caso residiria, então, na injúria ao cardiomiócito de forma repetitiva. Porém, a dificuldade está em definir com segurança a diferença entre dano reversível e dano irreversível, isso de Especificidade diagnóstica
Valor mínimo detectável
Sensibilidade diagnóstica
Percentil 99 com CVa < 10%
Permeabilidade celular Tumover - Angina - Apoptose
Limite de decisão valor diagnóstico?
Estresse - Injúria - Isquemia - Necrose • SCA-SST ± 70% do total • SCA-CST ± 30% do total • Risco - prognóstico
Figura 7.2 Aspectos laboratoriais e clínicos envolvidos na interpretação dos resultados das hs-cTn – ensaios de 5a geração. A definição dos
protocolos de abordagem aos aspectos técnicos da metodologia e aos valores obtidos é crítica para a conduta mais adequada. Fonte: Acervo do autor.
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A determinação no período entre 3 e 6 horas possibilitou o diagnóstico de SCA em 25% dos pacientes submetidos a essa análise de valores. Além disso, 51% apresentaram valores de hs-cTnT pelo menos superior ao percentil 99, mas sem a elevação de 20% (uso do “delta”). Nesse grupo em especial foi caracterizado o diagnóstico de Angina Instável. Tal fato surpreende, pois não deveria haver elevação das hs-cTnT nessa situação, considerando-se que, apesar da maior estratificação de pacientes com o uso do “delta”, ainda são necessários estudos mais amplos para o uso rotineiro de tal protocolo. O uso da hs-cTn teria maior habilidade em discriminar injúria cardíaca, que ainda não alterou valores na cTn em metodologias convencionais, sendo possivelmente um limitador importante no uso de exames de maior poder de visualização das lesões, tais como a angiotomografia, e para isso a avaliação laboratorial das hs-cTn deveria sofrer melhor padronização, inclusive nas unidades usadas como expressão dos valores obtidos, preferencialmente no formato ng/L ao invés dos atuais µg/L. Exemplo disso seriam, respectivamente, 0,009 µg/L convertidos em 9 ng/L, tornando mais simples a leitura e a interpretação numérica dos resultados. Há no âmbito laboratorial diferentes formatos na avaliação qualitativa convencional das cTnI, onde a presença de “testes rápidos” simultaneamente possibilitou o acesso a esse novo marcador cardíaco aos laboratórios que até então não tinham disponível tal determinação, mas também criou algumas situações em que a falta de “padronização” nos resultados obtidos, as dificuldades na obtenção de controles e/ou calibradores rastreáveis, o desconhecimento da sensibilidade analítica em uso, valores de referência com baixo valor de exclusão, a dificuldade de estabelecer a existência ou não de anticorpos voltados à parte estável da molécula da cTnI e a falta de comutabilidade entre esses ensaios e uma correta descrição de LD criou algumas dificuldades na seleção, na estratificação e nas condutas clínicas decorrentes dos resultados obtidos por esses testes. Torna-se indispensável ao definir a implantação de metodologias dessa natureza, inclusive em Testes Laboratoriais Remotos (TLRs) levando-se em conta a importância da situação clínica e os desdobramentos dos resultados fornecidos, estabelecer protocolos, sistema de validação e formas de interpretação de valores (principalmente qualitativos), que atendam de forma coerente a essas necessidades. Quando se analisa a hs-cTn em pacientes com Insuficiência Cardíaca Congestiva na forma descompensada há forte associação entre valores elevados e maior mortalidade, principalmente sob hospitalização, mesmo onde não houve SCA. Há algumas situações nas quais mesmo na elevação das cTn não se tem injúria cardíaca isquêmica, tais como: ICC nas formas agudas e crônicas,Tromboembolismo Pulmonar (TEP), vasoespasmo coronariano, intervenções coronarianas percutâneas, rabdomiólise com injúria do cardiomiócito.
MARCADORES LABORATORIAIS NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CRÔNICA Os fatores natriuréticos cardíacos são peptídios e seus fragmentos, todos produzidos no cardiomiócito, tanto nos capítulo 7
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tecidos atriais como ventriculares, sob diferentes situações e em resposta a variações dos volumes de enchimento das câmaras cardíacas, sobrecarga e/ou expansões volêmicas sistêmicas. Tais moléculas estão associadas a situações que envolvem a Insuficiência Cardíaca (IC), essa considerada uma das fases finais das cardiopatias, e na qual há incapacidade de bombeamento do fluxo sanguíneo necessário ao atendimento da demanda do metabolismo. Há normalmente comprometimento da função contrátil ventricular, com disfunção sistólica classificada em graus I a IV, tendo as SCA Isquêmicas importante participação na etiologia desses processos.
Peptídeos natriuréticos cardíacos plasmáticos Os peptídeos natriuréticos são pequenas moléculas formadas por segmentos terminais e uma parte central, respectivamente com um total de 108 aminoácidos, onde a extremidade aminoterminal é composta por uma sequência de 27 aminoácidos, a extremidade carboxila terminal por 32 aminoácidos e a parte central com 49 aminoácidos, apesar da sua aparente simplicidade estrutural, sua produção, liberação e atividade ainda não estão totalmente elucidadas. A extremidade NH2-terminal não possui atividade biológica definida, sendo descrita como NT-proBNP, estando fixada por meio da junção 21 a 27 à região central da molécula que, por sua vez, possui 49 aminoácidos e é considerada a região regulatória do processo de maturação bioquímica da molécula total produzida pelo cardiomiócito. Tal ponto da regulagem metabólica é realizado pela ligação da glicose a essa mesma parte central, em um processo de estabilização/ maturação como resposta compensatória e altera os mecanismos da endoclivagem com uma ação enzimática envolvida na posição 74 a 76 (resíduo da treonina), denominada “glicosilação” (os termos glicação e glicosilação não são sinônimos), sendo essa a fase limitante do “amadurecimento” da molécula completa do ProBNP. A região entre os aminoácidos 74 a 76, por sua vez, liga-se à extremidade carboxila terminal, a qual possui 32 aminoácidos, sendo essa região a responsável pela importante atividade biológica vinculada às ações natriuréticas exercidas por esse peptídio. Assim sendo, o ProBNP possui o segmento NT-proBNP e o segmento BNP. Apesar de ambos terem relação equimolar aparente, seus valores referenciais e tempos de meia-vida são diferentes, indicando que mesmo uma aparente simplicidade estrutural da molécula ProBNP requer melhores estudos na elucidação de sua produção, fases da expressão gênica pós-translacional, mecanismos de ativação pré e pós-clivagem, e ações biológicas. Há diferenças nos fenótipos expressos na produção do ProBNP, atrial ou ventricular, onde a produção atrial é dominante em situações cardíacas referenciais, e a produção ventricular dominante na vigência de doenças cardíacas, isso poderia ser associado à ideia de que a produção nos cardiomiócitos ventriculares regulasse a expressão gênica tanto transcripcional como translacional do gene ProBNP. 85
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Avaliação laboratorial peptídios natriuréticos cardíacos plasmáticos O uso de maior expressão tanto do NT-proBNP quanto do BNP é na avaliação da disfunção ventricular (consequência ou não das SCA), quer na situação diagnóstica (inclusão ou exclusão), quer no monitoramento, sendo uma excelente ferramenta no prognóstico das alterações ventriculares. A determinação laboratorial nas duas situações é realizada por sistemas de imunoensaios, dirigidos contra diferentes epítopos moleculares havendo, pelo formato estrutural, maior reatividade cruzada nas determinações de NT-proBNP do que na determinação de BNP (pela presença da porção NH2 terminal), porém ambos são passíveis de interferências mediadas por anticorpos heterófilos (fator reumatoide, por exemplo), adicionalmente à determinação tanto do NT-proBNP quanto do BNP parece avaliar conjuntamente a extensão da molécula (ProBNP), razão pela qual é indispensável a análise técnica pelo laboratório das informações do fabricante/plataforma/metodologia utilizadas para melhor definir essas situações. As amostras a serem utilizadas devem seguir de forma rigorosa a descrição proposta pela metodologia empregada, pois há diferenças estruturais nos ensaios e nos seus formatos, por exemplo, amostras para análise do BNP devem ser plasma (EDTA-K3 em tubos plásticos) e amostras para NT-proBNP devem ser obtidas como Soro ou Heparina-Na (em tubos plásticos ou de vidro). Além disso, a variação Analítica (CVa) deve ser inferior a 15%, devendo haver descrição clara de eventual reatividade cruzada com outros peptídios natriuréticos tais como NT-proANP, ANP, CNP, pois esses últimos, apesar de elevar os resultados obtidos, não são representativos do ponto de vista biológico ou clínico (promovendo falsas elevações), tanto o NT-proBNP quanto o BNP teriam, desde que respeitadas as informações anteriormente descritas, a mesma forma de aplicação, uso ou interpretação, mesmo considerando-se que a primeira faz parte da forma biológica inativa da molécula, e a segunda da forma ativa, ou até pelo fato de possuírem diferentes Valores Referenciais (VRS) ou LD. Nesses aspectos cabe a descrição de que o seu uso deva ser mantido, ou seja, não se deve “intercalar” ensaios de NT-proBNP e BNP para o mesmo indivíduo, quer sob condução diagnóstica, quer de monitoramento. NT-proBNP e BNP têm grande variabilidade biológica intra-individual (CVb), respectivamente e de forma aproximada como 50% e 33%, o que deve ser ponderado, principalmente na interpretação de resultados vinculados ao monitoramento da Disfunção Ventricular, pois nesses casos as variações entre dois resultados laboratoriais (de um mesmo analito) teriam impacto clínico (tanto de evolução quanto de regressão do quadro), somente com oscilações em torno de 80% (quanto comparados entre si). Portanto, valores que se apresentarem inferiores a tais oscilações deveriam ser analisados de forma referencial. Há situações de elevação dos valores do NT-proBNP e BNP que abrangem: ascite, miocardite, insuficiência renal (aguda e crônica), hipertrofia ventricular esquerda, hipertensão pulmonar, hiperaldosteronismo e doença de Cushing. 86
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Interpretação Considerando-se isso, os VRs seriam estabelecidos LD, nos quais a abordagem clínica, sua interpretação e os resultados laboratoriais estariam também associados às informações do CVb, exclusão de outras patologias e mesmo a delimitação da idade. Teríamos, pois, valores para o BNP em 100 pg/mL e para o NT-proBNP em 125 pg/mL, porém mesmo assim há 26% da população que apresenta valores de BNP > que 100 pg/mL (100 a 500), um terço dos quais não possui Disfunção Ventricular (DV) e/ou Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC), e os outros dois terços com alterações cardíacas. Nesse último grupo, porém, com LD variáveis, mesmo o uso do NT-proBNP teria seus LD adaptáveis para exclusão da ICC em < que 300 pg/mL, mas ainda haveria o problema da influência do aspecto idade. Aqui, então, poderíamos melhor definir essa situação descrevendo como LD “adaptáveis” no seguinte formato: quando < que 450 pg/mL (para pessoas com idade até 50 anos) e < que 900 pg/mL (para pessoas com idade > que 50 anos) seriam excludentes da ICC. Mesmo com essas considerações há, contudo, limitações na conduta clínica, limitadas aos resultados laboratoriais obtidos, pois as elevações numéricas, mesmo com o uso específico dos LD, ainda são restritivas por fatores tais como: fabricante/ plataforma/metodologia, e não conseguem ainda com o uso desses marcadores definir com alta resolução as implicações de seus resultados. Essas informações devem ser bem-estabelecidas, em seu formato clínico ou laboratorial, para que NT-proBNP ou BNP possam ser adequadamente interpretados em seu melhor formato e extensão. Assim, o uso desses marcadores não teria indicação no rastreio de pacientes com DV, mas teria seu uso associado a pacientes sob alto risco de seu desenvolvimento. Tal conceituação deve ser ampliada no aspecto clínico ao utilizarmos tais marcadores. O uso, principalmente do BNP como avaliação vinculada às cTn, nas SCA-SST teria valor nas situações em que haja importante associação de fatores tais como: obesidade, hipertensão, idade, histórico familiar ou gravidade do quadro na apresentação emergencial do evento. Mesmo assim, os resultado(s) obtido(s) devem ser criteriosa e tecnicamente avaliados, porque muitos dos estudos conduzidos assim o foram, pelo uso de cTn em fabricante/plataforma/metodologia sem o formato hs-cTn, portanto com baixa forma de padronização, no LMD ou LD, embora haja proposição para que nesses casos o LD do BNP fosse > que 80 pg/mL, sendo importante a realização de melhores estudos nesse sentido.
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capítulo Marcos José Machado
Pâncreas INTRODUÇÃO O pâncreas é uma das maiores glândulas do corpo humano, responsável pela secreção de várias substâncias fundamentais para a digestão e homeostase interna dos nutrientes energéticos. Está localizado transversalmente no espaço retroperitoneal próximo à 2a e 3a vértebras lombares. Estende-se entre a porção inicial do intestino delgado, o duodeno, e o hilo do baço. No adulto apresenta peso entre 70 e 100 gramas, ou em média 95 gramas no homem e 85 gramas na mulher, medindo cerca de 20 centímetros. Anatomicamente é dividido em cabeça (alojada na alça do duodeno), colo, corpo e cauda, que se estendem em direção ao baço. A perfusão arterial é realizada pelos ramos da aorta abdominal, e a drenagem do sangue venoso ocorre para a veia porta a partir das veias pancreáticas. O pâncreas é revestido por uma camada fina de tecido conjuntivo, a partir do qual se propagam os septos para dividir o órgão em vários lóbulos. Estendem-se pelos septos interlobulares a maioria dos vasos linfáticos, juntamente com os vasos sanguíneos, nervos e ductos para excreção das secreções. Intrincada rede anastomosada de arteríolas e vênulas além de pequenos vasos linfáticos são encontrados, verificada nos lóbulos pancreáticos. Os ductos de excreção das secreções iniciam-se nos lóbulos como pequenos canais. Sua união proporciona a organização de um sistema de ductos com calibres internos cada vez maiores até formarem ductos pancreáticos principal e acessório. Embora já conhecido desde a Antiguidade, sua primeira descrição é atribuída ao grego Herophilus de Chalcedon (300 a.C.), e sua denominação Pankreas, definida por Ruphos de Ephesus no seu trabalho sobre o nome das partes do corpo humano. Literalmente, pâncreas é todo [constituído] de carne, a partir do grego pan [todo] e kreas [carne]. Entretanto, sua denominação não está relacionada a um órgão no todo igual, e, sim, à observação em cadáveres por Ruphos de ausência de osso ou cartilagem. Na realidade, organizado em lóbulos, o pâncreas é constituído basicamente em duas diferentes porções funcionais. A porção conhecida como pâncreas exócrino tem a função de produzir a secreção necessária à digestão dos alimentos, e
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a porção endócrina, cuja função primordial é a manutenção da homeostase corpórea da glicose, produzindo e secretando hormônios. Histologicamente, a porção endócrina é representada por um aglomerado de células diferenciadas, com formato ovalado, localizadas na porção mais central do lóbulo pancreático, as Ilhotas de Langerhans. Ao redor das ilhotas são encontrados muitos conjuntos de células com características bem-definidas e organizadas em estruturas ligeiramente esféricas ou alongadas com um lúmen central, os ácinos pancreáticos. Ainda nos lóbulos são verificadas as células pancreáticas estreladas (miofibroblastos) responsáveis pela manutenção da matriz extracelular, contendo proteínas fibrosas (como colágeno e elastina), glicoproteínas e proteoglicanos.
Pâncreas exócrino A porção exócrina constitui de 80% a 90% da massa do pâncreas. As células do pâncreas exócrino são responsáveis pela síntese, armazenagem e secreção das enzimas digestivas. Elas são conhecidas como células acinares e apresentam formato poligonal, com membrana polarizada em dois domínios principais, um lado maior em uma das extremidades (membrana basilar), e outro menor (membrana apical) com cerca de 10% da superfície total da membrana citoplasmática. O núcleo é central, com localização mais para a região basilar. O citoplasma contém grande quantidade de organelas, destacando-se o sistema reticular endotelial rugoso e aparelho de Golgi, além das mitocôndrias, representando grande capacidade de síntese proteica. O ápice da célula contém grânulos de armazenamento das diferentes proteínas digestivas, os grânulos de zimogênios. A estrutura pancreática ácino [do latim = bago de fruto de cachos] é unidade funcional do pâncreas exócrino. Um ácino constitui-se de várias células acinares, dispostas radialmente, originando uma estrutura arredondada semelhante à porção de um cacho de uvas. Cada ácino pode apresentar de 20 a 50 células em média, e sua estrutura pode ser ovalada ou cilíndrica. No seu interior ocorre um espaço, um lúmen circundado pelas células. As células delimitantes do lúmen acinar são achatadas e denominadas centroacinares. Elas revestem o canal iniciado no ácino, que constituem a primeira parte do sistema de
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ductos pancreáticos, os ductos intracelulares, os quais continuarão com a denominação de intercalados. Os lóbulos pancreáticos apresentam diversos ácinos, os quais são interligados por pequenos ductos intralobulares. Esses canais continuam ampliando seu calibre e unindo-se a outros, provenientes de outros lóbulos, originando a rede de ductos extralobulares (ou interlobulares). O sistema de ductos assim formado é responsável pela drenagem do conteúdo dos zimogênios para os ductos maiores, de Wirsung e Santorini, e posteriormente para o duodeno. O ducto principal une-se ao ducto biliar em
um canal comum, a ampola Vater. É através da papila de Vater, envolta pelo esfíncter de Oddi, que a secreção pancreática alcança o duodeno. O ducto de Santorini drena as secreções pancreáticas em uma papila localizada acima daquela de Vater. As células acinares sintetizam enzimas digestivas normalmente na forma de uma proteína inativa (uma proenzima ou zimogênio). As enzimas sintetizadas são capazes de promover a decomposição de macromoléculas em suas unidades fundamentais, permitindo assim a absorção desses nutrientes (Tabela 8.1). Há principalmente três maiores categorias de enzimas
Tabela 8.1 Características de proteínas pancreáticas. Enzima/proteína (proenzima)
Peso molecular Substrato (dáltons)
Ação
Tripsina (Tripsinogênio)
25.000-23.000
Proteínas
Clivagem de ligações peptídicas entre resíduos de lisina ou arginina com outros resíduos de aminoácidos das cadeias polipeptídicas
Quimiotripsina 24.000-23.500 (Quimiotripsinogênio)
Proteínas
Clivagem de ligações peptídicas entre resíduos de aminoácidos aromáticos (triptofano, tirosina, fenilalanina) preferencialmente, além de leucina com outros resíduos de aminoácidos das cadeias polipeptídicas
Carboxipeptidase (Procarboxipeptidase)
27.000-35.500
Proteínas
Clivagem de ligações peptídicas dos resíduos de aminoácidos carboxiterminais das cadeias polipeptídicas
Elastase (Proelastase)
33.000-26.600
Proteínas
Clivagem de ligações peptídicas entre resíduos de aminoácidos com cadeias laterais alifáticas com outros resíduos de aminoácidos das cadeias polipeptídicas. Tem efetiva atividade sobre as proteínas estruturais (elastina) do tecido conjuntivo incluindo vasos sanguíneos
Calicreína (Procalicreína)
48.000
Proteínas
Ativação de cininas (mediador de inflamação), contudo sua função fisiológica no suco pancreático é desconhecida
Amilase
55.000-60.000
Carboidratos (Amido, Amilopectina e Amilose, glicogênio)
Clivagem de ligações glicosídicas a1→4 entre resíduos de glicose
Lipase
46.000-56.000
Lipídios neutros (gorduras neutras) – Triacilglicerois
Clivagem de ligações de ésteres do glicerol com ácidos graxos de cadeia longa (principalmente). Apenas ligações nos carbonos 1 e 3 do glicerol são clivadas; a enzima atua somente com o substrato emulsionado
Colipase (Procolipase)
10.000
Cofator da Lipase
Interage com a lipase, induzindo mudança conformacional de forma a facilitar a catálise promovida pela enzima (na prática fixa a enzima na interface da micela facilitando a exposição do sítio catalítico da lipase)
Colesterol esterase (carboxil-ésterhidrolase
100.000
Lipídios diversos Clivagem de ligações ésteres de lipídios (ésteres de colesterol e outros ésteres).
Fosfolipase A
14.000
Fosfolipídios
Ribonuclease e Desoxirribonucleases
15.000 -30.000 Ácidos nucleicos
Clivagem de ligações ésteres de fosfolipídios Clivagem de ácidos nucleicos (RNA e DNA)
Fonte: Dufour DR, 2010; Hall JE, 2011; Hall JE, 2011; Henderson AR; et al., 1986; Hruban RH; et al., 2010; McNeely MDD; et al., 1989; McNeely MDD; et al., 1989; Moss DW; et al., 1986; Van Lente F., 1997.
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Pâncreas
digestivas: as amilases, lipases e proteases, as quais promovem a hidrólise de carboidratos, gorduras neutras e proteínas, respectivamente. As células epiteliais dos ductos são as responsáveis pela secreção de bicarbonato e água, facilitando o escoamento da secreção pancreática. Proteínas não digestivas como inibidores de protease, o inibidor do tripsinogênio (o inibidor da serina protease Kazal do tipo 1. SPINK1) e o cofator colipase são também produzidos e liberados na secreção. Após sua armazenagem nos grânulos próximos às membranas apicais, as enzimas são liberadas por exocitose, graças a mecanismos hormonais e neurológicos coordenados. A ingesta de alimentos induz a síntese das enzimas pancreáticas por estimulação vagal direta do órgão via acetilcolina. Com a entrada do quimo (alimentos processados no estômago) no duodeno inicia-se a fase intestinal, com grande quantidade de suco sendo drenado para o duodeno. Dois hormônios intestinais têm participação fundamental nesta produção: a secretina e a colecistocinina. O primeiro induz a liberação de água e bicarbonato nos ductos menores, e o segundo provoca grande liberação das enzimas e proenzimas existentes nos grânulos apicais das células acinares. O fluido pancreático assim secretado consiste em liquido incolor alcalino contendo água, proteínas digestivas e eletrólitos. Cerca de 1 a 3 litros de fluido pancreático podem ser secretados ao dia. A concentração das enzimas amilase e lipase é cerca de 10 mil vezes aquela verificada no plasma, e a de bicarbonato cinco vezes a plasmática. As proenzimas tripsinogênio 1 e 2 são as proteínas em maiores concentrações, representando cerca de 20% do total de proteínas secretadas. Os principais cátions verificados são: sódio, potássio, cálcio e magnésio, e entre os ânions destacam-se o cloreto e o bicarbonato.
A função do pâncreas endócrino está em promover a regulação normal do metabolismo da glicose através da adequada síntese e liberação dos hormônios insulina e glucagon. A insulina é a responsável pela captação rápida, pelo armazenamento e pela utilização da glicose por quase todos os tecidos do organismo, com ênfase nos músculos, no fígado e no tecido adiposo. Sua liberação ocorre logo após a ingesta e absorção de glicose. O glucagon faz com que os níveis sanguíneos de glicose sejam mantidos, ao estimular a glicogenólise e gliconeogênese hepática. Ele também disponibiliza ácidos graxos como fontes de energia ao estimular a lipólise do tecido adiposo por ativação da lipase das células adiposas.
DOENÇAS DO PÂNCREAS Pancreatites As inflamações do pâncreas são enfermidades relativamente comuns. O processo inflamatório ocorre normalmente na porção exócrina, comprometendo sua funcionalidade. A sintomatologia pode ser branda ou grave, variando entre uma enfermidade autolimitada até um processo sistêmico com risco de vida. No Brasil, segundo dados do Datasus, de janeiro de 2008 até agosto de 2016 houve 220.729 internações por esta enfermidade, e os óbitos verificados representaram 5,7% (12.553 óbitos) destas. A Figura 8.1 apresenta as taxas de mortalidade (óbitos por 100 mil habitantes) nos vários estados brasileiros para as pancreatites. Na Figura 8.2 as internações verificadas por faixa etária e sexo podem ser observadas. Pancreatites agudas e outras doenças do pâncreas
Pâncreas endócrino A porção endócrina constitui de 2% a 5% da massa do pâncreas. As células do pâncreas endócrino estão organizadas em torno de 1 milhão de ilhotas de Langerhans dispersas por todo o pâncreas. Em uma ilhota podem existir até 4 mil células, com quatro tipos principais de células secretoras. As células a secretoras do hormônio glucagon constituem cerca de 20% a 30% da ilhota; já as células b são a maioria, 60% a 80%, e produzem a insulina. As outras duas células são a d e célula PP (célula F), representando 2% a 10% e 1% a 2% respectivamente das unidades funcionais do pâncreas endócrino. As células d sintetizam e liberam o hormônio somatostatina, já as células PP, o polipeptídio pancreático. A origem embrionária dessas células é a mesma verificada pelas células acinares e dos ductos pancreáticos As ilhotas estão em contato direto com as células acinares, que as rodeiam e recebem cerca de 10% do fluxo sanguíneo pancreático. Uma anastomosada rede de capilares e arteríolas supre diretamente as ilhotas, e geralmente irrigam também as células acinares. Esse fluxo sanguíneo favorece a influência dos hormônios secretados pelas células das ilhotas sobre o pâncreas exócrino e vice-versa, bem como uma eficiente distribuição sistêmica desses hormônios via sistema porta. capítulo 8
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Taxa de mortalidade (óbitos 100.000 hab) 2, 00-4, 16 4, 17-6,16 6, 17-8, 16 8, 17-11, 0
Figura 8.1 Taxa de mortalidade por pancreatite aguda e outras doenças do pâncreas nos diversos estados brasileiros entre janeiro de 2008 e maio de 2016. Fonte: BRASIL. Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) TABNET/ DATASUS. Brasília, 2016.
Pancreatite aguda É uma inflamação no pâncreas capaz de gerar uma resposta inflamatória sistêmica, de alta morbidade e relativa mortalidade. A lesão no parênquima pancreático pode ser 91
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Tratado de Análises Clínicas
18.000
16.825
16.000
Sexo masculino Sexo feminino
14.028
14.000 12.493
12.000 10.000 7.776
8.000
7.136
6.406
6.015 5.629
6.000
7.754 7.650
5.241 4.846
4.000
3.286 2.322 1.439
2.000 142110
Menor 1 ano
11995
197183
1a4 anos
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278 422
675
10 a 14 15 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79 80anos anos anos anos anos anos anos anos anos e mais
Figura 8.2 Internações por pancreatite aguda e outras doenças do pâncreas no Brasil entre janeiro de 2008 e maio de 2016, por faixa etária
e sexo. Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS).
revertida. Dentre suas causas etiológicas mais comuns são encontradas as colelitíases e o etilismo. A primeira é a causa mais prevalente entre as mulheres, e a segunda entre os homens. Em estudo com pacientes de um hospital de Porto Alegre a proporção de 58% das mulheres com a doença foi maior comparativamente aos homens. A causa biliar foi observada na maioria dos casos, 61% deles. Também são agentes etiológicos hipertrigliceridemia, hipercalcemia, medicamentos e drogas, lesões isquêmicas (choque, trombose vascular, vasculite), traumas pancreáticos, lesões associadas a cirurgias ou ao exame colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CRPE), mutações genéticas no gene do tripsinogênio-1 que o torna imune à inativação pela própria tripsina (PRSS1), mutações no gene do inibidor da tripsina (SPINK1), infecções bacterianas ou virais, além da presença de obstrução nos ductos pancreáticos decorrente de massas tumorais ou por parasitas e outros elementos. A forma de apresentação clínica pode ser branda (leve, intersticial) ou severa (grave, necrosante), respectivamente, a resolução pode ser rápida, aproximadamente uma semana, ou prolongada, durando semanas ou meses, com manifestações sistêmicas ou locais, que podem ser curadas, levar à morte ou deixar sequelas. A dor abdominal aguda persistente e intensa é um sintoma comum, geralmente referida para a região superior das costas. Náuseas, vômitos e perda do apetite a acompanham, a febre não é frequente, mas pode ocorrer devido à resposta inflamatória. 92
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É uma emergência médica, com suas manifestações decorrentes dos mediadores inflamatórios e substâncias do fluido pancreático liberadas na circulação. Dependendo da severidade pode ocorrer leucocitose, hemólise, coagulação intravascular disseminada, retenção de fluidos, ascite, necrose gordurosa, infecções por bactérias intestinais no sítio necrótico, choque decorrente do comprometimento vascular e necrose tubular aguda. A morte ocorre em torno de 5% dos indivíduos por choque na primeira semana da doença, embora a síndrome da angústia respiratória aguda (Sara, comprometimento pulmonar decorrente de lesão na membrana capilar alveolar) e insuficiência renal aguda também possam ser complicações sérias. É fundamental avaliar a gravidade da pancreatite aguda no momento de seu diagnóstico. O emprego de escores clínico-laboratoriais tem sido desenvolvido e seu uso recomendado por consenso internacional. Eles levam em consideração diferentes condições clínicas e laboratoriais dos pacientes, como idade, oxigenação sanguínea, parâmetros hematológicos e bioquímicos entre outros. Três sistemas são os mais usados: o de Ranson, o Apache II (Acute Physiology and chronic health evaluation), e o de Glasgow. A tomografia computadorizada é fundamental no diagnóstico da necrose pancreática. A proteína C-reativa, o peptídio de ativação do tripsinogênio-1 (TAP) e o tripsinogênio-2 urinário têm sido avaliados como marcadores bioquímicos associados a maior gravidade da pancreatite aguda. Parte 3
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Pâncreas
O processo patológico observado na pancreatite aguda evidencia um processo de autodigestão tecidual no pâncreas, decorrente da ativação inapropriada das enzimas constituintes de sua secreção digestiva normal. A tripsina pode ativar todas as proenzimas presentes nos grânulos de zimogênio, como a proelastase e a profosfolipase que, ativas, atuam sobre a elastina dos vasos sanguíneos e fosfolipídios de membrana dos adipócitos. A calicreína ativa o sistema de complemento e o sistema de coagulação favorecendo a inflamação, como trombose e rompimento de pequenos vasos. A ativação dessas enzimas do suco pode ocorrer devido à obstrução dos ductos, tripsinogênio em quantidade superior ao seu inibidor pode ser retido, desencadeando um desequilíbrio, o qual resultaria na ativação das proenzimas. A lipase represada e ativa poderia levar à necrose gordurosa local, induzindo as células estelares a se diferenciarem em miofibroblastos e liberarem juntamente com o tecido necrosado e leucócitos cininas proinflamatórias. Outro mecanismo seria a destruição direta da célula acinar desencadeada por vírus, fármacos, isquemia e mesmo traumas. E um terceiro seria o comprometimento na exocitose e/ou na formação dos grânulos de armazenamento. Evidências têm se acumulado sobre um papel central do acúmulo de cálcio intracelular na patogênese da pancreatite aguda. A manutenção de concentração elevada desse íon promove, inicialmente, comprometimento dos mecanismos de defesa celular acarretando ativação de tripsinogênio intracelular. Lisossomos e grânulos de zimogênios são lesados no interior das células acinares. Ocorre necrose dessas células, com derrame de proteases ativadas no espaço intersticial, atingindo outras células vizinhas. Ativa-se um ciclo de necrose celular em cascata, a qual resulta em comprometimento do parênquima pancreático, promovendo uma inflamação e edema local. Dependendo da extensão da lesão atingida, uma resposta inflamatória sistêmica pode ser gerada. A lesão pancreática pode apresentar-se como uma leve inflamação com edema até uma severa e extensa necrose com hemorragia.
Uma das causas mais comuns no Brasil é o abuso de álcool. Estudo em Goiânia-GO mostrou ser o principal fator etiológico em 89% dos casos; já em São Paulo-SP esteve presente em 93,6% e 93,4% dos casos.
Câncer pancreático O tumor pancreático mais comum é do tipo adenocarcinoma, afetando principalmente a cabeça do órgão. Devido à sua difícil detecção, ele apresenta alta mortalidade. O câncer inicia-se no epitélio dos ductos, evoluindo de lesões pré-malignas até um câncer altamente invasivo. De forma menos comum, tumores específicos das diferentes células das ilhotas de Langerhans podem ocorrer. Geralmente sua maior característica é a hiperprodução hormonal. São exemplos os insulinomas (células b) e os glucagonomas (células a).
Fibrose cística É uma doença genética de caráter autossômico recessivo de grande frequência. No Brasil sua incidência estimada está em torno 1 para 10 mil nascidos vivos. Consiste de um comprometimento no transporte iônico transmembranar de células epiteliais, resultando em secreções alteradas das glândulas exócrinas e células de revestimento intestinal, pulmonar e reprodutivo. A secreção com alta viscosidade pode obstruir ductos de drenagem e ocasionar manifestações clínicas, como insuficiência pancreática, pancreatites e Diabetes mellitus. A causa é a deficiência na proteína reguladora da condutância transmembrana da fibrose cística (CFTR) devido a mutações genéticas. Nos pacientes com fibrose cística clássica o suor apresenta concentração elevada de cloreto de sódio (suor salgado), além de deficiência na secreção de bicarbonato no suco pancreático e secreção pulmonar e intestinal com pouca água. Mutações no gene CFRT estão associadas com maior propensão à pancreatite.
Pancreatite crônica
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DAS DOENÇAS DO PÂNCREAS
Caso haja perda permanente de função exócrina do pâncreas, a pancreatite será definida como crônica. Ocorre destruição irreversível do tecido pancreático exócrino, com fibrose e possível destruição de tecido endócrino em longo prazo. Normalmente, o doente apresentava episódios recorrentes de pancreatite aguda e, tempos mais tarde, em geral, anos, surge insuficiência pancreática progressiva tanto na porção endócrina quanto na exócrina e calcificação nos ductos. Um sintoma comum aos pacientes é a dor, além de cálculos nos ductos pancreáticos com obstruções. Também no canal biliar pode ocorrer obstrução, além de estenose duodenal e hipertensão portal com varizes e risco de câncer pancreático. O etilismo é uma das principais etiologias, mas hiperparatireoidismo, hipertrigliceridemia, pancreatite tropical, obstrução de ducto pancreático por tumor, pâncreas divisum, doenças autoimunes e de origem genética também são fatores causais.
O diagnóstico laboratorial das enfermidades pancreáticas tem sua maior aplicação na avaliação de pancreatites. Os testes são geralmente no sentido de avaliar a função exócrina diretamente ou testes indiretos para avaliar lesão nas células pancreáticas. Os testes indiretos têm sua fundamentação na determinação de enzimas encontradas nos fluidos biológicos, após o evento agudo, enquanto os de avaliação de função em diferentes tipos de testes. A avaliação da insuficiência pancreática pode ser realizada com a mensuração de atividade de enzimas e concentração de eletrólitos no suco pancreático, após estimulação com secretina. A avaliação prognóstica do câncer pancreático tem sido realizada também pela mensuração do marcador tumoral CA 19-9. A verificação qualitativa ou quantitativa de gorduras nas fezes, assim como a presença de atividade enzimática de tripsina e quimiotripsina e elastase nesse material ou, ainda, detecção de metabólitos (excretados na urina ou
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Tratado de Análises Clínicas
no ar expirado) provenientes da atividade de quimiotripsina a partir da ingesta de substratos especiais são também usados na avaliação de insuficiência pancreática.
Amilase A enzima amilase (AMS, E.C. 3.2.1.1, a-1,4-glucano-4-glucanohidrolase) catalisa a hidrólise das ligações glicosídicas do tipo a-1,4 em polissacarídeos. Esta enzima degrada moléculas de amido, amilopectina, amilose e glicogênio em componentes menores. O resultado da catálise enzimática sobre o polissacarídeo é a formação de dextranas, maltose e moléculas de glicose. A amilase é encontrada nas glândulas salivares e no pâncreas. A enzima necessita íons cloretos e cálcio para atividade ótima como cofatores, sendo o pH ideal de 6,9 a 7,0. Tem peso molecular entre 55 e 60 mil dáltons, sendo assim livremente filtrada nos glomérulos, podendo ser detectada na urina. São encontradas no soro duas diferentes isoenzimas: a tipo-S, de origem salivar, e a tipo-P, pancreática. São conhecidas pelo menos seis isoformas para essas duas isoenzimas, as quais têm diferentes migrações eletroforéticas e podem ser separadas por diferentes métodos. Baseados em diferentes princípios, que empregam diferentes substratos, existem muitos métodos para análise de amilase. Os métodos podem ser classificados em três grupos distintos, conforme as diferentes técnicas para detecção do produto formado, técnicas, amiloclásticas, sacarogênicas e cromogênicas. As primeiras utilizam o amido como substrato, e a atividade é medida pela sua hidrólise, com detecção dos produtos do amido por turbidimetria, nefelometria ou através da complexação com iodo (iodométricas). Nas técnicas sacarogênicas os monossacarídeos e/ou dissacarídeos liberados são medidos na avaliação da atividade enzimática. Empregam-se várias formas para a detecção dos produtos formados, como reações enzimáticas acopladas para a detecção de glicose. As técnicas mais comumente utilizadas atualmente são as cromogênicas, por serem rápidas, com excelente precisão, e de fácil execução. Nestas o substrato é um polissacarídeo ou oligossacarídeo (com glicoses unidas através de ligações glicosídicas) acoplado a um corante. Ao agir sobre o carboidrato complexo, a amilase libera o corante e sua atividade pode ser determinada pela variação colorimétrica observada. A determinação de amilase é realizada geralmente no soro, entretanto concentrações na urina − líquidos ascítico, peritoneal e pleural − podem ser determinadas com a maioria das técnicas de dosagem. Os líquidos podem ser empregados para a avaliação de derrame da enzima para os mesmos. Exceto heparina, os demais anticoagulantes podem quelar cálcio, inibindo a atividade da enzima em até 15%, assim somente plasma heparinizado pode ser empregado para análise. A atividade da enzima é estável por quatro dias em temperatura ambiente, duas semanas a 4 ºC, um ano a -25 ºC e até cinco anos a -75 ºC. 94
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A principal utilidade da medida de amilase total ou isoenzimas pancreáticas é auxiliar no diagnóstico de pancreatites agudas. No soro desses pacientes, a enzima tipicamente eleva-se dentro de 2 a 12 horas do aparecimento dos sintomas, alcançando um pico em 24 horas (normalmente acima de cinco vezes o limite superior de referência), permanecendo em níveis elevados por três a sete dias. Na urina de pacientes com pancreatites agudas os níveis de amilase total também se encontram elevados e podem permanecer assim por até dez dias. As medidas de amilase total apresentam menor especificidade diagnóstica, pois elevações séricas são verificas em apendicites, doenças renais, cetoacidose diabética, gravidez ectópica e muitas outras enfermidades não pancreáticas. A isoenzima P é valiosa na diferenciação de pacientes com pancreatites de outras enfermidades, contudo devido a dificuldades técnicas geralmente não é empregada.
Lipase A principal fonte da enzima lipase (LPS; E.C. 3.1.13; a triacilglicerol acil-hidrolase) é o pâncreas. Armazenadas nos grânulos das células acinares, 99% dessas enzimas são liberadas no sistema de ductos e chegam ao duodeno para exercer sua ação hidrolítica sobre as gorduras neutras. Apenas 1% pode alcançar a circulação sistêmica via vasos linfáticos e capilares pancreáticos. A diferença de concentração entre o plasma e este órgão para esta enzima é de 20 mil vezes. Outras fontes de lipase são: duodeno, fígado, pulmão, leite humano, tecido adiposo e leucócitos, entre outros. A concentração plasmática da enzima eleva-se geralmente entre 4 e 8 horas após o surgimento dos sintomas de pancreatite, alcançando picos em torno de 24 horas e permanecendo elevada por até 8 a 14 dias. A meia-vida plasmática desta enzima é de 6,9 a 13,7 horas e superior àquela da amilase, permanecendo sua atividade aumentada por mais tempo do que a da amilase. Essa hidrolase é uma serina-protease, apresentando em seu sitio catalítico resíduos dos aminoácidos, acido aspártico, histidina e serina. Ela apresenta um sítio de reconhecimento do substrato hidrofóbico e seu cofator proteico colipase é fundamental para a interação com esse substrato. Existe em duas formas moleculares nas células acinares pancreáticas e no soro de indivíduos saudáveis. Nos casos de pancreatites é possível observar até quatro bandas eletroforéticas. Ela apresenta peso molecular entre 46 mil a 56 mil dáltons. Seu pH ótimo é de 7,5 a 10,0, e modulada por cálcio e sais biliares. Os ensaios para lipase são rápidos e de baixo custo, podendo ser comparáveis aos de amilase. Entretanto, a fração geralmente observada no soro é de origem pancreática, o que acarreta maior especificidade ao ensaio. Os ensaios apresentam para a pancreatite aguda sensibilidades diagnósticas variando de 53% a 100%, e especificidades entre 85% a 99%. Maior especificidade e sensibilidade são observadas ao utilizar-se como pontos de corte valores superiores a três vezes o limite superior de referência (LSR). No Brasil, sensibilidade de 92% a 76% e especificidade de 77% a 94% foram observaParte 3
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Pâncreas
das no diagnóstico de pancreatite aguda, variando os pontos de corte entre o limite superior de referência e cinco vezes este valor. Os melhores índices diagnósticos foram encontrados com um limite de duas vezes o LSR, tanto para a lipase quanto para a amilase. O pâncreas é a maior fonte de lipase plasmática e, assim, sua acurácia diagnóstica é superior à determinação de atividade da amilase plasmática total. Sua sensibilidade diagnóstica é maior na avaliação de pancreatites ocasionadas pelo abuso da ingestão de álcool. Relação entre lipase e amilase superior a 3 foi observada em pacientes de hospital público de Uberlândia, que apresentavam pancreatite aguda de causa alcoólica. Em pacientes com doença de causa biliar esta relação foi menor. A determinação da atividade de lipase pode ser realizada por diferentes metodologias. Métodos titulométricos permitem a medida da velocidade da reação enzimática, através da medida do ácido graxo liberado por ação da lipase. Métodos colorimétricos permitem a detecção dos ácidos graxos por reações de mudanças cromáticas verificada em indicador vermelho de metila presente no sistema de reação. Ensaios imunométricos podem envolver aglutinação do látex fixado em anticorpos antilipase ou formação de um produto corado através de um anticorpo contra lipase conjugado com peroxidase. Metodologia turbidimétrica também tem sido empregada, e a atividade enzimática é diretamente proporcional à diminuição na turbidez gerada pelo consumo de substrato (emulsão óleo-água). Métodos espectrofotométricos acoplados a reações enzimáticas têm sido desenvolvidos para avaliação da lipase. Geralmente esses métodos têm menor custo e são de fácil realização. O produto final da reação da lipase é o glicerol, o qual é determinado enzimaticamente com a formação de um cromógeno (metilresorufina) com absorção máxima em 570 nm. As condições de ensaio permitem o consumo de glicerol endógeno para que não interfira na reação.
Tripsina e tripsinogênio Nas células acinares humanas a enzima Tripsina (EC 3.4.21.4) é sintetizada na forma de proenzima inativa, o Tripsinogênio. Ela hidrolisa as ligações peptídicas entre resíduos de lisina ou arginina com outros resíduos de aminoácidos de cadeias polipeptídicas. Ela pertence à família das serinas proteases e apresenta peso molecular entre 23.400 a 25.000 dáltons. O pH ótimo da enzima para os substratos naturais está entre 8,0 a 10,0. Cálcio e magnésio são ativadores de sua atividade, e ânions como cianetos, citratos, fluoretos e sulfetos, bem como compostos orgânicos podem inibi-la. Por meio de eletroforese é possível detectar duas formas predominantes da proenzima: a catiônica, o tripsinogênio-1; e a aniônica, o tripsinogênio-2. Cerca de 20% das proteínas totais do suco pancreático são representadas pelos dois tripsinogênios. Dois terços desse total é constituído pela forma
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catiônica. As proenzimas são convertidas nas enzimas ativas na luz do duodeno por ação da enteroquinase. Essa protease intestinal cliva uma porção de 5 a 8 resíduos aminoterminais dessas proenzimas, o peptídeo de ativação da tripsina (TAP, do inglês, tripsinogen activation peptide). No ser humano ela é produzida quase exclusivamente no pâncreas, com pouquíssima atividade enzimática encontrada nas células intestinais. Pequena concentração dessas enzimas e suas proenzimas estão presentes na circulação. As enzimas são rapidamente inativadas pela complexação com os inibidores a1-antitripsina e a2-macroglobulina. O sistema retículo endotelial retira de circulação os complexos formados rapidamente. As proenzimas, devido ao seu pequeno tamanho, são livremente filtradas nos glomérulos, sendo o tripsinogênio-1 reabsorvido e catabolizado em maior proporção pelas células tubulares. O tripsinogênio-2 (aniônica) é, assim, o maior componente verificado na urina em contraste ao seu conteúdo no sangue, onde a proenzima catiônica é mais abundante. Imunoensaios são empregados para a determinação de tripsina e seus produtos em soro e urina. O imunoensaio, denominado tripsina imunorreativa (IRT), detecta a forma tripsina-1 complexada ao inibidor plasmático, bem como tripsinogênio-1. Rotineiramente, sua utilidade no diagnóstico clínico de pancreatites não apresenta significativa diferença se comparado aos ensaios para amilase e lipase. Em crianças com fibrose cística a tripsina imunorreativa tem sido empregada para triagem neonatal (teste do pezinho). A tripsina imunorreativa é realizada conjuntamente ao teste de fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito e hemoglobinopatias. Ao nascimento, crianças com fibrose cística podem apresentar níveis elevados de tripsinogênio os quais rapidamente caem para níveis abaixo da normalidade após os trinta dias de vida. Estudos de avaliação de programas de triagem neonatal para fibrose cística no Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina têm demonstrado incidências de 1:9.520, 1.8403, 1:9.115 e 1:8.776 respectivamente. Foram empregados pontos de corte no valor de 70 ng/mL (papel filtro com sangue total) para a IRT na primeira e na segunda dosagem (caso a coleta ocorresse entre 3 a 4 semanas de vida), representando o percentil 99,8% de população. A pesquisa do tripsinogênio-2 urinário e sérico por imunometria tem sido implementada e parece ter utilidade similar àquela encontrada para a amilase sérica, sendo considerado um teste de boa capacidade para descartar pancreatites agudas em emergências hospitalares. A implementação de metodologia imunocromatográfica em tiras reativas tem facilitado sua disseminação para avaliação clínica, e estudos revelam sensibilidade diagnóstica variando entre 68% a 100%, e especificidade diagnóstica em torno de 85% a 96%. Esse teste parece ter excelente capacidade discriminatória de severidade nas pancreatites agudas, sendo recomendado seu uso com este fim.
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Tratado de Análises Clínicas
CASOS CLÍNICOS Caso 1
Caso 2
Uma mulher de 65 anos apresentando dores abdominais, náuseas e vômitos nos últimos três dias foi atendida na emergência de um hospital.Tinha histórico de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) prévio, hipertensão desde os 50 anos, e hiperlipidemia. Sem histórico familiar ou próprio de pancreatite, além de a paciente ter relatado não ingerir álcool e também nenhum trauma. Medicações que usava de forma constante incluíam enalapril, atenolol e rosuvastatina. Era alérgica a vários antibióticos. Recentemente havia substituído o seu agente hipolipemiante, e a dose de rosuvastatina era de 20 mg ao dia. Apresentava abdome distendido, com sensibilidade na região superior, e níveis plasmáticos de amilase de 1.278 U/L (referência, 25 a 115 U/L), lipase de 11.790 U/L (referência 73-393 U/L), as atividades das aminotransferases (ALT e AST), fosfatase alcalina e gamaglutamil-transferase encontravam-se dentro das faixas de referência, assim como bilirrubinas totais. O hemograma apresentou parâmetros dentro dos limites de referência. O perfil lipídico também estava dentro da faixa referencial, assim como troponinas e os marcadores tumorais CA 19-9 e CEA. Foi solicitada ultrassonografia abdominal, que indicou inexistência de coledocolitíase e tomografia computadorizada abdominal que revelou edema pancreático sem necrose ou calcificação. A suspensão do uso de rosuvastatina melhorou o quadro clínico da paciente, que recebeu alta em poucos dias.
Um universitário de 19 anos com histórico anterior de pancreatite aguda deu entrada na emergência pela manhã, com dor abdominal epigástrica. O paciente estava febril, e tivera dificuldade em dormir devido à dor iniciada às 23 horas. Horas antes havia ingerido vodca e cerveja em quantidade apreciável em uma festa de sua turma da faculdade. Apresentava-se edemaciado. Os resultados dos exames laboratoriais realizados em amostra sanguínea coletada com EDTA foram hematócrito de 46,4 (41,0-53,0 VR homens), hemoglobina 17,2 g/dL (13,5-17,5 g/dL; VRhomens); Leucócitos 5.200/mm3 (5.000 a 10.000/mm3); Amilase 110 U/L (referência, 25 a 115 U/L); gamaglutamil-transferase 120 U/L (< 60 U/L, VR homens) creatinina 3,0 mg/dL (0,4 a 1,4 mg/dL, VR) no exame de urina de rotina foi observado proteínas positivo (++++); com 30.000 células renais/mL, cilindros granulosos 3.000/mL e cilindros celulares 1.000/mL. Foi solicitada ultrassonografia de abdome, o qual revelou ausência de litíase biliar e ascite. O pâncreas não foi bem visualizado devido aos gases intestinais. Foi realizado o tripsinogênio-2 urinário com resultado positivo. Uma tomografia computadorizada do abdome com contraste venoso foi realizada após o quinto dia de hospitalização, quando o quadro renal já havia normalizado. O paciente permaneceu em unidade de tratamento intensivo por 15 dias, sendo posteriormente transferido para enfermaria, recebendo alta após vinte dias de internação. Sendo realizados previamente testes genéticos para mutações em PRSS1, SPINK1 e CFTR. Duas mutações neste último gene foram detectadas.
1. Qual é a provável suspeita clínica? a) carcinoma pancreático; b) hepatite; c) pancreatite; d) litíase biliar. 2. Considerando a confirmação da suspeita clínica pelos resultados dos exames de imagem solicitados, qual seria a causa provável desta? a) medicamentosa; b) alcoólica; c) hiperlipidemia; d) biliar. 3. A atividade de lipase estar dez vezes mais elevada do que a de amilase é justificada, pois? a) O pâncreas apresenta níveis de amilase e lipase em concentrações diferenciadas e a variação está associada às técnicas empregadas na dosagem. b) O pâncreas apresenta níveis de amilase e lipase em concentrações iguais e a variação está associada com maior meia-vida da lipase na circulação geral. c) O pâncreas apresenta níveis de amilase e lipase em concentrações diferenciadas e a variação está associada com maior meia-vida da amilase na circulação geral. d) O pâncreas apresenta níveis de amilase e lipase em concentrações diferenciadas, determinando níveis plasmáticos mais persistentes da lipase presente em maior concentração, e uma menor meia-vida da amilase.
1. Considerando que a confirmação da suspeita clínica pelos resultados dos exames de imagem solicitados foi pancreatite aguda, qual seria a causa provável desta? a) medicamentosa; b) hiperlipidemia; c) genética desencadeada pelo álcool. 2. A Insuficiência Renal Aguda desencadeada pela doença de base deste paciente pode ser percebida pelo valor de creatinina plasmática e presença de: a) Cilindros granulosos e celulares decorrentes da necrose tubular aguda. b) Cilindros granulosos e celulares decorrentes da glomerulonefrite aguda. c) Cilindros granulosos e celulares decorrentes da síndrome nefrótica. d) Cilindros verificados e das células renais associadas à pielonefrite. 3. O tripsinogênio urinário foi útil para o não descarte da suspeita clínica inicial. A amilase, entretanto, estava com valores normais. Qual a justificativa para este fato? a) Amilase apresenta-se diminuída na insuficiência renal aguda (IRA). b) O tripsinogênio-2 não sofre alteração em sua concentração no caso de IRA. c) Amilase e tripsinogênio-2 não têm correlação clínica com a doença diagnosticada. d) O valor de amilase total foi inibido devido ao EDTA, quelante de cálcio.
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Pâncreas
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Parte 3
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capítulo Aline Borsato Hauser
Doenças Renais Introdução O rim é órgão par, localizado no espaço retroperitoneal, em formato de feijão, com coloração avermelhada. Nos indivíduos adultos, cada rim apresenta em torno de 12 cm de altura e cerca de 150 g, sendo o rim direito levemente inferior ao rim esquerdo. Dentre as diversas funções renais destacam-se a eliminação de catabólitos produzidos diariamente, a regulação da homeostase hidroeletrolítica, a manutenção do equilíbrio acidobásico, a regulação da pressão arterial sistêmica, a síntese de hormônios, e a degradação de peptídeos circulantes. O rim apresenta duas faces, dois bordos e duas extremidades (Figura 9.1). O hilo renal está situado na borda medial, com uma reentrância por onde entram e saem artérias e veias, nervos, vasos linfáticos e ureter. O rim apresenta um tecido homogêneo, que se distribui perifericamente, conhecido como córtex renal, e uma região central, a medula renal. A
medula renal possui prolongamentos que formam as colunas renais, onde se localizam as pirâmides renais, que apresentam disposição raiada por onde a urina goteja nos pequenos cálices. Esses pequenos cálices em número de quatro formam um grande cálice, que desemboca no ureter. Para que se entenda o uso dos biomarcadores renais na prática clínica e laboratorial é imprescindível que se compreenda o processo fisiológico de formação da urina, assim como a patogenia das principais doenças renais. A formação da urina se dá por meio de um fluxo sanguíneo renal, da filtração glomerular e dos processos tubulares de reabsorção e secreção. Tais processos ocorrem na unidade funcional dos rins, ou seja, nos néfrons. Existe cerca de 1,5 milhão de néfrons por rim (Figura 9.2), que uma vez lesionados, perdem sua função de forma irreversível. Cada néfron apresenta Glomérulo, Túbulo Contorcido Proximal (TCP), Alça de Henle (AH), Túbulo Contorcido Distal (TCD) e Tubo Coletor.
Córtex renal Medula renal (com pirâmide) Papila renal Coluna renal (de Bertin) Radiações medulares (parte radiada) Base da pirâmide
Cápsula fibrosa Cálices renais menores Vasos sanguíneos entrando no parênquima renal Seio renal Cálices renais maiores Pelve renal Gordura no seio renal Cálices renais menores Ureter
Rim direito seccionado em vários planos, expondo o parênquima e a pelve renal Figura 9.1 Rim direito seccionado em vários planos, expondo o parênquima e a pelve renal. Fonte: Riella, 2010.
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Tratado de Análises Clínicas Cápsulas glomerulares Túbulo distal
Túbulo proximal Cápsula
Córtex
Arteríola eferente Glomérulo renal
Veia renal
Arteríola aferente
Medula
Parede da cápsula glomerular Artéria renal Ureter
Ducto coletor
Veia renal Capilares
Cápsula renal
Alça de Henie Arteríola eferente (que conduz para fora)
Figura 9.2 Apresentação do rim em corte longitudinal, e o néfron, sua unidade funcional. Fonte: Adaptada de Cheida, 2002.
Filtração glomerular O glomérulo é um ultrafiltro corpuscular arredondado, com lobos capilares em espiral, com aproximadamente 0,2 mm de diâmetro, contido numa espécie de saco conhecido como Cápsula de Bowman. A filtração glomerular é um processo físico que ocorre por meio de barreiras não seletivas, que retém substâncias conforme o peso molecular (pm). Basicamente, ficam retidas as células e as proteínas de alto pm (> 70000 D), apresentando permeabilidade variável para proteínas entre 15.000 e 70.000 D e permeabilidade para proteínas pm < 15.000 D. Daí vêm os valores de referência (VR) para proteinúria, em urina ao acaso, entre 0 e 10 mg/dL, e urina de 24 horas entre 0 e 150 mg/24 horas.
Reabsorção tubular Ocorre por transporte ativo e/ou passivo de substâncias do interior do túbulo renal para os capilares peritubulares que o circundam. Aproximadamente 99% do filtrado é reabsorvido. São filtrados aproximadamente 125 mL de sangue por minuto para a formação de 1 mL de urina. O excedente (124 mL) corresponde às substâncias essenciais ao organismo como água, glicose, aminoácidos, que são reabsorvidas durante a passagem do filtrado pelos túbulos renais. O Limiar Renal corresponde à concentração acima da qual a substância não será reabsorvida e aparece na urina, como exemplo, a glicose. Isso ocorre porque os processos de reabsorção são saturáveis, apresentando um limite específico para cada substância. No exemplo da glicose o limiar renal corresponde à concentração plasmática de cerca de 160 a 180 mg/dL, apesar de este 100
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valor apresentar variabilidade entre os indivíduos. No TCP ocorre reabsorção de água (80%) secundária à reabsorção dos solutos (70% Na+, 100% glicose, K+, Mg++, ureia, fosfato, ácido úrico). No ramo descendente da AH ocorre reabsorção de água, mas é impermeável aos solutos, enquanto, no ramo ascendente da AH ocorre reabsorção dos solutos, sendo impermeável à água. O TCD sofre ação da aldosterona (sistema renina-angiotensina-aldosterona) para reabsorver o Na+ e secretar H+ e K+, regula a excreção do Ca+ e, nas porções finais do TCD e TC ocorre a ação do hormônio antidiurético (ADH) conforme o estado de hidratação do organismo.
Secreção tubular É um processo pelo qual os solutos saem dos capilares peritubulares para os túbulos renais por transporte ativo, ou seja, ocorre a secreção das substâncias como H+ (TCP), K+(TC), fosfato, drogas, medicamentos e outras substâncias secretadas, que finalmente vão compor a urina.
PRINCIPAIS PATOLOGIAS RENAIS As principais patologias renais glomerulares e tubulares estão descritas no Quadro 9.1. A filtração da maioria das proteínas plasmáticas e células sanguíneas é dificultada pelas características físico-químicas e de carga eletrostática da membrana glomerular. As patologias glomerulares são compatíveis com a presença de proteinúria e hematúria, consideradas pelo Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) como importantes sinais precoces de doença renal, assim as glomerulopatias representam doença renal potencialmente progressiva e podem levar ao desenvolvimento de insuficiência renal aguda ou crônica. Parte 3
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Doenças Renais
Quadro 9.1 Principais patologias glomerulares e tubulares. Patologias glomerulares
Principais características
Glomeruloesclerose focal
“Focal” indica que apenas alguns glomérulos são afetados, sendo que inicialmente afeta os glomérulos justamedulares no córtex renal.
Síndrome nefrótica
Caracterizada por edema, proteinúria maciça, hipoproteinemia e hiperlipemia.
Nefropatia membranosa
Histologicamente, caracteriza-se por um espessamento regular e difuso da membrana basal capilar devido à formação de complexos imunes.
Nefropatia diabética
É uma das complicações do diabetes mellitus devido a uma microangiopatia diabética. As lesões mais importantes são glomeruloesclerose diabética e espessamento das arteríolas glomerulares aferentes.
Glomerulonefrite aguda
Ocorre edema, hipertensão e oligúria cerca de 1-3 semanas após infecção por estreptococo b-hemolítico do grupo A. Os complexos imunes formados se depositam na parede capilar glomerular.
Glomerulonefrite progressiva
Pode surgir como doença primária ou secundária, sendo causada por uma inflamação severa do capilar glomerular que pode progredir para DRC dentro de semanas a meses.
Nefropatia por IgA
Encontram-se depósitos granulares de IgA e complemento na área mesangial glomerular, sendo que é uma das principais causas de DRC.
Patologias tubulares
Principais características
Pielonefrite aguda/crônica
É considerada infecção do trato urinário ascendente, que afeta quase todas as estruturas do rim, incluindo os túbulos. A forma aguda é causada por uma infecção bacteriana, e a crônica ocorre por infecções de repetição que levam a uma reação do sistema imune produzindo um quadro de lesões. Caracterizada por presença ou não de bacteriúria (urocultura positiva ou negativa), intensa leucocitúria e presença de cilindros leucocitários na urina.
Litíases
É doença calculosa renal com diversos fatores clínicos e biológicos envolvidos na litogênese. Laboratorialmente, pode ser solicitada a análise da composição química do cálculo e o parcial de urina apresenta hematúria microscópica com ou sem a presença do cristal correspondente.
Fonte: Adaptado de Hauser AB, 2008; Hauser AB, 2009.
DOENÇA RENAL CRÔNICA A Doença Renal Crônica (DRC) é caracterizada por perda progressiva e irreversível da função renal, ocasionada por lesão dos néfrons por um período igual ou superior a três meses. Inicialmente a DRC era classificada em estágios, de acordo com a medida da taxa de filtração glomerular (TFG), e os pacientes com TFG < 15 mL/min apresentavam insuficiência renal terminal, sendo necessária a terapia substitutiva da função renal (diálise ou transplante). Atualmente, a classificação prognóstica para DRC, de acordo com o Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO, 2012) considera a TFG e a albuminúria. A cor azul indica que não há DRC se não houver outros marcadores que a definam; amarelo indica risco moderado; laranja, alto risco; e vermelho, risco muito alto (Quadro 9.2). capítulo 9
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A DRC constitui importante problema de saúde pública em todo o mundo. Segundo Censo 2011 da Sociedade Brasileira de Nefrologia, existe cerca de 10 milhões de brasileiros com DRC nos cinco estágios, aproximadamente 90 mil pacientes em estágio final, recebendo terapia substitutiva de função renal, e a taxa de mortalidade anual estimada é de 14 mil pacientes dialíticos. A DRC é multicausal, tratável de várias maneiras, controlável, mas incurável, progressiva e com elevada morbidade e letalidade. O esclarecimento da população sobre o significado e a natureza assintomática e progressiva da doença, bem como o controle dos fatores de risco são passos importantes para a prevenção primária. Assim como a utilização de biomarcadores laboratoriais para o reconhecimento precoce de pacientes em estágios iniciais da DRC poderia reduzir o aumento no número dos pacientes urêmicos, e a alta taxa de mortalidade. 101
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Tratado de Análises Clínicas
Quadro 9.2 Classificação prognóstica para a doença renal crônica (DRC). Taxa de filtração glomerular
Albuminúria
(Categorias, descrição e faixas)
(Categorias, descrição e faixas) A1
A2
A3
Normal a levemente aumentada
Moderadamente aumentada
Severamente aumentada
< 30 mg/g
30-300 mg/g
> 300 mg/g
≥ 90
G1
Normal ou aumentada
G2
Levemente diminuída
60-89
G3a
Levemente a moderadamente diminuída
45-59
G3b
Moderadamente a severamente diminuída
30-44
G4
Severamente diminuída
15-29
G5
Insuficiência renal
300 mg/24h) até atingir uma situação conhecida como síndrome nefrótica, na qual se tem proteinúria maciça com consequente hipoalbuminemia. Decorrente disso, ocorre uma resposta hepática com hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia, que leva à eliminação de lipídios pelos rins. O parcial de urina característico apresenta lipidúria (gotículas de gordura), cilindros céreos e graxos, e podem aparecer cristais na forma de placas de colesterol. O exame de microalbuminúria pode ser realizado em urina de 24 horas ou em amostra isolada (Quadro 9.4). Como a diluição da amostra pode sofrer variações, recomenda-se que seja realizada a correção do resultado da albumina (mg) em relação à dosagem de creatinina (g) na mesma amostra de urina, e calcula-se a relação Albumina/Creatinina (A/C). Estudos mostram que a dosagem de albumina na urina e a relação A/C foram capazes de prever satisfatoriamente microalbuminúria de 24 horas.
Outros biomarcadores endógenos A cistatina C é uma proteína não glicada, de baixo peso molecular (13kDa), sintetizada por todas as células nucleadas e presente em vários líquidos biológicos como soro, líquido seminal e líquido cefalorraquidiano. Como é produzida de
Figura 9.4 Hemácias dismórficas e cilindro hemático em amostra de urina. Fonte: Ito et al., 2011.
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Parte 3
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Doenças Renais
Quadro 9.4 Classificação da excreção urinária a partir da microalbuminúria e da relação A/C. Microalbuminúria
Relação A/C
(urina 24h em mg/24h)
(mg/g)
Normal
< 15
M < 10
F < 15
Elevado
15 a < 30
M 10 a < 20
F 15 a < 30
Microalbuminúria
30 a < 300
M 20 a < 200
F 30 a < 300
Macroalbuminúria
> 300
M > 200
F > 300
Legenda M = masculino e F = feminino. Fonte: Gansevoort, et al., 2005; Khan et al., 2005; de Jong, Curhan, 2006.
forma constante, serve como marcador endógeno para avaliar a TFG, sendo considerado um parâmetro sensível e específico. A cistatina C apresenta como vantagens não ser influenciada por drogas, processos inflamatórios ou outros fatores, ser independente da coleta de urina, e necessitar apenas de uma amostra de soro ou plasma. Laboratorialmente, a sua dosagem é realizada por imunoensaio nefelométrico. A desvantagem é o custo elevado da dosagem e a falta de publicações suficientes sobre a utilidade da cistatina C sérica em algumas condições, inclusive na DRC. Existem, ainda, outros marcadores endógenos, como a b-2-microglobulina sérica, que apresenta como vantagem a concentração sérica independente de massa muscular e de gênero, mas apresenta níveis elevados em outras patologias não renais, ou seja, parece não apresentar especificidade adequada para o seu uso como biomarcador.
Ureia e relação ureia/creatinina Após a degradação de aminoácidos ocorre a liberação de amônia, que é extremamente tóxica e é rapidamente convertida em ureia pelo fígado. A ureia é metabólito nitrogenado e produto de excreção menos tóxico do que a amônia. Cerca de 90% da ureia é excretada pelos rins, e o restante é eliminado pelo trato gastrointestinal e pela pele. Apesar do seu uso tradicional devido à facilidade técnica de dosagem, apresenta várias limitações como biomarcador isolado da função renal. Dentre as desvantagens encontram-se: baixa precisão para o seu uso na estimativa da TFG, não é produzida em ritmo constante, sofre reabsorção tubular, e apresenta nível sérico dependente da alimentação e do catabolismo proteico. Apesar disso, a relação sérica entre Ureia/Creatinina (VR 25-42) auxilia na diferenciação entre elevações da ureia por causa renal, pré-renal ou pós-renal (Quadro 9.5).
Quadro 9.5 Uremia renal, pré-renal ou pós-renal levando em conta a relação U/C. Uremia pré-renal
U (↑) Crea (~N) U (↑) Crea (~N)
Metabolismo excessivo das proteínas, perfusão glomerular reduzida (desidratação, choque hipovolêmico, insuficiência cardíaca congestiva), reabsorção de proteínas após hemorragia gastrointestinal
Valor > 42 Uremia renal
U
Crea U (↑) Crea (↑) UU(↑) (↓) Crea U (↓) Crea (~N) Crea
Valor entre 25 e 42 U (↑)(~N) Crea Uremia pós-renal
U U (↑) Crea Crea (↑)
Rim saudável
Redução da TFG (DRC) Obstrução renal por nefrolitíase ou por hipertrofia (ex.: tumor da próstata)
Valor entre 25 e 42 Outras situações
U (↓) UCrea (↓) Crea
Dieta pobre em proteínas, jejum prolongado, doença hepática ou DRC após diálises repetidas (a ureia é mais difusível que a creatinina).
Valor < 25 Fonte: Adaptado de Hauser AB, 2008; Hauser AB, 2009.
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Tratado de Análises Clínicas
Uso de marcadores exógenos Existem marcadores exógenos que podem ser utilizados para determinar a TFG, ou seja, avaliam a capacidade dos rins em depurar uma determinada substância introduzida no organismo, considerados como padrão-ouro e determinam a TFG real. De forma geral, não são rotineiramente utilizados, pois as complicações decorrentes da sua utilização são inúmeras, tais como: infusão endovenosa contínua do marcador, reações de hipersensibilidade, dosagem laboratorial complexa e trabalhosa, alto custo e dificuldade na padronização da metodologia (Quadro 9.6)
Biomarcadores na DRC em estágios avançados Com a redução da TFG na DRC em estágios avançados pode ocorrer uma série de situações relacionadas entre si, que envolvem diretamente falhas na função renal: 1. Redução da filtração renal com retenção de toxinas como ureia e creatinina (estado urêmico). 2. Perda do equilíbrio acidobásico com retenção de H+ associado a uma incapacidade em reabsorver HCO3(acidose metabólica). 3. Perda do equilíbrio hídrico, com consequente alteração no débito urinário e deficiência na homeostase renal (retenção de sódio e fósforo), que levam à hipertensão (HAS) e hiperfosfatemia. 4. Perda da função endócrina: reduz a síntese de eritropoietina (anemia) e reduz a conversão da vitamina D (hipocalcemia). Como consequência ocorre aumento do paratormônio (PTH), que leva a um hiperparatireoidismo secundário (reabsorção óssea e retenção de fósforo). O paciente com DRC que se encontra em estágio mais avançado ou mesmo em estágio terminal (diálise) realiza rotineiramente uma série de exames laboratoriais, tais como: hemograma, parcial de urina, dosagem de ureia, creatinina, cálcio, fósforo, magnésio e outros eletrólitos, proteína C-reativa de alta
sensibilidade (PCRas), paratormônio (PTH), hormônio estimulante da tireoide (TSH) e outros. Tais exames servem para controlar e monitorar a eficácia da diálise e prevenir as complicações decorrentes da redução da função renal. Os níveis de PCRas possibilitam detecção precoce de DCV e permitem a classificação em risco baixo (< 1 mg/L), médio (1 a 3 mg/L) e alto (> 3 mg/L) para o desenvolvimento de aterosclerose, fato este importante nos pacientes com DRC. A uremia e suas substâncias acumuladas como ureia, creatinina, produto final de glicação avançado (AGE), e outras toxinas que apresentam potencial pro-inflamatório levam os pacientes com DRC em estágio avançado a um “estado inflamatório sistêmico”. Os mecanismos envolvidos na ativação crônica do sistema imune estão intimamente ligados a várias complicações da DRC, como: aterosclerose acelerada, calcificação vascular, resistência à insulina, aumento do catabolismo muscular, perda de apetite, remodelação óssea e aumento da permeabilidade da membrana peritoneal, que representam importantes indicadores de mortalidade por DCV e doenças infecciosas (Figura 9.5). Apesar dos recentes avanços em terapias substitutivas da função renal e dos estudos atuais sobre a fisiopatologia da DRC, a taxa anual de mortalidade dos pacientes em diálise continua extremamente alta. E, mesmo após estratificação por co-morbidades, representam dez a vinte vezes o risco descrito na população geral. Embora a associação entre DRC e risco cardiovascular tenha sido descrita inicialmente nos pacientes em estágio 5, provavelmente o desenvolvimento da DCV começa nas fases iniciais da doença renal. A identificação de fatores associados à inflamação e seus mecanismos de ativação representam um desafio importante na área de doenças renais. Existem estudos que mostram que a redução da função renal pode estar associada com a resposta inflamatória, com o aumento da concentração plasmática de citocinas proinflamatórias e outros biomarcadores de inflamação, observados tanto em estágios precoces quanto em estágios avançados de disfunção renal. Assim, as Interleucinas (IL1, IL6), Fator de Necrose Tumoral a (TNFa), PCRas, e outros, são importantes biomarcadores de risco para o desenvolvimento das com-
Quadro 9.6 Principais marcadores exógenos e suas características. Marcador exógeno
Características principais
Inulina
Polímero da frutose (p.m. 5.200 dáltons). Considerado padrão-ouro para a medida da TFG. Marcador exógeno de difícil obtenção para infusão humana
Substâncias radioativas: Cr51-EDTA e TCm-DTPA
Não recomendado, apesar de considerado método com alto grau de correlação com a inulina, envolve isótopos radioativos e necessitam de licença especial (expõe paciente e pessoal técnico, além de gerar lixo radioativo)
Contrastes radiológicos não radioativos: Iotalamato (contraste iônico) e Iohexol (não iônico)
Os contrastes são livremente filtrados pelo glomérulo, não são reabsorvidos nem secretados, e apresentam boa correlação com a inulina. Quando usados para determinar TFG podem ser aplicados em injeção única ou com menor frequência de infusão contínua, mas exigem coletas de várias amostras de sangue e apresentam custo elevado.
Fonte: Frennby et al., 1995; Perrone et al., 1990; Gaspari, Perico e Remuzzi, 1998.
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Doenças Renais
Disfunção renal DCV
Resposta imune
↑ Metabolismo mineral
Disfunção endotelial
↑ Níveis de PCR ↓ Apetite
↑ Catabolismo muscular
Figura 9.5 Complicações decorrentes da redução da função renal em estágios avançados. Fonte: Adaptada pela autora de slide cedido por Pecoits-Filho, 2009.
plicações citadas anteriormente. Os pacientes com DRC que manifestam persistentes níveis de marcadores inflamatórios encontram risco ainda mais elevado de desenvolver DCV, e os sinais de atividade inflamatória observados nas fases iniciais da DRC associados aos níveis elevados dos biomarcadores inflamatórios estão relacionados com baixa sobrevida desses pacientes.
INJÚRIA RENAL AGUDA A Injúria Renal Aguda (IRA) é caracterizada pela redução abrupta da função renal em um curto período de tempo. É considerada uma síndrome associada a diversos fatores etiológicos, com variadas manifestações clínicas. Essa patologia tem etiologia multifatorial, sendo consequência de fatores como choque séptico, hipovolemia, drogas nefrotóxicas, insuficiência cardíaca e uso de contrastes para exames de imagem. Além disso, outros fatores de risco são importantes no desenvolvimento da IRA, tais como: idade avançada, doenças hepáticas, nefropatia preexistente e diabetes O modelo conceitual de IRA identifica quatro componentes: risco (RIM normal e risco aumentado); fase intermédia (lesão funcional); IRA (diminuiu filtração glomerular e insuficiência renal); e desfechos (insuficiência renal e morte). Na IRA ocorre a diminuição da TFG, com consequente retenção sérica de produtos nitrogenados como ureia e creatinina, e redução do volume urinário para menos que 400 mL por dia. O termo abrange alterações renais que incluem desde elevação mínima na creatinina sérica até falência renal e anúria. Em 2004 o grupo Acute Dialysis Quality Initiative (ADQI) capítulo 9
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publicou a classificação de RIFLE Risk-Injury-Failure-Loss-End Stage Renal Disease. Essa classificação define três classes de gravidade da IRA (risco, lesão e falência) baseadas em três critérios: aumento relativo da creatinina sérica, queda da TFG, e diminuição do fluxo urinário. Em 2007 surgiu a classificação de AKIN, que leva em conta o aumento no valor absoluto da creatinina sérica de 0,3 mg/dL, em relação ao valor de referência como critério diagnóstico; e os termos risco, lesão, e falência foram substituídos por Estádios 1, 2 e 3, respectivamente, e o tempo para diagnóstico passou de sete dias para 48 horas. Apesar do avanço no conhecimento epidemiológico da IRA proporcionado pelo uso das classificações de RIFLE e AKIN, os critérios utilizados por essas classificações ainda são falhos. Muitas características não diretamente associadas à função renal, tais como: idade, taxa de catabolismo, uso de drogas, massa muscular e raça influenciam o nível dos marcadores atualmente utilizados para avaliação de função e lesão renal.
Creatinina e ureia séricas Assim como na DRC, apesar de a creatinina ser o biomarcador mais utilizado para avaliação da função renal, não reflete de forma fidedigna a TFG. Na IRA ocorre um estado de desequilíbrio (non-steady), em que os três determinantes da concentração de creatinina no soro (produção, volume de distribuição e eliminação renal) flutuam, determinando um atraso ainda maior na elevação da creatinina em relação à queda da TFG. A Figura 9.6 mostra que após queda brusca da TFG há um atraso de dias para a elevação da creatinina, assim como após o início da recuperação da TFG a queda da creatinina também é tardia. 107
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TGF (mL/min)
Tratado de Análises Clínicas
100
Creatinina (mg/dL)
10
6 4 2
2
4 6 Evolução da LRA (dias)
8
10
Figura 9.6 Taxa de filtração glomerular e creatinina sérica em pacientes com IRA. Fonte: Adaptada de Moran e Myers, 1985.
Em relação à ureia, da mesma forma que para a DRC, sua dosagem isolada não serve para determinar a TFG. Mas a relação sérica entre Ureia/Creatinina (U/C) conforme citado anteriormente (ver Quadro 9.5), pode ser útil, particularmente quando se avaliam pacientes com quedas abruptas da TFG, como é o caso da IRA. Em condições de diminuição do volume efetivo intravascular e insuficiência cardíaca descompensada, aumentos da ureia não são proporcionais ao aumento no nível de creatinina e da queda na TFG. Assim como elevações da ureia, independentemente dos níveis séricos de creatinina, são consequência de processo patológico distinto.
Biomarcadores precoces Tanto na lesão renal aguda, como em outras situações clínicas, o beneficio da terapêutica está diretamente associado a um diagnóstico precoce. Baseada na creatinina sérica, o diagnóstico da IRA ocorre somente na fase da diminuição da TFG e aumento da creatinina sérica. Considerando que a lesão renal tem inicio mais precoce, as intervenções baseadas no diagnóstico pela creatinina sérica serão sempre tardias. A utilização dos biomarcadores precoces da IRA é importante para a identificação da lesão antes do decréscimo na TFG. Atualmente existem estudos, por meio de análise proteômica, para determinar o perfil de diferentes proteínas envolvidas na fase inicial ou funcional de lesões renais isquêmicas e nefrotóxicas. Tais biomarcadores também podem ser úteis para prever o curso da IRA e possivelmente prever o prognóstico. A capacidade para detecção de injúria renal está dire108
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tamente associada com a fisiopatologia desses biomarcadores. Diferentes mecanismos determinam seu aparecimento na urina. A lesão de células tubulares induz o escape de enzimas e microproteínas para a luz tubular, e a magnitude da elevação dos biomarcadores na urina vai depender da natureza do insulto e da gravidade da lesão das células tubulares. Os principais locais relacionados à liberação desses biomarcadores são: citoplasma, lisossoma ou membrana. Outro mecanismo para o aparecimento desses biomarcadores na urina é a diminuição da reabsorção de proteínas de baixo peso molecular que normalmente são filtradas no glomérulo e reabsorvidas totalmente pelas células tubulares proximais. A origem estrutural do biomarcador (citoplasmática, lisossômica ou membranosa) fornece a informação da natureza da lesão celular.
Lipocalina Associada com Gelatinase de Neutrófilos Humanos (NGAL) O NGAL é uma proteína de 25-kD, caracterizada em neutrófilos e ligada a gelatinase por ligações covalentes. A função fisiológica de NGAL nos rins é desconhecida, mas acredita-se que tenha um papel na morfogênese renal. Esta lipocalina é expressa em baixas concentrações em diferentes tecidos, incluindo o rim, pulmão e trato gastrointestinal. É filtrada livremente no glomérulo e reabsorvida no túbulo proximal, posteriormente é liberada nos túbulos distais e secretada com a urina. A análise proteômica de estudos utilizando modelo animal revelou o NGAL como a proteína mais precocemente e Parte 3
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Doenças Renais
com maior produção após insulto renal isquêmico ou nefrotóxicos. Vários estudos clínicos têm sugerido que a expressão de NGAL na urina pode servir como marcador precoce de IRA. De todos os novos biomarcadores, o NGAL é o mais conhecido, sendo disponível comercialmente em kits de imunoensaio turbidimétrico para a determinação quantitativa de NGAL em amostras de urina e plasma (EDTA ou heparina). Em condições normais, os níveis de NGAL são muito baixos em urina, mas em resposta à injúria renal, efeitos nefrotóxicos, sepse e demais alterações crônicas progressivas, a síntese desta substância aumenta, há redução na reabsorção e, com isso, os níveis aumentam dentro de trinta minutos após o evento danoso, precedendo o aparecimento de outros biomarcadores como a creatinina.
KIM-1 Kidney Injury Molecule-1 O biomarcador KIM-1 é uma glicoproteína (90 kDa) transmembrana do tipo I com um domínio externo clivável localizado na membrana apical de túbulos com lesão aguda e crônica. Estudos mostram que o KIM-1 desempenhe um papel nos processos de regeneração após lesão epitelial. Normalmente é indetectável no tecido renal normal, mas apresenta expressão muito elevada em células epiteliais do túbulo proximal após lesão isquêmica ou tóxica. Pode ser detectado na urina de paciente com necrose tubular aguda (NTA) e pode vir a servir como um biomarcador útil para lesão tubular proximal, possivelmente possibilitando o diagnóstico precoce e discriminar entre as diversas formas de IRA.
Interleucina 18 A interleucina 18 (IL-18) é uma citocina pró-inflamatória de aproximadamente 24kDa, gerado pela clivagem da caspase-1.51 que induz a síntese e liberação de interferon gamma, e outras citocinas inflamatórias como IL-8, 4 e 13, e fator de necrose tumoral. É considerado um bom candidato a marcador precoce de IRA, pois modula a ação de várias células imunologicamente ativas: macrófagos, monócitos, linfócitos e granulocitos, e apresenta a capacidade de induzir apoptose. Estudos mostram pacientes com NTA apresentaram níveis significativamente mais elevados de IL-18 urinários em relação aos de controles e pacientes com outras formas de doença renal. Do mesmo modo, os pacientes que foram submetidos a transplante renal e tiveram função retardada do enxerto tinham níveis mais elevados de IL-18 urinários que pacientes sem retardo da função de enxerto.
N-acetil-B-D-glucosaminidase (NAG) O NAG é uma enzima lisossomal (> 130 kDa) presente em várias células, incluindo os túbulos renais. Devido a seu grande peso molecular, não é filtrada, implicando que elevações urinárias são de origem tubular. Seu aumento sugere lesão de células tubulares ou pode refletir o aumento da atividade de lisossomos. De todos os biomarcadores precoces de IRA, este parece ser o menos utilizado. capítulo 9
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CONSIDERAÇÕES FINAIS O tema abordado é de extrema importância, sendo que dentre as patologias renais, destaca-se a DRC como importante problema de saúde pública. Atualmente, a DRC está presente em cerca de 5% a 10% da população mundial e a incidência tem aumentado, inclusive no Brasil, devido ao número crescente de pacientes portadores de diabetes mellitus, hipertensão arterial, bem como pelo aumento da longevidade da população. Os exames laboratoriais de rotina são importantes para o diagnóstico precoce e evitar que o paciente progrida para estágios mais avançados até atingir estágio terminal, sendo necessária terapia substitutiva da função renal. Destacam-se os biomarcadores laboratoriais, comentados neste capítulo, como importantes indicadores quantitativos de processos patológicos e, que são empregados para fins de diagnóstico ou de monitoração da terapêutica. Assim, como também é importante ter conhecimento sobre as limitações do uso destes biomarcadores.
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Doenças Renais
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capítulo Fabiane Gomes de Moraes Rego
Endocrinologia Clínica e Diagnóstica INTRODUÇÃO Endocrinologia é o estudo dos hormônios e suas ações. A origem da palavra hormônio é grega, hormôn, que significa estímulo, movimento. Foi o fisiologista Ernest Starling quem identificou as substâncias denominadas hormônios, em 1905. Hormônio é uma substância química produzida no corpo por um órgão, por células de um órgão ou células difusas, que possuem efeito regulatório na atividade de um órgão ou órgãos. Virtualmente, todos os processos que ocorrem nos organismos superiores são regulados por um ou mais hormônios: manutenção da pressão arterial, do volume sanguíneo e do equilíbrio eletrolítico; embriogênese, desenvolvimento, diferenciação sexual e reprodução, fome, comportamento alimentar, digestão e alocação de energia, para mencionar apenas alguns. Os sinais hormonais integram e coordenam as atividades metabólicas de diferentes tecidos e aperfeiçoam o fornecimento de combustíveis e precursores para cada órgão. Distúrbios endócrinos podem resultar de disfunção originária da glândula endócrina periférica propriamente dita (desordens primárias) ou a partir da estimulação diminuída ou excessiva por desordens pituitárias (secundárias). Os distúrbios podem resultar em superprodução de hormônio (hiperfunção) ou subprodução (hipofunção). Raramente, desordens endócrinas (em geral hipofunção) ocorrem devido a respostas dos tecidos anormais aos hormônios. Os sintomas de distúrbios endócrinos podem ser inespecíficos devido ao número de sistemas que são afetados pela ação hormonal, e iniciar de forma insidiosa, fazendo com que o reconhecimento clínico seja frequentemente adiado por meses ou anos. Além disso, muitas glândulas endócrinas são relativamente inacessíveis ao exame físico direto. Por esta razão, o diagnóstico laboratorial é essencial, e normalmente requer a quantificação das concentrações plasmáticas do hormônio endócrino periférico, do hormônio pituitário, ou de ambos.
CONTROLE DA SECREÇÃO HORMONAL A produção hormonal não é uniforme e contínua, mas um processo dinâmico no qual as concentrações circulantes dos hormônios são mantidas dentro dos limites fisiológicos.
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A secreção hormonal é induzida por múltiplos sinais específicos, bioquímicos e neurais. Entre os fatores que controlam a secreção hormonal encontram-se: Agentes estimuladores: Tais como peptídios hipotalâmicos, neurotransmissores, hormônios trópicos e medicamentos podem influenciar a síntese e a liberação dos hormônios. Agentes inibitórios: Hormônios sintetizados pelas células do órgão-alvo bem como a mudança nos produtos metabólicos como resultado da ação hormonal podem controlar as glândulas endócrinas por retroalimentação. Drogas que são utilizadas nos testes de supressão, como a dexametasona, que é um análogo sintético do cortisol e é usada para suprimir a produção pituitária do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), e, logo, de cortisol no diagnóstico diferencial da síndrome de Cushing. Estresse: Pode aumentar a síntese e a liberação de hormônios. A secreção do hormônio do crescimento (GH), de prolactina, de ACTH e, consequentemente, do cortisol pode ser estimulada por estados de estresse físico ou emocional. Biorritmo: Um biorritmo é uma ocorrência cíclica de um evento fisiológico. A secreção rítmica de hormônios é uma importante característica regulatória da maioria dos sistemas endócrinos. Esse ritmo pode variar de minutos a horas, dias, semanas ou mesmo por períodos maiores. Ritmos com um intervalo de aproximadamente 24 horas são denominados circadianos ou diurnos, os quais são regulados por um ou mais relógios internos, usualmente sincronizados com situações ambientais, como ciclo dia/ noite e sono. Biorritmos que acorrem mais frequentemente que uma vez ao dia são referidos como ritmos ultradianos, enquanto os ritmos infradianos têm períodos maiores que 24 horas, tais como o ciclo menstrual ou ritmos periódicos. A marcada reprodutibilidade dos ritmos endócrinos e sua liberação e a relativa facilidade de dosagem resultam em seu frequente uso nos laboratórios. Amostras obtidas em horas apropriadas do dia ou da noite fornecem um indicador dinâmico útil da função endócrina. Por exemplo, perda do ritmo diurno da secreção
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Tratado de Análises Clínicas
de cortisol serve como teste de triagem diagnóstica para síndrome de Cushing. Certos tratamentos são altamente tempo-dependentes em termos de sua eficiência. Por exemplo, o tempo ótimo para administração de glicocorticoides para suprimir a secreção do ACTH em pacientes com hiperplasia congênita da adrenal. O hipotálamo (uma pequena região do cérebro) e a glândula pituitária anterior ocupam posição central no controle da secreção de hormônios. Em resposta a mensagens do sistema nervoso central (SNC), o hipotálamo produz um número de hormônios neurossecretores: hormônio liberador de tireotropina (TRH), hormônio liberador de corticotropina (CRH), hormônio liberador de gonadotropina (GnRH), hormônio liberador de hormônio de crescimento (GHRH), a somatostatina e a dopamina. Esses fatores de liberação passam diretamente para a pituitária através de vasos sanguíneos especiais e neurônios que conectam as duas glândulas. Os hormônios hipotalâmicos estimulam a síntese e a secreção dos hormônios tróficos: tireotropina (TSH), adrenocorticotrópico (ACTH), luteinizante (LH), folículo estimulante (FSH), hormônio do crescimento (GH). Em contraste, a somatostatina suprime a secreção de GH, TRH, TSH CRH e ACTH e a dopamina suprime a secreção da prolactina. Contudo, o efeito da soma-
tostatina na regulação do eixo adrenal cortical e tireoidiano normalmente é pequeno. Esses hormônios tróficos, por sua vez, regulam outras glândulas endócrinas alvos (córtex da adrenal, tireoide, ovários e testículos), que por sua vez secretam seus hormônios específicos, que são carreados na circulação sanguínea até seus tecidos-alvo. Como exemplo, o hormônio hipotalâmico CRH estimula a pituitária anterior a liberar ACTH, que atravessa a zona fasciculada do córtex adrenal e estimula a liberação de cortisol. Cortisol, o último hormônio dessa cascata, atua através de seus receptores e muitos tecidos-alvo para alterar seu metabolismo. Nos hepatócitos, um dos efeitos do cortisol é aumentar a gliconeogênese. Cascatas hormonais como esta resultam em grande amplificação do sinal inicial e permitem um refinado controle do último hormônio. Em cada nível da cascata, um pequeno sinal desencadeia grande resposta. Por exemplo, o sinal elétrico inicial para o hipotálamo resulta na liberação de poucas nanogramas de CRH, o qual estimula liberação de poucos microgramas de ACTH, que atua na adrenal causando liberação de miligramas de cortisol, uma amplificação na ordem de milhões de vezes. Na ausência desses hormônios tróficos, as glândulas-alvo são incapazes de manter as taxas normais de secreção. Os principais órgãos-alvo dos hormônios tróficos pituitários são a tireoide, o córtex da adrenal e as gônadas (Figura 10.1).
Órgãos alvo do eixo hipotálamo-pituitária TRH + Somatostatina –
CRH +
GnRH +
GHRH + Somatostatina –
Dopamina –
Hormônios hipotalâmicos
TSH
ACTH
LH/FSH
GH
Prolactina
Hormônios pituitários
Tireoide
Córtex adrenal
Ovários testículos
Fígado
Mama
Órgão-alvo
T4/T3
Cortisol
Estradiol testosterona
IGF-I
Outros tecidos
Hormônio do órgão-alvo
Figura 10.1 Cadeia de comando de sinalização hormonal hierárquica. O hipotálamo, no cérebro, é o centro de coordenação do sistema endócrino, que em resposta a mensagens do sistema nervoso central (SNC) produz fatores regulatórios (fatores de liberação) que estimulam (⊕) ou suprimem (⊖) a síntese e a secreção de hormônios pela pituitária anterior: hormônio liberador de tireotropina (TRH), hormônio liberador de corticotropina (CRH), hormônio liberador de gonadotropina (GnRH), hormônio liberador de hormônio de crescimento (GHRH), a somatostatina e a dopamina. A pituitária anterior responde aos hormônios hipotalâmicos produzindo hormônios tróficos ou trofinas: tireotropina (TSH), adrenocorticotrópico (ACTH), luteinizante (LH), folículo estimulante (FSH), hormônio do crescimento (GH). A prolactina é o único hormônio da pituitária anterior cuja regulação é feita predominantemente por supressão. A dopamina suprime a secreção de prolactina e a somatostatina suprime a secreção de GH e TSH. Esses hormônios pituitários ativam o próximo grupo de glândulas endócrinas, que incluem: a tireoide, o córtex da adrenal, os ovários, os testículos, o fígado e a mama. Essas glândulas, por sua vez, são estimuladas a produzir seus hormônios específicos (tireoide: tri-iodotironina (T3) e a tiroxina (T4); córtex da adrenal: cortisol; ovários: estradiol; testículos: testosterona; fígado: somatomedinas (IGF-1)), os quais serão careados pela corrente sanguínea para encontrar seus receptores nos tecidos-alvos. Redesenhada de Gaw, et al., 1995.
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A produção da maioria dos hormônios é regulada direta ou indiretamente pela atividade metabólica do próprio hormônio. Essa regulação é uma característica distinguível do sistema endócrino e é acompanhada por uma série de mecanismos de controle por retroalimentação. A cada nível de uma cascata hormonal há a possibilidade de uma inibição por retroalimentação dos passos anteriores da cascata. Níveis elevados do último hormônio ou de um dos hormônios intermediários inibem a liberação dos hormônios anteriores da cascata. Esses mecanismos de retroalimentação realizam os mesmos objetivos que os mecanismos que limitam a velocidade de uma via biosintética: um produto é feito (ou liberado) somente até que sua concentração necessária tenha sido alcançada. O hormônio secretado pela glândula-alvo (adrenal) age a nível hipofisário, diminuindo a secreção do respectivo hormônio trófico (ACTH), que, por sua vez, inibe a secreção hipo-
Estresse
talâmica do respectivo neuro-hormônio (CRH), constituindo mecanismo de retroalimentação negativa de alça curta. O hormônio secretado pela glândula-alvo (cortisol) além de inibir a secreção do respectivo hormônio trófico (ACTH), inibe a secreção hipotalâmica do respectivo neuro-hormônio (CRH), constituindo mecanismo de retroalimentação negativa de alça longa. Além disso, seguindo a mesma linha de raciocínio, acredita-se que alguns hormônios pituitários (por exemplo, TSH) possam inibir até mesmo a própria secreção diretamente a nível pituitário, que constitui um mecanismo de retroalimentação negativo de alça ultracurta. Alças de retroalimentação de alça ultracurta também ocorrem quando os hormônios hipotalâmicos inibem sua própria secreção ou estimulem a produção de um fator hipotalâmico inibitório (Figura 10.2). Quando as concentrações dos hormônios das glândulas-alvo caem, a pituitária percebe o declínio e aumenta a
Nutrientes
Luz
Hormônios
Sinais ambientais internos externos SNC Transmissão elétrica/química Hipotálamo Alças de retroalimentação ultracurtas
Hormônios hipotalâmicos (ng) Pituitária
Alças de retroalimentação longas
Alças de retroalimentação curtas
Hormônios da pituitária anterior (mg) Glândula alvo
Hormônio final (mg-mg) Resposta hormonal Figura 10.2 Mecanismo de retroalimentação e cascata de liberação hormonal segundo o sensoriamento ambiental pelo SNC para o hipotálamo. Os sinais ambientais são transmitidos pelo sistema nervoso central (SNC) para o hipotálamo, o qual responde com a secreção (nanogramas: ng) de um hormônio liberador específico. Hormônios liberadores são transportados por um sistema porta fechado para a pituitária anterior, onde ligam-se aos seus receptores específicos e causam secreção (micronogramas: µg) de hormônios específicos da pituitária anterior. Estes acessam a circulação geral por meio de capilares locais fenestrados e desencadeiam liberação de um hormônio final (micronogramas: µg a miligramas: mg), que geram sua resposta por ligação a receptores em tecidos-alvos, constituindo um sistema de amplificação de sinal. Consequentemente, o organismo está em íntima associação com o ambiente externo. Os hormônios de glândulas-alvo ou os substratos com origem no metabolismo tecidual por exercer retroalimentação negativa (⊖) de alças longas (setas azuis) tanto sobre a hipófise, o hipotálamo ou o SNC. A retroalimentação negativa (⊖) de alça curta (setas cor de tijolo) pode ser exercida pelos hormônios tróficos pituitários sobre a síntese e secreção dos hormônios hipotalâmicos de liberação ou inibição. Ainda, os hormônios liberadores hipotalâmicos podem inibir sua própria síntese e liberação, constituindo o mecanismo de retroalimentação negativa (⊖) de alça ultracurta (setas roxas). Adaptada de Norman e Litwack, 1997.
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Tratado de Análises Clínicas
produção do hormônio trópico apropriado, que posteriormente entra na circulação e estimula a produção adicional do hormônio da glândula-alvo. Diminuição das concentrações hormônios-alvo também afeta a retroalimentação ao nível do hipotálamo para aumentar a produção e a secreção dos hormônios liberadores e inibitórios que, por sua vez, regulam a secreção dos hormônios pituitários. Em contraste com a retroalimentação negativa, a retroalimentação positiva raramente opera isoladamente, mas constitui uma parte integral do sistema de controle. Um exemplo de retroalimentação positiva é a estimulação do hormônio luteinizante (LH) liberado por um progressivo aumento nos níveis de estradiol previamente à ovulação. Contudo, nem todas as células produtoras de hormônios fazem parte de longas cascatas regulatórias. Um dos exemplos mais simples de retroalimentação negativa é o controle da secreção do paratormônio (PTH). A concentração plasmática de cálcio (calcemia) influencia a contração cardíaca e a transmissão nervosa, devendo, portanto, ser mantida dentro de uma faixa estreita de normalidade. Toda vez que a calcemia diminui, as glândulas paratireoide secretam o PTH, capaz de desencadear uma série de mecanismos, a níveis ósseo, renal e intestinal, que levam a um aumento de cálcio plasmático. Esse aumento da calcemia, por sua vez, causa diminuição da secreção de PTH, fazendo com que todo o sistema retorne à normalidade. Outro exemplo é a liberação de insulina pelo pâncreas, largamente regulada pelas concentrações plasmáticas de glicose fornecidas ao pâncreas. Quando a glicose sanguínea se eleva, a glicose é eficientemente transportada pelos transportadores GLUT2 para o interior das células betapancreáticas, imediatamente convertida em glicose-6-fosfato pela glucoquinase, e entra na glicólise. A velocidade aumentada do catabolismo da glicose promove um aumento na concentração de ATP, que causa o fechamento de canais de K+ controlados pelo ATP na membrana plasmática. A redução do fluxo de saída do K+ despolariza a membrana (saída de K+ por um canal aberto de K+ hiperpolariza a membrana e o fechamento do canal de K+, portanto, despolariza a membrana), o que faz abrir os canais de cálcio sensíveis à voltagem, presentes na membrana plasmática. A entrada de cálcio através de canais de cálcio na membrana plasmática desencadeia a liberação da insulina por exocitose. Estímulos provenientes do sistema nervoso parassimpático e simpático também estimulam e inibem a liberação de insulina, respectivamente. A concentração plasmática de glicose, o fator mais importante regulado pela insulina, é por si só o fator primário que desencadeia a liberação da insulina. Uma simples alça de retroalimentação limita a liberação do hormônio: estimulando a captação pelos tecidos, a insulina, diminui a glicose sanguínea. A diminuição da concentração de glicose no sangue é detectada pela célula b, pela diminuição do fluxo através da reação da hexoquinase; isso diminui ou bloqueia a liberação de insulina. Essa regulação de retroalimentação mantém quase constante a concentração de glicose no sangue, a despeito das grandes flutuações da sua ingestão. 116
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DOENÇAS ENDÓCRINAS As doenças endócrinas podem ser classificadas em quatro categorias: deficiência de produção hormonal, excesso de produção hormonal, resposta anormal aos tecidos, e anormalidades endócrinas múltiplas.
Deficiência de produção hormonal Deficiências de um hormônio em particular são comumente observadas nas situações em que ocorre destruição da estrutura glandular responsável por sua produção. Grande variedade de processos, desde a remoção cirúrgica até a destruição por tuberculose, agentes químicos ou tóxicos, câncer, deposição de ferro ou autoimunes podem destruir a glândula endócrina.A remoção cirúrgica de uma glândula constitui um caso de hipossecreção iatrogênica, por exemplo, no tratamento do hipertiroidismo através da tireoidectomia, podendo resultar em hipoparatireodismo. Insuficiência adrenal pode ser decorrente de tuberculose ou exposição a certos derivados inseticidas, sendo que o último constitui causa rara. Tumores das glândulas endócrinas resultam, com frequência, em excesso de produção hormonal, mas alguns tumores levam à baixa produção hormonal por provocar sintomas compressivos locais ou disseminação metastática. Como exemplos são citados os denominados tumores não funcionais da pituitária, os quais são geralmente benignos, mas podem causar uma variedade de sintomas devidos à compressão das estruturas adjacentes, e o câncer de tireoide, que pode se disseminar pelo corpo sem causar hipertireoidismo. A hemocromatose é uma desordem caracterizada por armazenamento alterado de ferro, o que pode resultar em depósito de ferro nas células betapancreáticas progressivamente, destruindo-as. A destruição autoimune das células betapancreáticas no Diabetes mellitus tipo 1 ou a destruição das células tiroidianas na tireoidite de Hashimoto são duas das mais comuns desordens tratadas pelos endocrinologistas. Similarmente, deficiência de precursores apropriados (como por exemplo, a deficiência de iodo levando ao hipotireoidismo) também leva à diminuição da quantidade de hormônio produzida disponível que o organismo requer. Mais raramente, grande número de anormalidades genéticas, que pode resultar na diminuição da produção hormonal. Essas desordens podem provocar o desenvolvimento anormal de uma célula produtora de hormônio (hipogonadismo hipogonadotrófico causado pela mutação do gene KAL), da síntese anormal de hormônio (deleção do gene do GH), de regulação anormal da secreção hormonal (hipoparatireoidismo associado às mutações ativadoras dos receptores sensíveis ao cálcio das células paratireoides) ou defeitos na maquinaria enzimática necessária para a produção do hormônio (hiperplasia drenal congênita resultante de mutações, com perda de função de enzimas específicas, que são responsáveis pela síntese de cortisol).
Excesso de produção hormonal Está associado ao excesso de hormônio e/ou superestimulação dos receptores hormonais. Grande variedade de tuParte 3
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Endocrinologia Clínica e Diagnóstica
mores endócrinos pode produzir hormônios em excesso ou de forma descontrolada. Lembrando que a secreção hormonal por tumores nem sempre está sujeita ao mesmo tipo de regulação por retroalimentação negativa que ocorre na fonte normal de liberação para um dado hormônio. Por outro lado, os tumores ectópicos secretam grandes quantidades de um hormônio que, habitualmente, não seria secretado pelo tecido portador desse hormônio, e essa secreção também não está sujeita aos mecanismos normais de controle. Por exemplo, alguns tumores pulmonares comumente secretam hormônios como a adrenocorticotrofina (ACTH) e o hormônio antidiurético (ADH). Apesar de sua origem incomum, esses hormônios são plenamente funcionais e causam os mesmos sintomas que seriam observados caso fossem hipersecretados a partir de suas fontes normais (hipófise anterior e posterior, respectivamente). Outra causa de hipersecreção, que está sendo diagnosticada com frequência cada vez maior, é a imunológica. Por exemplo, no tipo mais comum de hipertiroidismo (doença de Graves) é causado por estimulação excessiva da secreção tireoidiana, não por seu hormônio trófico normal, porém por uma imunoglobulina que pode simular a ação do hormônio trófico. Ocasionalmente, os hormônios são secretados em quantidades aumentadas devido a anormalidades genéticas que causam regulação anormal da síntese ou liberação hormonal. Por exemplo, no hiperaldosteronismo parcialmente controlado por glicocorticoide, um evento de transposição no cromossomo coloca o gene que codifica a enzima aldosterona-sintase sob o controle do ACTH. A formação desse novo gene é devida à recombinação aberrante entre os genes da 11-γ-hidroxilase e da aldosterona-sintase, formando uma quimera composta pela porção regulatória proveniente do gene da 11-γ-hidroxilase e a porção codificadora do gene aldosterona-sintase. A via de transdução de sinal pode conter uma proteína anormal que sinaliza continuamente a ocupância do receptor pelo hormônio. Nos últimos anos, anormalidades da transdução do sinal celular envolvendo mutações ativadoras no gene GNAS1, que codifica a proteína Gsγ, têm sido descritas em várias condições patológicas, como tumores endócrinos isolados. Finalmente, excesso de hormônio pode ser ingerido de forma acidental, deliberada ou terapeuticamente. Certos hormônios anabólicos (androgênios e hormônio do crescimento) são amplamente utilizados de forma abusiva por atletas. Evidentemente, esses casos não envolvem hipersecreção de um órgão endócrino, porém o resultado é o mesmo, já que os receptores não diferenciam entre fontes endógenas e exógenas dos hormônios. Em condições de excesso de produção hormonal podem ocorrer síndromes de especificidade Spillover: Um hormônio pode ter uma forte afinidade por seu receptor e alguma afinidade pelo receptor de outro hormônio, isto é, conhecido por especificidade spillover. Tal especificidade spillover ou reação cruzada geralmente ocorre entre hormônios com estruturas similares. Em níveis hormonais fisiológicos, a especificidacapítulo 10
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de spillover não causa consequências. Mas se um hormônio é produzido em excesso, contudo, o hormônio não apenas causa um efeito biológico excessivo pelo seu próprio receptor, mas também causa resposta fisiológica pela interação com o receptor de seu hormônio estruturalmente similar. Assim, altas concentrações de glicocorticoides, em adição aos efeitos do excesso de glicocorticoide, podem produzir efeitos de excesso de mineralocorticoides. Um número significativo de pacientes apresenta excesso de prolactina evidenciado por galactorreia, amenorreia (ausência ou suspensão de menstruação) e infertilidade, possivelmente devido à ligação do GH em receptores para prolactina. De modo semelhante, pode ocorrer hipotireoidismo associado a tumores trofoblásticos (um câncer raro que se desenvolve de ovos anormais fertilizados), que produzem grandes quantidades de hCG, que pode se ligar com alta afinidade ao receptor de TSH. Outras desordens que parecem dever-se à especificidade spillover é o hiperandrogenismo com formas associadas à severa resistência à insulina (reatividade cruzada da insulina com outros receptores ovarianos para IGF-I) e possível macrossomia em crianças de mães diabéticas (reatividade cruzada da insulina com receptores para IGF-1 em tecidos somáticos).
Resposta alterada dos tecidos Estados de deficiência hormonal podem ser reproduzidos por condições patológicas nos quais os hormônios são sintetizados e liberados em concentrações adequadas, mas os tecidos-alvos tornam-se resistentes à ação hormonal. Desordens de resistência das células-alvo podem ser devidas à síntese insuficiente de receptor, interferência da ligação ao receptor (presença de um anticorpo antirreceptor), uma anormalidade estrutural do receptor, ou defeitos nos eventos moleculares que ocorrem após ligação do hormônio ao receptor. Essas síndromes, embora relativamente raras, usualmente resultam em consequências severas. Alteração da função do receptor ou transdução alterada pode causar uma variedade de doenças endócrinas congênitas ou adquiridas. Anormalidades na ação hormonal: Essas síndromes são geralmente causadas por mutações/deleções/ablações nos receptores de um dado hormônio, que então se torna incapaz de se ligar a ele e mediar seu efeito no tecido ou célula-alvo, apesar do hormônio estar presente em quantidades normais ou mesmo elevada. Na síndrome da insensibilidade a androgênio (SAI) ocorrem mutações no gene que codifica para o receptor de androgênio, podendo ser classificada como completa ou parcial, dependendo da quantidade da função resisual do receptor. Na SAI completa as concentrações circulantes de testosterona dos pacientes são maiores ou iguais às encontradas em mulheres saudáveis. As concentrações de LH estão aumentadas, presumivelmente devido à resistência do sistema hipotalâmico-pituitário a inibição androgênica. Também se tem observado resistência a hormônios previamente funcionais ao longo do tempo. Esse tipo de resistência é proveniente 117
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de uma falha do acoplamento eficiente da sinalização do receptor com as vias efetoras intracelulares a jusante, que normalmente medeiam o efeito hormonal. O exemplo mais comum desse tipo de resistência é o diabetes tipo 2, em que os tecidos-alvos gradativamente vão se tornando mais e mais resistentes à ação da insulina, secundariamente à redução da ativação do fosfatidilinositol-3-quinase e outras vias de sinalização intracelular. Mutações com perda de função da cadeia b do receptor intracelular do hormônio tireoidiano leva a uma síndrome rara de resistência ao hormônio tireoidiano. Nesta condição, concentrações de T4 e T3 (total e livre) mais elevadas que a fisiológica são requeridas para manter o estado eutireoidiano. Assim, na ausência de hipertiroidismo clínico, se concentrações elevadas dos hormônios tireoidianos na forma total ou livre estiverem presentes com TSH no limite superior do intervalo de referência ou levemente elevado, resistência ao hormônio tireoidiano é provável. Por causa do estímulo tireoidiano pelo TSH, aumento da glândula pode estar presente por não haver resistência ao TSH. Alguns pacientes afetados podem apresentar achados clínicos de hipotireoidismo. Anormalidades no metabolismo hormonal: Essas síndromes também podem ser causadas pela deficiência de uma enzima que seja necessária para a ativação do hormônio. Paciente com deficiência da enzima 5a− -redutase, há concentrações adequadas de testosterona na circulação. Contudo, em muitos tecidos não há resposta a esse hormônio porque essa enzima é necessária para a conversão intracelular da testosterona ao metabólito ativo di-idrotestosterona. Altas razões da concentração circulante de testosterona para di-hidrotestosterona são indicativas da deficiência da enzima 5-alfarredutase. Uma forma de resistência ao hormônio tireoidiano resulta da deficiência na conversão de T4 em T3. Essa condição resulta da mutação no gene SECISBP2, que influencia a síntese celular de deiodinases, fazendo as concentrações plasmáticas de TSH se apresentarem levemente elevadas,T4 livre elevado, T3 diminuído, e T3 reverso elevado. Anormalidades no transporte hormonal: MCT8 é um importante transportador dos hormônios tireoidianos (T4 e T3) nos neurônios e foi mostrado que mutações no gene que codifica para este transportador resultam em severo retardo psicomotor e alteração da função tireoidiana, com concentrações plasmáticas elevadas de T3, normais a baixas de T4 (total e livre), normais a elevadas de TSH e baixas de T3 reverso. Vários hormônios circulam como complexos com proteínas transportadoras. As proteínas carreadoras solubilizam compostos lipofílicos como hormônios esteroidais para facilitar seu transporte no ambiente circulatório primariamente aquoso e tamponam a concentração do hormônio livre, hormônio ativo no tecido. Com relação aos mecanismos de regulação, acredita-se que a taxa de secreção hormonal seja ajustada pelo nível de hormônio livre, o que faz com que a síntese de um determinado 118
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hormônio seja controlada de forma independente do tamanho do reservatório hormonal ligado às proteínas transportadoras. Como consequência, um aumento ou uma diminuição da concentração das proteínas transportadoras têm pequeno efeito no impacto tecidual dos hormônios transportados. A despeito da grande afinidade de algumas proteínas carreadoras para seus ligantes, uma proteína específica pode não ser essencial para a distribuição hormonal. Por exemplo, em humanos com deficiência congênita da Globulina ligadora de tiroxina (TBG), outras proteínas como a transtirretina (TTR) e albumina assumem sua função. O fato de a afinidade dessas proteínas transportadoras secundárias do hormônio tireoidiano ter menor magnitude que a TBG, é possível para o sistema de retroalimentação hipotálamo-hipófise manter as concentrações normais do hormônio tireoidiano livre e uma concentração mais baixa do hormônio total. O fato da concentração do hormônio tireoidiano livre se manter normal na deficiência de TBG indica que é essa fração livre que é mantida pelo eixo hipotálamo-hipófise, e que essa fração é o hormônio ativo. Em situações de excesso, o mesmo ocorre no excesso congênito de TBG e formas anormais de albumina e pré-albumina ligadora de tiroxina (TBPA), nas alterações e concentrações de T4 total sem afetar T4 livre, T3 total e T3 livre. Contudo, hipertri-iodotironinemia isolada eutiroidiana (com todos os outros parâmetros tireoidianos normais), causada por uma forma rara de disalbuminemia, foi reportada.
Anormalidades endócrinas múltiplas Doenças endócrinas podem ocorrer associadas com outras doenças de origem autoimunes ou não autoimunes. As neoplasias endócrinas múltiplas são doenças hereditárias raras, nas quais ocorre o desenvolvimento de tumores benignos ou malignos (cancerosos) em várias glândulas endócrinas. Os tumores das neoplasias endócrinas múltiplas podem aparecer precocemente na infância, ou tardiamente, em torno dos 70 anos de idade. As alterações causadas pelas neoplasias endócrinas múltiplas são decorrentes, sobretudo, do excesso de hormônios produzidos pelos tumores. As neoplasias endócrinas múltiplas ocorrem em três padrões, denominados tipos I (Tumores de paratireoides, de pâncreas, de hipófise ou de todas essas glândulas), IIA (podem consistir em um tipo raro de câncer de tireoide, em um feocromocitoma e na hiperatividade das paratireoides), e IIB (câncer medular da tireoide, em um feocromocitoma e em neuromas), embora, ocasionalmente, ocorra a sobreposição de tipos. Síndromes poliglandular autoimune (SPA) formam um grupo diferente de desordem autoimune e são endocrinopatias raras caracterizadas pela existência de ao menos duas doenças glandulares autoimunes mediadas. Os dois subtipos principais de SPA, tipo I e tipo II, são distinguíveis de acordo com a idade de apresentação, padrões de combinações característicos de doença e modo de herança. A coexistência de insuficiência adrenal ou com doença tireoidiana autoimune e/ou diabetes tipo 1 é definida como síndrome de Carpenter. A Tabela 10.1 traz as desordens endócrinas mais comuns, suas causas e características. Parte 3
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Endocrinologia Clínica e Diagnóstica
Tabela 10.1 Doenças endócrinas. Doença endócrina
Causa
Característica
Síndrome de Cushing
Excesso de glicocorticoides (qualquer causa)
Obesidade central, hipertensão, intolerância à glicose, face em lua cheia, nódoas negras, osteoporose.
Bócio
Crescimento da glândula tireoide
A secreção dos HT pode estar alta, baixa ou normal.
Tireotoxicose
↑ de T3 e T4 por qualquer causa
Perda de peso, intolerância ao calor, aumento dos batimentos cardíacos, depressão.
Hipotireoidismo
↓ de T3 e T4 por qualquer causa
Ganho de peso, intolerância ao frio, fraqueza muscular, diminuição dos batimentos cardíacos, depressão.
Hipogonadismo
Qualquer causa Homem: ↓ testosterona Mulheres: ↓ estrogênio
Infertilidade, impotência, diminuição das características sexuais secundárias. Amenorreia, infertilidade, osteoporose.
Síndrome do ovário policístico
Aumento de androgênios em mulheres Anormalidade dos períodos menstruais, diminuição da fertilidade, hirsutismo, obesidade, intolerância à glicose.
Menopausa
↓ estrogênio e fim da vida reprodutiva Finalização dos períodos menstruais, infertilidade, ondas de calor, osteoporose.
Diabetes mellitus
Tipo 1: Falta de secreção de insulina Tipo 2: Falta de ação da insulina e diminuição da secreção de insulina
Perda de peso, polidipsia, poliúria, cetoacidose, complicações micro e macrovasculares. Obesidade, polidipsia, poliúria, complicações micro e macrovasculares.
Síndrome metabólica
Resistência à insulina
Combinação de obesidade, intolerância à glicose, hipertensão, ↑ do colesterol.
Secreção hormonal ectópica
Secreção hormonal por tumores celulares
Depende do hormônio secretado.
Diabetes insipidus
Central: falha na secreção de ADH Nefrogênica: várias causas
Falha da capacidade de concentrar a urina, desidratação, polidipsia, poliúria.
SIADH
↑ de AVP
Retenção inapropriada de água, baixo sódio plasmático.
Acromegalia
↑ de GH em adultos
Crescimento de tecidos moles e vísceras, intolerância a glicose
Hiperprolactinemia
↑ de prolactina
Mulheres: amenorreia, infertilidade, galactorreia. Homens: desenvolvimento das mamas, galactorreia.
Pan-hipopituitarismo
↓ dos hormônios da hipófise anterior
Características de ↓ dos hormônios: GH, LH, FSH, ACTH e TSH.
Fecromocitoma
↑ de adrenalina e noradrenalina
Elevação da pressão sanguínea, ↑ dos batimentos cardíacos, ansiedade. (Continua)
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Tratado de Análises Clínicas
(Continuação)
Tabela 10.1 Doenças endócrinas. Doença endócrina
Causa
Característica
Hiperplasia adrenal congênita Secreção anormal de esteroides adrenais
Crianças: falha no desenvolvimento e virilização de meninas.
Doença de Addison
Insuficiência adrenal primária: ↓ cortisol e aldosterona
Fraqueza, hipotensão, desidratação, ↓ de sódio e ↑ de potássio.
Doença de Graves
↑ de T3 e T4 por causa autoimune
Como tireotoxicose com oftalmopatia e mixedema.
Tireoidite de Hashimoto
↓ de T3 e T4 por causa autoimune
Como hipotireoidismo.
Síndrome de Klinefelter
Anormalidade cromossomal XXY
Hipogonadismo masculino.
Síndrome de Turner
Anormalidade cromossomal X0
Ausência de puberdade feminina, os períodos menstruais não iniciam, infertilidade, anormalidades cardiovasculares.
Insuficiência ovariana prematura
↓ estrogênio, menopausa antes dos 40 anos
Como menopausa.
Hiperparatireoidismo
Primário: ↑ de PTH Ectópico: ↑ de PTHrp
Hipercalcemia (cálculos), desidratação.
Osteomalacia
Deficiência de vitamina D em adultos
↓ da densidade óssea, fraturas patológicas.
Gigantismo
↑ de GH em crianças
Crescimento aumentado, especialmente na altura, na infância.
Síndrome de laron
Anormalidade do receptor do GH
Diminuição do crescimento em crianças.
Síndrome de Sheehan
Interrupção do fluxo sanguíneo para pituitária
Como pan-hipopituitarismo.
Doença de Cushing
↑ de ACTH pituitário
Como síndrome de Cushing.
Síndrome de Conn
Excesso de aldosterona
Hipertensão, baixas concentrações plasmáticas de potássio.
Cretinismo
↓ de T3 e T4 no útero ou hipotireoidismo congênito
Retardo mental severo.
Síndrome de Kallmann
Causa hipogonadismo terciário em homens
Como hipogonadismo com anosmia (↓ total do olfato).
Abuso de esteroide androgênico anabólico
↓ de testosterona
Infertilidade, atrofia testicular masculina, virilização nas mulheres.
Raquitismo
Deficiência de vitamina D em crianças
↓ da mineralização óssea, deformidades ósseas.
Hipoparatireoidismo
↓ de PTH
Hipocalcemia, comichões, tetania, convulsões.
Síndrome de Zollinger-Ellison
↑ da gastrina
Severa ulceração péptica.
Neoplasia endócrina múltipla
Vários
Tumores de diferentes glândulas endócrinas.
Abreviações: IOG: intolerância oral à glicose; HT: hormônios tireoidianos; T3: tri-iodotironina; T4: tiroxina; ADH: hormônio antidiurético; SIADH: síndrome do inapropriado hormônio antidiurético; AVP: vasopressina; GH: hormônio do crescimento; LH: hormômio luteinizante; FSH: folículo estimulante; ACTH: adrenocorticotrópico; TSH: tireotropina, PTH: hormônio da paratireoide; PTHrp: peptídeo relacionado ao hormônio da paratireoide. Símbolos: ↓: diminuição; ↑: aumento. Fonte: Tradução de Hinson, Haven e Chew, 2010.
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Parte 3
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Endocrinologia Clínica e Diagnóstica
CLASSIFICAÇÃO DE DOENÇAS ENDÓCRINAS Doenças primárias e secundárias Tanto as desordens de hiposecreção como hipersecreção são classificadas em primárias e secundárias, dependendo se o distúrbio ocorre no interior do órgão produtor do hormônio (primária) ou se é devido à alteração de estimulação adequada por hormônios que controlam a produção hormonal de dado órgão (secundária). Isso ocorre porque existem várias etapas de controle que auxiliam a secreção final de um dado hormônio (Figura 10.1). Desta forma, um órgão endócrino que esteja secretando pequenas ou grandes quantidades de seu hormônio pode fazê-lo devido a uma anormalidade do interior do mesmo; esse distúrbio é então considerado primário. Por outro lado, Situação normal Pituitária
caso o órgão seja normal, mas esteja secretando o hormônio de forma anormal simplesmente porque está recebendo pouca (hipossecreção) ou muita (hipersecreção), hormônio trófico correspondente, nesse caso a anormalidade é denominada secundária. Essas condições estão ilustradas na Figura 10.3, para os órgãos-alvo (adrenais, tireoide e gônadas) que são regulados pelos hormônios tróficos da pituitária anterior. Observar que nos casos de hipofunção, a secreção do hormônio pela glândula-alvo está, por definição, abaixo do normal, enquanto a secreção do hormônio trófico pode estar anormalmente elevada (hipofunção primária) ou reduzida (hipofunção secundária). Caso exista hiposecreção secundária, por definição, a secreção do hormônio trófico está reduzida, como o hormônio da glândula-alvo, uma vez que falta estímulo para a produção deste último. Caso haja um distúrHipofunção 2o Pituitária
Hipofunção 1o Pituitária
HGA
HGA
HGA HT
HT
HT Glândula alvo Hipofunção 1o Pituitária
Hipofunção 2o Pituitária
HGA HT Glândula alvo
Glândula alvo
Glândula alvo
Ectópica Pituitária HGA
HGA HT Glândula alvo
Tecido ectópico
HT Glândula alvo
Figura 10.3 Classificação das doenças endócrinas em hipo e hipersecreções primárias, hipo e hipersecreções secundárias ou hipersecreção
ectópica. Na figura estão representadas seis situações de secreção de um dado hormônio por uma glândula-alvo (HGA: hormônio da glândula alvo) sob controle do hormônio trófico (HT) específico liberado pela pituitária anterior. Situação normal: O HT estimula a produção do HGA pela glândula-alvo, o qual por retroalimentação negativa controla sua produção normal, mantendo em concentrações adequadas. Hipofunção 1: A glândula-alvo devido a alguma anormalidade não responde ao HT sintetizando o HGA, resultando na elevação da concentração do HT por não haver regulação por retroalimentação negativa. Hipofunção 2: Por haver alguma anormalidade na pituitária, o HT não é produzido, não havendo estímulo da glândula-alvo para a produção do HGA, havendo concentrações diminuídas de ambos os hormônios. Hiperfunção 1: Devido a alguma anormalidade, a glândula-alvo está produzindo HGA em altas concentrações, que pelo mecanismo retroalimentação negativa suprime a produção de HT, diminuindo suas concentrações. Hiperfunção 2: Por haver alguma anormalidade na pituitária, o HT não é produzido em altas concentrações, ocasionando grande estímulo da glândula-alvo para a produção do HGA, havendo concentrações elevadas de ambos os hormônios. Ectópico: Algum tumor ectópico está produzindo grandes quantidades de HT, estimulando a glândula-alvo a produzir grandes quantidades de HGA, o qual pelo mecanismo retroalimentação negativa suprime a produção de HT, mas apenas pela pituitária, não pelo tumor ectópico, fazendo com que as concentrações tanto de HT como de HGA se encontrem elevadas. Estimulação e inibição são representadas por (⊕) e (), respectivamente. As setas azuis finas representam síntese de HT e HGA em concentrações adequadas, as setas azuis grossas altas concentrações e as setas azuis pontilhadas baixas concentrações. Fonte: Adaptada de Hedge, Colby e Goodman, 1987.
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bio primário, o hormônio trófico está aumentado devido à redução das concentrações do hormônio da glândula-alvo, que produzem menor inibição por retroalimentação negativa sobre a secreção do hormônio trófico, fazendo com que este último tenha suas concentrações elevadas. Nos casos de hiperfunção, a secreção do hormônio pela glândula-alvo está, por definição, acima do normal, enquanto a secreção do hormônio trófico pode estar reduzida (hiperfunção primária) ou anormalmente elevada (hiperfunção secundária). Caso haja um distúrbio primário, o hormônio trófico está diminuído devido à inibição de sua síntese por retroalimentação negativa exercida pelas altas concentrações do hormônio da glândula-alvo. Caso exista hipersecreção secundária, por definição, a secreção do hormônio trófico está aumentada, como o hormônio da glândula-alvo, uma vez que há excesso de estímulo para a produção deste último.
Tumores ectópicos Não são apenas tecidos endócrinos bem-definidos que são capazes de secretar hormônios. Todas as células retêm a capacidade para secreção hormonal e é bem reconhecido que células malignas podem expressar genes codificantes de peptídios hormonalmente ativos. O mecanismo usual para o processamento hormonal não está presente nessas malignidades, o peptídio secretado pode ser um fragmento ou um precursor de um hormônio maduro normal. A secreção inapropriada desses hormônios por tecidos que usualmente produzem determinado hormônio são denominados secreção hormonal ectópica. Frequentemente, secreção hormonal ectópica é observada como característica de tumores endócrinos, por exemplo, carcinoma de células de ilhotas pancreáticas podem ocasionalmente secretar hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), usualmente secretado pela glândula pituitária. Tecidos não endócrinos também podem secretar hormônios, por exemplo, a secreção inapropriada de ACTH é uma característica reconhecida de algumas pequenas células de carcinomas de pulmão. O exemplo mais comum de secreção ectópica hormonal é um hormônio peptídico denominado peptídeo relacionado ao hormônio da paratireoide (PTHrp), o qual é secretado aproximadamente por 10% dos tumores malignos e causa a hipercalcemia, denominada hipercalcemia maligna. A Figura 10.3 traz a representação da hipersecreção ectópica de um hormônio originalmente produzido pela pituitária. Esse hormônio ectópico estimulará a glândula-alvo a produzir altas concentrações de hormônio, que por retroalimentação negativa inibirá a pituitária a produzir o hormônio trófico, mas não inibirá o tumor ectópico. Nesta situação, tanto o hormônio trófico produzido pelo tumor ectópico como o hormônio da glândula-alvo encontram-se em concentrações elevadas. O diagnóstico da secreção ectópica é realizado por uma abordagem de imagem, combinada à dosagem da concentração hormonal na irrigação arterial ou venosa de um tecido, e, assim, estabelecendo a fonte hormonal. 122
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Doenças terciárias Em algumas situações de hipofunção, porém mais raras, a alteração da produção anormal do hormônio pela glândula-alvo seja devida ao estímulo inadequado, mas não pelo hormônio trófico, e, sim, pelos fatores de liberação hipotalâmicos, constituindo uma desordem terciária. Os hormônios do hipotálamo não são normalmente secretados em abundância. Mesmo sendo possível sua dosagem, na insuficiência adrenal, por exemplo, a dosagem do CRH basal não tem utilidade devido a discrepâncias obtidas nos resultados. Desta forma, são solicitados diferentes testes de estímulo, para verificar a capacidade de adaptação de seu eixo hipotálamo-pituitária, os quais serão discutidos mais adiante. Exemplificando, em uma situação de esterilidade em que as concentrações plasmáticas de LH e FSH encontram-se diminuídas, será feito teste de estímulo com GnRH. Isto pode ser feito pela administração intravenosa de GnRH sintético, que por esta via chegará às células gonadotrópicas da pituitária anterior e desencadear a secreção de LH e FSH. Uma progressão da resposta pode ser medida e estará dentro dos valores normais (terciário) ou estará claramente diminuída (secundário). Se a resposta for deficiente, as células da pituitária anterior não estão funcionando adequadamente e são a causa da síndrome (secundário). Por outro lado, resposta normal da pituitária ao GnRH indicaria que o hipotálamo não está funcional (terciário). Tal descoberta sugeriria exame do hipotálamo quanto às condições que levam à disponibilidade/produção insuficiente de hormônios liberadores.
INVESTIGAÇÃO ENDÓCRINA A investigação de uma desordem endócrina é usualmente indicada com a dosagem plasmática das concentrações hormonais. Em alguns casos, essa dosagem pode ser suficiente para determinar a existência de uma desordem, mas quando o hormônio sobre investigação é secretado de forma episódica (tais como GH e cortisol), dosagem em um único momento (teste basal) frequentemente apresenta um valor muito limitado. No diagnóstico de alterações parciais dos mecanismos de controle endócrinos podemos utilizar três tipos de testes funcionais: dosagens hormonais seriadas, dosagens de pares hormonais, e testes dinâmicos (testes de reserva endócrina e retrocontrole endócrino). Todos os três são de máxima importância no diagnóstico, mas podem sofrer a influência de inúmeros fatores que tornariam sua interpretação bastante complexa. Existem duas situações gerais para a realização da investigação endócrina. A primeira é para confirmar um diagnóstico, e a segunda para monitorar a progressão de uma doença. Existem várias possibilidades de testes que têm por objetivo a confirmação diagnóstica e, portanto, um grau de seleção e julgamento tem de ser introduzido. A seleção dos testes precisa ser guiada pela condição clínica. Uma abordagem é a de fazer um diagnóstico clínico baseado no reconhecimento de padrões. Por exemplo, uma combinação clássica dos sintomas Parte 3
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da doença endócrina é a perda de peso, apesar de um bom apetite (visto em tireotoxicose), o que poderia levar à avaliação da glândula tireoide. A segunda abordagem é a utilização dos princípios básicos de fisiologia e anatomia para orientar os testes de diagnóstico. Isso é necessário se o padrão clínico não estiver claro, ou um resultado surpreendente for encontrado. Por exemplo, pode ter sido encontrada fibrilação atrial (um ritmo cardíaco irregular) em um paciente submetido a um exame de rotina antes de uma cirurgia. Uma vez que as concentrações elevadas de hormônios tireoidianos estimulam o coração, e em particular as câmaras atriais, isto deveria levar a teste de função da tireoide, mesmo na ausência de outros sintomas clássicos.
Dosagem basal Os testes mais utilizados em endocrinologia quantificam hormônios e eletrólitos em amostras de sangue. As concentrações hormonais variam durante o dia, e os intervalos de referência são dependentes da hora em que a amostra foi obtida. Desta forma, os valores de intervalos de referência são usualmente baseados em amostras em jejum obtidas às 9 horas. É vital para a correta interpretação de um resultado de exame de sangue que a hora em que a amostra foi obtida seja registada. Essas amostras são também conhecidas como amostras basais, uma vez que representam o estado basal ou não estimulado. A dosagem isolada dos hormônios nem sempre permite a distinção entre o normal e o patológico. As largas faixas de normalidade para concentrações séricas de alguns hormônios tornam imprecisa a interpretação de valores individuais se o valor normal prévio para determinado paciente for desconhecido. Por exemplo, uma concentração sérica de tiroxina (T4) no limite máximo para a população em geral pode estar associada a hipertireoidismo em um paciente cuja concentração, usualmente, estaria no limite mínimo da faixa de normalidade. Além disso, há pequenos níveis de disfunção endócrina que podem estar compensados em condições basais. Portanto, as concentrações séricas de cortisol podem estar normais em pacientes com insuficiência adrenocortical parcial devido ao aumento de secreção de corticotrofina (ACTH).
Dosagens hormonais seriadas Em algumas circunstâncias, a variação de secreção hormonal reflete processos pouco compreendidos de exacerbação ou de remissão de patologias. Dessa forma, dosagens seriadas das concentrações plasmáticas de cálcio e PTH (paratormônio) por períodos prolongados podem ser necessárias para diagnóstico de hiperparatireoidismo. Outras condições clínicas, como a síndrome de Cushing, podem apresentar o mesmo padrão de exacerbação/remissão. Em outras circunstâncias, a variação na secreção hormonal endócrina resulta de alterações rítmicas, como uma secreção pulsátil ou um ritmo circadiano básico. A perda do ritmo circadiano de secreção de cortisol pode ser um sinal precoce de síndrome de Cushing. O ritmo circadiano da secreção hormonal pode ser alterado capítulo 10
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por inúmeros fatores, como distúrbios do sono, drogas, doenças psiquiátricas e estresse. A demonstração de uma variação diurna normal pode ser uma boa evidência de normalidade em sua função. No entanto, sua ausência não indica necessariamente uma doença endócrina primária. Na verdade, alterações desse ritmo circadiano indicam a necessidade de testes diagnósticos adicionais.
Dosagem de pares hormonais Como o sistema endócrino funciona basicamente sob retrorregulação, a dosagem de pares hormonais (T4 e TSH, cálcio e PTH, testosterona e LH) permite uma avaliação das concentrações individuais. Por exemplo, uma vez que a faixa de normalidade do T4 é ampla, as concentrações de determinado paciente poderiam cair para a metade e ainda permanecer na faixa normal. Nesse caso, contudo, uma concentração de T4 próxima aos limites mínimos normais, associada a elevadas concentrações de TSH, indicam o estágio inicial de uma doença tireoidiana compensada. Baixas concentrações de ambos os pares hormonais apontam deficiência do hormônio trófico (desordem secundária ou terciária). Altas concentrações do hormônio-alvo com baixas concentrações do hormônio trófico sugerem secreção autônoma do órgão-alvo (desordem primária). Elevadas concentrações de ambos os pares hormonais são compatíveis com os mecanismos de várias doenças. A secreção autônoma de um hormônio trófico pode ser tópica (secundária) ou ectópica. Por exemplo, a síndrome de Cushing pode resultar da secreção pituitária de ACTH ou da secreção de ACTH por tumores pulmonares. Outra possibilidade é a secreção de fatores liberados a partir de tumores em órgãos periféricos, causando hipersecreção de hormônios pituitários, por exemplo, a acromegalia resultante da secreção ectópica de fatores liberadores do hormônio de crescimento. Por outro lado, a elevação combinada do hormônio trófico e do hormônio da glândula-alvo pode se dever à resistência à ação do hormônio da glândula-alvo. Essa resistência pode ser herdada (como nos casos de defeito de receptor de andrógenos que causam resistência à ação do hormônio e resultam em níveis elevados de LH e de testosterona), ou adquirida (como no caso de resistência insulínica da obesidade, que pode levar a hiperinsulinismo e hiperglicemia). Assim, a elevação de TSH e T4 pode indicar tanto secreção autônoma de TSH quanto resistência à ação do T4.
Testes dinâmicos Os testes dinâmicos são utilizados para diferenciar as causas das doenças endócrinas (primárias, secundárias e terciárias) ou para detectar anormalidades que podem não ser obtidas pelos resultados basais. O principio do teste dinâmico é simples. Quando um excesso hormonal é suspeitado, o objetivo do teste dinâmico é suprimir a concentração hormonal. Se, por outro lado, suspeita-se de insuficiência de secreção hormonal, o objetivo do teste é estimular a secreção. As amostras são coletadas em tempos específicos, após estimulação ou supressão. Esses testes visam verificar todo o sistema tanto quanto possível. 123
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Testes de estímulo: São utilizados na suspeita de hipofunção endócrina para avaliar a capacidade de reserva de síntese e secreção hormonal. Esses testes são realizados de duas maneiras: 1) Administração de um hormônio trófico para testar a capacidade do órgão-alvo de aumentar a produção hormonal. Esse hormônio pode ser um fator liberador hipotalâmico, como o TRH, ou um hormônio pituitário, como o ACTH. Nesses casos, a capacidade do órgão-alvo é avaliada pela mensuração dos níveis hormonais séricos − nos exemplos citados, o TSH e o cortisol; 2) Estimulação da secreção de um hormônio trófico endógeno ou fator estimulador e medição do efeito desses estímulos antiestrogênicos em nível hipotalâmico, diminuindo o retrocontrole negativo e causando um aumento na secreção de gonadotrofinas, que pode ser seguido por ovulação e/ou aumento na formação de esteroides gonadais. A Tabela 10.2 resume os testes de estímulo mais comuns. Testes de supressão: São utilizados casos de suspeita de hiperfunção endócrina. Como nos testes de estímulo são utilizados hormônios exógenos ou fatores reguladores conhecidos para avaliar a inibição da produção
hormonal endógena, por exemplo, a administração de glicocorticoide (dexametasona) a pacientes com suspeita de síndrome de Cushing para avaliar a capacidade de inibição da secreção do ACTH e, portanto, da síntese adrenal de cortisol. A falência da supressão nesses testes indica a presença de secreção autônoma do hormônio da glândula-alvo ou de hormônios tróficos (pituitários ou de sítios ectópicos), que não estão sob retrorregulação normal (Tabela 10.3). Os testes dinâmicos fornecem a melhor avaliação dos distúrbios endócrinos leves, por exemplo, o teste de estímulo com cortrosina (ACTH sintético) para diagnosticar insuficiência adrenocortical parcial com secreção de cortisol basal normal. Os testes dinâmicos também são úteis na determinação do local do defeito endócrino, tal como o estímulo com GnRH para diagnosticar se o hipogonadismo hipogonadotrófico ocorre em consequência de insuficiência pituitária ou hipotalâmica. Em pacientes com síndrome de Cushing, a supressão da produção de cortisol em resposta a altas doses de dexametasona sugere hipersecreção pituitária de ACTH, uma vez que tumores adrenais ou secreção ectópica de ACTH não respondem ao teste de supressão.
Tabela 10.2 Testes de estímulo frequentes. Órgão/Sistema
Estímulo
Resposta
Hipotálamo Pituitária
Hipoglicemia Metirapona Levodopa Arginina Citrato de clomifeno Exercício Restrição hídrica
GH e ACTH (cortisol) ACTH (cortisol e 11-desoxicortisol) GH GH Gonodotrofinas GH Vasopressina
Pituitária
TRH GnRH CRH GHRH
TSH e prolactina Gonodotrofinas ACTH (cortisol) GH
Tireoide
TSH
Captação de iodo radioativo
Adrenal
Cortrosina Metirapona Mudança de postura
Cortisol Cortisol e 11-desoxicortisol Renina e aldosterona
Gônadas
HCG
Testosterona
Pâncreas
Glicose
Insulina
Balanço hídrico
Vasopressina
Concentração urinária
HCG: Gonadotrofina Coriônica. Fonte: Modificada de Silveiro S. P.; et al., 2015.
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Parte 3
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Endocrinologia Clínica e Diagnóstica
Tabela 10.3 Testes de supressão frequentes. Órgão/sistema
Agente supressor
Resposta
Hipotálamo-hipófise
Glicose Dexametasona
GH ACTH (cortisol)
Tireoide
T4
Captação de iodo radioativo
Adrenal
Dexametasona salina Clonidina
Cortisol Renina e aldosterona Noradrenalina plasmática
Fonte: Modificada de Silveiro S. P.; et al., 2015.
A principal dificuldade na interpretação dos testes é a definição adequada do que seja resposta normal em indivíduos normais que apresentam outras patologias. Por exemplo, os atletas têm uma resposta aumentada do ACTH e do cortisol ao estímulo com cortrosina. Além disso, inúmeros fatores influenciam na resposta de um teste funcional, tais como: idade, sexo, tabagismo, uso de determinadas drogas, obesidade, desnutrição, insuficiência renal crônica, cirrose hepática e outras patologias associadas. Por exemplo, a resposta do TSH ao estímulo com TRH diminui em homens com mais de 60 anos de idade. Citamos, ainda, a resposta subnormal do GH ao estímulo de hipoglicemia induzida por insulina e a administração de arginina e de levodopa em pacientes obesos, que normalizam após o retorno ao peso ideal. Por outro lado, pacientes com desnutrição grave, insuficiência renal crônica ou cirrose hepática costumam ter níveis de GH basal elevados, que não respondem à supressão ou respondem com um aumento paradoxal após sobrecarga de glicose. Na avaliação da baixa estatura, a realização de dois testes aumenta a sensibilidade de 80% para mais de 90%. Várias doenças psiquiátricas estão associadas a testes dinâmicos da função endócrina, alterados na ausência de patologia endócrina específica. A mais frequente é a depressão. Pacientes com depressão primária grave não apresentam supressão adequada do cortisol, após administração de dexametasona, normalizando essa resposta após o tratamento da depressão. Em 20% dos pacientes com doença psiquiátrica aguda são encontradas concentrações elevadas de T4 e T4 livre sem evidência clínica de tireotoxicose. A resposta do TSH ao TRH apresenta-se subnormal ou ausente em aproximadamente 25% dos pacientes psiquiátricos sem doença tireoidiana, principalmente em casos de depressão unipolar ou bipolar. O uso de drogas também interfere nos testes dinâmicos. Glicocorticoides em doses farmacológicas, progestágenos, teofilina e clorpromazina bloqueiam a resposta do GH aos estímulos usuais. A ingestão crônica e excessiva de álcool diminui a resposta da prova de supressão do cortisol à dexametasona. O uso de levodopa, de dopamina e de aspirina em altas doses bloqueia a resposta do TSH ao TRH. A fenitoína aumenta a captação celular e o metabolismo do T4, levando a baixos níveis capítulo 10
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de T4 livre, além de diminuir em 50% a resposta do TSH ao TRH. Portanto, a avaliação da função tireoidiana é prejudicada, principalmente quando nos encontramos frente a um paciente em uso dessa droga com níveis baixos de T4 e TSH normal. Deve ser considerada, ainda, a possível necessidade de estímulos repetidos para a obtenção de uma resposta normal. Por exemplo, pacientes com hipogonadismo hipogonadotrófico por doença hipotalâmica com resposta subnormal do LH ao estímulo com GnRH podem normalizar a resposta ao teste após uma semana de administração diária de GnRH. Esse protocolo permite a distinção entre hipogonadismo hipotalâmico e pituitário.
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Parte 3
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capítulo William Peres Maitê Peres de Carvalho Thalita Martinelli Rafael Bueno Orcy
Envelhecimento INTRODUÇÃO
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2.000 1.600
Milhões
A idade cronológica, aquela que consta em nossos documentos de identidade, muitas vezes, difere da idade biológica do nosso organismo. Para que possamos obter informações mais aprofundadas desse processo biológico, faz-se necessário conhecer e interpretar diversos exames laboratoriais, sendo que muitos deles fazem parte da rotina das análises clínicas e outros ainda são apenas empregados em pesquisa, no entanto, provavelmente, em um futuro próximo serão parte integrante da rotina dos laboratórios clínicos. No princípio do século passado, mais precisamente no ano de 1903, o cientista russo Élie Metchnikoff deu início à propagação do termo gerontologia, o qual refere-se ao estudo do envelhecimento de forma ampla, incluindo aspectos sociológicos, psicológicos, fisiológicos e bioquímicos. Como é possível perceber, o estudo do processo de envelhecimento possui mais de cem anos e envolve tanto o conhecimento quanto a inter-relação de diversas áreas da ciência. O crescente aumento da população idosa em todo o mundo vem sofrendo, nas últimas décadas, transições importantes. Decorrentes de uma brusca queda nos níveis de mortalidade e fecundidade, essas mudanças evidenciam grandes desafios para a sociedade e os órgãos governamentais no que se refere à estrutura na área da saúde e aos aspectos socioeconômicos característicos do processo de envelhecimento. Mundialmente, hoje, existem cerca de 600 milhões de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, e a estimativa é de que, em 2025, esse número duplique e, no ano de 2050, essa população alcance praticamente 2 bilhões (Figura 11.1). Particularmente nos países em desenvolvimento tal fenômeno tem sido percebido, e, no Brasil, revela-se um crescimento cuja projeção mostra-nos que, em 2025, o número de indivíduos com 60 anos ou mais será de, aproximadamente, 32 milhões. Porém, é importante ressaltar que muitas expectativas ao longo dos anos não chegaram a se confirmar efetivamente. A feminização da velhice é um fenômeno que acompanha o envelhecimento da população, podendo atribuir-se tal acontecimento a questões como diferenças biológicas (fator de proteção conferido aos hormônios), atitude perante a doença e incapacidade (mulheres são mais cuida-
Mundo Regiões mais desenvolvidas Regiões menos desenvolvidas
1.200 800 400 0
1950
1975
2000
2025
2050
Figura 11.1 População com 60 anos ou mais de idade: mundo e regiões em desenvolvimento, 1950-2050. Fonte: United Nations, New York (2009).
dosas com a saúde, percebendo mínimos sinais e sintomas), e diferenças quanto ao consumo do álcool e do tabaco, por exemplo, são alguns dos principais fatores que permitem às mulheres maior expectativa de vida. Entretanto, as idosas estão mais expostas que os homens à violência doméstica e à discriminação em diversos aspectos, significando maior possibilidade de apresentar múltiplos problemas de saúde e pertencer a classes sociais menos favorecidas nas idades mais longevas. Em vista disso, as tendências das condições de saúde da população idosa vêm recebendo atenção de forma crescente e, portanto, torna-se imprescindível discernir os conceitos de senescência e senilidade para que o idoso não possua mais o estereótipo de doente. Enquanto a senescência é caracterizada pelas alterações típicas do processo gradual do envelhecimento, a senilidade trata das alterações ocasionadas em vista das distintas afecções que podem vir a acometer os idosos. Diante dessa realidade demográfica e epidemiológica, os tradicionais indicadores de saúde tornam-se insuficientes para avaliar o bem-estar da população e, sob essa perspectiva, a qualidade de vida plena parece traduzir-se em um con-
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ceito inatingível. A literatura demonstra que o aumento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) está diretamente relacionado à crescente demanda de idosos, indicando tratamento a longo prazo e uma recuperação tardia, e exigindo diversas vezes intervenções com risco elevado. Dessa forma, percebe-se a relevância da prevenção de sequelas limitantes da capacidade funcional a fim de proporcionar melhor qualidade à senescência. O envelhecimento envolve distintos fatores endógenos e exógenos, os quais devem ser considerados de forma integrada e, devido a essa multifatorialidade, torna-se complexo estudar tal fenômeno de forma abrangente. A seguir, abordaremos alguns tópicos que merecem especial destaque quando nos referimos a essa temática.
TEORIAS ESTOCÁSTICAS As Teorias Estocásticas consistem em alterações moleculares que ocorrem de forma acidental e aleatória, provocando, como consequência, alterações celulares que influenciam diretamente no processo de envelhecimento. Dentre esse grupo de teorias podemos destacar a “Teoria das Proteínas Alteradas”, a qual se fundamenta nas modificações das moléculas de proteínas após a sua tradução. À medida que envelhecemos há um aumento dessas proteínas alteradas e, portanto, cabe ressaltar que uma das proteínas mais sensíveis a esses processos é o colágeno, localizado nos diversos tecidos, determinando diretamente o envelhecimento da pele, por exemplo, uma vez que torna as fibras colágenas mais rígidas e quebradiças. Nas alterações em macromoléculas devemos chamar atenção ainda para o processo de glicação de proteínas, o qual parece ser um dos principais mecanismos responsáveis pelo fenômeno de envelhecimento celular. Nessa “Teoria de glicação” as reações não enzimáticas, do grupamento aldeído da glicose, com o grupo amino – presente nas proteínas – podem originar produtos finais de glicação avançada (advanced glycosylation end products – AGEs). Um dos exemplos mais característicos desse processo é a formação de hemoglobina glicada. Essa hemoglobina recebe a denominação de HbA1C e encontra-se aumentada em pacientes diabéticos, tendo relação direta com o risco relativo de complicações microvasculares tais como: retinopatia, nefropatia e neuropatias. Outra teoria estocástica é a “Teoria das Alterações Somáticas”, a qual se baseia na fragilidade dos cromossomos humanos idosos quando comparados aos dos jovens; além disso, os danos aleatórios – decorrentes do passar dos anos nas sucessivas mitoses – provocariam alterações nesses cromossomos. As radiações ionizantes contribuiriam também para o aumento dos processos oxidativos em nível do DNA (ácido desoxirribonucleico), levando à ruptura de ligações ou à dimerização de bases nitrogenadas constituintes dos ácidos nucleicos. Considera-se como uma das principais teorias desse grupo a “Teoria do Estresse Oxidativo”, a qual pela formação 128
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excessiva de radicais livres e/ou da menor capacidade antioxidante do organismo levaria ao envelhecimento acelerado. Os radicais livres são estruturas muito instáveis e reativas por apresentarem elétrons desemparelhados. O gás oxigênio (O2), fundamental para a respiração (aproximadamente 20% do ar atmosférico) é uma estrutura paramagnética que apresenta dois elétrons desemparelhados (bi-radical livre). Essa molécula facilmente reage com íons de metais de transição (Fe2+/Cu1+) formando o ânion superóxido (O2.-). Esse ânion forma-se em nível da cadeia respiratória e no processo de fagocitose pela da enzima NADPH-oxidase. Através de um processo de dismutação, o ânion superóxido é transformado em peróxido de hidrogênio (H2O2) pela enzima superóxido dismutase (SOD). O H2O2 pode sofrer uma cisão pela adição de um elétron formando o radical hidroxila (OH.); esse radical é o mais instável de todos os radicais livres e, por conseguinte, o mais reativo e nocivo. Além dessas estruturas oxigenadas (Espécies Reativas de Oxigênio – EROs) forma-se também, em nível intracelular, o oxigênio singlet (1O2), o qual é mais reativo que o oxigênio molecular. No grupo dos radicais livres existem, ainda, as espécies reativas de nitrogênio e o gás óxido nítrico (NO.) é o seu principal representante, formando-se em nível celular a partir do aminoácido L-arginina por ação da enzima óxido-nítrico-sintase (NOS). Na atualidade, conhecem-se três isoenzimas que promovem a formação desse radical que são a óxido-nítrico-sintase neuronal (n-NOS), a óxido-nítrico-sintase induzível (i-NOS) e a óxido-nítrico-sintase endotelial (e-NOS). Esse gás está diretamente relacionado ao relaxamento da musculatura lisa, à diminuição da agregação plaquetária, e participa como neuromodulador em nível de sinapses. O óxido nítrico, por ser um radical livre, reage facilmente com o ânion superóxido formando o radical peroxinitrito (ONOO-); essa espécie reativa de nitrogênio tem efeitos fisiológicos totalmente contrários ao óxido nítrico. Existem fortes evidências científicas de que o radical peroxinitrito seria responsável pela diminuição da formação de prostaciclinas (PGI2), e isso estaria diretamente relacionado à diminuição da vasodilatação, sendo uma das causas de hipertensão arterial. As EROs são constantemente formadas no organismo: em nível de cadeia respiratória, fagocitose, citocromo P450, enzima xantina-oxidase, metabolismo do ácido araquidônico, dentre outros processos. Cabe destacar que na cadeia respiratória há fuga de elétrons, principalmente em nível da Coenzima-Q, levando a uma constante formação de ânions O2.- nas mitocôndrias. Estima-se que 5% do oxigênio respirado tem esse tipo de conversão. Já no processo de fagocitose existe uma intensa produção de EROs,e dentre elas destaca-se também o ânion superóxido, formado através da enzima NADPH-oxidase e, posteriormente, esse ânion é transformado em H2O2 pela SOD. O peróxido de hidrogênio pode ser transformado em hipoclorito (ClO-) – potente agente bactericida – pela ação da enzima mieloperoxidase; outro destino metabólico do H2O2 é a formação do radical hidroxila através da reação de Fenton (que ocorre na presença de metal de transição). Parte 3
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Envelhecimento
didos em: sistemas de defesas enzimáticos e não enzimáticos. As células também contam com sistemas de defesa celular que procuram reparar os danos provocados pelos radicais livres. Entre as defesas enzimáticas destacamos a enzima superóxido dismutase, pois ela catalisa a transformação do ânion superóxido em peróxido de hidrogênio. Na atualidade, já se conhecem três isoenzimas da SOD: SOD-1(CuZnSOD), SOD-2(MnSOD) e SOD-3(ECSOD). Outra enzima importante nesse processo antioxidante é a catalase (CAT) por transformar H2O2 em água (H2O), ela localiza-se em diversos tecidos do organismo. Também a enzima glutation-peroxidase (GPx) é capaz de converter o H2O2 em H2O em presença do glutation (GSH) que, nesta reação, se comporta como um doador de hidrogênios; essa mesma enzima também pode transformar hidroperóxido (R-OOH) em álcoois com o auxílio do GSH, formando glutation-oxidado (GSSG). As defesas não enzimáticas podem ser obtidas através da alimentação, por meio da vitamina C (ácido ascórbico), vitamina E (tocoferois), carotenoides e flavonoides. Essas moléculas, em geral, apresentam, em suas estruturas, grupamentos hidroxilas que facilmente reagem com as EROs, evitando que essas espécies ataquem as membranas, proteínas e ácidos nucleicos celulares. Um dos maiores desafios dos pesquisadores desta área é a determinação da quantidade necessária, em cada indivíduo, para a ação antioxidante efetiva dessas substâncias não enzimáticas. A Figura 11.2 mostra um resumo esquemático a respeito das espécies reativas de oxigênio, nitrogênio e algumas enzimas relacionadas à formação dessas espécies e mecanismos antioxidantes.
O metabolismo do ácido araquidônico vincula-se diretamente ao processo inflamatório. Esse ácido pode ser transformado em prostaglandinas (PGs) e tromboxanos (TXs) por meio das isoenzimas da ciclo-oxigenase (COX-1 e COX-2); outra rota metabólica do ácido araquidônico é a formação de leucotrienos por ação da lipo-oxigenase. Ambos os processos metabólicos geram EROs. Estudos recentes indicam que o peroxinitrito favorece a formação de tromboxanos, diminuindo a formação de prostaciclinas, concomitantemente, esses dois fenômenos favorecem a formação de trombos. Entre as fontes exógenas de radicais livres destacam-se as radiações, os agrotóxicos, o cigarro, os solventes orgânicos e alguns fármacos. Considera-se como radiação mais nociva a do tipo g, pois ela é capaz de provocar a radiólise da água formando o radical hidroxila. Esse radical, por ser muito instável, reage diretamente com os lipídios das membranas celulares provocando o rompimento das cadeias carbônicas e levando à formação de moléculas polares entre as quais se destacam os aldeídos, álcoois e ácidos de pequena cadeia carbônica, processo denominado peroxidação lipídica. Outro tipo de radiação que merece especial atenção pela população humana é a radiação ultravioleta do tipo A, a qual é capaz de provocar a fusão de bases nitrogenadas do DNA, levando a mutações que aceleram o processo de envelhecimento cutâneo, podendo inclusive provocar câncer de pele. A exposição excessiva à radiação solar em populações de baixa pigmentação faz com que os melanomas sejam um dos tipos de câncer de maior incidência no Brasil.
Sistemas antioxidantes Vários são os mecanismos celulares que existem contra os processos vinculados aos radicais livres, podendo ser divi-
Cloramina
SOD: superóxido dismutase CAT: catalase MPO: mieloperoxidase GPx: glutation peroxidase NOs: óxido nítrico sintase
R-NH2 (amina)
HOCI Oxigênio singlet 1 MPO O2 CI–
NADPH oxidase O2
O 2–
CAT
H2O2
SOD
H2O + 1/2 O2 2 G-SH
L-arginina
NOs
Fe2+ NO Fe3+
.OONO (peroxinitrito)
OH– (radical hidroxila)
GPx G-S-S-G
H2O
Figura 11.2 Espécies reativas de oxigênio, nitrogênio e algumas enzimas relacionadas à formação dessas espécies e mecanismos antioxidantes. Fonte: Adaptada de Fukai & Ushio-Fukai (2011).
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Estresse oxidativo
Neoplasias
O termo estresse oxidativo se refere a situações em que existe um aumento permanente na geração de radicais livres, sejam de origem endógena ou exógena, levando a uma redução significativa da capacidade antioxidante. Frequentemente, ambos os mecanismos ocorrem de forma simultânea.
A neoplasia é resultado de alterações progressivas na função da célula, a qual promove aumento no potencial proliferativo, invasivo e metastático, sendo assim, características distintivas do câncer. Podem ocorrer tanto por alterações mutacionais no DNA celular quanto por alterações epigenéticas (modificam a expressão gênica e o comportamento celular e são transmitidos para células-filhas), que podem ser advindas da hipermetilação da região promotora de um gene, por exemplo. Há décadas, evidências vêm sendo demonstradas a respeito da ação dos radicais livres sobre o DNA e como podem ocasionar diferentes tipos de danos levando às neoplasias. Observou-se em diversos estudos que nas células cancerosas havia grande quantidade de EROs ou de seus produtos após o dano oxidativo ao DNA. Foi demonstrado, também, que o radical hidroxila é capaz de alterar a posição de qualquer base nitrogenada; já os radicais livres com menor poder reativo agem principalmente sobre a guanina. Além dos danos diretos ao DNA, a peroxidação lipídica pode também ter potencial mutagênico, entretanto, os danos oxidativos isolados não podem ser considerados marcadores tumorais, uma vez que podem ser insuficientes para causar o câncer ou, ainda, devam atingir um nível determinado somando-se a outros fatores para desencadear a formação das células tumorais.
Doenças relacionadas ao estresse oxidativo Muitos estudos demonstram o importante papel entre o estresse oxidativo e o surgimento de patologias como diabetes, aterosclerose, neoplasias e doenças neurodegenerativas, dentre outras.
Diabetes Mellitus (DM) O DM caracteriza-se por um desequilíbrio no metabolismo dos carboidratos, das proteínas e dos lipídios. Pode revelar-se como decorrente das seguintes etiopatogenias: DM tipo 1 (autoimune ou idiopático), DM tipo 2 (por resistência à insulina, obesidade, e história familiar), DM gestacional, Lada (latente autoimune diabetes in adults – diabetes autoimune latente do adulto), Mody (maturity onset diabetes of the young – diabetes monogenética de traço autossômico dominante), DM provocado por drogas ou DM secundário a doença pancreática. Estudos demonstram relação entre estresse oxidativo e diabetes. Marcadores de peroxidação lipídica foram observados no plasma de pacientes com DM tipo 1 compensados. Além disso, a b-oxidação que se apresenta elevada nos diabéticos pode contribuir na formação de EROs nas mitocôndrias e também nos peroxissomos, onde se forma o H2O2.
Aterosclerose É uma doença que acomete as artérias de grande e médio calibres, promovendo alterações na camada íntima pelo acúmulo de células de músculo liso, lipídios e macrófagos. Primeiramente, há uma infiltração de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) na região subendotelial; a molécula de LDL sofre oxidação no local, liberando citocinas e inibindo a formação do NO, dando início ao processo inflamatório. Os macrófagos (scavenger) captam o LDL oxidado originando as células espumosas, e essas, posteriormente, constituirão as estrias de gordura. As citocinas além de atrair os monócitos – precursores dos macrófagos – também induzem a proliferação e a migração para a camada íntima de células de músculo liso, que darão sustentação à placa de ateroma através do depósito de colágeno e outras moléculas da matriz. A maioria das placas de aterosclerose encontra-se nas bifurcações, zonas de maior atrito do sangue contra as paredes do vaso, levando aos danos endoteliais que deixam essa área predisposta a maior infiltração das LDLs e, assim, à formação das placas de ateroma. Uma vez que esse processo é contínuo nessas áreas, posteriormente também haverá pressão sobre as placas e estas podem romper, levando à formação de trombos e, consequentemente, às embolias ou até mesmo ao óbito. Quanto maiores os níveis plasmáticos das LDLs, maior será o processo de entrada destes na camada íntima dos vasos. 130
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Doenças neurodegenerativas As doenças neurodegenerativas mais comuns na atualidade são o Alzheimer e o Parkinson. Isso se deve ao aumento da expectativa de vida populacional, entretanto ainda necessitamos conhecer mais sobre a fisiopatologia desses processos degenerativos para assim limitar a progressão e controlar esses males. Uma vez que o cérebro necessita de grandes quantidades de oxigênio, ele está mais suscetível ao estresse oxidativo; o metabolismo dos neurotransmissores, como a dopamina e o glutamato também são fontes de EROs (1O2 e H2O2, principalmente) consumindo rapidamente as substâncias antioxidantes que são pequenas em algumas áreas cerebrais. As membranas celulares dos neurônios possuem altos níveis de lipídios poli-insaturados propensos a sofrer peroxidação lipídica. Há, ainda, células constituintes da glia como a micróglia e macrófagos fixos do sistema nervoso central (SNC), que produzem EROs como catabólitos. A oxidação dos ácidos graxos poli-insaturados das membranas origina aldeídos, tais como: propanal, butanal, pentanal, hexanal e 4-didroxi-2-transnonenal (4-HNE); há indícios de que o 4-HNE induz à apoptose, sugerindo-nos que essa molécula é um mediador no estresse oxidativo e no dano neuronal. No Alzheimer há evidências sugerindo que os radicais livres levariam a uma neurotoxicidade, contribuindo no processo de formação dos peptídios b-amiloides (responsáveis pela formação das placas senis características do quadro). Já no Parkinson, a degeneração dos neurônios dopaminérgicos da substância negra poderia ser devido à presença elevada de íons ferro, nesses paParte 3
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Envelhecimento
cientes, promovendo mais geração de EROs através da reação de Fenton e, dessa forma, levando ao dano neuronal.
TEORIAS SISTÊMICAS O processo de envelhecimento, apesar de ser natural, evidente e comum a todos os seres vivos, é pouco esclarecido. Uma série de hipóteses e teorias foram propostas para explicar o envelhecimento biológico. Em 1990, Medvedev catalogou mais de trezentas “teorias”, e muitas delas se complementam, outras divergem quanto ao mecanismo de senescência, porém, todas compartilham a ideia de degeneração da função sistêmica e celular, e consequente perda funcional e morte. Atualmente, dois paradigmas principais norteiam as pesquisas sobre o envelhecimento biológico: os processos estocásticos (como mutação genética aleatória e estresse oxidativo) e senescência programada (eventos sequenciais, estruturados e programados). As teorias programadas consistem em uma sequência de fenômenos biológicos que regulam o crescimento, a maturidade sexual, a senescência e a morte, diferindo das teorias estocásticas que são baseadas em alterações celulares de forma aleatória e progressiva. Na atualidade, sabemos que o envelhecimento envolve processos estocásticos e sistêmicos, dependendo da carga genética, do meio ambiente e da qualidade de vida de cada indivíduo. As teorias sistêmicas postulam que o envelhecimento é decorrente de eventos sequenciais, programados e coordenados, advindos de uma cascata sistêmica de interações entre os genes e o ambiente. O perfeito funcionamento dos sistemas fisiológicos do organismo é fundamental para sua sobrevivência. Os sistemas nervoso, endócrino e imune desempenham papel importante no ajuste homeostático do ser humano, adequando o grau de resposta a estímulos intrínsecos, extrínsecos e de defesa.Temos, assim, duas teorias sistêmicas importantes a serem abordadas: Teoria sistêmica neuroendócrina e neuroendócrina-imunológica. Essas consideram que defeitos na regulação das funções desses sistemas estão relacionados ao envelhecimento.
O termo estresse foi definido por Hans Selye, em 1949, como sendo uma reação não específica do organismo após um estímulo nocivo. Atualmente, o termo estresse é utilizado para caracterizar as respostas adaptativas, sejam elas físicas, mentais ou emocionais, diante de estímulos capazes de alterar a homeostase do indivíduo, possibilitando a sobrevivência sobre situações ameaçadoras. Quando uma situação ameaçadora ocorre, o sistema nervoso central processa as informações sensoriais externas – se essa é julgada como potencialmente nociva – então uma cascata de respostas neurais, hormonais e comportamentais será iniciada. A mente e o corpo humano respondem ao estresse, um estado de ameaça à homeostase, ativando o sistema simpático e secretando catecolaminas na resposta “luta ou fuga”. A resposta ao estresse é geralmente transiente porque os seus efeitos (por exemplo, inibição do crescimento de imunossupressão, e catabolismo aumentado) podem ser prejudiciais a longo prazo. Quando crônica, a resposta ao estresse pode ser associada à doença, tais como úlceras pépticas e distúrbios cardiovasculares. Estudos epidemiológicos indicam fortemente que o estresse crônico conduz a danos no DNA e ao envelhecimento. O córtex cerebral, sistema límbico e formação reticular relacionam-se com o hipotálamo (Figura 11.3), que regula várias funções como: as viscerais da divisão simpática e parassimpática, as comportamentais – medo, fome e atividade sexual –, e as endócrinas, como síntese de hormônios reguladores hipofisários, vasopressina e ocitocina. A hipófise responde ao controle hipofisário para regular respostas de es-
Estímulo estressor
Sistema límbico
Hipotálamo
Teoria neuroendócrina Propõe que modificações na função dos sistemas neural e endócrino ocasionam envelhecimento. As funções neuroendócrinas são fundamentais para a coordenação das respostas do corpo aos estímulos externos, bem como a manutenção de um estado ótimo para reprodução e sobrevivência. As mudanças nessa função influenciam também as funções que controlam a sobrevivência por adaptação ao estresse e funções evolutivas como: reprodução, crescimento e desenvolvimento. Assim, postula-se que o tempo de vida (life span) é regulado por “relógios biológicos” influenciados e controlados sequencialmente pelos sinais neuroendócrinos. Um importante conceito dessa teoria é de que o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) funciona como um “marcapasso” da homeostase interna. Sendo a diminuição da capacidade de resposta ao estresse, uma causa importante para o envelhecimento. capítulo 11
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Sistema nervoso simpático
CRH
Hipófise
Medula adrenal
Adrenalina e noradrenalina ACTH
Adrenal
↑Glicocorticoides
Figura 11.3 Resposta ao estresse. Fonte: Adaptada de Tano & Marcondes (2002).
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tresse como ajuste da pressão arterial e na utilização de substratos energéticos. A glândula adrenal ou suprarrenal produz, em sua porção medular, por estímulo simpático, adrenalina e noradrenalina ou catecolaminas, neurotransmisorres importantes para a regulação das situações de estresse. A duração dos estímulos estressores é rápida (aguda) ou longa (crônica). O estresse agudo pode ocorrer por um estímulo que dura por um período de poucos minutos a poucas horas, e por poucos dias, enquanto o estresse crônico é definido como um estímulo que persiste por muitas horas e alguns dias, ou um estímulo que ocorre por poucas horas diariamente, mas com duração de muitos dias. A elevação nos níveis de glicocorticoides mantida por longo período, no estresse duradouro ou crônico, pode ter efeitos negativos no organismo, com a ocorrência de alterações na expressão gênica no SNC, redução da função do sistema catecolaminérgico, inibição da atividade da tireoide, da secreção do hormônio do crescimento e interrupção do ciclo reprodutivo. Na atualidade, sabe-se que os níveis sanguíneos de glicocorticoides alteram-se à medida em que envelhecemos. Geralmente esses níveis aumentam, o que provoca alterações em nível de hipotálamo e hipocampo e, por conseguinte, modificações no sistema de controle do eixo HHA. Os hormônios do córtex adrenal têm ação nas características sexuais secundárias, os glicocorticoides regulam o metabolismo de gorduras, proteínas e carboidratos, e os mineralocorticoides regulam os conteúdos de água e eletrólitos no organismo. Os níveis sanguíneos de glicocorticoides e os hormônios sexuais são regulados por mecanismos de feedback negativo e positivo. Esse controle se dá pela regulação hipotalâmica e hipofisária. Com o envelhecimento e a exposição ao estresse crônico, não só o controle por feedback pode estar desajustado, mas também os níveis elevados de glicocorticoides podem ser tóxicos às células neurais, prejudicando ainda mais esse controle e caracterizando a senescência. Dando suporte à teoria neuroendócrina, temos ainda dados que relacionam o controle metabólico, mediado pela insulina e IGF-1 (Insulin-like Growth Factor-1), com o estresse e longevidade em organismos primitivos.
Teoria neuroendócrina-imunológica Em todas as etapas da vida, o controle multissistêmico das funções corporais está sobre importante influência da integração entre o sistema neuroendócrino e o sistema imune. Essa interação ocorre: pelo compartilhamento de sinalizadores como citocinas e neuropeptídeos presentes em ambos os sistemas e que agem na intercomunicação desses, também por ação de hormônios hipofisários e hipotalâmicos que regulam funções imunitárias como, principalmente, o controle do cortisol, que diminui a resposta imunitária. A interleucina-1 (IL-1) também é uma citocina com função recíproca, pois ativa o eixo HHA e pode agir na liberação de outros hormônios hipofisários como TSH (hormônio estimulante da tireoide), GH (hormônio do crescimento), prolactina e hormônio luteinizante. Além da função neuroendócrina, a função primordial do sistema imune é a de combater agentes externos através das células (defesa celular), que combatem diretamente o invasor, 132
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tais como: macrófagos, neutrófilos e linfócitos T, e produzir anticorpos (defesa humoral) contra esses invasores. No idoso, um quadro de imunosenescência é caracterizado por diminuição da resistência contra patógenos que causam infecções, diminuição de defesa contra o câncer, e aumento do risco de desenvolvimento de doenças autoimunes. O timo, importante órgão do sistema imunológico – pois seleciona e matura os linfócitos T e produz hormônios peptídicos – está reduzido em tamanho e função no idoso. Porém, outras funções como, por exemplo, a atividade dos linfócitos e do sistema de complemento está preservada em idosos saudáveis, e isso demonstra um grau de plasticidade, ou seja, a capacidade de modificar a sua função de acordo com a demanda do sistema imune, apesar da plasticidade dos sistemas neuroendócrino e imune ser mais eficiente nos jovens.
SEMIOLOGIA O atendimento ao paciente idoso requer atenção, principalmente quanto aos aspectos psicossociais e aos problemas típicos da idade avançada, uma vez que quando não são manejados adequadamente levam essa população a ter maior tempo de internação hospitalar e consequente redução de sua capacidade funcional, determinando muitas vezes recidivas frequentes. A superposição de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), manifestadas de forma sindrômica são chamadas de síndromes geriátricas, as quais podem incluir alterações sensitivas, depressão, estado confusional agudo, dificuldades de mobilidade, quedas, incontinência de esfíncteres, desnutrição, consequências iatrogênicas, déficit cognitivo e presença de pluripatologia. As Síndromes Geriátricas são popularmente conhecidas no meio científico como os “5 is” do idoso: instabilidade postural, imobilidade, incontinência urinária ou fecal, iatrogenia e insuficiência cerebral, sendo que, atualmente, foram adicionados os “3 ds”, que são a depressão, o delirium e a demência. Os aspectos que devemos ter em mente no atendimento ao idoso: apresentação das doenças, por serem atípicas devido à perda de homeostase do organismo; sintomas iniciais que podem aparecer de forma branda e/ou precoce; surgimento simultâneo de múltiplas comorbidades; achados anormais nos exames que são relativamente comuns e podem não ser responsáveis por sintomas particulares; parcimônia com os sintomas analisados no idoso por serem, em sua maioria, de múltiplas causas; abordagem ideal requer mais tratamentos dos sistemas orgânicos associados à doença do que o combate aos sistemas que mostram essas manifestações.
Exame físico O idoso necessita de um exame físico completo, que avalie todos os aparelhos orgânicos, incluindo o exame pélvico nas mulheres, e um exame retal em ambos os sexos. O peso e a pressão arterial postural devem ser aferidos em todas as visitas, Parte 3
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merecendo cuidados constantes. Importante avaliar, também, acuidade visual e auditiva, examinar a correta adaptação de próteses dentárias e inspecionar com cuidado a cavidade oral após a remoção destas, atentando para possíveis lesões malignas. Existem, ainda, instrumentos específicos para Avaliação Geriátrica Ampla (AGA), os quais reúnem um conjunto de técnicas, ambiente operacional e procedimentos para proporcionar uma avaliação abrangente e estruturada da independência e integridade cognitiva do indivíduo, baseada em métodos clássicos no âmbito de diversas especialidades. São esses instrumentos: Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD); Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD); Miniexame do Estado Mental (MEEM); Desenho do Relógio; Teste de Fluência Verbal por Categorias Semânticas; Escala de Depressão Geriátrica, dentre outros indicados no Caderno de Atenção Básica no 19 do Ministério da Saúde.
Exames A investigação clínica no idoso não difere da dos demais pacientes, embora a interpretação dos achados em exames laboratoriais é que apresentará parâmetros diferenciados. Temos de ser mais criteriosos e sempre expandir as possibilidades diagnósticas, uma vez que o quadro clínico apresenta-se de maneira distinta da clássica em várias patologias que acometem essa população. O envelhecimento promove uma perda progressiva de células e da função dos tecidos, levando o organismo a uma menor aptidão para se regenerar e sobreviver. O prejuízo funcional é heterogêneo entre os sistemas e evidencia-se por meio da menor capacidade das reservas em restaurar a homeostase sob estresse e, posteriormente, a função é também alterada no repouso. Não conhecemos ainda claramente quais os mecanismos que desencadeiam o envelhecimento. Sabe-se que ele é multifatorial, e as evidências apontam para o acúmulo de uma série de mudanças bioquímicas. Essas alterações comprometeriam a função dos ácidos nucleicos, proteínas e membranas lipídicas, e incluiriam a oxidação por radicais livres, glicação não enzimática, mudanças epigenéticas como a metilação do DNA e a acetilação de histonas. Para tanto, em termos de exames, recomenda-se ao paciente idoso realizar periodicamente, de acordo com as particularidades de cada caso: Hemograma: auxilia na detecção de anemias e leucemias. Determinação laboratorial de creatinina e ureia: exames muito importantes para avaliar a função renal. Determinação laboratorial de transaminases (TGO e TGP): exames muito importantes para avaliar a função hepática. Determinação laboratorial de glicemia: exame muito importante para avaliar o metabolismo dos carboidratos. Deve ser realizado com frequência, principalmente se houver histórico familiar ou sintomas de diabetes. Determinação laboratorial de colesterol e triglicerídeos: exames muito importantes para avaliar o metabolismo dos lipídios. Deve ser realizado com frequência, principalmente se houver histórico familiar de diabetes, hipertensão ou mesmo se o paciente for fumante. capítulo 11
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Determinação laboratorial de TSH (hormônio estimulante da tireoide): este hormônio participa diretamente na regulação da produção dos hormônios tireoidianos T3 e T4. Determinação laboratorial de vitaminas B12, D e ácido fólico: Tais vitaminas são fundamentais no metabolismo e frequentemente estão alteradas no paciente idoso. Densitometria óssea: exame realizado para avaliar a osteoporose (quando o paciente apresenta fatores de risco). Exame da próstata: para diagnosticar o câncer de próstata são necessários três exames: o toque retal, a dosagem de PSA (antígeno prostático-específico) e a ultrassonografia transretal com biópsia. Mamografia: auxilia na detecção do câncer de mama. Colonoscopia: pode auxiliar na detecção precoce do câncer de intestino. A pesquisa de sangue oculto nas fezes também contribui na detecção de alguns tipos de cânceres no intestino grosso. Teste ergométrico: mensura a capacidade cardíaca e auxilia na detecção de doenças cardiovasculares.
Exames laboratoriais para avaliar estresse oxidativo Praticamente todas as determinações laboratoriais para avaliar radicais livres, antioxidantes e estresse oxidativo são, na atualidade, apenas realizadas em laboratórios de pesquisa. Dentre esses exames laboratoriais podemos citar: 1. Determinação da enzima superóxido dismutase (SOD); 2. Determinação da enzima óxido nítrico sintase (NOS); 3. Determinação de espécies reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS); 4. Determinação de proteína carbonil; 5. Determinação da enzima catalase (CAT); 6. Determinação de peróxidos totais; 7. Determinação de glutationa; 8. Ensaio cometa; 9. Determinação da capacidade antioxidante total.
PATOLOGIAS À medida em que envelhecemos, a homeostasia celular e orgânica altera-se e passamos a ter uma situação denominada homeostenose, sendo verificadas importantes alterações em nível cognitivo, bioquímico e fisiológico. Na senilidade podemos ter o aparecimento de diversas doenças, dentre as quais destacam-se:
Hipertensão A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é caracterizada quando o indivíduo apresenta níveis médios de pressão arterial (PA) que conferem um significativo aumento no risco de eventos cardiovasculares, a curto ou longo prazos, justificando uma intervenção terapêutica. Pacientes com valores de pressão arterial sistêmica ≥ 140 × 90 mmHg são considerados hipertensos. A HAS é uma doença que envolve diversos fatores, tais como: distúrbios renais que modificam a regulação da volemia, com alteração da excreção de íons e metabólicos; fatores neurais que podem desregular os barorreceptores, levando à sobrecarga adrenérgica, consequente vasoconstrição periféri133
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ca e aumento no reflexo da ação do eixo renina-angiotensina-aldosterona; fatores vasculares, como a disfunção endotelial, ocasionando uma rigidez de artérias e arteríolas; fatores genéticos ligados à excreção renal de sódio, por exemplo; fatores ambientais como obesidade, tabagismo, sedentarismo e elevado consumo de sódio; fatores humorais, os quais levam ao aumento da produção de vasoconstritores e à diminuição das secreções de prostaciclinas, NO e peptídios natriuréticos. O principal fator que deve ser avaliado no paciente hipertenso é o risco cardiovascular. Existem escores específicos que se propõem em estimar o perigo da ocorrência de doença cardiovascular (DCV) nos próximos dez anos, por exemplo, frente aos hábitos e características do paciente. Os fatores de risco avaliados nos diversos escores disponíveis na literatura são: tabagismo, etilismo, sedentarismo, dislipidemias (TGA > 150 mg/dL; LDL > 100 mg/dL; HDL < 40 mg/dL), intolerância à glicose, Diabetes mellitus, nefropatia, microalbuminúria, hiperuricemia, Proteína C-reativa (PCR) aumentada, história familiar prematura de DCV (♂ < 55 anos e ♀ < 65 anos), circunferência abdominal aumentada, relação cintura/quadril aumentada, índice de massa corporal (IMC) ≥ 30 kg/m2, idade (♂ > 55 anos ♀ > 65 anos). O diagnóstico de hipertensão é dado com duas medições durante o atendimento médico, em consultas distintas, mantendo-se o cuidado de o paciente não ter ingerido café ou álcool 30 minutos antes, ter fumado há pouco tempo, ter realizado atividade física moderada/intensa de 60 a 90 minutos antes da aferição, e estar com a bexiga vazia. Deve-se, também, nas primeiras consultas, aferir a pressão em ambos os braços e sempre tomar por base a de maior valor para o diagnóstico. Conforme a classificação do estágio de hipertensão, medidas mais rígidas devem ser tomadas para o controle da PA. É muito importante avaliar também possíveis lesões em órgãos-alvo, uma vez que a HAS é uma doença silenciosa e já pode ter comprometido retina, rins e coração, por exemplo. Como exames complementares para a avaliação da HAS são solicitados, laboratorialmente: glicemia de jejum, perfil li-
pídico, creatinina sérica, potássio sérico, ácido úrico, microalbuminúria e proteinúria (em amostra de urina ou urina de 24 horas), eletrocardiograma de repouso e raio X de tórax. O objetivo terapêutico é manter o paciente sem comorbidades simultâneas à PA < 140 × 90 mmHg. Entretanto, nos pacientes com 60 anos de idade ou mais, o alvo muda para PA < 150 × 90 mmHg. Em todos os casos é recomendada a mudança no estilo de vida e, nos casos em que a pressão for maior que 160 × 100 mmHg já deve-se iniciar terapia com o uso de dois fármacos de diferentes classes.
Doença de Alzheimer Dentre as alterações psiquiátricas e neurológicas que se observa em alguns pacientes idosos, destacam-se a depressão e a demência. No Brasil, a demência pode alcançar a taxa de 13,8 por 1.000 habitantes/ano, dentre os idosos. Em nosso país, a depressão atinge mais de 14% dos idosos. A Doença de Alzheimer aumenta muito a partir da sexta década de vida, podendo atingir mais de 40% dos indivíduos acima dos 90 anos. Com relação à Doença de Alzheimer, especificamente, muitos pontos nebulosos ainda existem, mesmo após mais de cem anos de sua descrição pelo psiquiatra Alois Alzheimer, em 1907, e todas essas dúvidas merecem mais investigações a respeito, pelo fato de essa patologia, atualmente, atemorizar milhões de idosos que passam a perceber o processo de envelhecimento como uma potencial ameaça. O aumento da incidência de Alzheimer representa um enorme desafio para os sistemas de saúde, por tratar-se de uma patologia crônica e progressiva, caracterizada, principalmente, pelo declínio da memória recente e, também, de outras funções cognitivas decorrentes da depleção da acetilcolina nos núcleos basais de Meynert e da atrofia do lobo temporal. Nos estágios mais avançados, também podem estar presentes alterações no equilíbrio dinâmico e estático. Vejamos na Tabela 11.1 os principais sinais e sintomas presentes nas diferentes fases da doença.
Tabela 11.1 Sinais e sintomas da Doença de Alzheimer. Fase inicial
Fase intermediária
Fase grave
Lapsos na memória recente
Perda de memória intensificada
Comprometimento da deambulação e da fala
Mudanças de comportamento
Não reconhecimento de pessoas e objetos
Infecções recorrentes
Senso de direção comprometido
Maior dependência física
Não reconhece ninguém nem a si próprio
Dificuldade para fixar novas informações
Repetição de informações
Dependência física total
Atitude mais agressiva
Agressividade intensifica-se
Surgimento de úlceras de pressão e problemas de circulação
Teimosia
Alternância de lucidez e confusão mental Esquecimento de palavras cotidianas Alteração no equilíbrio
Deglutição prejudicada
Fonte: Adaptada de Machado JC.; 2011.
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Além da idade avançada, o histórico familiar, alterações na pressão arterial, Diabetes mellitus, traumatismo cranioencefálico e trissomia do cromossomo 21 são alguns dos principais fatores de risco para a Doença de Alzheimer. Embora alguns desses fatores não sejam possíveis de modificar, há evidências científicas mostrando que a atividade física regular de intensidade moderada a alta resulta no aprimoramento da memória e na melhora da plasticidade cerebral, reduzindo o estresse oxidativo e, portanto, diminuindo a incidência de Alzheimer. A estimulação cognitiva também tem demonstrado relevante parcela de contribuição, reduzindo o risco de demência, pois atua na plasticidade neuronal cerebral melhorando a memória, a atenção, o raciocínio e a resolução de problemas. O importante é estar precoce e constantemente engajado em atividades que proporcionem ao cérebro novas experiências, seja por meio de jogos intelectuais, leituras, descoberta de novas habilidades ou mesmo intensificando o convívio social em grupos diversificados.
Doença de Parkinson A Doença de Parkinson (DP) ou Mal de Parkinson, descrita pela primeira vez por James Parkinson, em 1817, pode apresentar diversas etiologias, porém a prevalência da DP de origem idiopática aumenta cerca de dez vezes na população acima dos 60 anos idade, sendo a segunda doença neurodegenerativa mais comum nessa faixa etária, com prevalência estimada de 3,3% no Brasil. Caracteriza-se pela destruição de neurônios dopaminérgicos localizados na substância negra, provoca um quadro clínico de acinesia (incapacidade na iniciação do movimento ou retardo no tempo de reação) ou bradicinesia (lentidão no movimento), tremor, instabilidade postural e rigidez. Tradicionalmente é diagnosticada pelos sinais motores, contudo, são frequentes sinais e sintomas não motores, tais como disfunção autonômica e cognitiva, podendo ser tão incapacitantes quanto os sintomas motores e provocando severos problemas aos pacientes e cuidadores. Clinicamente, além da tétrade clássica da DP, outras manifestações podem ser observadas à medida que a doença progride, como dificuldade de concentração, aprendizado e memória, compreensão, perda da expressão facial, distúrbios sensoriais, retenção urinária, salivação, disfunção sexual, distúrbio de esvaziamento gástrico, perda de peso e alteração do sono. A disfagia também é frequente, porém, nem sempre está associada à severidade da Doença de Parkinson. Dentre as alterações cognitivas, a demência associada ao Mal de Parkinson é a manifestação mais severa. Aumenta o risco de morte, pois, assim como outras manifestações neuropsiquiátricas relacionadas a essa patologia, compromete seriamente a qualidade de vida do idoso. A fisiopatologia da demência associada à Doença de Parkinson ainda não está completamente elucidada. Entretancapítulo 11
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to, uma consequência importante da demência é a restrição quanto ao uso de drogas antiparkinsonianas, visto que são muito mais propensas a provocar efeitos colaterais neuropsiquiátricos. Deste modo, o tratamento medicamentoso do quadro demencial na DP envolve uma rigorosa seleção dos antiparkinsonianos administrados, evitando-se, principalmente, o uso de fármacos com ação anticolinérgica. Alguns estudos a respeito do efeito de drogas de ação colinérgica utilizadas no tratamento da doença de Alzheimer (como rivastigmina, donezepil e galantamina) têm demonstrado resultados bastante favoráveis sobre as alterações cognitivas da Doença de Parkinson, sem provocar comprometimentos negativos no quadro motor. A droga memantina, antagonista do receptor de glutamato, também se mostra adequada para o tratamento da demência associada à DP. Embora a DP seja uma disfunção progressiva, é possível amenizar certos sintomas que proporcionam melhor qualidade de vida ao paciente. Para tanto, o tratamento fisioterapêutico responsabiliza-se pela manutenção da força muscular, da coordenação motora e do equilíbrio, principalmente. Ademais, o paciente com DP que se encontra acamado está, geralmente, propenso a infecções respiratórias e, nesses casos, a fisioterapia atua diretamente na manutenção da higiene brônquica e na realização de exercícios respiratórios reexpansivos. Sabe-se que a Doença de Parkinson fragiliza o idoso e o predispõe a outras patologias, requer diversas adaptações cotidianas e compromete a capacidade funcional do indivíduo. Dessa forma, por tratar-se de uma doença neurodegenerativa, o prognóstico não é positivo.
Incontinência urinária De acordo com a International Continence Society, incontinência urinária (IU) é definida como a perda involuntár ia de urina, sendo considerada um problema social ou higiênico. A perda urinária provoca desconforto e perda de autoconfiança, podendo ocasionar infecções urinárias ou mesmo dermatoses de períneo. A prevalência de IU é maior nas mulheres, variando de 8% a 34% na população idosa, e atinge de 30% a 60% dos idosos institucionalizados. Dentre os fatores de risco destacam-se: sobrepeso, medicações, cirurgias que são capazes de provocar a diminuição do tônus muscular pélvico, parto vaginal, história de histerectomia, queda dos níveis de estrogênio na menopausa e constipação. A IU pode ser classificada em incontinência urinária de esforço (IUE), incontinência urinária de urgência (IUU) e incontinência urinária mista (IUM). A IUE é caracterizada pela perda involuntária de urina, secundária a algum tipo de esforço, como tossir ou correr; a IUU é a perda involuntária de urina associada a um desejo súbito de urinar, podendo ocorrer espontaneamente ou ser desencadeada por situações de perigo ou mudança súbita de temperatura; já a IUM pode estar associada a ambas as situações, e também ser decorrente de aspectos emocionais. 135
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Uma vez detectado o quadro de incontinência, pode-se verificar a necessidade de um procedimento cirúrgico. No entanto, a fisioterapia tem demonstrado excelentes resultados, em alguns casos, cercando-se de recursos que promovem o restabelecimento da musculatura do assoalho pélvico de forma eficiente e funcional a fim de melhorar a qualidade de vida das pacientes.
Osteomusculares A prevalência de incapacidade e dependência funcional é alta em idosos e está intimamente associada à redução da massa muscular ou sarcopenia. Estima-se que, a partir dos 40 anos de idade, ocorra perda de cerca de 5% de massa muscular a cada década, com declínio mais rápido após os 65 anos, particularmente nos membros inferiores. As fibras do tipo I (aeróbias, de contração lenta) parecem ser resistentes à atrofia associada ao envelhecimento, pelo menos até os 70 anos de idade, enquanto a área relativa às fibras do tipo II (anaeróbias, de contração rápida) declina de 20% a 50% com o passar dos anos. A perda de densidade óssea é característica da senescência e mais exacerbada no sexo feminino. A partir da quartadécada de vida inicia-se lentamente uma perda óssea, com predomínio da reabsorção óssea sobre a formação. A perda óssea em uma mulher dos 30 aos 90 anos de idade é de, aproximadamente, 45%. No homem, a perda óssea relacionada à idade é linear e pode alcançar um decréscimo em torno de 20% em relação ao pico de massa óssea que é atingido por volta dos 30 anos de idade. A remodelagem é caracterizada por atividade equilibrada de reabsorção (atividade dos osteoclastos) e formação óssea (atividade dos osteoblastos). Com a idade ocorre um desacoplamento desses processos e a reabsorção passa a superar a formação óssea. Isso pode estar ligado a uma deficiente formação ou a uma atividade aumentada dos osteoclastos. Os mecanismos implicados são diferentes em função do sexo, da idade e do estado hormonal. A sarcopenia associada à osteopenia forma uma combinação perigosa ao idoso, já que a perda de massa muscular aumenta o risco de quedas, enquanto a perda de massa óssea aumenta o risco de fraturas. Cerca de 30% dos idosos caem anualmente, e dessas quedas 5% causam fraturas. No idoso instala-se um ciclo vicioso de diminuição da força muscular e do equilíbrio, com aumento do risco de quedas, o que pode gerar insegurança ao deambular, ocasionando diminuição de atividade e aumento de perda óssea e muscular.
POLIMEDICAÇÃO A preocupação com o uso racional de medicamentos e a polimedicação é um assunto que merece especial cuidado, principalmente em relação aos idosos, visto que, com o passar dos anos, há diminuição da massa muscular, da água corporal e, ainda, redução do metabolismo em nível hepático, sendo que os mecanismos homeostáticos e a capacidade de filtração e de excreção renal também podem ser comprometidos. Em virtude desses fatores fisiológicos, há uma dificuldade na eliminação e na metabolização dos fármacos, resultando em um acúmulo de substâncias tóxicas no organismo e, consequentemente, provocando alguns efeitos adversos. 136
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A polimedicação refere-se ao uso simultâneo e crônico de múltiplos fármacos. Para caracterizar a cronicidade, alguns autores definem como períodos não inferiores a três meses enquanto outros aceitam o período de uma semana, classificada como polimedicação menor (variando entre dois a quatro fármacos), e polimedicação maior (uso de cinco ou mais fármacos). Os idosos chegam a constituir 50% dos multiusuários de medicamentos, fato este que ocorre devido à maior prevalência de doenças crônico-degenerativas nessa faixa etária. O uso de vários medicamentos propicia o risco no aumento de problemas relacionados com medicamentos, sendo estes vinculados à farmacoterapia, o que pode interferir nos resultados esperados de saúde do paciente. Quando o paciente apresenta mais de três situações que caracterizem risco de possuir problemas relacionados com medicamentos, o mesmo deve ser avaliado minuciosamente. Dentre essas situações, destacam-se: utilizar cinco ou mais medicamentos ao dia, administrar 12 ou mais doses diárias, realizar tratamento farmacológico para três ou mais problemas de saúde, utilizar medicamentos considerados de baixo grau terapêutico (medicamentos cuja dose terapêutica é próxima da dose tolerada), possuir quatro ou mais alterações no último ano das instruções de uso dos medicamentos. Estudos evidenciam que ser do sexo feminino, possuir baixo grau de escolaridade e elevado número de procura por serviços de saúde no último ano são fatores significantes quando se avalia a polimedicação em idosos. As patologias que mais contribuem para a polimedicação são as cardiovasculares, endócrinas e neurológicas, enquanto as classes de medicamentos que mais se destacam são os anti-hipertensivos, antidiabéticos, psicotrópicos e antitrombóticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A multifatorialidade associada ao processo de envelhecimento torna complexo tal fenômeno e, portanto, é fundamental que os profissionais de saúde, bem como os próprios idosos, seus familiares e cuidadores tenham uma visão integrada desses fatores. Alguns agravos podem estar direta ou indiretamente relacionados ao avanço da idade, influenciando negativamente na qualidade de vida e, em especial, com relação à capacidade funcional comprometendo, inclusive, as mais simples atividades de vida diária dos idosos. Muitas vezes o processo de envelhecimento não permite o completo bem-estar dos indivíduos, porém sabe-se que, com um planejamento precoce dessa fase da vida, levando em consideração o estilo de vida, uma alimentação saudável e atividades físicas e mentais regulares é possível conquistar longevidade e saúde, permitindo o equilíbrio para se viver com qualidade.
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capítulo Amadeo Sáez-Alquézar
Fígado, Enzimas e Proteínas Plasmáticas INTRODUÇÃO Em geral, os testes laboratoriais empregados no estudo das hepatopatias refletem aspectos específicos de comprometimento do fígado. Os testes bioquímicos mais utilizados para o estudo do fígado são as bilirrubinas, as proteínas séricas e algumas enzimas. Esses testes podem ser usados na triagem para detectar ou excluir alterações hepáticas, para ajudar no diagnóstico das hepatopatias ou para acompanhamento da evolução, com ou sem tratamento, das doenças hepáticas. Algumas vezes, esses testes são chamados, incorretamente, de testes de função hepática, mas na verdade eles não avaliam efetivamente o estado global da função hepática com exceção, talvez, da albumina, do tempo de protrombina e da pseudocolinesterase, que podem indicar diminuição na capacidade de síntese pelo parênquima hepático. Provas para a avaliação da função do fígado baseadas no clareamento plasmático de substâncias exógenas, pelo fígado, têm sido utilizadas em trabalhos de investigação e também na prática clínica para a escolha do tempo certo para indicação de transplantes ortotópicos de fígado e para prever a sobrevida em casos de doença hepática grave. No presente capítulo apresentaremos uma descrição atualizada sobre os testes bioquímicos para estudo do fígado e das provas de função hepática mais comumente empregadas.
NÍVEIS SÉRICOS DE ATIVIDADE ENZIMÁTICA Enzimas são compostos orgânicos de natureza proteica, que catalisam reações químicas dentro ou fora das células, com especificidade variável. A substância transformada pela ação catalítica de uma enzima é chamada substrato, e a substância ou as substâncias produzidas, produto(s) de reação. Algumas enzimas são altamente específicas e agem apenas sobre um determinado substrato (ex.: urease), ao passo que outras, menos específicas, catalisam reações análogas, atuando sobre diferentes substratos (ex.: fosfatase alcalina). A atividade enzimática é influenciada por diversos fatores, de tal forma que cada enzima possui pH e temperatura ótimos, onde ocorre a maior atividade. Fixadas as variáveis ideais de pH
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e temperatura, a velocidade de uma reação enzimática depende da concentração do substrato e da ausência de inibidores. Se bem que, in vitro, seja importante trabalhar com velocidade máxima de reação, in vivo, em condições fisiológicas, a maioria das reações químicas, mediadas por enzimas, processa-se com velocidades inferiores à velocidade máxima.
FUNDAMENTOS FISIOPATOLÓGICOS DO DIAGNÓSTICO ENZIMÁTICO As enzimas podem ser classificadas em intra e extracelulares (Figura 12.1), de acordo com o local onde exerçam sua atividade biológica. A pseudocolinesterase é um exemplo de enzima extracelular; após a síntese nos ribossomos dos hepatócitos é lançada no sangue circulante exercendo aí sua função biológica (Figura 12.1). A queda dos níveis séricos de atividade dessa enzima reflete diminuição na capacidade de síntese pelo parênquima hepático ou da massa hepática funcionante.
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Hepatócito Síntese
Plasma
Retículo endoplasmático
6 5
2 Citoplasma
3
4
Mitocôndrias
Sistema biliar Lisossômos
1: Enzimas extracelulares (ChE) 2-6: Enzimas intracelulares 2: ALT, AST, DHL, GDS 3: AST, GIDH 4: Hidrolases ácidas 5: FA, GGT 6: GGT Figura 12.1 Síntese e localização das enzimas utilizadas para o es-
tudo das hepatopatias.
Fonte: Sáez-Alquézar A., 2006.
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Enzimas intracelulares diferenciam-se quanto à localização no interior das células. Após a síntese, distribuem-se no citoplasma ou nas diferentes organelas citoplasmáticas, participando dos processos metabólicos (Figura 12.1). A atividade dessas enzimas no interior das células é de 10 mil a 100 mil vezes maior do que no plasma, onde em condições normais ocorrem em níveis muito baixos. Alterações estruturais devido a dano direto nas membranas das células, lesões traumáticas ou mudanças de pressão, bem como aporte insuficiente de oxigênio e substratos por alterações da circulação sanguínea ou modificações do próprio metabolismo, são diferentes causas que podem provocar a liberação de enzimas intracelulares, aumentando assim os níveis séricos de atividade. Quando ocorrem alterações de permeabilidade celular, a liberação das enzimas intracelulares depende: a) Do tipo, da intensidade e duração da agressão: a agressão ao fígado causada por agentes diversos tais como vírus, toxinas ou venenos promove respostas diferentes. Essas respostas também vão depender da quantidade do agente agressor e do tempo de ação sobre as células. b) Da concentração de enzimas no tecido afetado: quanto maior a concentração intracelular de enzimas, maior será a quantidade liberada. A avaliação dos níveis séricos de atividade das enzimas chamadas organoespecíficas, ou seja, presentes em grandes concentrações, apenas em determinados tecidos, podem fornecer dados importantes para o diagnóstico, como acontece com a amilase em relação ao pâncreas, e com a alanina aminotransferase (ALT) em relação ao fígado. c) Da localização intracelular: inicialmente são liberadas as enzimas de localização citoplasmática, vindo a seguir aquelas de localização mitocondrial e, finalmente, as de localização lisossômica (Figura 12.1). No fígado, enzimas ligadas à fração microssomal ou ao sistema biliar geralmente são liberadas para o espaço extracelular, em casos de indução microssomal (ação do álcool ou de drogas) ou quando há comprometimento do sistema biliar (Figura 12.1). d) Da capacidade de recuperação para a síntese do tecido afetado: quando as lesões são reversíveis permitem a continuidade da produção de enzimas. Quando as alterações são irreversíveis incapacitam os processos de síntese de enzimas. Neste último caso, ainda que persista o mesmo tipo de agressão, com a mesma intensidade, a liberação de enzimas intracelulares diminuirá gradativa ou drasticamente, como ocorre em casos de necrose submaciça na hepatite fulminante. e) Do peso molecular das enzimas: os pesos moleculares das enzimas conhecidas oscila entre 12.700 dáltons da ribonuclease e 1 milhão de dáltons da desidrogenase glutâmica. Existe uma relação inversamente propor142
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cional entre velocidade de liberação e peso molecular das enzimas. Por outro lado, a velocidade de eliminação de cada enzima presente no plasma é uma constante biológica para cada espécie (vida média). Em outras palavras, a velocidade de eliminação não depende do valor absoluto do nível sérico de atividade, mas segue uma lei exponencial definida. Cada enzima possui meia-vida própria. Dessa forma, sendo constante a saída de enzimas do plasma, o nível plasmático real depende apenas do aporte e reflete a localização, a extensão, a intensidade e o tipo da agressão celular.
ASPECTOS GERAIS No caso particular do fígado, alguns aspectos devem ser levados em consideração: 1. O fígado é um órgão que desempenha papel fundamental no metabolismo intermediário e possui um conteúdo extremamente rico em enzimas. Os hepatócitos estão em contato direto com o plasma, de forma que a liberação de enzimas intracelulares ocasiona, de imediato, alterações dos níveis séricos de atividade enzimática. 2. Não só a localização intracelular das enzimas é importante, mas também as diferenças qualitativas nas diferentes zonas do órgão. Ocorre maior atividade da alanina aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina (FA), gamaglutamiltransferase (GGT) nas áreas periportais, e maior concentração da desidrogenase glutâmica (GlDH) nas áreas centrilobulares. Por exemplo, comparando-se os níveis séricos de atividade da ALT e da GlDH na hepatite aguda por vírus e na congestão passiva aguda do fígado, só nesta última situação se observam alterações da GlDH. 3. Os níveis séricos de atividade enzimática nos processos inflamatórios do fígado devem-se principalmente à alteração da permeabilidade celular. 4. O aumento dos níveis séricos de atividade enzimática não é proporcional à gravidade da perturbação em cada célula. Assim, na hepatite aguda por vírus a lesão celular é ligeira, porém extensa (a maioria das células está comprometida), e de evolução rápida. Isso leva a um acentuado aumento dos níveis séricos de atividade das enzimas de localização citoplasmática: ALT e AST. Em casos de envenenamento por fungos, a lesão celular é grave, extensa e de evolução rápida, o que leva ao aumento dos níveis séricos de atividade, não só das enzimas citoplasmáticas, mas também das de localização mitocontrial (GlDH) e lisossômica (hidrolases ácidas). Na cirrose hepática, a lesão celular é grave, porém de pequena extensão e de evolução lenta, o que leva a discreto aumento dos níveis séricos de atividade das aminotransferases, especialmente da AST. Na icterícia obstrutiva, a lesão celular é grave, de pequena extensão e evolução rápida. Neste caso, o aumento dos níveis séricos de atividade da ALT e da AST geralmente é discreto, predominando o aumento dos níveis séricos das enzimas chamadas de indicadores de colestase: FA e GGT. Parte 3
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Fígado, Enzimas e Proteínas Plasmáticas
5. Existem diversas metodologias para a determinação dos níveis séricos de atividade das enzimas de importância clínica. Os valores normais para cada método geralmente correspondem à média ± 2 desvios-padrão, em U/L, dos valores encontrados numa população de indivíduos considerados normais. Como os valores normais podem variar entre os métodos utilizados, consideramos apropriado descrever as alterações observadas como o número de vezes que corresponde ao limite superior normal (N × LSN). Por exemplo, empregando um método para detecção da atividade sérica da ALT, com valores considerados normais até 41 U/L, um resultado de 410 U/L será expresso como 10 × LSN.
PERFIL ENZIMÁTICO PARA AVALIAÇÃO DO COMPROMETIMENTO HEPÁTICO No Quadro 12.1 são listadas as enzimas utilizadas rotineiramente na prática médica para o diagnóstico e acompanhamento das hepatopatias. Outras enzimas, pouco utilizadas na prática, podem ser bastante úteis em trabalhos de investigação, como por exemplo a desidrogenase glutâmica (GlDH), pseudocolinesterase (ChE) e a 5'-Nucleotidase (5’N). Quadro 12.1 Enzimas mais utilizadas na prática médica para diagnóstico e acompanhamento das hepatopatias. Enzima
Sigla
Alanina aminotransferase Antigamente: Transaminase glutâmico-pirúvica (TGP)
ALT
Aspartato aminotransferase Antigamente: Transaminase glutâmicooxalacética (TGO)
AST
Fosfatase alcalina
FA
Gamaglutamiltransferase
GGT
Fonte: Sáez-Alquézar A., 2006.
Aminotransferases: Alanina aminotransferase (ALT) e Aspartato aminotransferase (AST) A ALT é uma enzima intracelular de localização exclusivamente citoplasmática. Ocorre em maior concentração no fígado e em quantidades menores nos rins, no miocárdio e na musculatura esquelética, mas é considerado um marcador bastante específico de dano ao parênquima hepático. A AST é uma enzima de localização citoplasmática (AST-1 70%) e mitocontrial (AST-2 30%). Ocorre em maior concentração no miocárdio e no fígado, e em menor quantidade no músculo esquelético, nos rins e no pâncreas. O aumento dos níveis séricos de atividade das aminotransferases entre 15 a 100 vezes o limite superior normal é capítulo 12
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uma característica da fase aguda das hepatites (A, B, C, D, E), e em geral os níveis de ALT excedem os de AST. Fato semelhante ocorre na fase aguda das hepatites pelo vírus Epstein-Barr (EBV) e citomegalovírus (CMV). A velocidade de desaparecimento plasmático da AST é maior que o da ALT, de tal forma que após três semanas do início da hepatite, apenas 10% dos casos mostram níveis normais de ALT, contra 40% da AST. Nos casos de necrose hepática maciça (hepatite fulminante), inicialmente os níveis de ALT e AST estão muito aumentados, mas como a lesão dos hepatócitos, nessa patologia, é irreversível, eles podem cair rapidamente para níveis discretos ou normais. Em pacientes anictéricos com hepatite aguda por vírus, os níveis séricos das aminotransferases também estão aumentados. Nas hepatites tóxicas, por envenenamento, os níveis das aminotransferases podem atingir valores muito elevados (> 100 × LSN). Em 80% dos casos de mononucleose infecciosa (EBV), ocorre aumento dos níveis de ALT e AST de até 15 × LSN, com normalização em torno da quinta semana da doença. Nas hepatites crônicas pelos vírus B e C observa-se aumento discreto das aminotransferases (< 5 × LSN), com predominância da ALT. Esses aumentos podem apresentar flutuações no decorrer da evolução da doença. Alguns autores consideram que o índice AST/ALT nas hepatites crônicas e na cirrose hepática aumenta à medida que piora a capacidade funcional hepática. Nas hepatites alcoólicas o índice AST/ALT costuma ser de aproximadamente 2:1, e o aumento dos níveis da AST raramente ultrapassa 10 × LSN. Nos casos de esteatose hepática ou infiltração gordurosa do fígado, com ou sem processo inflamatório associado, os níveis séricos das aminotransferases tendem a estar discretamente aumentados (< 5 × LSN) Na hemocromatose hereditária os níveis séricos da ALT e AST mostram-se discretamente aumentados (< 5 × LSN). Níveis séricos de atividade das aminotransferases discretamente aumentados (< 5 × LSN) também estão presentes nas hepatites crônicas autoimunes, na doença de Wilson, em casos de deficiência de a 1- antitripsina e na doença celíaca. Na esteatose hepática não alcoólica os NSA das aminotransferases poderão estar normais ou discretamente aumentados. O mesmo ocorre na esteatose hepática alcoólica. Na cirrose hepática os níveis de ALT e AST em geral estão pouco aumentados (< 5 × LSN), com predominância da AST sobre a ALT. Nas colestases intra-hepáticas e nas obstruções biliares extra-hepáticas os níveis séricos de atividade das aminotransferases raramente ultrapassam 15 × LSN. O índice ALT/ GGT geralmente é superior a dois na hepatite por vírus e inferior a dois na icterícia obstrutiva. Nos tumores hepáticos, primários ou metastáticos, a alteração dos níveis da ALT e AST é discreta, podendo aumentar com a evolução da doença. 143
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Tratado de Análises Clínicas
Nos casos de congestão hepática por insuficiência cardíaca pode ocorrer aumento importante dos níveis de aminotransferases (> 15 × LSN). Certos medicamentos, toxinas e drogas ilícitas podem provocar aumento no nível sérico das aminotransferases (Tabela 12.1). Outros distúrbios não hepáticos podem levar a aumentos discretos das aminotransferases: miopatias, pancreatite, infarto do miocárdio, isquemias (rena, cerebral, pulmonar, de membros), anemias hemolíticas e no pós-operatório. Na Tabela 12.2 pode ser observado um resumo do aumento dos níveis séricos de atividade da ALT e da AST, em função da etiologia.
Fosfatase Alcalina (FA) A FA corresponde a um conjunto de enzimas intracelulares que ocorrem no fígado (nas bordas sinusoidais e canaliculares), e também na maioria dos outros tecidos do organismo. No diagnóstico das hepatopatias a FA é considerada uma enzima indicadora de colestase. Devemos levar em consideração que os níveis séricos de atividade da FA também podem estar alterados por causa de isoenzimas presentes no tecido ósseo, no intestino delgado e na placenta. Em condições normais, a FA encontrada no soro é de origem hepática e óssea, sendo que apenas 20% são provenientes do intestino delgado. Os valores normais dependem do método utilizado pelo laboratório e da idade. Em crianças, na fase de crescimento
ósseo, os níveis séricos podem atingir valores até 3 vezes o LSN observado em adultos, devido ao aumento da fração óssea. Durante a gravidez os níveis séricos da FA começam a aumentar no final do primeiro trimestre (FA de origem placentária) atingindo valores, no terceiro trimestre, de até 2× LSN, que podem permanecer durante várias semanas após o parto. No estudo das hepatopatias a FA apresenta maiores alterações nas colestases intra e extra-hepáticas. Na colestase extra-hepática (icterícia obstrutiva) e nas colestases induzidas por drogas, os níveis séricos de atividade podem mostrar aumentos de até 10 × LSN. Na cirrose biliar primária os níveis séricos da FA podem atingir valores muito elevados (15 a 20 × LSN). Nos tumores hepáticos, primários ou metastáticos, os valores da FA podem variar desde normais até 20 × LSN, dependendo do estágio de evolução da doença. Nas hepatites por vírus ou tóxicas, em geral, observam-se aumentos de até 5 × LSN, que acontecem na fase ictérica da doença. Nas formas crônicas das hepatites os níveis da FA em geral apresentam-se normais, podendo aumentar com a evolução para formas mais graves, com comprometimento do sistema biliar. Nos abscessos hepáticos também ocorre aumento dos níveis de FA. Nas doenças infiltrativas e granulomatosas (amiloidose, sarcoidose, leucemias, tuberculose etc.) podem ocorrer aumentos dos níveis séricos da FA.
Tabela 12.1 Medicamentos, toxinas e drogas ilícitas que provocam aumento dos níveis séricos de atividade das aminotransferases (ALT e AST). Medicamentos
Toxinas
Drogas ilícitas
Acetaminofen Alfametildopa Carbamazepina Fluconazol Halothane Heparina Inibidores da HMG-Co A redutase Isoniazida Ácido nicotínico Nitrofurantoína Anti-inflamatórios (não esteroides) Fenitoína Inibidores da protease Sulfonamidas Ácido valproico Vitamina A
Tetracloreto de carbono Clorofórmio Dimetilformamida Hidrazina 2-Nitropropano Tricloroetileno Tolueno
Esteroides anabolizantes Cocaína Ecstasis (MDMA) Phencyciclidina (PCP)
Fonte: Modificada de AGA, 2002.
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Parte 3
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Fígado, Enzimas e Proteínas Plasmáticas
Tabela 12.2 Etiologia no aumento dos níveis séricos de atividade da ALT e da AST. Aumento de até 5 o limite superior normal
Aumento > que 15 o limite superior normal
Hepática: predominando a ALT Hepatite crônica B Hepatite crônica C Hepatite aguda por vírus (A-E, EBV, CMV) Esteatose Hemocromatose Ação medicamentosa Hepatites autoimunes Deficiência de a-1-antitripsina Doença de Wilson
Hepatite aguda por vírus (A-E, EBV, CMV, herpes) Ação medicamentosa/toxinas Hepatite isquêmica Hepatites autoimunes Doença de Wilson Obstrução dos ductos biliares Síndrome de Budd-Chiari Ligadura da artéria hepática
Hepática: predominando a AST Dano hepático relacionado com álcool Esteatose Cirrose extra-hepática Hemólise Miopatias Tireoide Exercício físico Macro-AST Fonte: Modificada de AGA, 2002.
Nos tumores intestinais pode ocorrer aumento dos níveis séricos da FA devido ao aumento da fração intestinal da FA. Em doenças ósseas, os níveis da FA também podem estar aumentados, devido ao aumento da fração óssea da FA. A determinação das isoenzimas da FA pode ajudar a definir a origem do aumento observado nos níveis séricos de atividade, mas em geral essas metodologias são pouco utilizadas. Uma forma de distinguir entre a origem hepática ou óssea da FA é por seu comportamento ao calor. A FA hepática é mais estável ao aumento da temperatura do que a FA de origem óssea. Para confirmar a especificidade hepática do aumento nos níveis séricos da FA, podem ser utilizadas outras enzimas, como a gamaglutamiltransferase (GGT) e a 5’nucleotidase (5NT). A GGT está presente em muitos outros tecidos, além do fígado, mas não está presente no tecido ósseo. A 5NT também está presente em outros tecidos, mas aumentos significativos nos níveis séricos de atividade observam-se unicamente nas hepatopatias com valores muito elevados nos processos colestáticos.
Gamaglutamiltransferase (GGT) A GGT ocorre no fígado (ductos biliares e fração microssomal) e também em outros tecidos: pâncreas, rim, baço, intestino delgado, próstata, coração, cérebro e glândulas mamárias. capítulo 12
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A GGT mostra maiores alterações em processos em que há comprometimento do sistema biliar. Nas doenças que causam obstrução do sistema biliar os níveis séricos da GGT tendem a estar bastante aumentados (> 15 × LSN). Nas hepatites agudas por vírus os níveis séricos da GGT raramente ultrapassam 6 × LSN, mas nas formas colestáticas das hepatites os aumentos podem ser maiores. Nas hepatites crônicas, cerca de dois terços dos pacientes mostram níveis de GGT discretamente aumentados, e de FA normais. Com a evolução para formas mais graves da doença, os níveis séricos da GGT e da FA podem apresentar aumentos maiores. Na cirrose hepática observam-se níveis séricos de GGT desde normais até bastante aumentados, sendo que as maiores alterações ocorrem na cirrose alcoólica e na cirrose biliar primária. Na fase inicial da cirrose biliar primária (colestase em nível dos ductos biliares intra-hepáticos) os níveis séricos da GGT e da FA encontram-se significativamente aumentados. Com a evolução da doença observa-se, também, aumento dos níveis séricos das aminotransferases (ALT e AST). Na cirrose biliar secundária (forma colestática, congestiva ou mista) os níveis séricos da GGT podem estar desde normais até muito aumentados. Aumentos importantes na atividade sérica da GGT em pacientes com esteatose, hepatite e cirrose alcoólicas confi145
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Tratado de Análises Clínicas
guram uma indução microssomal do álcool para a produção de GGT. Esse fato é corroborado pelo aumento da GGT sérica, observado durante o tratamento com fenobarbital e pela significativa correlação positiva entre níveis séricos aumentados de GGT e de triglicérides. Devido a essa característica, a GGT tem sido utilizada no seguimento de pacientes com administração prolongada de drogas (ex.: anticonvulsivantes). Crianças submetidas a tratamento prolongado com aminopirina apresentam aumento dos níveis séricos de GGT. O consumo constante de bebidas alcoólicas provoca aumento dos níveis séricos de GGT (2 a 3× LSN), que retornam a níveis normais quando cessa a ingestão de álcool. Nos tumores hepáticos, primários e metastáticos, os níveis da GGT podem estar aumentados (5 a 10 × LSN), dependendo do estágio de evolução da doença. O comportamento dos níveis séricos da GGT é variável em patologias ou processos extra-hepáticos. Na doença óssea ativa, em tumores intestinais, durante o crescimento e no terceiro trimestre de gravidez, em que os níveis de FA podem estar aumentados, os níveis séricos de atividade da GGT permanecem normais. Nas doenças musculares os níveis de GGT também permanecem normais, porém estão alterados em casos de pancreatite crônica, tumores primários de pâncreas (muito aumentados), doença renal crônica, rejeição de transplantes renais, epilepsia, tumores cerebrais e acidentes cerebrovasculares. Dos fatos expostos, depreende-se que a GGT é de grande utilidade para distinguir entre doença hepática e óssea, naqueles casos em que os níveis de FA estão aumentados. Também, a GGT pode substituir a FA para o diagnóstico de hepatopatias em crianças, e em gestantes no terceiro trimestre de gravidez (Tabela 12.3).
Níveis séricos de GGT aumentados também têm sido observados em casos de infarto do miocárdio e em pacientes com diabetes, principalmente quando há comprometimento vascular.
Recursos adicionais para o perfil enzimático nas hepatopatias Desidrogenase glutâmica (GLDH) É uma enzima intracelular, de localização mitocondrial, que apresenta maior atividade nas áreas centrolobulares do fígado. Os maiores aumentos dessa enzima ocorrem nos processos em que há maior comprometimento hepatocelular, com grande componente de necrose, e nas afecções que levam a maior comprometimento das áreas centrilobulares. Nas hepatites fulminantes, quando ocorre queda abrupta das aminotransferases, a GLDH continua a aumentar, indicando o alto grau de necrose. Nas lesões por halotano verificam-se aumentos acentuados de GLDH, correspondendo a extensas áreas de necrose centrilobular. Valores normais:Até 4 UI/L (homens); 3 UI/L (mulheres).
5' -Nucleotidase É uma enzima semelhante à FA, que hidrolisa nucleotídeos. Observam-se aumentos dos NSA nas doenças hepatobiliares junto com a FA, porém é mais específica, pois não se altera nas doenças ósseas por aumento da atividade osteoblástica, nem durante o crescimento ou durante a gravidez. Valores normais: até 15 UI/L.
Tabela 12.3 Níveis séricos de atividade enzimática da FA e da GGT nas hepatopatias e em patologias e processos extra-hepáticos. Hepatopatias
FA
GGT
Doenças colestáticas Cirrose biliar primária Hepatite aguda por vírus Tumores hepáticos (primários e metastáticos) Cirrose hepática Hepatite crônica Etiologia alcoólica
Aumentados Aumentados (15 a 20 × LSN) Aumentados (> 5 × LSN) Desde normais até > 10 × LSN Desde normais até > 10 × LSN Normais Normais ou pouco aumentados
Aumentados Aumentados Aumentados (< 10 × LSN) Desde normais até > 10 × LSN Desde normais até >15 × LSN Desde Normais até 3 × LSN Muito aumentados
Patologias extra-hepáticas Doença óssea ativa Tumores intestinais Rejeição de transplante renal Diabetes
Aumentados Aumentados Normais Normais
Normais Normais Aumentados Aumentados
Crianças (durante o crescimento)
Aumentados (até 3 × LSN)
Normais
Gravidez (3 trimestre)
Aumentados (até 2 × LSN)
Normais
o
Fonte: Modificada de AGA, 2002.
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Parte 3
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Fígado, Enzimas e Proteínas Plasmáticas
Pseudocolinesterase (ChE)
PROTEINAS SÉRICAS
É uma enzima extracelular, sintetizada no fígado. Processos que condicionam diminuição na capacidade de síntese pelos hepatócitos ou diminuição da massa hepática funcionante (ex.: cirrose), consequentemente, levam à queda dos níveis séricos de atividade da enzima. Existe certo paralelismo entre o comportamento da ChE e o tempo de protrombina. Na cirrose hepática os níveis da ChE em geral estão diminuídos, sendo o grau de diminuição representativo da massa hepática comprometida. Alguns autores consideram essa enzima de grande valor prognóstico na evolução da cirrose hepática. Observam-se, também, níveis séricos diminuídos nas intoxicações, agudas ou crônicas, por inseticidas organofosforados e na terapêutica por ciclofosfamida. Com a utilização da succinilcolina, como relaxante muscular, verificou-se a presença de variantes genéticas da colinesterase sérica. Normalmente, a succinilcolina é hidrolisada no sangue pela ChE. Indivíduos homozigotos para um gene atípico apresentam níveis séricos muito diminuídos da ChE, e quando tratados com succinilcolina evoluem para relaxamento muscular com apneia prolongada. Os valores normais da ChE são: 1.900 a 3.800 UI/L quando se utiliza a acetilcolina como substrato, e de 3.000 a 9.300 UI/L quando se utiliza a butirilcolina.
O fígado humano desempenha funções importantes no metabolismo proteico quanto à captação de amônia sanguínea e síntese da ureia, ao metabolismo dos aminoácidos e à síntese proteica. O fígado é o principal local de síntese da maioria das proteínas circulantes no organismo. A albumina, que quantitativamente é a proteína mais importante do plasma, é sintetizada exclusivamente no fígado (10 a 15 g/dia). Desta forma, a medida das proteínas séricas é de fundamental importância para o estudo da função hepática. Os métodos laboratoriais mais empregados para o estudo das proteínas séricas são:
Ceruloplasmina (CER) É sintetizada principalmente no fígado, e é liberada como uma a-2-glicoproteína no plasma, onde exerce a função de transportar ao redor de 90% do cobre plasmático. Os restantes 10% são transportados pela albumina. É uma proteína de fase aguda, que corre na região das a-2-imuneglobulinas e consequentemente poderá estar aumentada em processos inflamatórios. A ceruloplasmina tem sido usada principalmente para o diagnóstico da doença de Wilson. Nessa doença observa-se uma degeneração hepatolenticular originada por um distúrbio genético, de transmissão autossômica, que provoca alterações no metabolismo do cobre. Essas alterações afetam a síntese da ceruloplasmina, interferindo no transporte do cobre, que passa a se depositar em diversos tecidos do organismo, inicialmente no fígado e posteriormente no cérebro, na córnea (anel de Kayser-Fleisher) e nos rins. Os valores normais por método nefelométrico são considerados entre 22 e 52 mg/dL.Valores de ceruloplasmina diminuídos, abaixo de 10 mg/dL, são fortemente sugestivos da doença de Wilson, porém um resultado normal de CER não exclui o diagnóstico da doença. Na verdade, ao redor de 28% dos pacientes com a doença apresentam valores de ceruloplasmina normais.Valores baixos de CER também podem ser observados em casos de deficiência nutricional e má-absorção, e também na síndrome nefrótica e síndrome de Menkes. Durante a gestação e durante o uso de estrógenos (anticoncepcionais) observa-se aumento dos níveis de CER. capítulo 12
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a) Determinação da concentração de proteínas totais. b) Determinação da relação Albumina/Globulinas. c) Separação eletroforética das proteínas séricas. A separação eletroforética das proteínas séricas ou eletroforese de proteínas inclui a determinação da concentração total de proteínas, e mesmo sendo um método “semiquantitativo”, fornece dados importantes para o estudo das hepatopatias agudas e crônicas. Quando analisado juntamente com outros testes de função hepática amplia as possibilidades diagnósticas.
Separação eletroforética das proteínas séricas A eletroforese refere-se à migração de partículas em um meio líquido sob a ação de um campo magnético. A mobilidade das proteínas séricas é diretamente proporcional à carga elétrica de cada partícula, e inversamente proporcional à viscosidade do meio. Existem dois tipos de metodologia para a eletroforese: a eletroforese convencional, por zona, onde as proteínas migram em um meio de suporte poroso como acetato de celulose, gel de agarose ou poliacrilamida, e a eletroforese capilar, onde a separação das proteínas ocorre por tamanho e propriedades físico-químicas através do fluxo de um tubo capilar. Para a separação eletroforética das proteínas plasmáticas, em geral, utilizam-se, como suporte, fitas de acetato de celulose ou de agarose. Após a corrida eletroforética (10 min – tampão pH 8,6 - µ = 0,06), coram-se as fitas (Ponceau S), efetua-se a transparentização e faz-se a leitura densitométrica para obtenção do gráfico e cálculo da porcentagem de área de cada uma das frações obtidas. Separadamente, faz-se a dosagem das proteínas séricas totais, a partir de cujo valor quantifica-se a área de cada uma das frações. Na eletroforese convencional por zona obtêm-se cinco frações, a saber: albumina e a-1, a-2, b e gamaglobulinas. Na eletroforese capilar obtêm-se seis frações, a saber: albumina e a-1, a-2, b 1, b 2 e gamaglobulinas. Eventualmente, pode ser observada a presença de outra fração: a pré-albumina. A fração albumina é de composição homogênea e sintetizada exclusivamente no fígado. As frações a, b e gamaglobulinas são de composição heterogênea. Certo número de proteínas que migram nessas frações, tais como haptoglobina, proteína C-reativa, glicoproteínas, lipoproteínas, transferrina, ceruloplasmina, fibrinogênio e outros fatores da coagulação são sintetizados no fígado. 147
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Tratado de Análises Clínicas
As imunoglobulinas IgG, IgM, IgA, IgD e IgE (fração g) são produzidas pelo sistema retículo-endotelial (SER) (células plasmáticas e linfócitos) (Figura 12.2). A pré-albumina, normalmente, está presente em baixas concentrações no plasma, de modo que nem sempre aparece no perfil eletroforético. A albumina é a proteína em maior concentração no plasma: 60% da concentração total de proteínas. Atua no transporte de diversas substâncias, como a bilirrubina livre, e é responsável pela manutenção da pressão oncótica. Os níveis séricos de albumina podem estar diminuídos em consequência de perdas como, por exemplo, na síndrome nefrótica, enteropatias, queimaduras e ascite. Estados de nutrição inadequada e de desnutrição também produzem hipo-albuminemia. Infecções crônicas associadas com aumentos de interleucina-1 e com fatores de necrose tumoral também podem inibir a síntese da albumina. Excluídas essas causas, a queda de albumina reflete um processo crônico de incapacidade parcial de síntese pelo parênquima hepático. É necessário um período de tempo relativamente longo para que a deficiência de síntese nos hepatócitos se manifeste através de hipoalbuminemia, pois a vida média da albumina no plasma é de 22 a 26 dias. Frequentemente observa-se hipoalbuminemia em pacientes com hepatopatias crônicas, particularmente cirrose. A bisalbuminemia é uma situação caracterizada pela presença de uma dupla banda na zona da albumina, que pode ser congênita ou adquirida. A forma congênita não tem significância clínica, e a adquirida geralmente está associada ao uso de antibióticos e à presença de ascite ou fístula pancreática.
Eletroforese das proteínas séricas Tireoglobulina Alfa glicoproteína ácida Alfa 1 antitripsina Lipoproteína Haptoglobina Lipoproteína Macroglobulina Ceruloplasmina Glicoproteína
Albumina
Transferrina Lipoproteína Complemento Glicoproteína α2
Imunoglobulinas
β
γ
α1
Fígado
IgG IgM IgA IgD IgE
SRE
Figura 12.2 Separação eletroforética das proteínas séricas em ace-
tato de celulose. Fonte: Silva LC da, et al. 1983.
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As proteínas que migram nas a-1, a-2 e betaglobulinas têm vida média menores do que a albumina, de modo que poderá ocorrer diminuição dessas frações como decorrência de insuficiência hepática grave, não necessariamente devido a processos crônicos. Aproximadamente 85% da fração a-1-globulina é constituída de a-1 antitripsina. O achado dessa fração muito diminuída ou ausente na eletroforese levanta a suspeita de deficiência de a-1 antitripsina, (homozigótica), que está associada ao enfisema pulmonar e à cirrose hepática e deverá ser confirmada por metodologia específica para essa proteína (técnicas imunoenzimáticas). Os estados heterozigóticos da deficiência de a-1 antitripsina não podem ser detectados através da eletroforese de proteínas. As glicoproteínas que migram nas frações a-1 e a-2 globulinas, principalmente a a-1-glicoproteína ácida tendem a estar aumentadas, em consequência do aumento das respectivas frações nos processos inflamatórios e neoplásicos. Nos hepatocarcinomas pode ser observado um aumento da a-1 globulina por elevação da alfafetoproteína. Na síndrome nefrótica observa-se um aumento da fração a-2 globulinas, devido a níveis elevados da a-2 macroglobulina. Nessa situação a fração albumina está diminuída. Lipoproteínas que migram nas frações a-1, a-2 e betaglobulinas, principalmente nas duas últimas, podem ser responsáveis pelo aumento dessas frações nas colestases de duração superior a uma semana. A fração betaglobulina geralmente está aumentada nos casos de cirrose hepática. Na maioria dos processos crônicos observa-se um aumento policlonal das gamaglobulinas (fração g), diferente do aumento monoclonal encontrado em casos de mielomas. Na cirrose hepática, além da fração g aumentada, observa-se frequentemente uma fusão entre as frações b e g, devido ao maior aumento das imunoglobulinas do tipo IgA. Na forma hepatoesplênica da esquistossomose mansônica, em geral, observa-se um perfil semelhante ao da cirrose hepática, e, com alguma frequência, o aparecimento de um pico no lado de maior mobilidade da fração g, que desaparece com o tratamento da moléstia. Pela dosagem das imunoglobulinas, que ocorrem na fração g através de técnicas específicas, algumas alterações podem ser observadas nas hepatopatias: a) aumento isolado da IgM na cirrose biliar primária; b) aumento acentuado da IgG e IgA e menor da IgM, na cirrose alcoólica; c) aumento da IgM na fase inicial das hepatites agudas por vírus. A eletroforese capilar possui alto poder de resolução, permitindo a separação da fração b em duas bandas: b-1 e b-2. Na banda b-1 correm a transferrina e a hemopexina, e na banda b-2 o complemento (C3). Além disso, a eletroforese capilar parece ter maior sensibilidade para detectar gamopatias monoclonais. Em geral, é mais sensível para detectar componentes monoclonais em pequenas concentrações, em particular IgA ou cadeias leves. A eletroforese capilar também facilita a detecção dos casos de bisalbuminemia adquirida, relevante em casos de fístula pancreática, presença de ascite e uso de antibióticos, além de evitar os erros frequentes da eletroforese convencional, que detecta Parte 3
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Fígado, Enzimas e Proteínas Plasmáticas
falsos resultados para fibrinogênio. Outra vantagem do uso da eletroforese capilar é que todo o processo pode ser automatizado, garantindo maior rapidez na liberação dos resultados. Na Figura 12.3 são mostrados alguns perfis característicos observados nas hepatopatias utilizando eletroforese de zona em acetato de celulose.
Na Figura 12.4 mostra-se o perfil eletroforético característico das proteínas séricas, utilizando eletroforese capilar.
Perfis eletroforéticos das proteínas nas hepatopatias 4,06
3,34
1,11 0,96 0,45
2,93 1,56 (g/%)
0,53 0,53 0,08
Alb. (g/%)
Cirrose hepática com deficiência de α 1 - antitripsina
Colestase extra-hepática 3,17
2,77
0,94 0,86 1,84 0,40
(g/%)
Hepato carcinoma
0,46 0,31 0,31
3,84
Cirrose alcoólica
γ
Na Tabela 12.4 constam os valores normais para a separação eletroforética das proteínas séricas.
%
g/dl
100
6,0-7,8
Albumina
50-63
3,2-5,0
a-1
2,5-5,7
0,2-0,4
a-2
5,8-13
0,5-0,9
b
8,5-14,7
0,6-1,1
g
11,8-20,2
0,7-1,5
Proteínas totais
Tempo de protrombina (TP)
(g/%)
Esquitossomose mansônica forma hepatosplênica
0,48 0,44 0,24
3,75 (g/%)
Cirrose hepática
Figura 12.3 Exemplos de perfis eletroforéticos em acetato de celu-
lose, observados nas hepatopatias.
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β2
Fonte: Adaptada de Sáez-Alquézar, 2006.
3,95
capítulo 12
β1
Figura 12.4 Separação das proteínas séricas por eletroforese capilar. Fonte: Ritchie RF., 1982.
Frações (g/%)
3,06
Fonte: Silva LC da, et al. 1983.
α2
Tabela 12.4 Eletroforese de proteínas séricas: valores normais.
3,77
0,45 0,49 0,31
α1
O tempo de protrombina corresponde ao tempo de coagulação de um plasma citratado, depois que se adiciona tromboplastina (fator III) e cálcio na temperatura de 37 ºC. O TP é o teste usado no controle de pacientes que usam anticoagulantes orais, e é medido em segundos, podendo variar de acordo com o laboratório e com o método utilizado. Em geral, os valores normais estão entre 11 e 14 segundos. Pelo fato de poderem ser usados diversos tipos de fator tissular nos reagentes para determinação do TP, foi preconizado pela OMS o RNI (Relação normalizada internacional) para padronizar (mundialmente) os resultados obtidos de TP em diferentes laboratórios. 149
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Tratado de Análises Clínicas
Para o controle de pacientes em uso de anticoagulantes orais utiliza-se apenas o INR.Valores de INR entre 2,0 e 3,0 são considerados eficazes para esse tipo de paciente. Com exceção do fator VIII, os demais fatores de coagulação são produzidos exclusivamente no fígado. O tempo de protrombina (TP) mede, conjuntamente, os fatores do complexo protrombínico (fatores II, V, VII e X, dependentes da vitamina K), e mais o fibrinogênio. A meia-vida dos fatores de coagulação varia entre 6 horas (fator VII) a 5 dias (fibrinogênio), ou seja, um turnover muito mais rápido que para a albumina, o que significa uma maneira de avaliação da função hepática de forma mais rápida, quando está presente uma diminuição na capacidade de síntese pelo parênquima hepático. O prolongamento do TP pode indicar uma hepatite grave ou cirrose hepática, e também uma obstrução biliar crônica. Como a maioria dos fatores de coagulação é dependente da vitamina K, o prolongamento observado do TP também pode ser devido à deficiência de vitamina K. Nesses casos, a administração de vitamina K (10 mg/dia) corrige o prolongamento do TP num prazo máximo de 48 horas. Excluindo-se a deficiência de vitamina K, o prolongamento do TP superior a 5 segundos, em relação ao controle, é considerado um sinal de mau prognóstico em relação à função do parênquima hepático.
BILIRRUBINAS SÉRICAS Metabolismo da bilirrubina Em indivíduos normais, ocorre a formação de 4,4 ± 0,7 mg de bilirrubina/kg de peso corporal em 24 horas, dos quais aproximadamente 70% derivam do grupo prostético Heme da hemoglobina de hemácias maduras, nas células reticuloendoteliais do baço, fígado e medula óssea. Os restantes 30%-40% são formados a partir do catabolismo de outras hemoproteínas, tais como: citocromos, catalases e peroxidases. Com exceção do fígado, a concentração tecidual dessas hemoproteínas é muito baixa, de modo a contribuir muito pouco na formação da bilirrubina. A contribuição hepática para a produção de bilirrubina total em indivíduos normais é bem significativa (em torno de 23% a 37%), principalmente à custa do citocromo p-450.
Transformação do heme em bilirrubina Inicialmente, o Heme é convertido em biliverdina IX-a, pela ação da enzima hemeoxigenase de localização microssomal. A enzima hemeoxigenase, comprovadamente diferente do citocromo p-450, está presente no fígado, nos rins e macrófagos, podendo ser estimulada de três a vinte vezes pela administração de heme ou hemoglobina. Isso representa um mecanismo eficiente de defesa para catabolizar os níveis séricos de bilirrubina aumentados, que se observam nos processos hemolíticos e nas hemorragias internas. A biliverdina IX-a transforma-se em bilirrubina IX-a através de reação catalisada pela enzima biliverdina-redutase, de localização citoplasmática. 150
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A molécula de bilirrubina é constituída de quatro anéis pirrólicos ligados entre si através de três pontes de carbono. Possui oito cadeias laterais (metil, vinil, metil, ácido propiônico, ácido propiônico, metil, metil, vinil). Esta bilirrubina IX-a (isômero geométrico Z, Z) é praticamente insolúvel em água (0,1 µmol/L em pH 7,4) e solúvel em solventes orgânicos não polares, devido a que seus grupos hidrofílicos estão ligados através de pontes de hidrogênio. Aumentando-se o pH do meio, quebram-se as ligações de hidrogênio conseguindo-se, desta forma, maior solubilidade em solventes polares.
Transporte da bilirrubina no plasma O pigmento recém-formado, bilirrubina livre, praticamente insolúvel em água, é lançado na circulação sanguínea, onde é transportado firmemente ligado à albumina. Também ocorre ligação da bilirrubina, em menor proporção com eritrócitos, principalmente quando os níveis de albumina estão diminuídos. Da mesma forma, a alfafetoproteína presente em grandes quantidades em fetos e em recém-nascidos, parece ter certa afinidade de ligação com a bilirrubina livre. A molécula da albumina possui um centro primário de alta afinidade para ligação com a bilirrubina além de outros secundários, com menor afinidade. Certas drogas como salicilatos, sulfas, diuréticos e contrastes radiológicos competem com a bilirrubina livre, diretamente no sítio primário de ligação com a albumina. A administração de heparina produz diminuição na capacidade de ligação da bilirrubina, devido ao fato de a heparina, através da indução da lipase lipoproteica liberar grande quantidade de ácidos graxos que competem na ligação com a albumina. Em recém-nascidos, observam-se níveis altos de bilirrubina livre, não ligada, no sangue circulante.
Captação hepática da bilirrubina A captação da bilirrubina pelo hepatócito se dá através de um sistema de transporte, mediado por carreador, onde a bilirrubina se desprende da albumina e liga-se, dentro da célula hepática, a proteínas com afinidade de ligação cerca de cinco vezes maior do que para a albumina.
Conjugação e excreção da bilirrubina Dentro do hepatócito, no retículo endoplasmático liso, a bilirrubina livre sofre conjugação com o ácido glicurônico, pela ação do sistema enzimático UDP-glicuronil transferase, dando origem à bilirrubina conjugada ou glicuronato de bilirrubina solúvel em água. A bilirrubina conjugada pode ser monoglicuronato (conjugação apenas numa cadeia de ácido propiônico), ou diglicuronato (conjugação nas duas cadeias). Na bile humana predomina o diglicuronato de bilirrubina. O sistema enzimático glicuroniltransferase, de localização microssomal, é constituído de múltiplas formas enzimáticas com atividades Parte 3
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diferentes, frente a diversos substratos. De fato, esse sistema é responsável não só pela conjugação da bilirrubina, mas também pela de outros compostos lipofílicos, tais como os hormônios tireoidianos e as catecolaminas. Uma vez conjugada, a bilirrubina é rapidamente excretada através das microvilosidades da parede canalicular dos hepatócitos, sendo eliminada na bile sob a forma de um complexo micelar com sais biliares, fosfolípides e colesterol. Chegando ao trato intestinal, é desconjugada pela ação de betaglicuronidases de origem bacteriana (principalmente no íleo terminal e intestino grosso) e reduzida para urobilinogênio. Diariamente, 100 a 200 mg de urobilinogênio são excretados nas fezes e uma pequena quantidade é reabsorvida, sendo reexcretada pelo fígado ou eliminada na urina (circuito êntero-hepático).
Distúrbios no metabolismo da bilirrubina 1. Na formação da bilirrubina a) Aumento da bilirrubina Indireta. b) Aumento do urobilinogênio urinário e fecal. Ex.: Hemólise intravascular e extravascular. 2. No transporte da bilirrubina no sangue a) Aumento da bilirrubina indireta Ex.: Albumina plasmática diminuída; drogas que competem na ligação com a albumina (sulfas, contrastes radiológicos, diuréticos, salicilatos). 3. Na captação e transporte dentro dos hepatócitos a) Aumento da bilirrubina indireta. b) Urobilinogênio (urinário e fecal) normal ou diminuído. Ex.: Níveis baixos de Ligandina (recém-nascidos, síndrome de Gilbert, ácido flavaspídico, rifampicina, contrastes radiológicos, carneiros mutantes Southdown). 4. Na conjugação da bilirrubina nos hepatócitos a) Aumento da bilirrubina indireta. Ex.: Icterícia dos recém-nascidos; síndromes de CrieglerNajjar e Lucey-Driscoll; vitamina K, novobiocina, cloranfenicol; ratos Gunn. Comprometimento hepatocelular difuso: hepatites por vírus e por agentes tóxicos. Doenças hepáticas infiltrativas malignas (carcinomas e linfomas), e benignas (sarcoidose, amiloidose, hemocromatose). 5. Na excreção da bilirrubina conjugada a) Aumento da bilirrubina total à custa da bilirrubina conjugada. b) Bilirrubina conjugada na urina: reação positiva. c) Urobilinogênio (urinário e fecal): diminuído. I. Pelos hepatócitos. Ex.: Drogas que interferem com a secreção de bilirrubina (esteroides 17-a-alkylados) ou que comprometem o fluxo biliar intra-hepático (estrógenos e fenotiazinas), pericolangite, cirrose biliar primária, síndromes de Dubin-Johnson e de Rotor, carneiros mutantes Corriedale. capítulo 12
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II. Pelo sistema biliar Ex.: Obstrução intraductos biliares (litíases, constrições, tumores) ou obstrução extraductos biliares (tumores de pâncreas, edema pancreático e inflamação de linfonodos).
Metodologias para determinação da bilirrubina Os métodos utilizados para a dosagem de bilirrubinas (livre e conjugada) baseiam-se na reação de Van Der Berg (reação do pigmento com ácido sulfanílico diazotado). A bilirrubina conjugada solúvel em água dá reação direta em solução aquosa de ácido sulfanílico diazotado, ao passo que a bilirrubina livre insolúvel em água necessita da adição de um acelerador (benzoato de cafeína ou metanol), dando assim uma reação indireta. O método de Jendrassik-Grof e suas modificações utilizam benzoato de cafeína como acelerador, mostrando boa sensibilidade, e fornecem valores reais de bilirrubina indireta. Detecta-se a presença de bilirrubina na urina através do teste de Harrison-Fouchet (ou de tiras plásticas comercializadas para detecção de substâncias químicas na urina). A pesquisa de urobilinogênio é feita utilizando-se o reativo de Erlich, que produz coloração vermelho-cereja com o pigmento. Consideram-se valores normais: 1. Níveis séricos de bilirrubinas: a) Bilirrubina direta (conjugada): até 0,4 mg/dL. b) Bilirrubina indireta (livre): até 0,6 a 0,9 mg/dL. c) Bilirrubina total (livre+conjugada): até 1,0 a 1,3 mg/dL. 2. Bilirrubina conjugada na urina: reação negativa. 3. Urobilinogênio na urina: reação positiva até a diluição de 1:40. 4. Urobilinogênio nas fezes: reação positiva.
ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS OBSERVADAS NAS HEPATITES POR VÍRUS Hepatite por Vírus A (HVA) Em pacientes sintomáticos observam-se aumentos importantes dos NSA das aminotransferases e da FA, e da concentração de bilirrubinas séricas. Em geral, os NSA da ALT são maiores do que os da AST e podem atingir valores elevados de até 100 vezes o LSN. Inicialmente se observa o aumento das aminotransferases e, depois, dos níveis de bilirrubina. A taxa de bilirrubina pode atingir valores altos de até 10 mg/dL nos casos em que se observa a fase colestática.
Hepatite por Vírus E (HVE) A HVE pode apresentar desde formas subclínicas até hepatites graves. Nos casos de HVE observa-se, também, aumento da ALT, AST e da bilirrubina sérica. Em geral, essas alterações 151
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bioquímicas, bem como os sintomas clínicos desaparecem em poucas semanas. Ao contrário da HVA, as alterações podem ser mais severas e são frequentes as alterações da coagulação. Quando a HVE ocorre em gestantes, durante o 3o trimestre da gravidez, tem-se observado formas graves da doença com evolução para formas de hepatite fulminante em até 3% dos casos. Nessa situação, os NSA das aminotransferases aumentam muito, mas podem cair rapidamente para NSA normais, por falta de substrato, devido à necrose submaciça dos hepatócitos. Estudos recentes têm mostrado que as infecções causadas pelo VHE do genótipo 4 levam a aumentos maiores dos NSA das aminotransferases (> 100 LSN).
Hepatite por Vírus B (HVB) Na fase aguda da HVB os NSA da ALT e AST podem atingir valores muito elevados, entre 30 a 50 × LSN. Os NSA da ALT, em geral, são mais altos que os da AST. A concentração de bilirrubinas pode ser normal na maioria dos pacientes, a não ser naqueles em que se observa uma fase colestática. Nos casos de evolução normal da doença, os NSA das aminotransferases se normalizam até o quarto mês da infecção. A persistência de NSA alterados das aminotransferases por um período superior a seis meses indica evolução para hepatite crônica. Pacientes na fase crônica da infecção mostram alterações discretas das aminotransferases, mas em períodos de exacerbação da doença poderemos observar NSA extremamente elevados.
Hepatite por Vírus C (HVC) A maioria dos pacientes que se infecta pelo VHC é assintomática e a icterícia está presente em menos de 25% dos casos. A maioria dos casos de infecção aguda não é documentada. Apenas em situações especiais, em que há um seguimento, por pertencerem a grupos de alto risco. Em pacientes sintomáticos se observa um aumento dos NSA das aminotransferases semelhante ao das outras hepatites, que retornam aos níveis normais num período de até 12 semanas. O desaparecimento do RNA-HVC indica que ocorreu a cura da infecção, mas isso ocorre em menos de 20% dos indivíduos infectados, apesar de terem se normalizado os NSA das aminotransferases. Indivíduos assintomáticos e compensados com a forma crônica da HVC poderão apresentar NSA discretos de até 2 × LSN. A evolução para formas de fibrose mais avançada e até cirrose poderão mostrar aumentos discretos da ALT e da AST, com predominância da AST.
PROVAS DE FUNÇÃO HEPÁTICA Os testes laboratoriais empregados no estudo das hepatopatias refletem apenas determinados aspectos de comportamento do órgão, mas não refletem a função hepática como um todo. A função hepática pode ser definida como um conjunto integrado de processos, que tem lugar no fígado e inclui a integridade do parênquima hepático (massa hepática funcionante), a manutenção de um suprimento adequado de sangue 152
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(fluxo hepático) e a capacidade de drenagem adequada por parte dos ductos biliares e das veias hepáticas. Devido à complexidade desses processos, torna-se muito difícil encontrar uma única prova que consiga medir a função hepática de modo global. No desenvolvimento das provas de função hepática foram utilizados dois tipos de abordagem. Um deles é o monitoramento da função de clareamento hepático (clearance). A remoção hepática de substâncias, somente por processos físicos, é de menor importância, e o conceito de clearance passou a ser analisado do ponto de vista de processo enzimático. A medida de “clearance” foi introduzida por Lewis em 1948, como substituto dos testes qualitativos de retenção ou excreção, atribuindo desta forma um aspecto quantitativo aos testes de função hepática. “Clearance” pode ser definido como a medida do volume, contendo uma substância, que é clareado para essa substância por unidade de tempo. As provas de clareamento dependem da perfusão do fígado, da transferência da substância utilizada, do sangue para os hepatócitos, bem como da quantidade e composição enzimática da massa hepática funcionante. Cada um desses fatores pode estar alterado nas hepatopatias. A medida do clearance, com verde de indocianina ou com galactose reflete principalmente alterações na perfusão hepática (fluxo hepático). Outro tipo de abordagem para o desenvolvimento de provas de função hepática leva em consideração os mecanismos enzimáticos que ocorrem no parênquima hepático. A remoção hepática de substâncias específicas por processos enzimáticos constitui-se na base das principais provas de função hepática utilizadas na atualidade. Realmente, verificou-se que o “clearance” como medida quantitativa da função hepática tinha valor limitado e deveria dar-se preferência à determinação das velocidades máximas de remoção. Assumindo que existe um fator limitante para cada reação dentro dos hepatócitos, determinado pela quantidade de enzima presente na etapa limitante de velocidade da mesma, podemos medir quantitativamente a função hepática através das velocidades máximas de determinados processos metabólicos que são proporcionais à massa hepática funcionante. As provas quantitativas para avaliar a função hepática são importantes para: a) Definir a função hepática residual. b) Seguimento do curso da doença e prognóstico em pacientes com hepatopatias agudas e cirrose. c) Prever o risco cirúrgico e o curso do pós-operatório em pacientes com função hepática residual reduzida. d) Determinar o tempo certo para o transplante de fígado.
Clearance do verde de indocianina O verde de indocianina (VI) é um corante que apresenta pico máximo de absorção entre os comprimentos de onda de 800 a 815 nm. Foi proposto inicialmente por Fox e col., em 1975, para estudos de diluição em cardiopatias. Parte 3
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Quando introduzido na circulação sanguínea, liga-se às proteínas plasmáticas, principalmente às alfalipoproteínas e à albumina. A remoção do sangue é feita exclusivamente pelas células do parênquima hepático, não sofrendo nenhuma transformação química em sua passagem pelo fígado, sendo excretada na bile sob a forma livre. O VI não sofre circulação êntero-hepática, e nas doses comumente empregadas não produz efeitos tóxicos, sendo toleradas até doses de 50 mg/kg de peso corporal. Devido à ausência de processos de remoção extra-hepáticos, o VI continua sendo utilizado para estudos de fluxo hepático. Diversos estudos mostram que o VI também pode ser utilizado para estudos de função hepática.
Teste da aminopirina A aminopirina é oxidada no fígado em duas etapas pelo sistema citocromo P-450, até aminoantipirina. Essa oxidação corresponde a uma dupla desmetilação, que confere à molécula original características hidrofílicas necessárias à sua excreção. O sistema citocromo P-450 é considerado dependente de amino- oxigenases, presente em altas concentrações no fígado e responsável pelo metabolismo hepático de diversas substâncias que envolvem reações de óxido-redução. Inicialmente o clareamento plasmático da aminopirina foi utilizado na avaliação quantitativa da função hepática. Devido à demora do teste e a dificuldades técnicas para a determinação da antipirina plasmática, passou a ser pouco utilizado na prática. Em 1973, utilizando-se aminopirina isotopicamente marcada, nos dois grupos metila, que são liberados quando ocorre a oxidação da droga no fígado, verificou-se experimentalmente que a quantidade de 14CO2 exalado na respiração era proporcional à queda de radioatividade plasmática. Desta forma, foi evidenciado que a medida de 14CO2 no ar exalado refletia o metabolismo hepático da aminopirina. A partir de 1974, utilizando-se a mesma metodologia no homem, concluiu-se que, após duas horas da administração oral de aminopirina marcada a medida do 14CO2 exalado podia ser correlacionada com a velocidade de desaparecimento plasmático da aminopirina, tanto em indivíduos normais como em pacientes com hepatopatias. O teste da aminopirina marcada, com coleta do ar exalado (Breath test) tem mostrado resultados satisfatórios e reflete, principalmente, a massa microssomal residual funcionante, e o tecido hepático disponível. A administração antes da prova de indutores microssomais tais como etanol, fenobarbital e difenil-hidantoína aumenta o perfil respiratório do CO2, ao passo que outras drogas como cimetidina e anticoncepcionais o deprimem. Em pacientes com hepatopatias de etiologia alcoólica o teste apresenta maior correlação com o grau de comprometimento histológico.
Capacidade hepática de eliminação da galactose (CEG) A galactose é metabolizada principalmente no fígado, o que justifica seu uso para a avaliação da função hepática sob capítulo 12
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o aspecto hepatocelular. A transformação da galactose em glicose-1-P, no fígado, ocorre em três etapas. Na primeira etapa ocorre a transformação da galactose em galactose-1-P, pela ação da enzima galactoquinase, e é considerada a etapa limitante de velocidade para a metabolização da galactose. A segunda etapa corresponde à transformação da galactose-1-P em UDP-Galactose. Cabe comentar que essa etapa representa uma solução de continuidade na galactosemia em crianças, por ausência de ambas as enzimas, galactose-1-P-uridiltransferase (que é a única presente em recém-nascidos e crianças), e a UDP-galactose pirofosforilase (presente em adultos). A terceira etapa corresponde à transformação da UDP-galactose em UDP-glicose e assume vital importância por ser dependente de NAD e inibida por NADH2. Em outras palavras, essa etapa é sensível ao estado de óxido-redução intracelular e, portanto, pode ser inibida pela ação de certas drogas como, por exemplo, o etanol. A realização do teste da CEG é feita por injeção intravenosa de uma solução isotônica de galactose (0,5 mg/kg de peso corpóreo. Em indivíduos normais a CEG é: 270 ± 40 mg/min). A dose de galactose utilizada na medida da CEG representa um excesso em relação à primeira etapa da metabolização hepática, mediada pela galactoquinase, que é a etapa limitante do processo. Desta forma, podemos considerar que a transformação ocorra em velocidade máxima (ou bem próxima: 96%), permitindo medir quantitativamente a massa hepática funcionante. A CEG discrimina com bastante sensibilidade entre pacientes com cirrose hepática e indivíduos normais, e consegue avaliar uma fase irreversível no comprometimento hepatocelular.
Teste MEGX O teste é baseado na injeção intravenosa de lidocaína, na dose de 1 mg/ kg de peso corporal, com coleta de amostras de sangue aos 15, 30 e 60 minutos após a injeção de lidocaína. A lidocaína é metabolizada no parênquima hepático pela ação do citocromo P-450 3A4 que catalisa a oxidação da lidocaína para seu metabólito: monoetilglicina-xilidina (MEGX). A concentração de MEGX após injeção intravenosa de lidocaína tem sido proposta como um marcador da função hepática microssomal (MEGX test). O teste MEGX depende do fluxo sanguíneo hepático (sendo suscetível à hipóxia) e da atividade do citocromo p-450. É um teste quantitativo da função hepática, que mostra boa correlação com a gravidade da doença hepática. Índices para prever a sobrevida são essenciais para estabelecer o prognóstico e determinar a prioridade para o transplante hepático em pacientes com cirrose hepática. O teste MEGX tem mostrado boa correlação com os índices (MELD, Child-Pugh) utilizados para prognóstico de sobrevida em pacientes cirróticos. Por esse motivo, o teste MEGX pode ter utilidade na seleção desses pacientes para transplante hepático, bem como para monitorar a função hepática do doador. 153
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Classificação e estadiamento das hepatopatias Em gera, os níveis séricos de atividade das aminotransferases (ALT e AST) são usados para acompanhar a atividade da doença hepática, mas dependendo da fase de evolução não conseguem avaliar o real comprometimento hepático. Alguns sistemas têm sido utilizados para avaliar a gravidade da doença hepática crônica. Um deles é a classificação de Child-Pugh para avaliar o prognóstico da doença hepática crônica, principalmente da cirrose. Atualmente, é utilizada para determinar o prognóstico bem como a necessidade de transplante. O escore de Child-Pugh é calculado somando-se os pontos de cinco fatores (Tabela 12.5) e varia de 5 a 15. As classes de Child-Pugh vão de A até C (Tabela 12.6), sendo que, em geral, a descompensação indica cirrose com um escore > 7 (classe B), e esse nível é um critério aceito para inclusão no cadastro do transplante hepático. Outro sistema é a escala MELD ou Modelo para Doença Hepática Terminal, que adota um sistema de pontuação para avaliar a gravidade da doença hepática crônica e também é utilizado para indicar o transplante. O cálculo do MELD é feito com a seguinte fórmula: MELD = 3,78 [Ln bilirrubina sérica (MG/dL)] + 11,2 [Ln INR] + 9,57 [Ln creatinina sérica (MG/dL] Na Tabela 12.7 consta a interpretação da escala MELD em pacientes hospitalizados.
Tabela 12.7 Interpretação da escala MELD em pacientes hospitalizados. Mortalidade em três meses. Pontuação
Mortalidade
≥ 40
100%
30-39
83%
20-29
76%
10-19
27%
51 (> 3,0)
Albumina sérica, g/L (g/dL)
> 35 (> 3,5)
30-35 (3,0-3,5)
< 30 (< 3,0)
Ascite
Nenhuma
Facilmente controlada
Mal controlada
Distúrbio neurológico
Nenhum
Mínimo
Coma avançado
0-4 < 1,7
4-6 1,7-2,3
>6 > 2,3
Tempo de protrombina (segundos de prolongamento) INR Fonte: Adaptada de Child et al., 1973.
Tabela 12.6 Classificação da doença hepática crônica em classes de A a C de acordo com o escore de Child-Pugh. Pontos
Classe
Sobrevida em um ano
Sobrevida em dois anos
5-6
A
100%
85%
7-9
B
81%
57%
10-15
C
45%
35%
Fonte: Adaptada de Child et al., 1973.
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Fígado, Enzimas e Proteínas Plasmáticas
2. A importância da associação de testes bioquímicos que, em conjunto com os dados clínicos, possam permitir um diagnóstico coerente, baseado em evidências.
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Parte 3
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PARTE
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Líquidos Biológicos Mauren Isfer Anghebem
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capítulo Mauren Isfer Anghebem Júlio Cezar Merlin
Líquido Amniótico Introdução O líquido amniótico é o fluido biológico que envolve o feto durante a gestação. Contido no interior da bolsa amniótica, ele protege o embrião de choques mecânicos e mantém a temperatura estável, além de fornecer nutrientes para seu desenvolvimento. Por conter células e metabólitos do feto, a análise do líquido amniótico pode ser utilizada para diagnóstico de sofrimento e maturidade fetal, de anomalias cromossômicas, defeitos do tubo neural e distúrbios genéticos. Neste capítulo serão destacados alguns dos testes mais utilizados para a detecção dessas condições.
FISIOLOGIA DO LÍQUIDO AMNIÓTICO Formação A bolsa amniótica é constituída por uma membrana derivada da somatopleura – combinação do ectoderma com o mesoderma −, também denominada âmnio. A formação da bolsa amniótica ou âmnio tem início uma ou duas semanas após a concepção, juntamente com a produção do líquido amniótico, que aumenta de volume com a progressão da gestação, com a contribuição do organismo materno e fetal. O líquido amniótico é formado pela placenta, que fornece água e solutos, e outra quantidade de líquido provém da urina e do trato respiratório do feto, do cordão umbilical, além do âmnion.
Função A função do líquido amniótico não se restringe à proteção mecânica do feto. Outras importantes funções desse fluido são: manter a temperatura ideal para o feto, permitir a circulação adequada para a troca de água e compostos orgânicos e inorgânicos com a mãe, além de conter proteínas e peptídios fundamentais para o processo de desenvolvimento do embrião.
Composição A composição do líquido amniótico é semelhante à do plasma materno, sendo composto por 98% a 99% de água,
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e o restante por células fetais de diversos tecidos e substâncias bioquímicas produzidas pelo feto. Durante a evolução da gestação, o líquido é absorvido e renovado continuamente, e sua composição se modifica. Um exemplo é o fato de que quando o feto começa a urinar, as concentrações de creatinina, ácido úrico e ureia aumentam e, em contrapartida, as concentrações de proteínas e glicose diminuem. Pelo fato de haver a deglutição e inalação do líquido amniótico pelo feto, além da liberação da urina nesse meio, a presença de células fetais epiteliais das vias urinária e digestiva pode ser utilizada para algumas análises laboratoriais, inclusive para estudos citogenéticos. Além dessas células, o líquido amniótico contém substâncias bioquímicas, que podem ser dosadas para avaliar o estado de saúde fetal ou sua maturidade. Dentre as substâncias bioquímicas encontradas no líquido amniótico estão: proteínas, eletrólitos, bilirrubina, enzimas, hormônios, lipídios e compostos nitrogenados não proteicos. O líquido amniótico também contém fatores proinflamatórios (interleucina 6, IL-6, IL-8, IL-1b) e anti-inflamatórios (IL-10), além de diversos fatores de crescimento, que estão associados ao desenvolvimento fetal. Assim como no plasma, a albumina representa cerca de 50% a 70% das proteínas totais do líquido amniótico. No entanto, sua composição proteica difere aproximadamente 65% da composição proteica do plasma. Mais de oitocentas proteínas já foram identificadas no líquido amniótico, entre elas a alfafetoproteína, a qual é produzida pelo saco vitelínico no início da gestação, e, posteriormente, pelo fígado e liberada para o líquido amniótico através da urina fetal. Apesar da função ainda pouco conhecida, a dosagem da alfafetoproteína é utilizada na identificação de diversas patologias que envolvem o feto.
Volume A produção de urina e fluido pulmonar fetal e a reabsorção pela deglutição fetal e pelos fluidos intramembranosos são os responsáveis pela manutenção do volume de líquido amniótico. A quantidade de líquido aumenta durante a gestação, atingindo 1.000 a 2.000 mL durante o terceiro trimestre.
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No primeiro trimestre, uma pequena quantidade de líquido é proveniente da mãe, porém, na metade da gestação o feto inicia a secreção de uma quantidade de agentes surfactantes para expansão dos pulmões, acarretando aumento do volume do líquido amniótico. E, com o início da produção de urina fetal, o feto começa a deglutir o líquido amniótico, regulando seu volume. Um acúmulo de líquido amniótico acarretando volumes superiores a 2.000 mL é denominado poli-hidrâmnio ou hidrâmnio. Essa condição é diagnosticada em 1% das gestações e, embora cerca de 2/3 dos casos sejam idiopáticos, o restante é associado a complicações tais como: distúrbios do tubo neural, anomalias cromossômicas, anomalias gastrointestinais ou do sistema nervoso central do feto, infecções congênitas, arritmias cardíacas, diabetes materno ou gestação múltipla. Essas associações são plausíveis, uma vez que anomalias tais como: fenda labial (lábio leporino), fenda palatina, atresia de esôfago ou de duodeno promovem uma redução na deglutição fetal ou falha na absorção do líquido no trato gastrointestinal do feto, e, consequentemente, aumento de volume do líquido amniótico. O diabetes materno pode ocasionar aumento da produção de urina fetal, ocasionando também poli-hidrâmnio. A síndrome de Bartter pré-natal, nefropatia tubular rara, deve ser investigada quando houver poli-hidrâmnio sem anomalias fetais ou de placenta aparentes. Neste caso, a dosagem aumentada de cloretos no líquido amniótico é esperada. Quantidades reduzidas de líquido amniótico ou oligo-hidrâmnio (volume inferior a 500 mL) podem ser decorrentes de deformidades no trato urinário, maior deglutição fetal, falhas nas membranas, redução do fluxo sanguíneo na placenta ou por ruptura prematura do âmnion. A deficiência do líquido amniótico pode causar hipoplasia pulmonar e malformações, como consequência da compressão do feto pelo útero.
AMNIOCENTESE Uma amostra do líquido amniótico pode ser obtida através de um procedimento ambulatorial conhecido como amniocentese. Essa técnica consiste na retirada de uma pequena quantidade de líquido amniótico por punção aspirativa da bolsa amniótica. A técnica mais utilizada é a amniocentese transabdominal guiada por ultrassonografia, mas outras técnicas e procedimentos podem ser utilizados, dependendo da preferência do clínico.
Indicação A amniocentese é considerada um procedimento simples, rápido e seguro, especialmente quando realizada após a 14ª semana de gestação. Há um pequeno risco de lesão do feto com a agulha, que pode causar infecções e, mais raramente, risco de aborto espontâneo. Por esses motivos, a amniocentese não é um procedimento de rotina em todas as gestações. Sua realização é recomendada para detectar e diagnosticar determinados defeitos congênitos, doenças genéticas e anomalias cromossômicas em fetos, principalmente se os tes160
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tes de triagem gestacional forem anormais. Indicado também para avaliar a maturidade pulmonar fetal e para diagnosticar e monitorar a doença hemolítica em fetos, causada por incompatibilidade de grupos sanguíneos entre mãe e feto. Para avaliar a presença de doenças genéticas, anomalias cromossômicas e defeitos do tubo neural, a amniocentese é indicada entre a 15a e a 20a semana de gestação. Quando houver risco aumentado ou necessidade de parto prematuro, a técnica pode ser realizada para avaliar a maturidade pulmonar fetal, após a 32a semana de gestação. Depois desse período de gestação, testes bioquímicos também podem ser realizados para monitorar os níveis de bilirrubina, quando há suspeita de que a gestante desenvolveu anticorpos contra os antígenos das hemácias fetais. Nesse caso, são feitas medidas repetidas da bilirrubina, em geral a cada 14 dias. Se houver suspeita de infecção congênita (infecção transmitida da mãe para o feto durante a gestação), o líquido amniótico pode ser analisado para investigar a presença do microrganismo responsável pela infecção. Os mais comuns são: Citomegalovirus, Toxoplasma gondii, Candida spp, Ureaplasma spp, Mycoplasma spp, Fusobacterium spp, Streptococcus spp, Bacteroides spp e Prevotella spp.
Coleta e processamento da amostra Para realizar a amniocentese, todo o abdômen da mãe é limpo com gaze estéril embebida em solução antisséptica (clorexidina ou iodopovidina). O clínico utiliza um ultrassom para verificar a posição da placenta e do feto dentro do útero antes de iniciar o procedimento. Um anestésico local pode ser aplicado ou injetado na pele para minimizar o desconforto materno. Uma agulha fina é inserida através da parede abdominal, do útero e da bolsa amniótica para aspirar o líquido amniótico (Figura 13.1). A quantidade coletada pode variar de 10 a 20 mL (máximo 30 mL), em várias seringas, para evitar a contaminação de toda a amostra com sangue materno e células. Desta forma, é aconselhável descartar os primeiros 2 ou 3 mL coletados. Imediatamente após a coleta, o líquido deve ser aliquotado em tubos plásticos estéreis, e um deles deve ser protegido da luz, para a determinação de bilirrubinas. Tubos de vidro não são recomendados, por promover a adesão das células à sua superfície. O processamento da amostra de líquido amniótico varia conforme o exame solicitado. Em todos os casos, se for necessário armazenar a amostra por mais de 24 horas, ela deve ser congelada, mas repetidos ciclos de congelamento e descongelamento devem ser evitados. As alíquotas devem ser homogeneizadas vigorosamente após o descongelamento. Para a realização de testes bioquímicos, a amostra deve ser centrifugada (2.000 a 2.500 rpm/10 minutos) para separar completamente as células fetais do líquido sobrenadante, evitando possíveis interferências do metabolismo celular. Para testes de maturidade pulmonar fetal, a amostra deve permanecer congelada e o teste deve ser realizado em até 72 horas. As alíquotas destinadas aos estudos citogenéticos (análises cromossômicas e do DNA) devem permanecer em temperatura ambiente ou incubadas a 37 oC, a fim de manter as céParte 4
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Líquido Amniótico Ultrassom O sobrenadante é utilizado para testes bioquímicos e biofísicos
São retirados 10-20 mL do líquido amniótico Líquido amniótico Células do feto As células são separadas do líquido por centrifugação
Líquido amniótico com células do feto
Análise do DNA para verificar mutações
Análise do cariótipo para verificar anomalias cromossômicas
Cultura de células
Figura 13.1 Ilustração esquemática da amniocentese. Com o auxílio de ultrassom, o médico determina o melhor local para puncionar a
agulha. Uma pequena quantidade do líquido amniótico é aspirada e distribuída em tubos plásticos. As células do feto e a parte líquida são separadas por centrifugação, e a amostra será processada conforme o teste que será realizado. Fonte: Cintia Marques Vieira.
lulas vivas e bem conservadas, e centrifugadas a 1.000 rpm/5 minutos antes das análises específicas.
ANÁLISE LABORATORIAL DO LÍQUIDO AMNIÓTICO Diversos exames podem ser realizados com o líquido amniótico para avaliar o estado de saúde do feto. Com base na finalidade dos exames, eles podem ser divididos em: 1) testes para diagnóstico pré-natal de anomalias cromossômicas, distúrbios genéticos e defeitos congênitos; 2) testes de sofrimento fetal; e 3) testes de maturidade fetal.
Exame físico O líquido amniótico normal é incolor ou branco-amarelado e apresenta um aspecto ligeiramente turvo em virtude da sua celularidade. O aspecto do líquido vai modificando no decorrer da gestação, sendo claro e sem grumos no início da gestação (menos de 12 semanas de gestação), passando a opaco e com grumos a partir da 36a semana de gestação. Alterações na cor do líquido amniótico podem indicar problemas com o feto. Uma cor amarelo-escuro está associada à presença de bilirrubina, indicativa de lise eritrocitária, e, consequentemente, de doença hemolítica do recém-nato por incompatibilidade de grupos sanguíneos ABO e Rh. Uma coloração verde-escuro pode ser resultante da primeira evacuação do feto, denominada mecônio. A aspiração de grandes quantidades de mecônio pelo feto, durante a deglutição do líquido amniótico, pode ser preocupante. O sangue confere uma coloração rosada ou vermelha ao líquido amniótico, e sua presença pode ser resultado de uma punção traumática, de um trauma abdominal ou de hemorcapítulo 13
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ragia fetal. A origem do sangue pode ser determinada com a realização do teste de Kleihauer-Betke, que identifica hemoglobina fetal. Líquido amniótico de cor castanho-escuro pode indicar morte fetal.
Exames citológicos microscópicos A pesquisa de células orangiófilas pelo emprego do corante azul de nilo (também denominada índice citolipídico) pode auxiliar na identificação do grau de maturidade fetal. Essa técnica consiste na mistura de uma gota do líquido amniótico com uma gota de sulfato azul de nilo a 0,1%, homogeneização e leitura em microscópio ótico comum. As células da superfície queratinizada do epitélio, ricas em gorduras, coram-se de laranja, sendo denominadas células orangiófilas. O número de células aumenta com a maturidade da pele fetal: até a 34ª semana de gestação, menos de 1% de células orangiófilas são encontradas; entre a 34a e 38a semana observa-se 1% a 10% dessas células; entre a 38a e 40a semana, de 10% a 40%; e, acima de 40 semanas, mais de 40% de células orangiófilas são encontradas no líquido amniótico.
Testes para anomalias cromossômicas, distúrbios genéticos e defeitos congênitos Análise cromossômica ou cariótipo As anomalias cromossômicas associadas a diversos distúrbios são investigadas por exame citogenético denominado análise cromossômica ou cariótipo. Cariótipo é um conjunto diploide de cromossomos das células somáticas de um organismo. Seres humanos possuem 46 cromossomos, agrupados em 23 pares, sendo 22 pares autossômicos e um par alossômico sexual, o qual diferencia o gênero de um organismo em 161
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Tratado de Análises Clínicas
masculino e feminino. A análise do cariótipo serve para identificar cromossomos com alterações numéricas e/ou estruturais. Como resultado da análise dos cromossomos, o sexo do feto pode ser determinado. Diversas anomalias cromossômicas podem ser identificadas, entre elas: Síndrome de Down ou Trissomia 21: ocasionada pela presença de um cromossomo 21 extra. Síndrome de Klinefelter: causada por um cromossomo X extra. É a anomalia de cromossomos sexuais mais comum no sexo masculino. Síndrome de Turner: causada pela ausência de um cromossomo X em indivíduos do sexo feminino. Síndrome de Edwards ou Trissomia 18: causada pela presença de um cromossomo 18 extra, e associada a retardo mental grave. Síndrome de Patau ou Trissomia 13: causada por um cromossomo 13 extra. É indiscutível a importância da análise cromossômica na determinação de anomalias, mas o exame pode não detectar 100% das alterações. Uma seleção clonal em células do líquido amniótico obtidas de cultura, assim como anomalias pós-zigóticas não visíveis de forma homogênea em todos os tecidos fetais podem impedir a identificação de algumas anomalias.
Testes genéticos Doenças genéticas e hereditárias são pesquisadas através da análise genética ou molecular do líquido amniótico. O DNA fetal é analisado para que mutações genéticas específicas possam ser identificadas. Os testes genéticos podem ser solicitados com base no histórico familiar e pessoal dos pais. Devem ser realizados entre a 15a e 20a semana de gestação quando: A gestante tiver idade avançada. Foi detectada uma anomalia na ultrassonografia fetal. Houver história familiar de um distúrbio genético específico, ou um ou ambos os pais tiverem um distúrbio hereditário. A gestante apresentar uma anomalia na triagem pré-natal do primeiro trimestre ou na triagem pré-natal do segundo trimestre, como aumento ou diminuição dos níveis de alfafetoproteína. Outra criança da mesma mãe apresentar anomalia cromossômica ou defeito congênito.
Testes para defeitos congênitos Defeitos do tubo neural, como a espinha bífida e a anencefalia, podem acarretar aumento da concentração de substâncias tais como alfafetoproteína e acetilcolinesterase no líquido amniótico.
Alfafetoproteína A alfafetoproteína é a principal proteína produzida pelo fígado do feto no início da gestação, com pico entre a 16a e a 18a semana. Suas concentrações vão declinando até o final 162
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da gestação se o desenvolvimento fetal for normal. A alfafetoproteína é secretada na urina fetal, podendo ser dosada no líquido amniótico, e também pode ser encontrada no soro materno, devido à circulação compartilhada entre mãe e feto. No caso de defeitos no tubo neural, a pele do feto não fecha sobre o tecido neural, e quantidades elevadas de alfafetoproteína são encontradas no líquido amniótico e no soro materno. Sua dosagem no líquido amniótico é indicada quando há histórico familiar de defeito do tubo neural ou as concentrações no soro materno estão muito aumentadas. Em caso de gestações múltiplas, há aumento significativo na concentração de alfafetoproteína. Concentrações elevadas também estão presentes em outras malformações (defeitos da parede abdominal, obstrução urinária e outras anomalias renais, defeitos de osteogênese, defeitos congênitos de pele), na síndrome de Turner, em casos de obstrução esofágica ou intestinal, e necrose hepática. Concentrações diminuídas podem indicar trissomias cromossômicas, como síndrome de Down, doença trofoblástica gestacional, morte fetal e aumento do peso materno.
Acetilcolinesterase Quando as concentrações de alfafetoproteína estão aumentadas no líquido amniótico é recomendada a determinação da acetilcolinesterase amniótica. Sua concentração aumenta na presença de defeitos do tubo neural e de outras anomalias anatômicas. É mais específica que a alfafetoproteína, mas a presença de sangue no líquido amniótico prejudica sua determinação, já que ela também está presente nas hemácias.
Testes de sofrimento fetal O sofrimento fetal pode ser causado por diversas complicações obstétricas, tais como: infecções, síndrome da angústia respiratória do recém-nascido (SAR) e doença hemolítica do recém-nato ou eritroblastose fetal. Essas condições podem causar parto prematuro e aborto espontâneo. As já citadas variações de cor do líquido amniótico podem indicar sofrimento e até mesmo óbito fetal. Além de exames físicos, outros exames também são usados para detectar ou monitorar o sofrimento fetal. Infecções podem ser detectadas pela coloração de Gram do material, cultura e testes moleculares. A SAR, causa mais comum de óbito em prematuros, pode ser prevista pela análise dos níveis de surfactantes pulmonares (veja Teste de maturidade pulmonar fetal). E a anemia hemolítica é usualmente avaliada pela determinação de bilirrubinas no líquido.
Bilirrubina A doença hemolítica do recém-nato ou eritroblastose fetal acontece quando a mãe desenvolve anticorpos contra antígenos da hemácia do feto. Frequentemente, os anticorpos produzidos são contra o fator Rh (D) fetal, mas anticorpos contra os grupos sanguíneos ABO também podem desencadear a destruição das hemácias. A produção desses anticorpos geralmente acontece porque a gestante foi exposta, em uma gestação anterior ou Parte 4
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Líquido Amniótico
Variação na densidade ótica (DO)
1.00 0.90 0.80 0.70 0.60 0.50 0.40
Pico de oxi-hemoglobina
0,6 0,5
Pico de bilirrubina
0,4 Absorbância
durante uma transfusão sanguínea, a antígenos de hemácias diferentes daqueles presentes em suas próprias hemácias. Em uma gestação posterior, se as hemácias do feto tiverem esses antígenos, herdados do pai, haverá incompatibilidade materno-fetal e os anticorpos da mãe poderão destruir as hemácias fetais, provocando a anemia hemolítica do recém-nato. A bilirrubina é um produto da degradação do heme, grupo prostético da hemoglobina. Na anemia hemolítica, grandes quantidades de heme são liberadas, e, consequentemente, haverá a formação de grandes quantidades de bilirrubina indireta ou não conjugada, que estarão presentes no líquido amniótico. Em 1961, Liley propôs o uso da análise espectral do líquido amniótico para verificar a quantidade de bilirrubina fetal e assim predizer a gravidade da doença hemolítica do recém-nato. A determinação da bilirrubina no líquido amniótico pode ser feita a partir da 25a semana de gestação, para avaliar a gravidade da anemia hemolítica do feto. A quantificação da bilirrubina no líquido amniótico é feita por análise espectrofotométrica, em que a densidade ótica (DO) do líquido é medida entre 365 e 550 nm. Em 450 nm há um aumento na DO, já que é nesse comprimento de onda que ocorre máxima absorção da bilirrubina. Esse método é também conhecido como variação ou d da densidade ótica em 450 nm (∆DO450). Os resultados são plotados em papel semilogarítmico. Em um líquido amniótico normal a DO é maior em 365 nm, e vai reduzindo linearmente em 550 nm (Figura 13.2).
0,3 0,2 Padrão normal
0,1
350
365
450 530 410 Comprimento de onda (nm)
550
Figura 13.2 Varredura espectrofotométrica da bilirrubina em líquido amniótico. A diferença entre a DO do padrão normal e a DO em 450 nm (∆DO450) representa a concentração de bilirrubina no líquido amniótico. O desvio da curva em relação à linha reta verde em 450 nm é diretamente proporcional à quantidade de bilirrubina. A oxi-hemoglobina é um contaminante e corresponde ao ∆DO410. Esse interferente pode ser eliminado com a centrifugação do líquido amniótico. Fonte: Adaptada de Strasinger SK, Di Lorenzo MS., 2008.
A diferença de DO encontrada é plotada no gráfico de Liley para determinar a severidade da anemia do feto (Figura 13.3).
Zona 3 Feto severamente afetado: requer intervenção
0.30 0.20 0.10 0.09 0.08 0.07 0.06 0.05 0.04
Zona 2 Feto moderadamente afetado: requer monitoramento
Zona 1 Feto não afetado ou discretamente afetado
0.03 0.02 0.01 20
22
24
26
28
30
32
34
36
38
40
Idade gestacional em semanas Figura 13.3 Exemplo de gráfico ou curva de Liley. O gráfico é dividido em três zonas: resultados dentro da zona I indicam anemia hemolítica
ausente ou leve; resultados dentro da zona II indicam doença moderada, o feto deve ser monitorado a cada uma ou duas semanas; e resultados acima da zona II indicam comprometimento severo do feto, o que pode requerer intervenção como transfusão intrauterina ou parto. Fonte : Adaptada de Strasinger SK, Di Lorenzo MS., 2008.
capítulo 13
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Tratado de Análises Clínicas
Não há um método padronizado para a determinação da bilirrubina no líquido amniótico pela variação da DO. Muitos laboratórios não utilizam o método originalmente descrito por Liley. Essas variações metodológicas não interferem significativamente nos resultados, no entanto, é importante lembrar que métodos que utilizam extração com clorofórmio podem dar resultados inferiores quando comparados às demais metodologias. E o uso da escala linear em substituição da logarítmica também pode fornecer resultados mais baixos. Embora a determinação seriada da variação da DO a 450 nm (∆DO450) seja o método mais comum para avaliar a severidade da doença hemolítica, a ultrassonografia Doppler ou Dopplervelocimétrica da artéria cerebral média é um método não invasivo, que pode ser utilizado para essa finalidade com resultados semelhantes.
Testes de maturidade pulmonar fetal Os testes para avaliar a maturidade pulmonar fetal são feitos quando uma gestante tem risco elevado de parto prematuro ou quando um parto prematuro é necessário para preservar a saúde da mãe ou do recém-nato. Os exames se baseiam na determinação de substâncias que normalmente estão presentes nos pulmões maduros do feto, revestindo os alvéolos. Elas funcionam como detergentes, mantendo a tensão superficial dos alvéolos reduzida, permitindo que inflem com o ar, e impedindo que colabem durante a inspiração e expiração fetal. Essas substâncias são denominadas surfactantes pulmonares. Se houver um nível insuficiente de surfactante, o recém-nascido pode desenvolver a síndrome da angústia respiratória, com risco de vida. Os componentes surfactantes presentes no líquido amniótico variam, dependendo da maturidade pulmonar do feto. Podem estar presentes fosfolipídios, incluindo lecitina, esfingomielina, fosfatidilglicerol, fosfatidillinositol e fosfatidiletanolamina, além de enzimas da via dos fosfolipídios, corpos lamelares e apolipoproteínas específicas do pulmão. Os exames laboratoriais mais utilizados para avaliar a maturidade pulmonar fetal avaliam a presença desses surfactantes no líquido amniótico, e são divididos em: a) métodos bioquímicos para determinar surfactantes (relação lecitina/ esfingomielina, relação lecitina saturada/lecitina total, determinação de fosfatidilglicerol, e palmitato/estearato); b) métodos biofísicos (teste de estabilidade da espuma ou de agitação, contagem de corpos lamelares); e c) testes indiretos (atividade tromboplástica, teste da fluorescência polarizada, e densidade ótica a 650 nm). A relação lecitina/esfingomielina e a dosagem de fosfatidilglicerol são considerados os exames mais recomendados para avaliar a maturidade pulmonar fetal.
Relação lecitina/esfingomielina (L/E) A lecitina é o principal fosfolipídio surfactante pulmonar, e juntamente com a esfingomielina são produzidas em quantidades relativamente iguais até a 32a ou 33a semana de gestação. Após esse período, há um aumento significativo na produção de lecitina e redução da esfingomielina. A relação 164
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entre esses dois componentes do surfactante pode ser utilizada para avaliar a maturidade pulmonar. Após a 35a semana de gestação, uma relação L/E ≥ 2,0 indica maturidade pulmonar. Valores inferiores a 1,6 refletem a baixa quantidade de lecitina, e, consequentemente, a possibilidade de colapso pulmonar no caso de parto prematuro. A idade gestacional pode ser um preditor independente de SAR. Acima de 38 semanas, a SAR é rara, mesmo com relação L/E abaixo de 1,6. E, contrariamente, uma relação L/E ≥ 2,0 a probabilidade de ocorrer SAR pode ser alta, variando de 25% na 34a semana, a 95% na 26a semana. A relação L/E também não apresenta boa correlação com a maturidade pulmonar quando a mãe tem alguma condição patológica que acelere ou retarde a maturação fetal. A quantificação da lecitina e da esfingomielina é feita por cromatografia em camada delgada, que apresenta um elevado coeficiente de variação analítica. A migração é assegurada por uma mistura de solventes polares (clorofórmio - metanol água), que separa os diferentes lipídios. Sangue e mecônio no líquido amniótico são interferentes que podem causar resultados falsamente elevados. A determinação de outro fosfolipídio surfactante, o fosfatidilglicerol, pode ser uma alternativa com melhor custo-benefício.
Determinação de fosfatidilglicerol A produção de fosfatidilglicerol acompanha a da lecitina e da esfingomielina, indicando maturidade pulmonar fetal. Nos casos de gestantes com diabetes, sua produção pode retardar; a relação L/E pode estar dentro do esperado (≥ 2,0), mas o pulmão do feto ainda pode não estar maduro. Métodos enzimáticos, imunológicos e cromatográficos podem ser empregados para a determinação de fosfatidilglicerol. A cromatografia em camada delgada é o método mais utilizado, mas requer infraestrutura. Já o método imunológico Amniostat-FLM (Irvine Scientific, Santa Ana, CA), que utiliza anticorpos específicos contra fosfatidilglicerol, é mais rápido e não é afetado pela presença de sangue e mecônio.
Teste de agitação ou estabilidade da espuma Também conhecido como Shake test ou teste de Clements, é um teste de triagem para determinação de surfactante pulmonar no líquido amniótico. O teste fundamenta-se na capacidade dos fosfolipídios de reduzir a tensão superficial do líquido amniótico e formar bolhas, mesmo na presença de álcool, que é um agente antiespumante. Uma parte de líquido amniótico é misturada com uma parte igual de etanol a 95%, agitado vigorosamente por 15 segundos e deixado em repouso por 15 minutos. Após esse período, se houverem bolhas presentes é indicativo de quantidade suficiente de fosfolipídios no líquido amniótico. O teste de estabilidade da espuma é uma variação do teste de agitação. Neste teste, 0,5 mL de líquido amniótico deve ser adicionado em 3 tubos contendo 0,5 mL de etanol com concentrações de 25%, 50% e 75%, respectivamente. Os tuParte 4
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bos são agitados durante 15 segundos e deixados em repouso por 15 minutos, para então ser analisada a presença de espuma contínua na borda dos tubos. É indicativo de maturidade fetal a presença de espuma estável na borda dos 3 tubos. A presença de espuma estável apenas no tubo 1 indica imaturidade fetal e a persistência nos tubos 1 e 2 sugere maturidade intermediária. Esse procedimento fornece uma medida semiquantitativa da quantidade de surfactante presente no líquido. Embora a sensibilidade deste teste seja de 98% a 100%, a sua especificidade é 85%. Sangue e mecônio também reduzem a tensão superficial do líquido, dando resultados falsamente elevados.
Contagem de corpos lamelares Os corpos lamelares são estruturas fosfolipídicas que armazenam os surfactantes produzidos e secretados pelos pneumócitos fetais tipo II. Eles são formados a partir de vinte semanas de gestação e chegam ao líquido amniótico pelos movimentos respiratórios do feto. Portanto, o número de corpos lamelares presentes no líquido corresponde à quantidade de fosfolipídios presentes no pulmão do feto, e, consequentemente, o grau de maturidade fetal. Por volta do terceiro trimestre de gestação, a contagem de corpos lamelares atinge 50 mil a 200 mil corpos lamelares/mL de líquido amniótico. Uma vez que o tamanho dos corpos lamelares é semelhante ao tamanho de uma plaqueta, eles podem ser facilmente quantificados através do canal de contagem de plaquetas dos analisadores hematológicos. Tem-se considerado 35 mil corpos lamelares/mL de líquido, um valor de corte para caracterizar maturidade pulmonar fetal. No entanto, como cada analisador utiliza um princípio de contagem de plaquetas, os valores de corte podem variar. A técnica manual consiste em centrifugar o líquido amniótico a 1.500 rpm/10 minutos e determinar a DO do sobrenadante em 650 nm. Nesse comprimento de onda, uma DO de 0,150 ou mais corresponderia a uma relação lecitina/ esfingomielina ≥ 2,0, e indicaria a presença de fosfatidilglicerol. O mecônio causa interferência discreta na determinação dos corpos lamelares por esta metodologia.
Teste da fluorescência polarizada Os surfactantes reduzem a microviscosidade do líquido amniótico. Essa redução pode ser detectada através do ensaio TDx-FLM II (Abbott Laboratories, Abbott Park, IL). O teste avalia a relação surfactante/albumina (onde a albumina atua como padrão interno, pois sua concentração é constante durante toda a gestação), e a polarização fluorescente desses dois componentes. Um corante fluorescente se liga aos surfactantes e também à albumina presentes no líquido amniótico. Quando ligado ao surfactante, o corante exibe um tempo de fluorescência longa e baixa polarização; e, quando ligado à albumina, a fluorescência é curta e a polarização é alta. Quanto maior a intensidade da polarização fluorescente, menor é a quantidade de surfactante, e, consequentemente, mais imaturo está o pulmão do feto.
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As mudanças registradas na polarização fornecem uma relação surfactante/albumina, que é comparada com uma curva de calibração, padrão que varia de 0 a 160 mg/g de fosfatidilglicerol. Valores ≤ 39 mg/g refletem imaturidade pulmonar. Outros ensaios substituirão a fluorescência polarizada para determinação da maturidade pulmonar fetal, já que o fabricante pretende descontinuá-lo.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE LABORATORIAL DO LÍQUIDO AMNIÓTICO Os resultados da análise do líquido amniótico podem não condizer com o estado geral de saúde do recém-nato. Existe uma pequena porcentagem de resultados falso-positivos ou negativos, o que significa que resultados normais não excluem todas as complicações que podem acometer o feto, assim como resultados alterados podem aparecer em fetos saudáveis. A presença de altas concentrações de alfafetoproteína é um indicativo de defeitos do tubo neural. É possível reduzir o risco desses defeitos com suplementação de ácido fólico durante a gestação. O aumento da concentração de bilirrubina no líquido amniótico indica doença hemolítica do recém-nato, que pode ser evitada com a administração de imunoglobulina anti-RH na gestante logo após o parto. A análise de surfactantes reflete a maturidade pulmonar fetal, que quando estão em baixas concentrações de surfactantes mostram que os pulmões do feto ainda não amadureceram. Neste caso, o médico pode tentar adiar o parto para permitir o desenvolvimento pulmonar. Já os defeitos genéticos e cromossômicos não podem ser evitados. Se alguma anomalia cromossômica ou algum defeito genético forem detectados, provavelmente o recém-nato terá a condição clínica associada. A gestante deve discutir os resultados de seus exames com o seu médico e, em alguns casos, é recomendado aconselhamento genético.
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capítulo Samuel Ricardo Comar Gisele Maria Buczenko Singer Mauren Isfer Anghebem
Angela Maria de Souza Sérgio Monteiro de Almeida
Líquido Cefalorraquidiano – LCR LÍQUIDO CEFALORRAQUIDIANO Introdução A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) é uma ferramenta fundamental para a obtenção de informações diagnósticas relevantes para uma série de doenças do sistema nervoso (Ennis; Keep, 2006; Weaver et al., 2004; Johanson et al., 2008). Como está em contato íntimo com o parênquima encefálico e a medula espinhal, sua investigação traz importantes informações sobre alterações no microambiente neuronal. O LCR pode ser considerado, de certa forma, uma biópsia líquida do cérebro. Do ponto de vista diagnóstico, sua coleta está indicada em processos infecciosos e não infecciosos no SNC. O objetivo deste capítulo é fornecer uma visão atual e contemporânea da análise do LCR para profissionais de laboratório, clínicos e todos aqueles que se interessam pela interpretação do LCR.
História A presença de um fluido no interior da cavidade cerebral é conhecida desde tempos remotos. No século IV a.C. o pai da Medicina, Hipócrates, registrou a presença de um fluido dentro do cérebro e também realizou a primeira punção ventricular post mortem em um paciente com hidrocefalia. Contudo, somente no início do século XIX começaram as primeiras análises sistemáticas do líquido cefalorraquidiano (LCR). Ao médico francês François Magendie (1783-1855) é creditado o nome liquide cérébro-spinal por meio de seu trabalho, que estabeleceu a existência de uma comunicação ventricular para o espaço subaracnoide. Em 1855, o anatomista alemão Hubert von Luschka (1820-1875) descreveu detalhadamente os ventrículos cerebrais, os espaços subaracnoides, o LCR e o plexo coroide. Ele também aplicou técnicas experimentais para determinar os aspectos dinâmicos do LCR. Em 1875, Axel Key e Gustaf Retzius fizeram descrições detalhadas das membranas e das cavidades do interior do cérebro e da medula espinhal. Com o emprego de corantes, eles estabeleceram que o LCR fluía dos ventrículos para o
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espaço subaracnoide por meio de pulsações do plexo coroide que impulsionavam o LCR até ser absorvido pelas granulações aracnoides para dentro dos seios venosos. Também confirmaram a existência do forame lateral de Luschka e do forame medial de Magendie os quais, somados ao forame de Monro e do aqueduto de Sylvius, possibilitam a circulação e a distribuição do LCR entre os ventrículos e destes para o espaço subaracnoide que envolve o cérebro e a medula espinhal. A Heinrich Irenäus Quincke foi creditada a realização da punção lombar (PL) em 1891 assim como sua introdução na prática clínica para fins diagnósticos. No começo do século XX muitos trabalhos foram realizados para descrever as características do LCR em várias doenças. Muitos dos relatos clínicos sobre LCR publicados antes da Segunda Guerra Mundial foram sobre neurosífilis, meningite bacteriana aguda e tuberculosa, e a ênfase nessas doenças impactou enormemente na análise de rotina realizada nos dias atuais (Key; Retzius, 1873; Albright Jr, 1991; Frederiks; Koehler, 1997). A evolução do estudo do LCR no Brasil é revisada por Livramento e Machado (2013).
FORMAÇÃO, CIRCULAÇÃO, FUNÇÕES E COMPOSIÇÃO O LCR é um fluido corporal estéril e de aparência clara que ocupa o espaço subaracnoide, situado entre as membranas aracnoide e pia mater e circula pelos hemisférios cerebrais e medula espinhal. O LCR é um fluido cristalino estéril produzido pelas células do plexo coroide dos ventrículos laterais do cérebro e em menor proporção pelo plexo coroide do terceiro e do quarto ventrículos cerebrais. Uma pequena parte é produzida em locais extracoroidais, como o epitélio ependimário dos ventrículos e o espaço subaracnoide cerebral. A produção é realizada de duas maneiras, onde na primeira observa-se filtração passiva do sangue pelo endotélio capilar coroidal, que é o tecido que constitui o plexo coroide, e que é diretamente proporcional ao gradiente entre a pressão hidrostática do sangue e do fluido intersticial coroide. Já na segunda maneira, que é modulada neuroen-
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dócrina e hormonalmente, ocorre um processo de secreção ativa pelo epitélio colunar ependimário simples e secretor dos ventrículos que envolve bombas transportadoras, canais iônicos e aquaporinas. O LCR é reabsorvido para a corrente circulatória por meio das granulações aracnoides, que são evaginações da membrana aracnoide compostas por células endoteliais especializadas e que estão associadas aos seios venosos, representando a interface entre o sangue o LCR (Johanson et al., 2008; OSHIO et al., 2005;Weaver et al., 2003; Torzewski et al, 2008; Galagan et al., 2006; Blomberg et al., 2012; Hussong; Kjeldsberg, 2015). O fluxo do LCR é pulsátil e essa pulsação depende da hemodinâmica arterial no plexo coroide. Esse fluxo ocorre dos ventrículos laterais, passando pelo orifício de Monro, para o terceiro, descendo, em seguida ao quarto ventrículo, através do aqueduto de Sylvius. Do quarto ventrículo, passando pelos forames de Magendie e Luschka, segue até as cisternas basais e, posteriormente, aos espaços subaracnoides espinhal e cortical. Além da macrocirculação através do espaço ventricular subaracnoide, há uma limitada microcirculação que segue do espaço subaracnoide até o espaço subpial de Virchow-Robin que, por sua vez, permite a eliminação de parte do LCR presente no cérebro por vias de drenagem. A eliminação ou reabsorção do LCR do SNC ocorre principalmente por desvios existentes no espaço subaracnoide, predominantemente ao longo do seio sagital superior, chamados de vilosidades aracnoides, as quais cercam nervos cranianos. A eliminação do LCR também ocorre pela placa cribriforme, ocasionando, assim, o retorno do LCR para a circulação venosa. Todo este trajeto exige aproximadamente 1 hora para ser completado e o fluxo é mais rápido no sentido da gravidade (Egnor et al., 2002; Stoquart-Elsankari et al., 2007; Johanson et al., 2008; Rennels et al., 1990; Proescholdt et al., 2000; Torzewski et al, 2008; Boulton et al.,1999; Zakharov et al., 2004; Luedemann et al., 2002; Miyajima; ARAI, 2015).
Funções do LCR O LCR apresenta várias funções como suporte físico, fornecimento de nutrientes essenciais ao cérebro, a remoção de produtos da atividade catabólica neuronal do SNC, a proteção mecânica das células cerebrais onde atua como um amortecedor para o córtex cerebral e a medula espinhal, além de ser um veículo de transporte de substâncias biologicamente ativas, principalmente no sistema hipotálamo hipofisário (Jones, 2006; Skipor;Thierry, 2008; Johanson et al., 2008; Redzic et al., 2005; Silverberg et al., 2001).
COLETA DO LÍQUIDO CEFALORRAQUIDIANO E CUIDADOS PRÉ-ANALÍTICOS Locais de coleta da amostra A coleta de LCR é um procedimento médico invasivo, realizada após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelo paciente ou por seu representante 168
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legal, de acordo com a Resolução no 196 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), de 10 de outubro de 1996 (SOHLER et al., 2002). A coleta de LCR deve ser realizada por médico devidamente treinado. O local de coleta é preferencialmente a região lombar, mas pode ser feita em outros locais como suboccipital ou cisternal, ventricular (procedimento neurocirúrgico ou crianças com fontanela aberta até aproximadamente 1 ano e meio deidade) e cervical lateral (Fishman, 1992; Puccioni-Sohler et al., 2002).
Indicações para coleta e análise de LCR A coleta de LCR está indicada nos processos infecciosos do sistema nervoso e seus envoltórios; processos granulomatosos com imagem inespecífica; doenças desmielinizantes; estadiamento e tratamento de leucemias e linfomas, e profilaxia de envolvimento do SNC; imunodeficiências; processos infecciosos com foco não identificado; hemorragia subaracnoídea; diagnóstico e avaliação prognóstica de hidrocefalia de pressão normal (tap test). Como tratamento, a punção lombar está indicada para aplicação de medicação intratecal para profilaxia do SNC nas leucemias e linfomas; tratamento da hipertensão intracraniana por punção repetida no caso de meningite por Cryptococcus spp. (Amercian Academy Of Neurology, 2005).
Contraindicações para coleta de LCR A punção liquórica eletiva deve ser realizada sempre após a realização de um exame de imagem por tomografia axial computadorizada ou ressonância nuclear magnética. Exceção são os casos com suspeita de meningite bacteriana aguda. Todas as contraindicações para coleta de LCR são relativas. A contraindicação mais importante para a coleta de LCR é a presença de hipertensão intracraniana principalmente relacionada com lesões ocupando espaço. Infecções locais da pele ou presença de escaras no local de punção podem ser contraindicações para realizar uma punção de LCR, e outro nível da coluna lombar pode ser utilizado para o procedimento (Engelborghs et al., 2017). Coagulopatias, diáteses hemorrágica e o uso de medicação anticoagulante são contraindicações relativas e devem ser corrigidas antes da punção lombar. Caso haja história ou suspeita clínica, o estado de coagulação do paciente (RNI 40 × 103/µL) devem ser verificados por meio de exame laboratorial recente antes da punção.
Cuidados pré-analíticos na coleta de LCR O LCR deve ser coletado em tubos estéreis, sem anticoagulante, em no mínimo três tubos devidamente identificados. A identificação do material deve conter nome, número de registro do paciente e a data da coleta. O local da coleta de LCR deve ser registrado na requisição, uma vez que os valores de referência dos parâmetros citológicos e bioquímicos variam de acordo com o local da punção (Fishman, 1992). Parte 4
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Líquido Cefalorraquidiano – LCR
A amostra do primeiro tubo deve ser encaminhada para análises bioquímicas e sorológicas; o segundo tubo será utilizado para os exames microbiológicos, e o terceiro tubo destina-se às contagens celulares devido a menor probabilidade de conter células sanguíneas, introduzidas acidentalmente no momento da punção. Tubos adicionais podem ser coletados para microbiologia ou outros teses. No caso de amostras encaminhadas para bacteriologia, coletar em tubos de transporte com Ágar chocolate. A Tabela 14.1 mostra os tubos de coleta do LCR e os requisitos das amostras, respectivamente. O sobrenadante do LCR após as análises não deve ser descartado e pode ser utilizado para análise bioquímica ou sorologias, e pode ser congelado para análises futuras. Nos casos em que a amostra tenha sido coletada em apenas um único tubo, este deve ser enviado primeiramente para o Laboratório de Microbiologia, em seguida ao Laboratório de Hematologia e, por fim, ao Laboratório de Imunoquímica. Amostras para realização de métodos de biologia molecular devem ser coletadas em tubos estéreis livres de enzimas que possam destruir o material nucleico (DNAse ou RNAse). A amostra recém-colhida de LCR deve chegar ao laboratório o mais rápido possível para que os testes sejam realizados, idealmente, em caráter de urgência. Após 2 horas pode ocorrer degradação ou alterações morfológicas de hemácias, leucócitos e outros tipos celulares, além de diminuição da glicose, aumento na concentração das proteínas e de bactérias. Caso as análises não possam ser realizadas imediatamente, para a análise citológica a temperatura de armazenamento do LCR deve estar entre 5°C e 12°C para minimizar danos às células, mas não congeladas. Temperaturas muito baixas po-
dem conduzir à lise pelo frio, enquanto que temperaturas mais altas aceleram mecanismos catabólicos, degenerando as células. Para as análises imunoquímicas as amostras podem ser congeladas; para as análises microbiológicas os tubos devem permanecer em temperatura ambiente. Amostras refrigeradas não são recomendadas para cultura de microrganismos pois as bactérias fastidiosas como Haemophilus influenza e Neisseria meningitidis não sobrevivem a baixas temperaturas (HENRY, 2008; MELO et al., 2003; Torzewski et al., 2008; Comar et al., 2009; Strasinger; Di Lorenzo, 2009).
Volume de Lcr a ser coletado O volume de LCR que pode ser removido baseia-se no volume total disponível e difere no paciente adulto ou recém-nato. O volume total é de 100 a 250mL em adultos, em recém-natos é de 6 a 60mL. O volume de LCR normal em crianças acima de um ano de idade é considerado próximo ao do adulto. No primeiro ano de vida o perímetro cefálico, que reflete o tamanho do encéfalo, chega a atingir 84% do tamanho do adulto, portanto, acima de um ano de idade o volume de LCR coletado pode ser o mesmo do adulto. O LCR é produzido a uma taxa de 20mL/hora ou 0,35mL/minuto. Uma vez que a produção e a reabsorção do LCR são constantes, a renovação do LCR no SNC também é constante, mudando completamente a cada 6-7 horas, sendo diretamente proporcional à taxa de formação. Ademais, sua constante produção atinge cerca de 500mL/dia (FISHMAN, 1992; Seehusen et al., 2003; Johanson et al., 2008; Pinto, 2009; Silverberg et al., 2003; Sotelo et al., 2001; Silverberg et al., 2001; Pople, 2002; Clsi, 2006; Macchiaverni; BARROS Filho, 1998).
Tabela 14.1 Requisitos da amostra para análise de LCR. Teste
Anticoagulante
Volume
Comentários
Bioquímicos (proteína, glicose e etc)
Nenhum
3-5 mL
Tubo #1. Contém resíduos da punção e ocasionalmente sangue em uma punção traumática. Uma vez que é mais provável que seja contaminado com bactérias, fluido de tecido e células sanguíneas que possam produzir resultados enganosos, não deve ser utilizado para microbiologia e hematologia
Microbiológicos (coloração de Gram e cultura)
Nenhum
3-5 mL
Tubo #2. Pode conter alguns contaminantes das células do sangue, mas é adequado para estudos microbiológicos
Citológicos (contagem global e diferencial de células)
Nenhum
3-5 mL
Tubo #3. Tem a menor contaminação celular e, portanto, deve ser utilizado para contagens celulares global e diferencial de leucócitos
Outros testes (citologia oncótica, biologia molecular)
Nenhum
3-5 mL
Tubo #4. Pode ser utilizado para a pesquisa de células neoplásicas
Fonte: CLSI (2006).
capítulo 14
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169
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Tratado de Análises Clínicas
ANÁLISE LABORATORIAL DO LCR Características físicas O exame macroscópico do LCR deve ser realizado logo após a chegada da amostra no laboratório e inclui observações de aspecto, cor da amostra pura, cor do sobrenadante, formação de coágulos e presença de película. O volume colhido deve ser registrado, assim como a cor e o aspecto antes e após a centrifugação. A presença de coágulo também deve ser relatada (Melo et al., 2003).
Pressão a medida da pressão intracraniana faz parte do exame do LCR, deve ser medida com o paciente em decúbito lateral, direito ou esquerdo, em repouso, relaxado, membros inferiores estendidos ou relaxados para evitar pressão abdominal pela flexão dos membros inferiores. A pressão intracraniana é medida com raquimanômetros em mmH2O antes da coleta do LCR para a análise laboratorial. A pressão inicial e final devem ser medidas. Valores normais da pressão intracraniana variam de 100 a 200 mm de H2O ou 7,5 a 15 mm de Hg. Para converter mm de Hg para mm H2O = mm de Hg × 13 (Seehusen et al., 2003; Henry, 2008; Hussong; Kjeldsberg, 2015; Strasinger; Di Lorenzo, 2009).
Aspecto e cor a terminologia utilizada para descrever o aspecto do LCR inclui: límpido, discretamente turvo, turvo, oleoso, purulento/leitoso, xantocrômico e hemorrágico. Um aumento nas contagens de células causa turbidez, que é notada quando as contagens de células se aproximam de 200/μL. Ocasionalmente, o LCR poderá ter um aspecto oleoso devido à presença de meios de contraste radiológico. A turbidez também se torna perceptível com o aumento de microrganismos, lipídios e proteínas presentes na amostra. Os lipídios resultam em decorrência do embolismo gorduroso ou da aspiração de lipídios durante a punção. O LCR normal é incolor e límpido, com viscosidade semelhante à da água. A cor do LCR deve ser relatada como incolor, amarelo, laranja, rosa/vermelho ou marrom/âmbar. Amarelo e laranja correspondem à bilirrubina, rosa à oxi-hemoglobina e marrom à meta-hemoglobina. Embora vários pigmentos possam ser identificados com base em suas “impressões digitais” únicas de absorção espectrais e quantificados por espectrofotometria, isso não é realizado rotineiramente pelos laboratórios clínicos (CLSI, 2006; Gall, 1998; Strasinger; Di Lorenzo, 2009; Mundt; Shanahan, 2012). Quando a punção lombar é realizada dentro das primeiras 4 horas após uma hemorragia subaracnoide, o LCR possuirá aspecto hemorrágico (róseo/vermelho), dependendo do grau da hemorragia. Os eritrócitos são lisados no LCR em virtude da baixa concentração de proteínas e lipídios em comparação ao plasma. Após a hemólise, o LCR muda de róseo/vermelho turvo para róseo/vermelho límpido e, logo em 170
analise-book.indb 170
seguida, para vários tons de amarelo, laranja e marrom/âmbar caracterizando a xantocromia, à medida que a oxi-hemoglobina é convertida em meta-hemoglobina e, também, à medida que a degradação do grupamento heme da hemoglobina origina a bilirrubina, que ocorre cerca de 2 a 12 horas após a hemólise inicial. A diminuição gradativa da xantocromia do LCR ocorre ao longo dos primeiros dias, tornando-se límpido em cerca de 2 a 4 semanas. Outras causas de xantocromia incluem: aumento sistêmico de bilirrubinas, proteínas no LCR elevadas (> 150 mg/dL), contaminação com componentes de iodo durante cirurgia; compostos contendo brometo, hipercarotenemia, rifampicina, melanina produzida por melanoma meníngeo (CLSI, 2006; Strasinger; DI Lorenzo, 2009; Petzold et al., 2006). A avaliação da xantocromia pode ser realizada por meio de comparação visual do sobrenadante da amostra de LCR centrifugada com uma solução de bicromato de potássio em concentrações variadas conforme Tabela 14.2, Figura 14.1 e Tabela 14.3. A intensidade da xantocromia também pode ser obtida por métodos espectrofotométricos ou método comparativo visual (bicromato de potássio). Este último, apesar de prático, apresenta baixa sensibilidade, 47% (Arora et al., 2010; Reis, 1980). Tabela 14.2 Preparo de solução de bicromato de potássio para avaliação de xantocromia em LCR. Índice de cor
Sol. de bicromato de potássio 1/100 (Ml)
Sol. de bicromato de potássio 1/1.000 (Ml)
H2O (mL)
100
10
-
-
50
5
-
5
10
1
-
9
5
0,5
-
9,5
3
0,3
-
9,7
1
0,1
-
9,9
0,5
-
0,5
9,5
0,3
-
0,3
9,7
0,1
-
0,1
9,9
-
-
10
Fontes: Kjeldsberg; Knight (1993); Jerrard et al. (2001); Arora et al. (2010).
Presença de coágulos O LCR não coagula tanto em situações normais como na hemorragia subaracnoide, contudo, os coágulos podem estar associados a uma punção traumática. Coágulos e películas podem se formar em situações com elevação extrema de proteínas como na síndrome de Froin ou nas meningites Parte 4
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Líquido Cefalorraquidiano – LCR
Figura 14.1 Solução de bicromato de potássio em índices de cor crescentes. Fonte: Os autores.
Tabela 14.3 Interpretação da análise de xantocromia pelo índice de cor. Cor do sobrenadante do LCR, causas e condições associadas Índice de cor
Condição ou causa
Normal
0,1-10
Hiperbilirrubinemia Produtos de degradação da hemoglobina Proteínas do LCR aumentadas
50-100
Alta ingestão de carotenoides Produtos de degradação da hemoglobina
Fonte: Kjeldsberg; Knight (1993).
bacterianas agudas e tuberculosa (retículo de Mya). A presença de coágulos pode interferir na exatidão da contagem de células por aprisioná-las (CLSI, 2006; Gall, 1998; Strasinger; Di Lorenzo, 2009).
capítulo 14
analise-book.indb 171
Diagnóstico diferencial de hemorragia subaracnoide e acidente de punção O LCR normal não apresenta hemácias. Na presença de hemácias é importante o diagnóstico diferencial entre acidente de punção e hemorragia subaracnoídea (HSA). Acidente de punção ocorre quando a agulha de punção lombar atinge um vaso no momento da coleta de LCR e as hemácias são introduzidas acidentalmente. O número de hemácias pode variar de poucas a milhares, por isso a quantidade de hemácias no LCR não auxilia no diagnóstico diferencial. No acidente de punção, quando o LCR for coletado em três tubos (prova dos três tubos), a cor e o aspecto são diferente nos três tubos. Não é necessário realizar a contagem nos tubos, mas se realizada, a contagem de eritrócitos no último tubo deverá ser significativamente menor ou maior do que a contagem do primeiro tubo. Após a centrifugação, o sobrenadante é límpido e incolor e há presença de coágulo. Por outro lado, na HSA na prova dos três tubos, cor e aspecto igual nos três tubos, róseo ou vermelho; se realizada a contagem de eritrócitos no primeiro e último tubo, esta é similar nos tubos. Após centrifugação, no sobrenadante xantrocrômico há ausência de coágulo. A somatória destas três características auxilia no diagnóstico diferencial da maior parte dos casos. Outras características podem auxiliar no diagnóstico diferencial como a presença de macrófagos com pigmentos 171
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Tratado de Análises Clínicas
de hemossiderina (Figuras 14.33 A e B) ou, mais tardiamente, de cristais de hematoidina (Figura 14.35), sugestivos de HSA. A quantificação de hemoglobina e bilirrubina por análise espectrofotométrica do LCR, é considerada por alguns autores como o melhor método para separar acidente de punção de HSA. No acidente de punção há maior proporção de hemoglobina do que bilirrubina e na HSA a proporção é ao contrário (Marlet et al., 1982; Petzold et al., 2006). Após HSA, o LCR exibe xantocromia como resultado do aparecimento de hemoglobina, meta-hemoglobina e bilirrubina. A bilirrubina deriva da hemoglobina degradada, portanto, quando a concentração de bilirrubina aumenta, a concentração de hemoglobina diminui. A análise espectrofotométrica do LCR permite também indicar o momento em que a HSA ocorreu; o tempo decorrido do começo da hemorragia subaracnoide até o momento da análise do LCR pode ser obtido da relação entre as quantidades destes dois pigmentos mensurados por espectrofotometria. Na região entre 400 e 500 nm, a absorção máxima da oxi-hemoglobina e da bilirrubina ocorre em 412 nm e 480 nm, respectivamente (Marlet; Barreto Fonseca, 1982). O nomograma de Kronholm e Lintrup (1960) é utilizado para calcular a concentração de oxi-hemoglobina e bilirrubina, expressa em micromoles por litro (Figura 14.2). Após a leitura da amostra de LCR em 412 e 480 nm em um espectrofotômetro, com o auxílio do nomograma da Figura 14.2, traça-se uma linha entre ambas as absorbâncias para obtenção das concentrações de hemoglobina e de bilirrubina. Com as duas concentrações calcula-se o Índice Hemoglobina-Bilirrubina (HBI) da seguinte maneira: HBI =
Concentração de hemoglobina (µmoles/L) Concentração de bilirrubina (µmoles/L
A Tabela 14.4 mostra os valores médios de HBI correspondentes a vários tempos decorridos após a ocorrência da hemorragia subaracnoide. Um fator que pode dificultar o diagnóstico diferencial é a demora na análise da amostra do LCR, ou nos casos em que uma punção traumática se sobrepõe à HSA, e a presença de sangue no último tubo seja, verdadeiramente, devido à HSA (CLSI, 2006; Gall, 1998; Strasinger; Di Lorenzo, 2009). Algumas características não auxiliam no diagnóstico diferencial de HSA e no acidente de punção como macrófagos com hemácias integras (Figura 14.32), o número total de hemácias, presença de hemácias crenadas, aumento da pressão intracraniana, aumento de proteína total do LCR. Nos casos duvidosos, a coleta de nova amostra de LCR após a amostra com acidente de punção, mesmo que coletada no nível de punção diferente, não tem valor para auxiliar no diagnóstico diferencial, pois suas características serão as mesmas da HSA. O acidente de punção nada mais é que uma HSA iatrogênica. Muitas vezes, o número de hemácias introduzido acidentalmente é tão grande que o paciente pode
172
analise-book.indb 172
nm 412
Hemoglobina
1,3 1,2 1,1 1,0 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4
nm 480 Bilirrubina 0,0
11 10 9 8 7
0,1
2 4
0,2
6
0,3
6 5 4 3 2 1 0
8 10
0,4
12
0,5
14 16
0,6
18
0,7
20 22
0,8
24 26
0,9
28
1,0
30 32 34
0,3 0,2
36 38 40
0,1
1,0 1,2 1,3 1,4
Figura 14.2 Nomograma para cálculo das concentrações de hemoglobina e bilirrubina, em micromoles por litro, derivados das absorbâncias em 412 e 480 nm. Fonte: Kronholm; Lintrup (1960).
apresentar toda a clínica de HSA, cefaleia, rigidez de nuca e, em alguns casos, até febre.
Correção de células e proteína total no lcr após acidente de punção a punção traumática pode introduzir células sanguíneas no LCR, e o mesmo pode ocorrer com as proteínas plasmáticas. No caso de acidente de punção é possível corrigir o número de células totais no LCR, pela fórmula:
Leucócitos LCR = esperado
Leucócitos LCR - [Leucócitos Sangue × Hemácias LCR Hemáciassangue
ou
Parte 4
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Líquido Cefalorraquidiano – LCR
Dias após a hemorragia
HBI
0,22
1
14,07
2
24,04
Em pacientes com valores normais de leucócitos e hemácias no sangue periférico, do ponto de vista prático, costuma-se subtrair uma célula do número total de células do LCR ou 1 mg/ dL de proteína total o LCR, para cada 700 a 1.000 hemácias/ mm3 no LCR (Nigrovic et al., 2011; Seehusen et al., 2003). Nos casos de HSA não é possível corrigir o número de células totais ou proteína total do LCR, pois a presença do sangue no espaço subaracnoídeo causa meningite química, alterando esses valores.
3
8,63
Avaliação celular
4
4,46
5
2,82
6
1,62
7
0,91
8
0,39
9
0,37
10
0,37
11
0,40
12
0,37
13
0,32
14
0,26
A análise celular do LCR deve ser realizada logo que possível e a amostra não centrifugada e não congelada, devidamente homogeneizada para a contagem global de leucócitos e eritrócitos em câmara. A amostra deve ser diluída em solução salina (NaCl 0,9%), caso apresente elevada celularidade, a fim de que as células tenham um espaço adequado para se espalharem e, assim, formar uma monocamada na superfície da câmara, com sobreposição mínima. Na contagem diferencial de células, a amostra utilizada para confecção da lâmina deve ser total ou o sedimento obtido por centrifugação em baixa rotação. A preparação da lâmina deve ser rápida, já que as células se deterioram rapidamente em virtude do LCR ser um meio inapropriado para a manutenção da viabilidade das células. O pH elevado e a baixa pressão oncótica fazem com que algumas células inchem, algumas lisem e outras se tornem irreconhecíveis (Torzewski et al., 2008; Comar et al., 2009; Lima et al., 2001).
Tabela 14.4 Valores médios de HBI conforme o tempo em dias decorridos após a hemorragia subaracnoide.
Fonte: Marlet; Barreto Fonseca (1982). Legenda: HBI: Índice Hemoglobina-Bilirrubina.
Leucócitos LCR Hemácias LCR × Hemáciassangue Leucócitos LCR = esperado Leucócitos Sangue Com relação à proteína total, no caso de acidente de punção, é possível corrigir a proteína total do LCR, pelas fórmulas: Proteína LCR (Proteína Soro * 1.000 * (1 - HCT Proteína LCR = esperada
100) * Hemácias LCR Hemáciassangue * 1e6
ou Proteína LCR (mg/dL) Proteína LCR - Hemácias CSF (/uL) esperada = 333 × 5,25 Fonte: (Reske et al. 1981)
capítulo 14
analise-book.indb 173
Contagem global de células A contagem global de leucócitos e eritrócitos no LCR pode ser realizada em qualquer tipo de câmara de contagem, porém, rotineiramente a câmara mais utilizada é a de Fuchs-Rosenthal (Figura 14.3) a qual tem uma altura de 0,2 mm, uma área total de 16,0 mm², um volume total de 3,2 mm³ e é dividida em 16 quadrados maiores que são subdivididos em 16 quadrados menores, sendo o procedimento para contagem global de células variável de acordo com a celularidade da amostra (Tabela 14.5) (Comar et al., 2009; Lima et al., 2001). Para a diferenciação das hemácias, leucócitos e células teciduais durante a contagem na câmara de Fuchs-Rosenthal, deve-se conhecer as características de cada uma dessas células. Os eritrócitos se apresentam com um contorno regular, com halos e o centro da célula é limpo. Projeções finas e pontudas podem aparecer nos casos de eritrócitos crenados. Os leucócitos, por sua vez, apresentam um aspecto granular e são levemente refringentes. Pode também ocorrer a presença de células teciduais, geralmente grandes e granulares e com contorno irregular, as quais não devem ser inclusas na contagem, assim como as células lisadas (Comar et al., 2009; Kjeldsberg; Knight, 1993).
Contagem diferencial de células As células presentes no LCR, devido ao seu pequeno número, devem ser concentradas para a contagem diferen173
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Tratado de Análises Clínicas
Grade da câmara
Regra de contagem 1
Regra de contagem 2
Figura 14.3 Câmara de Fuchs-Rosenthal.
Tabela 14.5 Procedimento de contagem global de células em câmara de Fuchs-Rosenthal, de acordo com a celularidade presente na amostra. Celularidade
Procedimento de contagem
Baixa
Contar os 16 quadrados maiores e dividir por 3,2
Intermediária
Contar 4 quadrados maiores, multiplicar por 4 e dividir por 3,2
Alta
Contar um quadrado maior, multiplicar por 16 e dividir por 3,2
Altíssima (sobreposição de células)
Fazer diluição com salina ou líquido de Türk (para leucócitos), e multiplicar o resultado final pelo fator da diluição
Alta quantidade de hemácias
Contar um quadrado menor, multiplicar por 256 e dividir por 3,2
Fonte: COMAR, 2009.
cial ou a identificação de células malignas. Vários métodos de concentração são descritos. Os componentes celulares no CSF podem ser concentrados por sedimentação, filtração por membrana ou centrifugação em uma centrífuga de laboratório padrão ou uma citocentrífuga, embora vários estudos tenham investigado qual método de concentração (sedimentação vs. citocentrifugação) é melhor para a preparação de espécimes de LCR para diagnóstico de citologia, principalmente em casos de malignidade suspeita (Kluge et al. 2007; Deisenhammer et al. 2015). Como o LCR é oligoproteico em relação ao sangue, para preservar a morfologia das células e facilitar o reconhecimento, o LCR pode ser enriquecido com albumina bovina. Os dois principais métodos de concentração de células de LCR são a citocentrifugação e a câmara de sedimentação gravitacional. A literatura não fornece consenso sobre a melhor técnica (Whitmore et al., 1982; Bigner et al. 1981), uma vez que ambos os métodos apresentam vantagens e desvantagens.
Citocentrifugação Com o método de citocentrifugação é possível utilizar o LCR puro ou o sedimento obtido após centrifugação. Na Figura 14.4 é mostrada a visão interna de uma citocentrífuga. Para melhorar a adesão das células na lâmina e reduzir a 174
analise-book.indb 174
distorção da mesma, pode ser adicionado ao sedimento 50µl de albumina bovina a 22%. Coloca-se 100µL da amostra no citofunil de acordo com o manual de instrução da citocentrífuga que será utilizada. O líquido sobrenadante é absorvido pelo papel filtro, concentrando as células presentes na amostra. Após a citocentrifugação, deve-se aguardar a secagem completa da lâmina e, então, realizar a coloração com corantes hematológicos como o May Grünwald-Giemsa.
Método de sedimentação A confecção da lâmina em câmara de Suta (Figura 14.5) é um processo mais trabalhoso, porém fornece uma lâmina de boa qualidade. Esta câmara de sedimentação possui um sistema de filtros de papel, que absorve a parte líquida do LCR, concentrando as células. A quantidade de líquido a ser colocada na câmara para a confecção da lâmina depende da quantidade de leucócitos presentes na amostra (Tabela 14.6). A lâmina é introduzida na câmara e sobre ela coloca-se um papel absorvente, o qual deve conter um halo de diâmetro discretamente menor que o diâmetro do tubo conector da câmara. O tubo conector deve ser rosqueado na base até tocar na lâmina. Em seguida, coloca-se na câmara o volume de LCR necessário e espera-se a lâmina secar. Somente após a secagem retira-se o tubo Parte 4
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Líquido Cefalorraquidiano – LCR
A
Figura 14.5 Câmara de Suta.
Tabela 14.6 Volume utilizado na câmara de Suta para a confecção da lâmina de contagem diferencial de leucócitos do LCR, de acordo com o resultado da contagem global de leucócitos.
1 2
Contagem global (/μL)
Volume a ser utilizado na câmara (mL)
10-50
1,5-2,0
50-100
1,2-1,8
100-200
1,0-1,5
200-500
0,8-1,0
500-1.000
0,5-0,8
> 2.000
0,2-0,3
Fonte: Kjeldsberg; Knight (1993). 3
4
B Figura 14.4 Citocentrífuga. (A) visão interna de uma citocentrífuga. (B) (1) lâmina de vidro; (2) papel de filtro; (3) citofunil; (4) suporte. Após a citocentrifugação as lâminas devem secar naturalmente antes de serem coradas e examinadas microscopicamente.
conector e o papel absorvente de cima da lâmina e realiza-se a coloração com corante hematológico. Após a confecção e coloração da lâmina, deve-se proceder à contagem diferencial das células em objetiva de imersão (100×). Caso a lâmina esteja com muita sobreposição de células, deve-se confeccionar nova lâmina utilizando uma capítulo 14
analise-book.indb 175
diluição apropriada. Após a citocentrifugação pode ocorrer distorção nas células, as quais podem apresentar formação de vacúolos e projeções citoplasmáticas, fendas nucleares, nucléolos proeminentes e agrupamentos celulares semelhantes à neoplasia (Torzewski et al., 2008). A contagem diferencial de células no LCR por métodos automatizados é ainda de acurácia limitada, apesar do grande desenvolvimento dos citômetros nas últimas décadas. Os citômetros atuais não apresentam sensibilidade e especificidade adequada para uso em amostras de LCR, principalmente com pequeno número de células totais, que representam a maioria.
Células de morfologia normal no lcr O LCR normal possui 70% de linfócitos e 30% de monócitos. A Figura 14.6 ilustra linfócitos e monócitos normais. Outras células como neutrófilos, plasmócitos, eosinófilos, basófilos e macrófagos não são usualmente encontrados no 175
29/05/2018 11:56:41
Tratado de Análises Clínicas
Figura 14.6 Monócitos e linfócitos (Aumento 1.000×). Coloração de May Grunwald-Giemsa. Fonte: Autores.
LCR normal (Figuras 14.7 a 14.9). Ocasionalmente, eosinófilos ou polimorfonucleares (PMN) únicos podem ser visualizados no LCR normal (Fishman, 1992). O significado clínico das células encontradas no LCR é apresentado na Tabela 14.7. Eosinófilos são células ausentes no LCR normal. As causas da presença de eosinófilos no LCR podem estar associadas a doenças infecciosas e não infecciosas. Em 20.008 laudos de LCR do laboratório de análises clínicas do HC-UFPR, eosinófilos estavam presentes em 5% dos laudos (Figura 14.10). A meningite eosinofílica é definida como a presença de 10% ou mais de eosinófilos no LCR, e as causas podem ser múltiplas. Atualmente a principal delas é a infecção por Angiostrongyluscantonensis, (Tabela 14.8), causador de meningite eosinofílica benigna autolimitada. O diagnóstico etiológico é feito por fortes evidências epidemiológicas e testes imunológicos.
Figura 14.7 Neutrófilos (Aumento 1.000×). Coloração de May Grunwald-Giemsa. Fonte: Autores.
14.8 Eosinófilos (A) Cariopicnose (B) Cariorexis (Aumento 400×). Coloração de May Grunwald-Giemsa.
Figura
Fonte: Autores.
Figura 14.9 Plasmócitos (A) Aumento 400× (B) Aumento 1.000. Coloração de May Grunwald-Giemsa. Fonte: Autores.
176
analise-book.indb 176
Parte 4
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Líquido Cefalorraquidiano – LCR
Tabela 14.7 Significado clínico das células encontradas na contagem diferencial do LCR. Predomínio celular
Significado clínico
Linfócitos
Meningite viral, tuberculosa e fúngica. Ocasionalmente em meningite bacteriana. Esclerose múltipla.
Neutrófilos
Meningite bacteriana, fase inicial de meningite viral, tuberculosa e fúngica. Hemorragia subaracnoídea, injeções intratecais, tumores meningeais.
Reação celular mista (linfócitos, neutrófilos e monócitos)
Meningite bacteriana parcialmente tratada, meningite bacteriana crônica, abscesso cerebral, meningite tuberculosa, meningite fúngica e meningite amebiana.
Eosinófilos
Infecções parasitárias, reações alérgicas, derivação ventricular.
Macrófagos
Meningite crônica, meningite bacteriana tratada, injeções intratecais e hemorragia subaracnoídea.
Macrófago eritrófago (contendo hemácias)
Acidente de punção ou hemorragia subaracnoídea (12h a 1 semana).
Macrófago siderófago (contendo hemossiderina)
Hemorragia subaracnoídea (2 dias a 2 meses).
Macrófago hematoidinófago (contendo cristais de hematoidina)
Hemorragia subaracnoídea (2 a 4 semanas).
Macrófago lipófago (contendo gordura)
Necrose cerebral, infarto, anoxia e traumatismo craniano.
Plasmócitos
Reações subagudas e reações inflamatórias crônicas, esclerose múltipla.
Células linfoides malignas
Linfoma, leucemia.
Blastos
Linfoma, leucemia.
Outras células malignas
Tumor cerebral primário, tumor metastático.
Células ependimais e do plexo coroide
Trauma, cirurgia, derivação ventricular, recém-nascidos e injeções intratecais.
Condrócitos
Punção acidental de disco intervertebral (raro).
Células da medula óssea
Punção acidental do corpo vertebral (raro).
Agrupamentos de células imaturas, semelhantes a blastos
Hemorragia subaracnoídea em prematuros e recém-nascidos. Possivelmente originadas da matriz germinal.
Fonte: Modificada de Kjeldsberg; Knight (1993).
Pesquisa de células neoplásicas no lcr A detecção de células neoplásicas no LCR é fundamental no diagnóstico de tumores cerebrais. Avanços diagnósticos, como a ressonância magnética, ensaios para marcadores tumorais, amplificação do DNA, citometria de fluxo e as técnicas imuno-histoquímicas estão agora disponíveis para facilitar o diagnóstico. Apesar destes avanços, o método padrão ouro capítulo 14
analise-book.indb 177
para a detecção de células neoplásicas ainda é a pesquisa direta de células no LCR. A hipótese de envolvimento do SNC por neoplasias deve ser feita em todo paciente com neoplasias conhecidas que apresentam sintomas neurológicos. A pesquisa de células neoplásicas no LCR por microscopia óptica é obrigatória em todos os casos de neoplasia conhecida ou fortemente suspeita e sintomas neurológicos. Isto é particularmente verdadeiro 177
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Tratado de Análises Clínicas
HIV+ N = 66
Outras (n = 6) Neurotoxoplasmose (n = 9) Neurocisticercose (n = 2)
9,1% 13,6%
HIV– N = 325
6,1% 10,6%
Neurossifilis (n = 4) Outras (n = 89)
Neurotuberculose (n = 7)
30,3%
28,7%
Meningite bacteriana (n = 95)
3% 56,1% Cryptococcus spp. (n = 37)
19,4%
Neurocisticercose (n = 61)
Meningite viral (n = 1) 1,5%
Meningite viral (n = 31)
9,9% 4,8%
Cryptococcus spp. (n = 15)
Neurotoxoplasmose (n = 2) 0,6%
Histoplasma capsulatum (n = 4) 1,2%
Neurotuberculose (n = 6) 1,9%
Neurossifilis (n = 6) 1,9%
Leptospirose (n = 4) 1,2%
Figura 14.10 Etiologias infecciosas associadas à presença de eosinófilos no LCR, na presença ou ausência de infecção pelo HIV. Fonte: Almeida et al., 2018 (em publicação).
Tabela 14.8 Taxa de positividade de pesquisa de células neoplásicas em amostras de LCR. N
Positivo
%
LLA
254
63
24,8
LMC
16
02
12,5
LMA
63
13
20,6
Linfoma
43
09
20,9
Retinoblastoma
08
04
50
Outros*
27
07
25,9
Todos
411
98
23,8
Indicação
* Pulmão, gástrico, mama, melanoma, próstata, sarcoma de Ewing, rabdomiossarcoma, glioblastoma, astrocitoma, Schwanoma, leucemia linfocítica crônica. Fonte: Almeida et al., 2007.
em casos de leucemia e linfoma, nos quais os resultados da contagem de células de LCR e citologia são fatores importantes na determinação e monitoramento do tratamento (Mackenzie, 1996; Fleming et al., 2015; Broussalis et al., 2012). As células malignas de uma variedade de tumores, metástases ou primárias, podem ser detectadas no LCR. Qualquer tipo de neoplasia pode se espalhar para leptomeninges (Figuras 14.11 a 14.16). Essa disseminação ocorre com mais 178
analise-book.indb 178
frequência em doenças hematológicas agudas, como leucemia e linfomas. Entre os tumores sólidos, a disseminação é mais frequente com melanomas e câncer de mama ou câncer de pulmão. Entre os tumores primários do SNC, as células tumorais são mais comumente encontradas no LCR em gliomas e meduloblastomas, devido à sua maior incidência e tendência a se espalhar para o espaço subaracnoídeo (Tabela 14.8) (Almeida et al., 2007) Parte 4
29/05/2018 11:56:44
Líquido Cefalorraquidiano – LCR
Figura 14.11 Canibalismo celular (Aumento 1.000×). Coloração
de May Grunwald-Giemsa. Fonte: Autores.
Figura 14.12 Mitose atípica (células malignas) (Aumento 1.000×) Coloração de May Grunwald-Giemsa. Fonte: Autores.
Figura 14.13 A, B, C. Células de infiltração de câncer de mama
(Aumento 1.000×). Coloração de May Grunwald-Giemsa.
Fonte: Autores.
A porcentagem de detecção de células malignas por análise citológica é influenciada por alguns fatores, incluindo o volume de LCR obtido, número de amostras coletadas e o tempo após coleta. Volume insuficiente de amostra é uma capítulo 14
analise-book.indb 179
possível explicação para análises citológicas falso-negativas. Glantz et al. (1998) sugeriram que as taxas de resultados falso-negativos diminuíram de 32% para valores próximos de 3%, quando o volume colhido de amostra aumentou de 2,5 mL 179
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Tratado de Análises Clínicas
Figura 14.14 Infiltração de Leucemia Linfoide Aguda em SNC (A) Aumento 400× (B) Aumento 1.000×. Coloração de May Grunwald-Giemsa. Fonte: Autores.
Figura 14.15 Infiltração de Leucemia Mieloide Crônica em crise blástica (A) Aumento 400× (B) Aumento 1.000×. Coloração de May Grunwald-Giemsa. Fonte: Autores.
Figura 14.16 Linfoma primário de SNC, Aumento 1.000×,
Coloração de May Grünwald-Giemsa.
para 10,5 mL, respectivamente. Não é definido na literatura se o local de coleta de LCR, lombar ou subocciptal, pode aumentar a positividade da pesquisa de células neoplásicas no LCR ou mesmo a pesquisa de bacilo da tuberculose ou fungos. Como ocorre a perda de células em função do tempo após a coleta, a refrigeração da amostra, mas não congelamento, é recomendada se houver atraso na análise citológica (Jerrard et al., 2001). Para verificar a qualidade das lâminas confeccionadas, principalmente em amostras com contagens baixas de leucócitos, deve-se relacionar o número total de leucócitos encontrados na lâmina com a contagem global. A Tabela 14.9 mostra a relação, desenvolvida de forma empírica, entre o número de células encontradas na lâmina e a contagem global de leucócitos.
Fonte: Os autores.
180
analise-book.indb 180
Parte 4
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0 – 40
1–5
20 – 100
6 – 10
60 – 150
11 – 20
150 250
20
250
192
Número de células que devem estar presentes na lâmina após a citocentrifugação
128
Número de leucócitos/µl contados na câmara
64
Tabela 14.9 Relação entre o número de células encontradas na lâmina e a contagem global de leucócitos.
258
Líquido Cefalorraquidiano – LCR
A citometria de fluxo para identificação de marcadores celulares de superfície pode auxiliar no diagnóstico de infiltrações leucêmicas, linfomas (Figuras 14.17 A, B e C) e outros tumores do SNC, porém não substituem a pesquisa direta de células neoplásicas, mas sim associada a esta. Para o estudo de subpopulações celulares no LCR o método ainda não foi validado. As Figuras 14.17 A, B e C mostram a análise das células do LCR por citometria de fluxo, identificando um linfoma primário de SNC (Figura 14.16), de células B com produção clonal de cadeias leves de IgG Kappa.
Fonte: Comar et al. (2009).
100 101 Kappa FITC -> PRPIE006
102
103
104
Figura 14.17 B. Linfoma de células B primário de SNC, clonal para cadeia leve IgG Kappa, pontos em vermelho. Fonte: Os autores.
Figura 14.17 A. Citometria de fluxo, linfoma primário de SNC de células B (CD19), pontos em vermelho.
Figura 14.17 C. Linfoma de células B primário de SNC, análise com anticorpo monoclonal para IgG lambda.
Fonte: Os autores.
Fonte: Os autores.
capítulo 14
analise-book.indb 181
181
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Tratado de Análises Clínicas
Proteínas totais no Lcr A maior parte das proteínas encontradas no LCR é proveniente do plasma e uma pequena proporção é produzida no SNC. Os valores de referência de proteínas totais varia de acordo com o local de coleta. Nos adultos, o valor de referência do LCR lombar está entre 15 e 45 mg/dL e em adultos acima de 60 anos os valores estão entre 30 e 60 mg/ dL. Os valores de referência para LCR cisternal ou suboccipital variam de 15 a 25 mg/dL e ventricular de 5 a 15 mg/ dL (Fishman, 1992). O aumento das proteínas totais no LCR está relacionado com a disfunção da barreira hematoliquórica ou síntese intratecal de imunoglobulinas (Strasinger; Lorenzo, 2009). A ocorrência de acentuada elevação das proteínas, sem aumento correspondente nas células do LCR, é conhecida como dissociação albuminocitológica. Essa dissociação encontra-se relacionada à Síndrome de Guillain-Barré ou polineurite idiopática aguda (Ravel, 1997). Valores anormalmente baixos de proteínas são pouco frequentes e estão relacionados com a fístula liquórica, causando perda de LCR (rinorreia ou otorreia), pseudotumor cerebral, hipertireoidismo (Fishman, 1992). A determinação da proteína total no LCR apresenta diversas dificuldades como baixa concentração, presença de diferentes tipos de proteínas, pequena quantidade de fluido disponível para a análise, especialmente em amostras pediátricas, e as variações na metodologia (Kjeldsberg; Knight, 1993). A determinação quantitativa das proteínas totais do LCR pode ser efetuada por meio de vários métodos: turbidimétricos (tricloro-acético, sulfossalicílico) não automatizados; métodos colorimétricos com vermelho de Pyrogalol, cloreto de Benzetônio (Architect-Abbott, IL). Os métodos utilizados para quantificar proteínas totais no LCR são métodos turbidimétricos ou colorimétricos. Nos métodos turbidimétricos os agentes precipitantes são o Ácido Tricloroacético ou Ácido Sulfossalicílico. Essas técnicas são rápidas, fáceis, porém não automatizadas, mas não necessitam de equipamentos sofisticados. O inconveniente desse método é que a albumina produz uma turbidez quatro vezes maior quando comparada às globulinas. Quando o ácido sulfossalicílico é combinado com o sulfato de sódio, as reações com albumina e globulinas são mais similares. Outro método turbidimétrico é aquele que utiliza o cloreto de benzetônio, e é automatizado. Nessa técnica a amostra é pré-incubada em solução alcalina que desnatura as proteínas. Após isso, adiciona-se o cloreto de benzetônio, produzindo uma turbidez que é lida a 512 nm. (Kjeldsberg, Knight,1993; Burtis, Bruns, 2016). O método colorimétrico utilizado no LCR é o Vermelho de Pirogalol, é automatizado e consiste na reação das proteínas com o Vermelho de Pirogalol e o molibdato em meio ácido, formando um complexo colorido cuja absorbância é medida em 600 nm. Esse método é sensível para ser utilizado em líquidos cefalorraquidianos que possuem concentrações de proteínas demasiadamente baixas (Burtis; Bruns, 2016). Outros métodos aplicáveis em soro como Biureto ou Lowry, e Bradford não são aplicáveis ao LCR, pois são pouco 182
analise-book.indb 182
sensíveis devido à baixa concentração de proteínas, suscetível a muitos interferentes (Kjeldsberg, Knight, 1993; Zaia et al.,1998). A Reação de Pandy é um método semiquantitativo de globulinas, pouco específico. Consiste na adição de uma gota de LCR em 1 mL de solução de Pandy (ácido fênico a 0,66%). Este reagente reage com todas as proteínas, mas exibe reação aparentemente maior com as globulinas. A aparência turva significa a presença de níveis elevados de globulinas no LCR e é considerada uma reação positiva de Pandy. A contaminação pelo sangue quase sempre produz resultados falso-positivos (Ravel, 1997; Leite et al., 2016).
Análises bioquímicas Vale a pena ressaltar que a quantificação de cloretos no LCR, apesar de realizada por vários laboratórios no Brasil, não apresenta valor clínico, por refletir exatamente as alterações no sangue. Isso está comprovado desde a década de 1930 do século XX. As causas de alteração de cloretos no sangue periférico são múltiplas, não sendo, portanto, necessária sua quantificação (Fishman, 1992).
Albumina A albumina é sintetizada no fígado, portanto, toda a albumina presente no LCR tem origem no plasma. O método padrão ouro de quantificação de albumina no LCR é a nefelometria (Reiber et al., 2003), porém, outros métodos como turbidimetria são utilizados. Os valores de referência da concentração de albumina no LCR oscilam entre 10 e 30 mg/ dl. O quociente de concentração da albumina no LCR em relação à albumina no plasma pode ser utilizado para avaliar a integridade da barreira hematoencefálica. Em adultos, em condições normais, o quociente deve ser inferior a 9; valores entre 9 e 30 indicam alterações moderadas na barreira hematoencefálica, entre 30 e 100 alterações severas e superior a 100 indica perda da integridade funcional da barreira. Em recém-nascidos, os valores do quociente podem ser superiores aos do adulto devido à imaturidade da barreira hematoencefálica. O quociente de concentração de albumina é influenciado pelo peso corporal, sexo, hipotireoidismo, consumo de álcool e cigarro (Kjeldsberg; Knight, 1993; BRÚ; Alabern, 2002; Gilhus et al., 2011). Quociente de = Albumina
Albumina no LCR (mg/dL) Albumina sérica (g/dL)
O limite superior de intervalo de referência para cada indivíduo varia com a idade e pode ser calculado de acordo com a fórmula: 4+ idade em anos/15 (Reiber; Peter, 2001).
Imunoglobulinas no Lcr Em condições normais, as imunoglobulinas do LCR são principalmente de origem plasmática, sendo sua síntese intratecal muito baixa. O método padrão ouro de quantificação de Parte 4
29/05/2018 11:56:50
Líquido Cefalorraquidiano – LCR
IgG no LCR (mg/dL)/IgG no soro (g/dL) Índice de IgG =
Albumina no LCR (mg/dL)/ Albumina no soro (g/dL)
O intervalo de referência para o índice de IgG se situa entre 0,30 e 0,70; valores superiores a 0,70 indicam aumento da produção intratecal de imunoglobulinas. Em aproximadamente 90% dos pacientes com esclerose múltipla definitiva, o índice é maior que 0,70 (Brú; Alabern, 2002). A maioria das fórmulas considera a passagem de albumina e imunoglobulina pela barreira hematoencefálica de forma linear; porém outras análises, como a função hiperbólica de IgG (Figura 14.18), apresentam a vantagem de não serem relações lineares (Reiber, 1994). Este gráfico pode ser utilizado, com adaptações, para IgA e IgM.
Eletroforese Eletroforese em acetato de celulose ou agarose A eletroforese de proteínas revela a presença de diferentes espectros de proteínas no líquido cefalorraquidiano. Na Tabela 14.10 é apresentado o padrão normal das frações proteicas encontradas no LCR por eletroforese. (Chaves et al.,2008; Herndon; Brumback, 2012). Tabela 14.10 Eletroforese das frações proteicas no LCR. Proteínas totais
39,5 ± 4,8 mg/dL
Pré-albumina
3,9 ± 0,8%
Albumina
46,4± 3,6%
a-1
6,3 ± 2,8%
a-2
10,5 ± 2,6%
b
18,6 ± 3,7%
g
12,6 ± 3,7%
Fonte: Herndon; Brumback (2012).
capítulo 14
analise-book.indb 183
QIgG
50
Lim
80 % 60 40 20
100 × 10–3 3
Q
imunoglobulinas no LCR é a nefelometria (Reiber et al., 2003), porém, outros métodos como turbidimetria são utilizados. A síntese intratecal de imunoglobulinas pode estar relacionada a doenças infecciosas ou inflamatórias agudas ou crônicas (Brú, Alabern, 2002). Uma variedade de fórmulas foi proposta para quantificar a proporção de imunoglobulinas no LCR sintetizadas no SNC. Estas fórmulas, em princípio, procuram corrigir os níveis de imunoglobulinas derivadas do sangue que passariam para o LCR através da barreira hematoencefálica alterada. O cálculo do índice de IgG é utilizado para identificar síntese intratecal de IgG. O índice de IgG é a relação entre o quociente de concentração de IgG pelo quociente de concentração de albumina (Gilhus et al., 2011; Marshall et al., 2016).
4
20 10
4
5 2 1 5 2
5 1 QAIb 5
10
20 × 10–3 50
100
Figura 14.18 Função hiperbólica de IgG (Reibergram): diagrama
de quociente LCR/soro para IgG e Albumina. 1. Normal; 2. Alteração da função da barreira hematoliquórica; 3. síntese intratecal de IgG + alteração da função da barreira hematoliquórica; 4. síntese intratecal; 5. problema nas quantificações. Fonte: Reiber et al., 1994.
Com métodos eletroforéticos é possível classificar a resposta humoral de acordo com o número de anticorpos produzidos. Esses métodos têm sido substituídos por técnicas mais sensíveis, como a focalização isoelétrica e imunofixação (Marshall et al., 2016). A distribuição de imunoglobulinas anormais pode ser monoclonal, policlonal e oligoclonal. Na monoclonal ocorre a identificação de apenas um lote de proteínas secretadas por um clone de plasmócitos, na focalização isoelétrica, apenas uma banda é registrada. A policlonal identifica centenas de bandas distribuídas em uma curva, e essa anormalidade pode ser confundida com artefatos. Na anormalidade oligoclonal, geralmente de duas a cinco bandas são vistas na região gama decorrentes da proliferação de poucos clones de plasmócitos (Chaves et al., 2008).
Pesquisa de bandas oligoclonais A detecção de bandas oligoclonais IgG no LCR é um dos critérios para diagnóstico da Esclerose Múltipla, uma doença inflamatória crônica, desmielinizante e degenerativa do sistema nervoso central (Gama et al., 2009; Marshall et al., 2016). De acordo com consenso internacional, recomenda-se a detecção de bandas oligoclonais de IgG por focalização isoelétrica, com posterior imunodetecção por immunofixação 183
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Tratado de Análises Clínicas
(Reiber, 2004). Devido a sua alta sensibilidade e reprodutibilidade a focalização isoelétrica é a técnica preferida para detectar as bandas oligoclonais. As amostras de LCR e soro sempre devem ser analisadas simultaneamente. É importante realizar a pesquisa de bandas oligoclonais paralelamente no LCR e no soro (Andersson et al., 1994). Os padrões de bandas encontradas na focalização isoelétrica no LCR e no soro são: (Tipo 1) normal; (Tipo 2) bandas oligoclonais restritas à síntese intratecal encontrada na esclerose múltipla; (Tipo 3) bandas oligoclonais restritas no LCR e não presentes no soro, com adição de bandas IgG idênticas no LCR e no soro encontradas na esclerose múltipla e em inflamações no SNC causadas por doenças sistêmicas como a sarcoidose; (Tipo 4) bandas oligoclonais idênticas no soro e no LCR, encontradas na Síndrome de Guillain-Barré; (Tipo 5) bandas monoclonais no LCR e no soro encontradas no mieloma ou gamopatia monoclonal de significado incerto. Somente os padrões do Tipo 2 e Tipo 3 representam a síntese intratecal de IgG dentro do SNC (Andersson et al., 1994). A sensibilidade da focalização isoelétrica para a detecção de bandas oligoclonais na esclerose múltipla definida é maior que 95% (Awad et al., 2010). Porém, a presença de bandas oligoclonais no LCR não são específicas para esclerose múltipla, e podem ser encontradas em várias doenças como a neurosarcoidose, lúpus eritematoso sistêmico, panencefalite esclerosante subaguda, neurosífilis, HIV, encefalite, neoplasias e paraneoplasias (Awad et al., 2010). Na Figura 14.19 é apresentada uma análise de bandas oligoclonais de IgG, por focalização isoelétrica e imunofixação para IgG, em pacientes com HIV, em várias coletas sequenciais.
Glicose no Lcr
Figura 14.19 Análise qualitativa sequencial de síntese intratecal de
IgG em pacientes com HIV. Presença de bandas oligoclonais por focalização isoelétrica em gel de agarose (Hydragel CSF Isofocusing - Sebia, Norcross, GA). Bandas oligoclonais tipo 3 (Andersson et al., 1994). Bandas de IgG no LCR e soro, com bandas adicionais no LCR que não estão presentes no soro. Amostras (A) coletadas em tempos diferentes após a identificação do HIV RNA no LCR e no sangue. Amostra (B) 2,5 meses depois da mudança dos ARV. Amostra (C) 18 meses depois da mudança do esquema ARV. O padrão de bandas oligoclonais no LCR era similar nas três amostras, indicando um persistente estímulo imunológico. ARV: antirretrovirais Fonte: De Almeida et al. (2017).
Os métodos enzimáticos colorimétricos são usualmente utilizados para dosar glicose no LCR e no sangue. Os valores de referência de glicose no LCR são 45 a 80 mg/dL (Kjelds-
Tabela 14.11 Valores de referência e diagnóstico diferencial das meningites agudas e crônicas através do LCR. Normal
Aguda
Crônica
Bacteria
Viral
Tb
Fungo
100-200
N/↑
N/↑
N/↑
N/↑ ↑
Claro
Turvo/purulento
Claro/turvo
Claro/turvo
Claro/turvo
Incolor
branco
Incolor
Xantocromico
Branco
Células/mm3
3-5
> 1.000 neutrófilos
> 500 linfócitos
< 500 linfócitos
< 500 linfócitos
Proteínas mg/dL
L-45
↑↑
N/↑
↑
N/↑
Glicose mg/dL
50-60
↓
N
↓↓
↓
Lactato mmol/L
< 3,5
> 3,5
< 3,5
> 3,5
> 3,5
Pressão mm/H2O Aspecto Cor
Fonte: Almeida et al, 2007.
184
analise-book.indb 184
Parte 4
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Líquido Cefalorraquidiano – LCR
berg; Knight, 1993). A concentração normal da glicose no LCR corresponde a dois terços da glicose plasmática. Como a glicose é transportada ativamente por difusão simples através da barreira hematoencefálica, os níveis de glicose no LCR são diretamente proporcionais aos níveis plasmáticos, e a análise simultânea dos níveis da glicose no LCR e no soro se faz necessária. A relação de glicose do LCR/soro menor que 0,6 é considerada alterada (Dimas; Sohler, 2008; Gilhus et al., 2011; Mundt; Shanahan, 2012). O LCR leva cerca de 2 a 4 horas para equilibrar a alteração de glicose do sangue. Portanto, a glicemia deveria ser coletada cerca de duas horas antes da punção lombar para que haja tempo de ocorrer o equilíbrio entre o sangue e o LCR. Porém, isso nem sempre é possível nas salas de emergência. Nesses casos, a coleta de amostra de sangue para glicemia pode ser realizada concomitante à punção liquórica. As amostras devem ser testadas imediatamente após a punção lombar porque a glicólise ocorre rapidamente no LCR (Venkatesh et al., 2000; Strasinger; Lorenzo, 2009). A hipoglicorraquia, com níveis de glicose < 45 mg/dL ou relação glicose LCR/glicose soro < 0,6, geralmente ocorre em situações de hipoglicemia ou no caso de aumento do consumo de glicose pelo SNC, como nas meningites agudas bacterianas. As meningites crônicas, principalmente meningites por tuberculose ou fúngicas, apresentam diminuição de
glicose no LCR (Tabela 14.11) (Venkatesh et al., 2000; Almeida et al., 2007). Os níveis de glicose no LCR são parâmetros importantes para o diagnóstico diferencial das meningites agudas bacteriana da viral. Na meningite bacteriana a glicose está usualmente diminuída e na viral os níveis de glicose estão dentro dos valores de referência. Os níveis de glicose retornam ao normal dentro de 36 a 48 horas após o início da terapia antibacteriana efetiva (Venkatesh et al., 2000). A hiperglicorraquia não tem significado clínico e é relatada quando a concentração de glicose no sangue também está aumentada, como em pacientes diabéticos (Gilhus et al., 2011).
Lactato no Lcr Os valores normais de lactato no LCR estão entre 10 e 20 mg/dL (1,1 a 2,2 mmol/L). Os níveis de lactato no LCR, diferente dos níveis de glicose, não são dependentes da concentração sanguínea, há produção intratecal de lactato. A determinação dos níveis de lactato é utilizada na diferenciação de meningites agudas, bacterianas e virais (Figura 14.20). O ponto de corte é 3,5 mmol/L, aumentado nas meningites bacterianas e entre os valores normais nas meningites e encefalites virais. O aumento do lactato está intimamente relacionado a baixos níveis de glicose (Dimas; Sohler, 2008;
Lactic acid, mmol/L
20
p < 0,0001
10
1
2
3
4
5
6
7
Grupos Figura 14.20 Concentração de lactato (mmol/L) em diferentes grupos. 1. Meningite viral; 2. LCR sugestivo de meningite viral, porém, com predomínio de neutrófilos; 3. Meningite bacteriana aguda; 4. Meningite crônica; 5. Doenças neurológicas crônicas não infecciosas; 6. LCR com características citológicas e bioquímicas normais; 7. LCR normal, porém, com presença de hemácias. A quantificação de lactato no LCR foi eficaz no diagnóstico diferencial das meningites virais e bacterianas (grupos 1, 2 e 3), mesmo nos casos sugestivos de meningite viral com predomínio de neutrófilos no LCR (grupo 2). A presença de hemácias no LCR não cursou com aumento dos níveis de lactato e este não foi diferente do grupo controle normal (grupos 6 e 7). Fonte: Almeida et al, 2009.
capítulo 14
analise-book.indb 185
185
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Tratado de Análises Clínicas
150 p < 0,0001 100
p = 0,003
50 p < 0,0001 p = 0,0002 0
Glicose B V
Lactato B V
LDH B V
PCR B V
Figura 14.21 Biomarcadores no LCR para diagnóstico diferencial entre as meningites agudas bacteriana (B) e viral (V), glicose (mg/dL),
lactato (mmol/L), lactato desidrogenase(LDH, U/L) e proteína C reativa (PCR, mg/dL).
Fonte: Almeida et al., 2011.
Almeida et al., 2009). Diferente da glicose, os níveis de lactato no LCR independem dos níveis sérios. A concentração do lactato encontra-se aumentada nas meningites crônicas fúngicas e por Micobacterium tuberculosis. O aumento do lactato nas meningites agudas está intimamente associado a baixos níveis de glicose (Dimas; Sohler, 2008; Almeida et al., 2009). Outros biomarcadores bioquímicos quantificados no LCR, e que podem auxiliar no diagnóstico diferencial entre as meningites agudas, estão indicados na Figura 14.21 (Almeida et al., 2011). A quantificação da enzima lactato desidrogenase(LDH) pode ser utilizada, também, para diferenciar a hemorragia intracraniana da punção traumática, pois nas hemorragias o LDH tem seus níveis aumentados e na punção traumática não ocorre um aumento significativo do LDH (Gnutzmann et al., 2016).
Glutamina no Lcr A glutamina é um aminoácido produzido no SNC a partir da amônia e do a-cetoglutarato. Os valores normais de glutamina no LCR estão entre 8 e 18 mg/dL. A amônia é produzida no intestino e transportada até o fígado onde é metabolizada no ciclo da ureia. Em pacientes com insuficiência hepática ou shunts portossistêmicos, a formação da ureia está prejudicada, aumentando os níveis de amônia plasmática. A amônia atravessa a barreira hematoencefálica, é metabolizada nos astrócitos e produz a glutamina. O aumento na produção de glutamina pode indicar uma eleva186
analise-book.indb 186
ção dos níveis de amônia. A determinação da glutamina é um método indireto para detectar um excesso de amônia no LCR (Mesejo et al., 2008; Strasinger; Lorenzo, 2009). Níveis elevados de glutamina são vistos na encefalopatia hepática. A determinação da glutamina tem utilidade clínica para detectar a presença de amônia, principalmente em pacientes em coma (Melo et al., 2003; Strasinger; Lorenzo, 2009).
Adenosina deaminase no Lcr A adenosina deaminase (ADA) é uma enzima que participa no metabolismo das purinas, onde degrada a adenosina produzindo a inosina e a amônia. A adenosina deaminase é encontrada principalmente nos linfócitos T e está diretamente relacionada com a ativação dessas células (Miranda et al., 2008; Feres et al., 2008). Níveis aumentados de ADA têm sido observados em condições que envolvem a proliferação dos linfócitos T, como nas meningites tuberculosas, febre tifoide e mononucleose. A importância da dosagem de ADA em líquidos orgânicos já está bem estabelecida, mas ainda existe dificuldade na utilização da ADA como método diagnóstico, pois existe uma variação muito grande nos níveis de normalidade (VR:4 a 9 U/L). No LCR, o valor de corte preconizado pela literatura é de 9 U/L para o diagnóstico de meningite tuberculosa. A ADA demonstra ser um parâmetro muito importante para o diagnóstico de meningite tuberculosa, apesar de não ser patognomônico da doença (Miranda et al., 2008; Feres et al., 2008). Parte 4
29/05/2018 11:56:52
Líquido Cefalorraquidiano – LCR
Marcadores de lesão neuronal
Outros biomarcadores
Biomarcadores que fazem parte da cadeia de metabolismo amiloide, como b-amiloide 42, proteína Tau e Tau fosforilada (Tabela 14.12), são utilizados principalmente no auxílio do diagnóstico de Doença de Alzheimer (DA). Os perfis destes marcadores no LCR na DA são: diminuição de b-amiloide 42 e aumento de proteína Tau e, principalmente, da Tau fosforilada. Relações e índices entre esses marcadores são descritos para aumentar sua sensibilidade (McKhann et al., 2011). Outros marcadores, com neurofilamentos de cadeia leve, têm sido descritos como possíveis marcadores na DA.
Diversos biomarcadores no LCR têm sido descritos para auxiliar no diagnóstico de uma série de condições neurológicas (Tabela 14.12). Alguns biomarcadores são promissores para diagnóstico de doenças neurológicas, como neurofilamentos de cadeia leve, quimiocinas, b2-microglobulina, e neopterina (Blennow, 2017; Brinkmalm, 2017). A análise proteômica do LCR vem se destacando, e consiste no estudo da expressão, localização e estrutura das proteínas ali presentes através de técnicas atuais de separação
Tabela 14.12 Biomarcadores no LCR, suas características e finalidade. Biomarcador
Características
Finalidade
CD40 solúvel ligante (sCD40L ou soluble CD40 ligand)
Citocina pró-inflamatória
Marcadores inflamatórios
Cistatina C (gamma-trace cystatin)
Proteína sintetizada por todas as células Marcador de neuroproteção nucleadas, inclusive os neurônios. A cistatina se liga à proteína b-amiloide inibindo sua agregação e depósito nos neurônios
Interleucinas
Citocinas envolvidas na regulação da resposta imune e nas reações inflamatórias
Marcadores inflamatórios
Peptídeos b-amiloides (Ab ou Amyloid b peptides; Ab42)
Peptídeos derivados da clivagem da proteína precursora amiloide (APP), e principais componentes das placas amiloides neuríticas
Marcador de neurodegeneração
Prostaglandina D2 sintetase ou b-trace proteína (L-PGDS ou lipocalin-type prostaglandin D2 synthase)
Proteína secretada pelas células do plexo coroide, Marcador de neuroproteção/ envolvida no metabolismo da proteína b-amiloide Marcador de fístula liquórica (rinorreia)
Proteína básica da mielina (MBP ou myelin b)
Proteína presente na bainha de mielina dos neurônios
Marcador de lesão neuronal (dano na mielinização)
Proteína quimioatraente para monócitos 1 (MCP-1 ou Monocyte c hemoattractant protein-1)
Citocina pró-inflamatória
Marcadores inflamatórios
Proteína S100 (S100 calcium binding protein b)
Proteína estrutural do SNC, produzida e secretada Marcador de lesão neuronal por células da glia (especialmente astrócitos)
Proteína TAU (Tau total ou T-tau e Tau fosforilada na treonina 181 ou P-tau)
Responsável por estabilizar o citoesqueleto Marcador de lesão neuronal neuronal. Quando está na forma hiperfosforilada, a proteína TAU perde sua função permitindo a formação de emaranhados neurofibrilares
Sulfatídeos
Principal glicoesfingolipídio da mielina humana
Marcador de lesão neuronal
Proteína secretada pelo plexo coroide, envolvida no transporte da proteína b-amiloide
Marcador de neuroproteção
Glutamina Transtiretina (TTR ou transthyretin)
Fonte: (Pfanner, 2017; Mantur, 2011; Brinkmalm, 2017; Hajduková, 2015).
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e identificação, como a eletroforese bidimensional associada a cromatografia, espectrometria de massa e bioinformática (BRINKMALM, 2017).
LCR DE RECÉM-NASCIDOS O LCR em recém-nascidos (até os 28 dias) e prematuros apresenta características físicas, celulares e bioquímicas diferentes de crianças nascidas a termo e dos adultos. Os valores de proteínas totais: 15 a 100 mg/dL; leucócitos: 0 a 30 /μL; citologia diferencial: linfócitos: 20% ± 15%, monócitos: 70% ± 20% e neutrófilos: 4% ± 4%. Essas características se alteram à medida que o encéfalo e a barreira hematoencefálica se desenvolvem (Reis et al., 1980; Fishman, 1992). A dificuldade em se estabelecer valores normais de LCR nesta faixa etária se deve ao fato de não se puncionar RN ou prematuros normais.
ANÁLISE MICROBIOLÓGICA As infecções do SNC possuem alta morbidade e mortalidade, o que requer diagnóstico e intervenção rápidos. Os
processos infecciosos podem acometer pacientes imunologicamente hígidos ou imunocomprometidos, que incluem meningites, encefalites, cistos e abscessos cerebrais. Podem ter evolução aguda ou crônica e etiologia bacteriana, viral, fúngica, parasitária ou priônica, como a doença de Creutzfeldt-Jakob. As infecções bacterianas e virais são as mais comuns (Deigendesch, 2017; Thompon, Thakur, 2017). Os principais agentes causadores de infecção do SNC estão descritos na Tabela 14.13, e os agentes etiológicos comuns em nosso meio estão indicados em negrito. A análise microbiológica do LCR é importante principalmente no diagnóstico etiológico das infecções do SNC, mas vários métodos estão disponíveis com eficácia diferente, dependendo do agente etiológico. A amostra de LCR deve sempre ser coletada em tubos estéreis (Anvisa, 2004). A amostra encaminhada para as análises microbiológicas deve ser mantida em temperatura ambiente após a coleta e o envio ao laboratório, e processamento deve ser o mais rápido possível; não deve ser resfriada ou congelada, pois a diminuição da temperatura reduz muito a positividade da cultura,
Tabela 14.13 Agentes infecciosos causadores de infecção no SNC. Bactérias
Vírus
Fungos
Parasitas
Gram positivas
DNA Vírus HSV-1/2 Citomegalovírus Varicela Zoster Epstein Barr HHV-6 HHV-8 Adenovírus Vírus JC
Cryptococcus sp Aspergillus sp Histoplasma capsulatum Paracoccidiodis sp Candida albicans
Protozoários
Streptococcus pneumoniae
Listeria monocytogenes Acinetobacter calcoaceticus Bacterioides spp Staphylococcus aureus Staphylococcus epidermitis Gram negativas Haemophilus influenzae B Neisseria meningitidis Escherichia coli K1 Klebsiella pneumoniae
Aerobacter spp Citrobacter spp Proteus spp Pseudomonas aeruginosa Salmonella spp Serratia spp Espiroquetas Treponema pallidum Leptospira spp
RNA Vírus Enterovírus Arbovírus (Zika, dengue, West Nile) Vírus da coriomeningite linfocitária Parechovirus HIV HTLV-1/2 Vírus da Caxumba Vírus da Rubéola Vírus do Sarampo Vírus da Raiva
Plasmodium falciparum Toxoplasma gondii Acanthamoeba spp Balamuthia mandrillaris Naeglia fowleri Helmintos Cisticercus cellulosae Schistosoma mansoni Echinococcus granulosus Angiostrongyluscantonensis Onchocerca spp
Micobactérias Mycobacterium tuberculosis Fonte: Anghebem-Oliveira, 2016; Monticelli 2018; Deigendesch, 2017; Thompon, Thakur, 2017; Król-Turmi SKA & Olender, 2017.
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principalmente para as bactérias mais frequentemente causadoras de meningite. Se possível, o LCR que será encaminhado para cultura de bactérias deve ser coletado em meio de transporte contendo ágar chocolate, pois isso aumenta a possibilidade de isolamento das bactérias. O processamento do material inicia-se com sua centrifugação a 1.500 × g por 15 minutos, para posterior preparação de lâminas coradas e culturas a partir do sedimento (Brunzel, 2013). A alíquota destinada para os testes de biologia molecular deve ser coletada em tubos livres de enzimas RNAse ou DNAse, que podem destruir o material genético que se propõe a pesquisar. Mesmo na disponibilidade de testes de biologia molecular, os testes microbiológicos tradicionais devem ser realizados.
A coloração de Wright pode ser útil na identificação de amebas de vida livre. A Naegleria fowleri apresenta tamanho entre 15 e 20 micras, citoplasma azul celeste e núcleo violeta finamente granulado (Brunzel).
Culturas Na suspeita de meningite aguda, as culturas do LCR devem sempre ser realizadas para identificação da bactéria e teste de sensibilidade aos antimicrobianos. As bactérias mais comumente causadoras de meningite bacteriana aguda em crianças acima de 30 dias e adultos são Neisseria meningitidis, Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae (Figuras 14.23 a 14.25). No período neonatal, as meningites bacterianas agudas são causadas por agentes Gram-negativos,
Análise microscópica – colorações microbiológicas A principal coloração utilizada para a análise microbiológica microscópica do LCR é a coloração de Gram. A coloração de Gram identifica bactérias Gram-negativas, Gram-positivas, e cora todos os fungos como Gram-positivos. Quando realizada por profissionais bem treinados, a coloração de Gram apresenta uma sensibilidade de 60% a 90% e especificidade próxima de 100% (Anvisa). As meningites crônicas estão entre as síndromes neurológicas de mais difícil investigação. Podem ser de etiologia infecciosa ou não infecciosa. Quando há suspeita clínica de infecção fúngica ou quando estruturas fúngicas são destacadas pela coloração de Gram, outras colorações específicas como a Tinta da China ou a nigrosina devem ser realizadas (Figura 14.22). Na suspeita clínica de neurotuberculose, a pesquisa direta de bacilos álcool-ácido resistentes deve ser feita pela coloração de Ziehl-Neelsen ou pela coloração modificada a frio Ziehl–Gabbet (Kent, 1985) ou auramina (Mundt, Shanahan).
Figura 14.23 Bactérias intracelulares, sugestivas de Neisseria meningitides (Aumento 1.000×). Coloração de May Grunwald-Giemsa. Fonte: Autores.
Figura 14.22 Criptococcus sp com gemulações. Coloração Tinta
Figura 14.24 Bactérias intracelulares, sugestivas de Neisseria menin-
da China.
gitides (Aumento de 1.000×). Coloração de May Grunwald-Giemsa.
Fonte: Autores.
Fonte: Autores.
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Tabela 14.14 Métodos imunológicos e principais aplicações.
Figura 14.25 Bactérias intracelulares, sugestivas de Streptococcus pneumoniae (Aumento de 1.000×). Coloração de May Grunwald-Giemsa. Fonte: Autores.
principalmente estreptococos do grupo B (SGB – predominantemente do tipo III), Escherichia coli(particularmente as cepas contendo o polissacarídeo K1), Listeria monocytogenes, enterococos, estreptococos do grupo D não enterococos, estreptococosa-hemolíticos, Klebsiellasp,Enterobactersp, Citrobacterdiversus. Após os procedimentos de coloração, o sedimento da amostra de LCR centrifugada é inoculado em caldo tioglicolato e semeado em placa de ágar sangue e em placa de ágar chocolate incubada a 37 oC, em atmosfera com 10% de CO2. Para a identificação de Neisseria meningitidis recomenda-se o meio seletivo Thayer-Martin modificado. Na suspeita de Haemophilus influenzae, tiras de X-V podem ser aplicadas na placa de ágar sangue. A antibioticoterapia prévia à coleta do LCR reduz em cerca de 50% a chance de crescimento do agente infeccioso nos meios de cultura (Anvisa). Para a pesquisa de fungos ou micobactérias, o sedimento deve ser semeado em meios específicos como ágar Sabouraud, Mycosel ou Lowenstein Jensen, respectivamente (Brunzel, Mundt, Anvisa).
Análise imunológica Os exames imunológicos são indicados na investigação das meningites bacterianas agudas, principalmente nos casos com LCR atípico ou casos parcialmente tratados, além da investigação de sífilis, Criptococcus sp, cisticercose, toxoplasmose, entre outros. Testes rápidos para detecção de antígenos ou anticorpos contra agentes causadores de infecções no SNC têm sido utilizados em serviços de emergência, mas não substituem as colorações microbiológicas e as culturas em função da possibilidade de resultados falso-positivos ou falso-negativos. A Tabela 14.14 especifica alguns métodos imunológicos e suas principais indicações. 190
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Método
Aplicação
Teste de aglutinação com látex
Criptococcus sp. Haemophilus influenza Streptococcus pneumoniae Neisseria meningitides
Imunofluorescência indireta
Cysticercus cellulosae
ELISA – Pesquisa de anticorpos
Cysticercus cellulosae Toxoplasma gondii
VDRL
Treponema pallidum
ELISA: Enzime-Linked Immunosorbent Assay; VDRL: Venereal Disease Research Laboratory. Fonte: Strasinger; Mundt; Anvisa.
Para investigação de sífilis no SNC, o VDRL (Venereal Disease Laboratory) no LCR é o método mais indicado. VDRL positivo faz o diagnóstico, porém, VDRL negativo não afasta neurosífilis. Testes treponêmicos como o FTA-abs (Fluorescent treponemal antibody absorption), MHA-TP (micro-hemaglutinação para Treponema pallidum) e TPPA (Treponema pallidum particle agglutination assay) podem apresentar resultados falso-positivos no LCR por detectar anticorpos produzidos sistemicamente e não intratecal. Amostras de LCR hemorrágicas, com acidente de punção, podem apresentar resultados falso-positivos tanto nos testes treponêmicos como não treponêmicos (Fishman, 1992). A detecção do antígeno criptocócico no LCR é uma ferramenta essencial no diagnóstico de meningite por criptococos. Deve ser realizada no LCR de todos os pacientes HIV com suspeita de meningite ou quaisquer sintomas do SNC. A realização da detecção do antígeno criptocócico no LCR deve ocorrer independentemente de outros parâmetros do LCR alterados. Testes comercialmente disponíveis para detecção do antígeno criptocócico no LCR, por aglutinação de látex ou ELISA, estão disponíveis há vários anos. Recentemente foi descrito o ensaio de fluxo lateral para antígeno criptocócico no LCR (LFA), que detecta rapidamente a cápsula polissacarídica criptocócica usando anticorpos monoclonais anti-criptocócicos conjugados com ouro (Abassi et al., 2015).
MÉTODOS DE BIOLOGIA MOLECULAR As infecções virais do SNC são classificadas em meningites ou encefalites.As primeiras são causadas principalmente por enterovírus; as encefalites não epidêmicas são causadas principalmente por HSV-1, enquanto nas encefalites epidêmicas as arboviroses são causas relevantes (Van de Beek e Brouwer, 2017; Puccioni-Sohler et al., 2013; Solomon, 2004). Parte 4
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Atualmente, a investigação dos agentes virais é feita por métodos de biologia molecular, e a reação em cadeia da polimerase em tempo real (qPCR) é o método mais indicado. A positividade dos métodos de biologia molecular depende de uma série de fatores como: qualidade da amostra, a amostra deve sempre ser encaminhada em gelo e coletada em tubos adequados. O tempo decorrido entre o início dos sintomas e a coleta da amostra é importante (Figura 14.26). A acurácia dos métodos de biologia molecular varia de acordo com o agente envolvido.
métodos precisam ser mais bem avaliados no LCR (Steiner, 2012). O mesmo é válido para os métodos de biologia molecular para diagnóstico de neurotuberculose, inclusive GeneXpert (Steniner, 2012; Katoch, 2004). Seguem nas Figuras 14.28 a 14.36 imagens de células e microrganismos encontrados em amostras de líquido cefalorraquidiano objetivando auxiliar no esclarecimento das dúvidas em relação ao LCR.
% CSFs PCR psitive (±95% confidence intervals)
40 35 30 25 20 15 10 5 0
5
15 20 25 30 35 10 Time in days between symptom onset and lumbar puncture
40
Figura 14.26 Relação da detecção por PCR com atraso entre iní-
cio dos sintomas neurológicos e punção lombar. Fonte: Davies NWS et al., 2005.
A quantificação de carga viral do HIV pode ser realizada, porém, atualmente possui indicação clínica limitada. Está indicada no caso de alterações neurológicas, principalmente no distúrbio neurocognitivo associada ao HIV (Hand), com suspeita de escape do HIV no SNC. O escape do HIV no SNC é definido quando há aumento da carga viral de pelo menos um log no LCR maior que o sangue periférico. O sequenciamento de nova geração permite identificar compartimentalização do HIV no SNC, isto é, quando há o desenvolvimento de espécies diferentes no LCR comparadas com o sangue periférico (Figura 14.27), sendo indicado apenas para pesquisa. Para investigação dos agentes etiológicos das meningites bacterianas agudas estão disponíveis métodos de biologia molecular, PCR multiplex em tempo real, porém, estes
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Figura 14.27 Árvore de máxima verossimilhança de sequências parciais de HIV (C2-V3) do LCR e células mononucleares do sangue periférico (PBMC). A topologia da árvore revelou evidências de variantes monofiléticas do HIV em PBMC (pontos pretos) e CSF (pontos cinzentos). A compartimentalização do HIV entre PBMC e CSF foi confirmada por FST approach, p < 0,01 . Fonte: Almeida et al., 2017.
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Figura 14.28 Células ependimárias (Aumento 1.000×). Coloração de May Grunwald-Giemsa. Fonte: Autores.
Figura 14.29 Células do plexo coroide (Aumento 1.000×). Coloração de May Grunwald-Giemsa.
Figura 14.30 Condrócito (Aumento 1.000×). Coloração de May
Fonte: Strasinger, Lorenzo, 2009.
Fonte: Autores.
Figura 14.31 Macrofágos (Aumento 1.000×). Coloração de May Grunwald-Giemsa.
Figura 14.32 Eritrofágos (Aumento 1.000×). Coloração de May
Fonte: Autores.
Fonte: Autores.
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Figura 14.33 (A) Macrofágo com hemossiderina (siderofágo) (Aumento 1.000×), (B) Agrupamento de macrófagos com hemossiderina (Aumento 400×). Coloração de May Grunwald-Giemsa. Fonte: Autores.
Figura 14.34 Criptococcus sp (Aumento 1.000×). Coloração de May Grunwald-Giemsa. Fonte: Autores.
Figura 14.35 Macrofágo com cristal de hematoidina (Aumento 1.000×). Coloração de May Grunwald-Giemsa. Fonte: Autores.
Figura 14.36 Candida albicans (Aumento 400×). Coloração de May Grunwald-Giemsa. Fonte: Autores.
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capítulo Orildo dos Santos Pereira
Líquido Seminal ANATOMIA DO APARELHO REPRODUTOR MASCULINO O aparelho reprodutor masculino é formado basicamente por tubos e condutos (testículos, epidídimo, canal deferente e ducto ejaculador), glândulas acessórias (próstata e uretrais) e o pênis, conforme representado pela Figura 15.1.
Testículos São em número de dois e medem cerca de 3,5 a 4,5 cm em seu maior diâmetro, e 2,5 cm na largura. São formados pelos tú-
bulos seminíferos, onde são formados os espermatozoides. Cada testículo é envolvido por uma cápsula de tecido conjuntivo denso, de cor branquicenta, que recebe o nome de túnica albugínea. Os túbulos seminíferos são cilíndricos e representam 70% dos testículos. Seu comprimento varia de 40 a 70 cm, e o diâmetro entre 150 e 280 micra. Os túbulos seminíferos são enovelados e perdem sua tortuosidade em seu extremo interno, transformando-se em tubo reto para desembocar numa estrutura chamada retis testis, a qual, através dos canais eferentes, estabelece conexão entre o testículo e suas vias excretoras, que são o epidídimo e o canal deferente.
Bexiga
Duto deferente
Vesícula seminal Reto
Epidídimo Próstata Uretra peniana
Uretra prostática
Corpo esponjoso Testículo Figura 15.1 Aparelho reprodutor masculino. Fonte: Pereira O.S., Janini J.B.M., 2001.
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Os túbulos seminíferos apresentam uma luz central e um epitélio estratificado constituído pelas células de Sertoli e células germinativas. O tecido intersticial entre os túbulos seminíferos é formado por células de Leydig, vasos sanguíneos, canais linfáticos e numerosos macrófagos.Têm a função de produção dos espermatozoides e elaboração de secreções internas. As funções das células de Sertoli são de nutrição e suporte físico do epitélio germinativo, e de mediar o mecanismo de ação do FSH. Nas células de Sertoli estão os receptores de membranas específicas para o FSH e, ainda, são responsáveis pela produção de ABP (proteína ligadora de androgênios) e inibina, hormônio que faz o retrocontrole negativo da secreção e liberação do FSH. Têm atividade esteroidogênica e fagocitam as células que se degeneram durante a espermiogênese ao nível do epitélio germinativo. As células de Leydig são responsáveis pela síntese de testosterona sob ação do LH para o qual têm receptores específicos de membrana.
Epidídimo Apresenta-se como uma curvatura côncava para baixo, situada sobre o testículo. O epidídimo é dividido em três partes: cabeça, corpo e cauda. É um tubo único, extremamente convoluto, medindo de 4 a 6 metros de comprimento, e tem como função a maturação, o armazenamento e a condução dos espermatozoides.
Ductos deferentes Medem cerca de 35 a 40 cm de comprimento, 2 mm de diâmetro, e a luz não ultrapassa 0,5 mm. Iniciam a partir da cauda do epidídimo e terminam no ponto de junção das vesículas seminais e do conduto ejaculador. A extremidade terminal é alargada, formando a parte ampolar, que se unindo ao ducto da vesícula seminal, vão dar origem ao canal ejaculador que desemboca na uretra prostática.
Vesículas seminais Medem cerca de 5 a 7 cm de comprimento e 2 cm de diâmetro na porção mais larga. Localizam-se entre a bexiga e o reto. Cada uma se liga à porção final de cada um dos canais deferentes. Sua função é a de promover a mistura dos espermatozoides com as secreções condutoras e nutritivas, a fim de formar o sêmen. São estruturas alongadas e receberam o nome de vesículas seminais, por serem consideradas reservatórios de sêmen, com capacidade para armazenar de 4 a 6 mL de líquido. Têm como função a mistura dos espermatozoides com as secreções condutoras e nutritivas para formar o sêmen, e são responsáveis pela sua coagulação.
Ductos ejaculadores Medem cerca de 2 cm de comprimento e seu calibre diminui de cima para baixo, sua luz inicia com 1 mm e termina 200
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com 0,5 mm. Anatomicamente, se formam na terminação em ângulo agudo dos canais deferentes e das vesículas seminais. Penetram obliquamente na próstata, para baixo, e terminam na uretra posterior ao nível do utrículo prostático.Têm como função a mistura dos espermatozoides com as secreções condutoras e nutritivas para formar o sêmen.
Próstata É uma glândula situada na cavidade pélvica e forma corpo com a bexiga e a uretra. A uretra passa pelo meio da próstata, e nesse trajeto recebe o nome de uretra prostática. Tem como função a mistura dos espermatozoides com as secreções condutoras e nutritivas para formar o sêmen e são responsáveis pela sua liquefação.
Uretra Mede cerca de 17 a 20 cm de comprimento e vai do trígono da bexiga até a ponta do pênis. Anatomicamente, apresenta orifício uretral interno, uretra prostática, uretra membranosa, uretra cavernosa e orifício uretral externo. Tem como função a eliminação do sêmen.
Pênis O pênis, a uretra e as glândulas acessórias são as únicas partes do aparelho genital masculino que têm funções conjuntas com o aparelho urinário. O pênis é constituído de três formações cilíndricas, sendo duas localizadas lateralmente e conhecidas como corpos cavernosos, e uma localizada medianamente, conhecida como corpo esponjoso, que abriga a uretra. O tecido dos corpos cavernosos é irrigado por grandes veias sinusais que contêm pouco sangue, quando o pênis está em repouso, mas tornam-se fortemente ingurgitadas e dilatadas quando em ereção. Tem como função a eliminação do sêmen.
Glândulas acessórias Glândulas de Littré: localizadas no tecido periuretral da uretra peniana e são mais numerosas na cobertura da uretra. Glândulas de Cowper: localizadas na uretra membranosa. Glândulas de Morgani: localizadas na cobertura da uretra peniana e dentro dos quais as glândulas de Littré se esvaziam.
CARACTERÍSTICAS DO PLASMA SEMINAL O plasma seminal é composto pela secreção das glândulas uretrais (cerca de 1% do volume seminal), secreção prostática (13% a 23% do volume seminal), sendo os componentes desta responsáveis pela liquefação do sêmen e pela secreção das vesículas seminais (46% a 80% do volume seminal), responsáveis pela coagulação do sêmen. Também compõem o plasma seminal hormônios como FSH, LH, Testosterona, DHT e Prolactina. Parte 4
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Líquido Seminal
ESPERMATOGÊNESE Início entre 13 e 15 anos de idade sob a ação dos hormônios gonadotróficos adeno-hipofisários, permanecendo praticamente pelo resto da vida. É dividida em fase proliferativa (divisão das espermatogônias), fase meiótica (divisão reducional) e espermiogênese (transformação da espermátide em espermatozoide maduro) e o processo como um todo dura em torno de 70 a 74 dias.
Fases da espermatogênese O esquema abaixo resume as fases da espermatogênese. Espermatogônia A Mitose
Células epiteliais germinativas localizadas no bordo interno do túbulo seminífero.
Espermatogônia B Mitose Espermatócitos primários 1a divisão (Meiose) Espermatócitos secundários 2a divisão (Meiose ou Mitose Reducional) Espermátides Espermiogênese
Espermatozoides
Dividem-se por meiose. Não há formação de novos cromossomos, apenas separação aos pares Formam-se quatro espermatozoides dividindo o número de cromossomos para 23.
• Perda de parte do citoplasma. • Reorganização da cromatina do núcleo para formar uma cabeça compacta. • Reunião do restante do Citoplasma e da membrana em uma das extremidades para formar a cauda.
Ações hormonais sobre a espermatogênese Os hormônios são fatores indispensáveis à espermatogênese. São eles: Hormônio do crescimento (HGH): promove a divisão inicial das espermatogônias. Na ausência desse hormônio, a espermatogênese é deficiente ou totalmente ausente. capítulo 15
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Hormônio folículo estimulante (FSH): secretado pelo lobo anterior da hipófise, penetra no túbulo seminífero e estimula a síntese proteica através dos receptores específicos existentes na célula de Sertoli. Hormônio luteinizante (LH): secretado pelo lobo anterior da hipófise, penetra no túbulo seminífero e estimula as células de Leydig a secretar testosterona. Testosterona: regula a concentração periférica do LH e atua sinergicamente com o FSH sobre a produção dos espermatozoides. A testosterona inicia a espermatogênese e a meiose das células germinativas, enquanto a diferenciação da espermátide em espermatozoide é controlada pelo FSH. Prolactina: também é envolvida no mecanismo da espermatogênese regulando a liberação de gonadotrofinas e atuando sinergicamente com o LH, aumentando a esteroidogênese. Tem efeito estimulante na utilização da glicose e na atividade da adenilciclase e ATPase dos espermatozoides, influenciando a motilidade e a capacitação espermática por promover maior captação de cálcio pelos espermatozoides.
COLETA E PREPARO DA AMOSTRA O exame normalmente é precedido de abstinência sexual de dois a sete dias e examina-se o produto de uma única ejaculação. Deve ser registrado o nome da pessoa, o período de abstinência, data e hora da coleta, assim como o período de intervalo entre a coleta e o exame, e medicamentos em uso, dado este de extrema importância visto que pode influenciar sensivelmente na contagem dos espermatozoides. A sala de coleta deve ser silenciosa e distante dos ruídos normais do laboratório, a fim de amenizar os efeitos inibitórios sobre o paciente. Instruir o paciente para evitar perda do material, principalmente o 1o jato, pois invalida a realização do exame. O frasco deve ser esterilizado e, se possível, de plástico não espermicida. As mãos e o pênis devem ser lavados, e jejum alimentar não é requerido. O ideal é que pelo menos duas amostras sejam coletadas para avaliação inicial. O intervalo entre as duas coletas dependerá das circunstâncias locais, mas não deve ser menor que sete dias ou maior que noventa dias. Se o resultado dessas duas análises for marcadamente discrepante, análises adicionais deverão ser realizadas, pois está presente na emissão do líquido seminal uma importante variação biológica. A coleta domiciliar deve ser usada somente como alternativa em impedimentos físicos e/ou emocionais. Se a coleta não puder ser realizada no laboratório, a amostra deverá ser enviada dentro de 30 minutos após a coleta. Se testes funcionais para os espermatozoides tiverem de ser realizados, é crítico que os espermatozoides sejam separados do plasma seminal antes de passada uma hora da ejaculação. 201
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ANÁLISE MANUAL DO SÊMEN Físico-química Volume Em condições normais, varia entre 1,5 e 5 mL.Volumes inferiores a 1,5 mL configuram as hipospermias, enquanto a ausência de esperma é denominada aspermia. O volume varia ainda em um mesmo indivíduo, diminuindo com ejaculações repetidas em curto espaço de tempo e aumentando com a abstinência mais prolongada. É comum que se encontrem volumes seminais elevados em azoospérmicos, exceção feita àqueles que apresentam agenesia dos deferentes quando o volume é bastante reduzido, visto que, por ter a mesma origem embriológica, as vesículas seminais também não existem.
Viscosidade Durante a pipetagem da amostra para a medição do volume, a sua consistência pode ser avaliada. A consistência (ou “viscosidade”) da amostra liquefeita é considerada normal quando gotas são formadas ao retirar o líquido da pipeta. No caso de viscosidade anormal verifica-se no processo de gotejamento a formação de um filamento de cerca de 2 cm.
Cor Normalmente o sêmen é cinza-claro, tornando-se translúcido após a liquefação. A presença de piócitos em grande quantidade confere ao esperma uma cor amarelada, enquanto a presença de hemácias, hemospermia, é sugestiva, em muitos casos, de infecção específica, conferindo a cor avermelhada.
Odor O esperma recentemente emitido tem odor sui generis, que pode ser comparado ao da água sanitária; isto se deve a substâncias produzidas na próstata (espermina, espermidina e putrecina), de tal sorte que na atrofia prostática e nas prostatites esse odor característico pode faltar.
Reação (pH) Deve ser determinada em um tempo padrão, não ultrapassando 1 hora após a ejaculação e deve variar de 7,2 a 8,0, devendo ser mantido em recipiente fechado, o que impede o escape de CO2 para o meio ambiente. Em contato com o ar, o pH vai se elevando e atinge valores superiores a 8,0, invalidando a medida.
Liquefação Uma amostra seminal normal liquefaz em até 30 minutos à temperatura ambiente. A presença de grumos mucosos, sinal de liquefação incompleta, pode interferir na contagem dos espermatozoides. Amostras seminais normais podem 202
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conter granulações gelatinoides (corpos gelatinosos), os quais não liquefazem. O significado desse fato é desconhecido. A liquefação pode ser: Primária: o sêmen é totalmente liquefeito, imediatamente após a ejaculação, pela ausência ou insuficiência das vesículas seminais. Parcial: o sêmen é parcialmente liquefeito, imediatamente após a ejaculação, pela deficiência de espermolisinas. Secundária: liquefação normal, ocorrendo até 30 minutos após a ejaculação.
Coagulação Imediatamente após a emissão, o esperma transforma-se em um gel através de um processo enzimático não bem definido. Adquire, então, um aspecto heterogêneo, formando-se coágulos, provavelmente para proteger os espermatozoides do contato com o conteúdo vaginal hostil. Em temperatura ambiente, o gel vai transformando-se em sol, num tempo que varia de 5 a 30 minutos da emissão. Esse segundo processo é comandado pela fibrinolisina, enzima contida na secreção prostática. As alterações no tempo de liquefação ou a própria ausência da liquefação são, portanto, devidas à disfunção prostática.
Microscópica Morfologia do espermatozoide A morfologia espermática constitui-se um parâmetro de extrema importância para avaliação da qualidade e viabilidade do espermatozoide. Configura-se na avaliação da cabeça, peça intermediária e cauda do espermatozoide, o que deve obrigatoriamente ser realizado em esfregaço corado preferencialmente pelo Papanicolaou, podendo-se também usar colorações do tipo Romanovsky, por exemplo, Giemsa ou Wright. O esfregaço deve ser preparado a partir de “papa de sêmen”, centrifugando o material com salina estéril por três vezes na proporção de uma parte de sêmen para três partes de salina para posterior confecção da película. A definição de um padrão que possa ser aceito como o de “normalidade” baseia-se na visualização das formas dos espermatozoides que interagiram com o muco cervical e a morfologia esperada, e que poderá ser atribuída como normal. Deve ser aquele espermatozoide que apresenta a cabeça com formato oval, com uma região acrossômica e bem-definida, compreendendo de 40% a 70% da área da cabeça do espermatozoide e não pode ser visto defeito anatômico na peça intermediária ou na cauda do espermatozoide. A classificação da morfologia espermática é definida pela Organização Mundial da Saúde, sendo o manual da OMS 3a edição (Morfologia convencional) ainda o mais usado nos espermogramas de rotina, e os manuais da 4a e 5a edições (Morfologia estrita ou Krueger) costumam ser mais usados por clínicas de infertilidade, por serem mais detalhados e direcionados para prognósticos de inseminação artificial. Parte 4
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Cada serviço deve definir a classificação morfológica usada, porém é de extrema importância que seja explicitado no laudo a referência utilizada. Sugere-se aos laboratórios que realizem o espermograma como triagem, que se utilizem da 3a edição do manual da OMS, com isso adotando os critérios convencionais, e o serviço que seja referência para clínicas de infertilidade, utilize a 4a ou 5a edição onde adotará o critério estrito. A morfologia convencional é um método de avaliação menos exigente, porém não menos importante, aceitando pequenos defeitos, como microvacúolos acrossômicos, variações discretas nas dimensões da cabeça, pequenas reentrâncias na peça intermediária, de tal modo que, quando a análise for realizada por profissionais experientes possa ser executada em aumento de quatrocentas vezes. A morfologia estrita, por sua vez, também conhecida como Morfologia de Krueger, adota um critério rigoroso de classificação, em que devem ser contados de duzentos a quinhentos espermatozoides em aumento de mil vezes, de preferência que sejam mensurados com auxílio do micrômetro, sendo considerados normais quando a cabeça tenha comprimento de 5 a 6 µm e espessura de 2,5 a 3,5 µm, configuração oval, lisa, regular e com região acrossômica entre 40% e 70% da cabeça do espermatozoide. Ainda para ser considerado normal, não deve haver nenhum defeito na peça intermediária, como por exemplo restos citoplasmáticos, bem como não existir nenhuma angulação diferente de 180º entre cabeça e peça, e a cauda deve ser livre de qualquer atipia. Ainda, na análise do esfregaço seminal corado, deve ser dispensada especial atenção na diferenciação das “células redondas” que encontramos na análise no sêmen a fresco, e que devem ser classificadas como elementos germinativos (geralmente espermatócitos e espermátides), leucócitos (geralmente neutrófilos e macrófagos), e glóbulos proteicos, componentes estes que, não raro, são confundidos na análise a fresco com elementos germinativos ou leucócitos, e que na lâmina corada são facilmente identificados. Apesar de o manual da OMS não esclarecer claramente, na prática laboratorial observa-se que a presença de dois ou mais leucócitos por campo em aumento de quarenta vezes, sugere a presença de um processo inflamatório, que pode ser infeccioso ou não, e a presença de mais de cinco a dez células germinativas para cada cem espermatozoides contados pode configurar-se em um possível bloqueio de maturação espermática, muito comum, por exemplo, nos pacientes portadores de varicocele, que está presente em cerca de 50% a 70 % dos casos de infertilidade masculina. Salienta-se que na prática laboratorial observa-se uma correlação entre a contagem das “células redondas” em câmara e no esfregaço corado, sendo que cada célula visualizada (elemento germinativo ou leucócito) em aumento de quarenta vezes equivale aproximadamente a 1.000.000/mL. As Figuras 15.2 a 15.16 mostram espermatozoides normais, com alterações morfológicas, espermátides e leucócitos. capítulo 15
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Figura 15.2 Espermatozoide normal. Seta azul indica cabeça oval
em proporções normais. Seta vermelha aponta a peça intermediária. Seta preta indica cauda sem anormalidades. Fonte: Acervo do autor.
Figura 15.3 Espermatozoides normais. As setas azuis indicam cabeça oval em proporções normais.As setas vermelhas apontam para as peças intermediárias. As setas pretas indicam as caudas sem anormalidades. Fonte: Acervo do autor.
Figura 15.4 Espermatozoides normais. Fonte: Acervo do autor.
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Figura 15.5 Espermatozoides normais no muco cervical. Fonte: Acervo do autor.
Figura 15.8 Alterações de cabeça. As setas azuis apontam para vacúolos no acrossoma. Fonte: Acervo do autor.
Figura 15.6 Alterações de cabeça. A seta vermelha aponta para uma cabeça angulada. A seta azul aponta para um espermatozoide com cabeça fina.
Figura 15.9 Alterações de peça intermediária. As setas vermelhas apontam para espermatozoides com angulação de peça intermediária.
Figura 15.7 Alterações de cabeça. Cabeças em chama. Fonte: Acervo do autor.
Figura 15.10 Gota citoplasmática. Fonte: Acervo do autor.
Fonte: Acervo do autor.
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Fonte: Acervo do autor.
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Figura 15.11 Alterações de cauda. Caudas enroladas e cauda dobrada. Fonte: Acervo do autor.
Figura 15.12 Alterações de cauda. Espermatozoide bicaudal. Fonte: Acervo do autor.
Figura 15.13 Evidência de bloqueio de maturação. Fonte: Acervo do autor.
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Figura 15.14 Evidência de bloqueio de maturação. Espermátides. Fonte: Acervo do autor.
Figura 15.15 Células germinativas. A seta verde aponta para uma
espermátide.
Fonte: Acervo do autor.
Figura 15.16 Processo inflamatório. Espermatozoides e leucócitos. Fonte: Acervo do autor.
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Concentração espermática Igual ou maior a 15 milhões/mL do ejaculado.
Métodos de contagem Câmara de Neubauer: a diluição vai depender da concentração espermática, que deve ser verificada entre lâmina e lamínula. Se for observada alta concentração, deve-se diluir 1:40 a 1:50; se a concentração for mediana, diluir 1:20 a 1:30, e em baixas concentrações diluir 1:10; e em casos de visualização de 1 a 2 por campo, diluir 1:2. Deve-se utilizar o retículo de Thoma, contando os 4 quadrantes laterais e o central, multiplicando o número de espermatozoides obtido × diluição × 50.000 obtendo o resultado em milhões por mL. O líquido de diluição utilizado é solução salina a 0,5% em formol. Câmara de Makler: não utiliza diluição. A câmara deve ser preenchida de acordo com a técnica da mesma, normalmente 10 µL. Ler 10 quadrantes e multiplicar por 1.000.000, sendo o resultado expresso em milhões por mL. Em todos os métodos de contagem a correta homogeneização do material é crítica, sendo uma das principais fontes de erro desta técnica.
Graus de motilidade A motilidade espermática, análise altamente subjetiva, idealmente deveria ser analisada em microscopia de fase, com câmaras específicas para analise do sêmen, por exemplo, a de Makler, mas em geral é realizada em microscopia ótica comum e entre lâmina e lamínula, o que aumenta ainda mais a subjetividade da análise. Para minimizar esta situação, deve-se sempre padronizar o tamanho da lamínula e a quantidade de esperma a ser utilizada, por exemplo, 20 µL de sêmen e lamínula 18×18 ou 20×20. A correta e adequada homogeneização do material é fator crítico, bem como o tempo de análise após a montagem da lâmina com o sêmen a fresco, que não deve passar de 45 a 60 segundos. Outra situação que muitas vezes passa despercebida é a temperatura em que o sêmen fica armazenado até a análise. Esta nunca deve ser superior a 37 ºC e nem inferior a 20 ºC, podendo utilizar-se de banho-maria ou estufa quando a temperatura ambiente estiver fora desses valores. O tempo máximo para avaliação da motilidade é de 60 minutos após a coleta. O ideal é que a análise seja feita em duplicata, analisando pelo menos 10 campos em aumento de 400 vezes. Caso haja discrepância entre as análises, superior a 10%, uma terceira lâmina deve ser montada. Com a publicação da 5a edição do manual da OMS, ocorreram mudanças na avaliação da motilidade espermática. Os espermatozóides progressivos são classificados em conjunto com uma referência única e não mais separados em progressivos, rápidos, e lentos. Portanto, o laboratório deve classificar os espermatozoides móveis em porcentagem, dividindo-os em progressivos (espermatozoide corta o campo microscópico sem mudar de direção, de forma rápida ou lenta), não progressivos (direção indefinida, errático, in situ) e imóveis. 206
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É importante ressaltar que deve haver treinamento e padronização de todos os profissionais de um mesmo laboratório que fazem análise da motilidade espermática para evitar que a variação entre os examinadores não seja superior a 10%.
Viabilidade ou vitalidade espermática A análise da viabilidade ou vitalidade espermática utiliza um corante tipo exclusão nuclear para determinar se os espermatozoides imóveis estão vivos, mas incapazes de se mover, ou realmente mortos (necrospermia). O teste de vitalidade utiliza uma coloração muito simples, na qual se usa a eosina como corante e a nigrosina como contracorante. Espermatozoides que não deixam passar o corante estão vivos, e os que coram a cabeça de vermelho estão mortos. Ambos podem ser facilmente visualizados contra o fundo escuro criado pela nigrosina. Pode-se realizar o teste da vitalidade somente com a eosina, o que requer do examinador mais experiência, necessitando trabalhar o diafragma do microscópio a fim de produzir um jogo de luz para melhor visualização. O resultado é reportado em porcentagem de espermatozoides vivos e mortos.
Bioquímica Apesar da pouca utilização na prática laboratorial, as dosagens bioquímicas podem fornecer informações importantes na investigação das causas de infertilidade e são recomendadas pela OMS. Existem marcadores para cada glândula componente do aparelho genital masculino. São elas: Glândula prostática: ácido cítrico, inositol, zinco, g-glutamil transpeptidase, fosfatase ácida, zinco, cálcio, magnésio. Vesículas seminais: frutose, prostaglandinas e ácido ascórbico. Epidídimos: L-carnitina livre, glicerilfosforilcolina e alfaglucosidase neutra. Uma função secretora diminuída reflete-se em baixa emissão de marcadores específicos, o que pode ser utilizado na análise da função secretora da glândula acessória. Para todas as dosagens bioquímicas é importante que uma alíquota do esperma seja retirada imediatamente após a liquefação do sêmen, centrifugada, separando-se o plasma seminal para evitar resultados falsamente diminuídos em função do consumo pelos espermatozoides. A dosagem bioquímica mais importante no esperma é a Frutose. Se nenhum espermatozoide for observado, e não se tratar de controle pós-vasectomia, um teste quantitativo para a detecção de frutose deve ser efetuado. A frutose é uma substância androgênica-dependente e é produzida nas vesículas seminais. A maior parte dos estudos sobre frutose usa o método de resorcinol. Ela pode ser dosada pelo método espectrofotométrico de Roe. Níveis baixos de frutose geralmente indicam deficiência na atividade secretora das vesículas seminais, exceto em sêmens polizoospérmicos, isto é, aqueles com densidade espermática maior que 250 milhões de esperParte 4
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matozoides/mL. A ausência de frutose e um volume baixo de ejaculado, associado à incapacidade do sêmen de coagular sugere a ausência congênita do vaso deferente e das vesículas seminais ou a obstrução dos ductos ejaculatórios. Valores elevados são raros e de significado clínico pouco conhecido. Alguns autores preconizam que o teste de frutose pode ser somente qualitativo, o que seria suficiente para definir o marcador da vesícula seminal.
Imunológica Entre 2% e 20% dos homens inférteis apresentam anticorpos séricos aglutinantes e imobilizantes de espermatozoide, e muitos deles também apresentam esses elementos no plasma seminal. A presença de autoanticorpos no plasma seminal imobiliza os espermatozoides e reduz sua capacidade de penetração no muco cervical. Além disso, favorece a autoaglutinação espontânea do esperma por anticorpos aglutinantes. A presença de anticorpos antiespermáticos revestindo os espermatozoides é típica e pode ser considerada específica no caso da infertilidade imunológica. Os anticorpos espermáticos no sêmen pertencem quase exclusivamente a duas classes imunológicas: IgA e IgG. Os anticorpos IgA têm maior importância clínica que os anticorpos IgG. Os anticorpos IgM, por causa do seu grande tamanho molecular, são raramente encontrados no sêmen. Os testes de triagem para anticorpos no plasma seminal são realizados em amostras seminais frescas e se utilizam dos métodos de Immunobead e da reação mista da antiglobulina (MAR test). Os resultados do Immunobead e do teste Mar nem sempre estão em concordância. O Immunobead correlaciona-se bem com os testes de aglutinação e imobilização espermática realizados no soro. Quando estes são positivos, outros testes (do contato esperma-muco cervical, esperma-muco cervical no tubo capilar ou titulação de anticorpos espermáticos no soro) irão convalidar e confirmar o diagnóstico.
Testes para detecção de anticorpos antiespermatozoides no esperma Mar test (Reação mista antiglobulina) Direto IgG e IgA. O paciente deve estar em abstinência sexual de dois a sete dias, o material deve ser colhido por automasturbação, e o teste deverá ser realizado em até 4 horas após a coleta. Em uma lâmina de microscopia colocar: 10 µL de partículas de látex revestidas com IgG ou hemácias de carneiro revestidas de IgG. 10 µL de sêmen fresco. Misturar com espátula. Adicionar 10 µL de soro anti-IgG diluído a 1/20 em Ringer Frutose. Misturar. Cobrir com lamínula e observar em microscopia de fase logo após a preparação, e novamente após 10 minutos. Contar 100 espermatozoides móveis. capítulo 15
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Na ausência de autoanticorpos sobre os espermatozoides, estes serão vistos nadando livremente entre as partículas de látex, as quais irão aderir entre si, provando a efetividade da preparação. Quando positivo, na presença de autoanticorpos, serão observados mais de 10% de espermatozoides móveis, com partículas de látex aderidas a eles. Na primeira leitura observam-se poucas partículas aderidas aos espermatozoides e, posteriormente, podem formar aglutinações tão compactas que haverá formação de blocos grandes ou bloco único.
Teste Immunobead Os anticorpos presentes na superfície da célula espermática podem ser detectados pelo teste Immunobead. Immunobeads são esferas de poliacrilamida com imunoglobulinas anti-humanas de coelho aderidas por covalência. A presença de anticorpos IgG, IgA e IgM pode ser simultaneamente determinada por este teste. Os espermatozoides são preparados livres do plasma seminal (lavados) por centrifugações repetidas e ressuspensão em meio tampão. A suspensão de espermatozoides é homogeneizada e misturada com a suspensão de Immunobeads. Essa preparação é examinada a uma magnificação de 400× em microscopia de contraste de fase. Enquanto os espermatozoides nadam através da suspensão, os Immunobeads vão aderindo aos móveis, que têm anticorpos aderidos à superfície. Determina-se a proporção de espermatozoides com anticorpos de superfície e a classe (IgG, IgA ou IgM) desses anticorpos pode ser identificada utilizando-se diferentes categorias de Immunobeads. O teste é considerado positivo quando 20% ou mais dos espermatozoides se apresentam com Immunobeads aderidos. No entanto, a penetração espermática no muco cervical e a fertilização in vitro tendem a não ser significantemente prejudicadas a menos de 50% ou mais dos espermatozoides móveis que tenham anticorpos aderidos. Para esta técnica de detecção de anticorpos antiespermatozoides são utilizadas microesferas adicionadas de anti-IgG, IgA e IgM, e tampão fosfato (PBS). Para cada tipo de anticorpo (IgG, IgA ou IgM) adicionar 200 µL de suspensão de microesferas em tubos de centrifugação. Adicionar a outro tubo de centrífuga 800 µl de sêmen fresco e completar para 10 mL com tampão fosfato (PBS). Centrifugar a 2.000 rpm por 10 minutos. Decantar e desprezar o sobrenadante. Colocar 10 µL de cada tipo de microesfera misturados a 10 µL de suspensão de espermatozoides lavados em uma lâmina de microscopia, cobrindo com lamínula 20 × 20. Deixar por 5 minutos em câmara úmida. Observar ao microscópio (aumento 400×) conferindo a porcentagem de espermatozoides aderidos às diferentes microesferas, registrando a classe a que pertencerem.
Anticorpos antiespermatozoides séricos Em pacientes com nenhuma evidência endócrina, sêmen ou outra anormalidade, o título de anticorpos antiespermatozoides pode ser mencionado. 207
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Os anticorpos antiespermatozoides são um achado comum após vasectomia, ocorrendo em aproximadamente 50% dos casos. A incidência e o significado de anticorpos antiespermáticos séricos em casais com problemas de infertilidade são controversos. Em homens, um relato sugere que título de anticorpos é mais significante que a mera detecção do anticorpo. Altos títulos em homens são considerados de grande evidência contra fertilidade. Baixos títulos têm significado incerto, e títulos intermediários indicam uma insuficiência, mas não inutilidade de prognóstico. Em mulheres, anticorpos antiespermatozoides estão presentes em 7% a 17% dos casos de infertilidade, mas seu significado é incerto, desde que uma porcentagem considerável dessas mulheres possa vir a engravidar. A detecção de anticorpo antiespermático no muco cervical de mulheres é provavelmente muito mais importante que sua detecção sérica.
Microbiológica Precauções especiais devem ser tomadas para evitar contaminação durante a coleta do sêmen para cultura. Antes da obtenção da amostra, o indivíduo deve urinar. Imediatamente depois disso, o paciente deve lavar as mãos e o pênis com sabão. Todo o sabão deve ser removido com água, e o local seco com uma toalha limpa. O frasco para coleta deve estar esterilizado. A cultura do plasma seminal para verificar a presença de microrganismos tanto aeróbicos quanto anaeróbicos pode ajudar no diagnóstico da infecção de glândula acessória, particularmente da próstata. Os valores de referência não estão bem definido, mas é importante que a cultura seja analisada em conjunto com a evidência de processo inflamatório. Se o esperma possui processo inflamatório, qualquer crescimento bacteriano deverá ser considerado. Se o esperma não possui processo inflamatório, mas obteve-se um crescimento superior a 5.000 UFC/mL deve-se proceder à identificação bacteriana. Até 5.000 UFC/mL, sem a presença de processo inflamatório, deve-se proceder à identificação somente se o crescimento bacteriano for uniforme. Como o líquido seminal contém substâncias bactericidas, tem-se percebido na prática que a diluição prévia do sêmen em salina estéril tem aumentado a sensibilidade das culturas, permitindo melhor isolamento e quantificação das colônias. Atenção especial deve ser dada aos Mycoplasmas, sendo eles Ureaplasma urealyticum, Mycoplasmas hominis, Mycoplasmas fermentans e Mycoplasmas genitalium, bem como para a Chlamydia, cujo método de escolha deve ser a captura híbrida ou PCR.
Adicionar delicadamente 1,2 mL de meio de Earle suplementado a 1 mL de sêmen em tubo de centrífuga estéril de 15 mL. Inclinar o tubo a 45º e incubar por 1 hora a 37 ºC. Recolocar o tubo na posição vertical e remover 1 mL do sobrenadante. Diluir a alíquota recolhida a 1/8 com meio de Earle suplementado. Centrifugar a 2.000 rpm por 5 minutos. Desprezar o sobrenadante e ressuspender com 0,5 mL de meio de Earle. Os espermatozoides obtidos nessa última fração estão livres do plasma seminal e de detritos celulares, e a grande maioria tem boa motilidade, podendo então ser usados em inseminação artificial. No indivíduo normal ocorre a recuperação de, no mínimo, 10% de concentração inicial com melhoria da motilidade.
Avaliação da região acrossômica Teste realizado após o Swin-up, em que serão utilizados corantes supravitais de Tripan blue, Rosa bengala e Marrom Bismarck, todos em solução aquosa a 0,5%. Os resultados são avaliados em quatro categorias: Vivos não reativos: região acrossômica rosa e pós-acrossômica marrom. Vivos reativos: região acrossômica não corada e região pós-acrossômica marrom. Mortos reativos: região acrossômica não corada e pós-acrossômica corada de azul-escuro a negro. Mortos não reativos: região acrossômica levemente rosa, e região pós- acrossômica azul-escuro a negro.
Teste hipo-osmótico Oferece informação adicional sobre a integridade e a funcionalidade da membrana celular da cauda do espermatozoide. Há uma relação estreita entre positividade do teste Hipo-osmótico, que é uma expansão do volume celular, com a capacidade de penetração de espermatozoides na zona pelúcida de óvulos de hamster. Utiliza-se de solução de Ringer Frutose.
Exames complementares SWIM-UP
Adicionar 1mL da solução de Ringer Frutose e 0,1mL do sêmen e homogeneizar delicadamente. Deixar 35 minutos em BM. Observar em lâmina-lamínula em microscopia de fase em 400×. Contar 100 espermatozoides, com e sem edema, separadamente. Espera-se número maior ou igual a 60% de espermatozoides com edema de cauda.
Teste baseado na capacidade de nadar para cima (swin-up) de espermatozoides móveis no sêmen, onde o meio de cultura sugerido é o meio de Earle suplementado.
Tem-se utilizado Teste de Avaliação da Integridade do DNA Espermático com Acridina Orange, integridade esta essencial para a transmissão genética. Outro teste bem atual é
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a pesquisa de microdeleções no Cromossoma Y em pacientes com azoospermia não obstrutiva.
ANÁLISE AUTOMATIZADA Uma análise padronizada, acurada e precisa da motilidade dos espermatozoides no sêmen irá melhorar o prognóstico, e possivelmente o poder de diagnóstico do laboratório. A tecnologia de vídeo e visão computadorizada produziu novos instrumentos capazes de identificar e acompanhar o traçado individual das células espermáticas, e daí calcular uma série de parâmetros que caracterizam a cinemática (isto é, a geometria dependente do tempo) da movimentação do espermatozoide. Tais instrumentos usam um computador para processar o sinal elétrico obtido por uma videocâmara integrada a um microscópio, tanto pela análise direta do sinal quanto pela análise do sinal correspondente emitido por um gravador de vídeo. Quando utilizada com propriedade, a metodologia CASA oferece uma refinada precisão na análise da concentração e motilidade espermática em comparação com a determinação visual subjetiva. Isso permite concordância nas determinações realizadas em uma série de diferentes laboratórios. Não há dúvida de que a automação do espermograma aumenta bastante a qualidade das análises, mas o laboratório deve estabelecer uma relação custo-benefício antes de implantar a automação, devendo avaliar a quantidade de exames realizada diariamente e o tempo do profissional dedicado à realização dos exames.
PÓS-VASECTOMIA A análise do sêmen dos pacientes vasectomizados, apesar da aparente simplicidade, requer do analista alguns cuidados para que o resultado final seja fidedigno com a condição atual do indivíduo, e trabalhos indicam que 1 em cada 2.000 pacientes vasectomizados por alguma forma de recanalização ou falência da vasectomia acabam por engravidar a mulher. Um dos principais problemas é a falta de padronização de quando realizar o exame pós-vasectomia e se este precisa ser temporariamente repetido para confirmação da azoospermia. O Manual da OMS é econômico em abordar o controle pós-vasectomia, porém a Associação Americana de Urologia elaborou diretrizes robustas que são amparadas por vários trabalhos e que definiram apesar de algumas lacunas a abordagem ao paciente pós-vasectomizado. Na prática clínica observa-se que os pacientes são muitas vezes orientados a realizar o controle de 45 a 60 dias após a cirurgia, o que se mostra uma orientação equivocada, pois a ampola seminal estrutura anexa à vesícula seminal, que se localiza acima do canal deferente, na maioria das vezes ainda mantém espermatozoides, que apesar da baixa viabilidade espermática, podem ser ejaculados normalmente. A definição de eficácia contraceptiva é a ausência de gravidez, enquanto a eficácia oclusiva é a azoospermia. Ocorre que alguns pacientes não conseguem atingir azoospermia depois da vasectomia, mas também não chegam a capítulo 15
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engravidar a parceira. Estudos mostraram que percentual importante dos homens permanecem com espermatozoides no ejaculado pós-vasectomia até 10 anos após a cirurgia, mas nenhum deles engravidou a mulher. Por este motivo a diretriz americana considerou também como eficácia oclusiva homens que revelam presença de menos de 100.000 mil espermatozoides por mL de sêmen, desde que imóveis ou mortos. Portanto, pelas diretrizes americanas somente é considerada falha a vasectomia que não conseguir atingir a azoospermia ou a concentração inferior a 100.000 espermatozoides por mL de sêmen (imóveis ou mortos) após um período médio de 06 meses após a realização da cirurgia. Neste contexto, pacientes que permanecem com espermatozoides móveis após 06 meses deve ser considerado a revasectomia, e pacientes com concentrações superiores a 100.000/mL imóveis, deve ser avaliado caso a caso com o cirurgião a necessidade ou não de revasectomia. A evidência de um único espermatozoide móvel no ejaculado do pós vasectomizado depois de 6 meses indica falência da vasectomia, que pode ter ocorrido por erro na oclusão cirúrgica ou recanalização do canal deferente. A recanalização deve ser suspeitada quando após um espermograma pós-vasectomia com azoospermia, for detectado a presença de espermatozoides móveis ou aumento do número de espermatozoides imóveis em relação a amostras anteriores. Ainda, a recanalização é considerada precoce quando o paciente não atinge em nenhum momento a azoospermia ou concentração menor que 100.000/mL, e tardia quando tal situação ocorre depois da constatação de azoospermia. Uma situação ainda controversa, é o tempo e frequência após a vasectomia em que o paciente deve realizar o exame. Tanto a OMS quanto as diretrizes evidenciam que existe grandes variações individuais, e que tal situação vai depender da técnica cirúrgica, da anatomia da ampola seminal e vesícula seminal, e idade do paciente. Na grande maioria dos homens após 20 ejaculações e três meses após a vasectomia, obtém-se a azoospermia, sendo o que se tem recomendado atualmente, mas um número significativo de homens ainda permanecem com espermatozoides residuais por tempo indeterminado. Uma outra controvérsia é a técnica utilizada pelos laboratórios na análise do sêmen pós-vasectomia, enquanto alguns são rigorosos demais, incluindo centrifugação do material e análise de centenas de campos, outros se limitam a análise de poucos campos com o esperma bruto. Tanto a OMS quanto as diretrizes não recomendam a centrifugação imediata do sêmen, pois a pesquisa de espermatozoides móveis pode ficar prejudicada, e esta é extremamente importante para o diagnóstico de possível falência ou recanalização da vasectomia. Diante dessas informações recomenda-se não ultrapassar a 120 minutos para a análise do sêmen do pós-vasectomizado, pesquisar exaustivamente a presença de espermatozoide móvel e relatar a presença de espermatozoides em concentração inferior a 100.000/mL imóveis/mortos na amostra bruta, o que é facilmente demonstrado quando nenhum esperma209
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Tratado de Análises Clínicas
tozoide é observado nas áreas de contagem das câmaras de profundidade, mas evidenciado fora dela, ou quando a análise é realizada entre lâmina e lamínula, e são visualizados espermatozoides somente após percorrer entre 30 a 50 campos de aumento 40 vezes. Ressalta-se que quando for possível determinar a concentração espermática, esta deve ser relatada no laudo. Em função da ausência dos espermatozoides e elementos germinativos, é comum observarmos no vasectomizado, células da vesícula seminal, próstata e uretra, bem como a presença de neutrófilos, o que pós vasectomia pode ser considerado normal, devendo ser relatado para que seja estabelecida correlação clínico-patológica. Recomenda-se que o paciente vasectomizado confirme o status de azoospermia a cada seis a doze meses, pelo menos por dois a três anos após a cirurgia, em função da possibilidade de recanalização tardia. Como prevenção de complicações médico-legais deve-se inserir no laudo de pós-vasectomizados a seguinte expressão: “Este resultado refere-se exclusivamente a amostra analisada.” “Somente seu médico tem condições de interpretar este resultado e analisar a necessidade de exames complementares.” “Deve o paciente estar ciente que as Vasectomias podem ser reversíveis espontaneamente, por processos de recanalizações e outros tipos de falências.”
NOMENCLATURAS Normozoospermia: concentração espermática dentro da normalidade. Acima de 15 milhões/mL de ejaculado. Oligozoospermia leve: 10 a 15 milhões de espermatozoides/mL. Oligozoospermia moderada: 5 a 10 milhões/mL. Oligozoospermia acentuada: menor que 5 milhões/mL. Criptozoospermia: menor que 1 milhão/mL. Polizoospermia: valores superiores a 250 milhões/mL. Azoospermia: ausência total de espermatozoides no ejaculado total, podendo ser observadas células germinativas. Astenozoospemia: menor que 32% dos espermatozoides com movimentos progressivos. Necrozoospermia: maior que 58% de espermatozoides mortos. Teratozoospermia: grande formação de espermatozoides em formato anormal. Hiperespermia: volume do ejaculado maior que 5,0 mL. Hipospermia: volume do ejaculado inferior a 1,5 mL. Aspermia: ausência total de ejaculado. Azoocitospermia: ausência total de espermatozoides e células germinativas. Presença de abundante quantidade de hemácias. Piospermia: maior que 1 milhão de piócitos/mL ou acima de dois por campo em aumento de 40 vezes. Aglutinação: quando ocorre em mais de 10% dos espermatozoides. 210
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Alterações de plasma seminal: aumento da viscosidade, liquefação, alterações de pH, presença de corpos gelatinosos. Ejaculação retrógrada: ejaculação para dentro da bexiga.
VALORES DE REFERÊNCIA Valores de referência em Infertilidade Masculina com base no Manual de Referência da OMS (3ª, 4ª e 5ª edições) Características físico-químicas do líquido seminal Volume: 1,5 a 5 mL. Odor: semelhante a odor de água sanitária (hipoclorito de sódio). Cor: branco opalescente. Coagulação: imediata e/ou completa. Liquefação: até 30 minutos. pH: 7,2 a 8,0.
Vitalidade espermática Espermatozoides móveis: maior ou igual a 40%. Espermatozoides vivos: maior ou igual a 58%.
Motilidade espermática Soma dos progressivos rápidos + progressivos lentos: maior ou igual a 32%.
Concentração espermática Maior ou igual a 15 milhões/mL.
Citologia espermática Elementos germinativos: até 5 milhões/mL ou 10% em relação ao total de espermatozoides. Espermatogônia: ausentes. Espermatócito primário: ausentes. Espermatócito secundário: até 5%. Espermátides: até 5%. Elementos vesiculares: raros. Elementos prostáticos: raros. Elementos uretrais: raros. Elementos inflamatórios: Granulócitos: até 2 por campo (× 40) ou 1 milhão/mL. Macrófagos: raros.
Morfologia Espermática Convencional OMS 3ª Edição (Papanicolaou) Espermatozodes típicos (normais): maior ou igual a 30%.
Morfologia Espermática Estrita (Papanicolaou) – 4ª Edição Presença de no mínimo 14% de espermatozoides típicos, sem nenhuma alteração mínima que seja em cabeça (acrossoma, núcleo), peça intermediária e cauda. Parte 4
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Líquido Seminal
Morfologia Espermática Estrita (Papanicolaou) – 5ª Edição Presença de no mínimo 4% de espermatozoides típicos, sem nenhuma alteração mínima que seja em cabeça (acrossoma, núcleo), peça intermediária e cauda.
Testes de Capacitação Espermática Swin-up: Recuperação de, no mínimo, 10% de concentração inicial com melhoria da motilidade.
Testes Bioquímicos (realizados no plasma seminal)
Ácido cítrico: 300 a 800 mg/dL Frutose: 100 a 350 mg/dL Fosfatase ácida prostática: 10-30 mg/dL Zinco: 100 a 200 µg/dL
Perfil Hormonal Andrológico (soro e/ou plasma sanguíneo)
FSH: 1,5 a 14,0 mUI/mL. LH: 1,4 a 7,7 mUI/mL. Testosterona: 286 a 1.511 ng/dL. Testosterona livre: 12 a 55 pg/mL. Prolactina: 2,5 a 17,0 ng/mL. Método utilizado: Quimioluminescência.
capítulo 15
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referências consultadas 1. Adelman MM, Cahill EM. Atlas of Sperm Morphology. 1.ed. Chicago: ASCP Press, 1989. 2. Galba ESM. Espermocitograma. 1.ed. Porto Alegre: Ed Médica, 1994. 3. Henry JB. Diagnósticos Clínicos e Tratamento por Métodos Laboratoriais. 19.ed. São Paulo: Manole, 2008. 4. Krueger TF, Lacquet FA, Sarmiento CAS, et al. A prospective study on the predictive value of normal sperm morphology evaluated by computer (IVOS). Fertil Steril. 1996;66(2):285-91. 5. Manual de Laboratório para o Exame do Sêmen Humano. 3.ed. OMS, 1992. 6. Neves PA, Rodrigues NN Jr. Infertilidade Masculina. 1.ed. São Paulo: Atheneu, 2002. 7. Neves PA, Sampaio F, Vanucci E. Espermograma – I Consenso Brasileiro sobre Infertilidade Masculina. São Paulo: Atheneu, 2000. 8. Pereira OS, Janini JBM. Atlas de Morfologia Espermática. 1.ed. São Paulo: Atheneu, 2001. 9. Piva S. Espermograma. 1.ed. Maringá: Laboratório São Camilo, 2001. 10. Vasectomy: AUA Guideline 2015 - Ira D. Sharlip, Arnold M. Belker, Stanton Honig, Michel Labrecque, Joel L. Marmar, Lawrence S. Ross, Jay I. Sandlow, David C. Sokal 11. WHO Laboratory Manual for the Examination and Processing of Human Semen. 4.ed. OMS, 1999. 12. WHO Laboratory Manual for the Examination and Processing of Human Semen. 5.ed. OMS, 2010.
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capítulo Sérgio Luiz Bach
Líquido Sinovial INTRODUÇÃO As articulações sinoviais, também chamadas de diartroses, por possuírem uma característica de mobilidade, incluem a maioria das articulações do corpo. Apresentam uma superfície óssea recoberta por cartilagem articular; o espaço articular é delimitado pela cápsula articular fibrosa, e internamente pela membrana sinovial. Preenchendo todo o espaço interno da articulação ou especificamente da cavidade articular está o líquido sinovial. O líquido sinovial é um ultrafiltrado plasmático proveniente dos capilares subsinoviais, e da ação secretora das células da membrana sinovial, que produzem um líquido contendo mucina e ácido hialurônico com a função de lubrificar e nutrir a cavidade articular. As artropatias causam, de maneira geral, uma redução da capacidade funcional das articulações, que podem evoluir para um processo degenerativo grave. A análise do líquido sinovial (LS) é uma importante ferramenta no diagnóstico e prognóstico das várias artropatias que podem acometer a cavidade articular, e vai muito além do simples efeito descompressivo que a artrocentese proporciona, embora muitos profissionais ainda acreditem na pouca informação que a análise do LS contribui na etiologia do derrame articular.
ANATOMIA DA CAVIDADE ARTICULAR E COMPOSIÇÃO DO LÍQUIDO SINOVIAL Os aspectos básicos da cartilagem articular normal devem ser conhecidos para entendermos melhor a formação e a função do líquido sinovial (LS) e a importância do seu estudo em algumas patologias que acometem a cavidade articular. Nas articulações sinoviais (diartroses), as extremidades ósseas são recobertas pela cartilagem articular/hialina, cuja espessura se altera com a idade (diminui com o envelhecimento) e varia de acordo com o tamanho da articulação, variando de 1 a 7 mm, segundo a sua localização. Tem pelo menos duas funções fundamentais: permitir e orientar o deslizamento suave dos movimentos articulares e suportar cargas, dissipando energia. Não apresenta terminações nervosas, vasos sanguíneos ou linfáticos. É um tecido conjuntivo formado por
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células denominadas condrócitos, e por uma matriz de colágeno. Os condrócitos, única célula da cartilagem, são responsáveis pela manutenção e regulação funcional e estrutural da cartilagem, pois sintetizam os principais elementos da matriz. Na cartilagem hialina as fibras colágenas são responsáveis por cerca de 60% do peso da cartilagem desidratada. Destas fibras, 95% são colágeno tipo II, 3% do tipo XI, e 1% do tipo IX, que se distribuem por toda a cartilagem. A Figura 16.1 ilustra a anatomia da cavidade articular. Periósteo Membrana sinovial Camada fibrosa da cápsula Cavidade articular Cartilagem articular Osso esponjoso Osso compacto Cavidade medular
Figura 16.1 Representação de articulação. Fonte: Adaptada de Mundt LA, et al., 2011.
A cavidade articular é delimitada pela parede da cápsula articular composta de tecido fibroso. Internamente, a cápsula articular é revestida pela membrana sinovial, separada da cartilagem hialina apenas pelo líquido sinovial. Esta membrana é composta de um folheto duplo onde a membrana mais externa, formada por tecido conjuntivo frouxo e pequenos capilares, se localiza entre a parede da cápsula articular/fibrosa e a membrana interna, denominada íntima sinovial. Esse folheto interno é formado por uma a quatro camadas de células, os sinoviócitos. De grande interesse, a íntima sinovial é composta por dois tipos morfologicamente distintos de sinoviócitos:
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Tratado de Análises Clínicas
células do tipo A (linhagem proveniente de macrófagos) e células do tipo B (linhagem de fibroblastos). Os sinoviócitos do tipo A têm função absortiva, podem absorver e degradar substâncias extracelulares, debris celulares, microrganismos e antígenos no LS e na matriz cartilaginosa. Os sinoviócitos do tipo B fazem secreção de colágeno, fibronectina, hialuronato e outros proteoglicanos para o interior da cavidade articular. Essa membrana tem a capacidade de realizar a produção do LS através de um processo de ultrafiltração do plasma a partir dos capilares subsinoviais, devido à discreta diferença de pressão hidrostática e coloidosmótica desses capilares em relação à cavidade articular, o que permite que a água do compartimento intravascular se desloque em direção à cavidade articular passando pelas células da membrana da íntima sinovial. Esse processo de formação do líquido sinovial está extremamente equilibrado com o processo de reabsorção pelos vasos linfáticos sinoviais e também pelos capilares subsinoviais, equilíbrio que se altera nos processos patológicos, principalmente no processo inflamatório, onde o volume de líquido na cavidade aumenta de maneira considerável. Então, podemos definir que o líquido sinovial é um ultrafiltrado do plasma, que penetra na cavidade articular através de fenestras do endotélio capilar subsinovial. As células da membrana sinovial (sinoviócitos) secretam um concentrado de mucopolissacarídeo (ácido hialurônico/hialuronato), o que contribui para a viscosidade do líquido. O líquido sinovial apresenta uma concentração de glicose, ácido úrico e eletrólitos semelhante à do plasma devido a uma baixa seletividade da barreira da membrana sinovial a estas substâncias. Já para as proteínas de alto peso molecular, a barreira apresenta uma restrição de passagem uma vez que no líquido sinovial encontramos em média 1/3 do valor plasmático. O predomínio proteico é de albumina, com ausência de fibrinogênio. De aspecto amarelo-claro, límpido, viscoso, estéril e incoagulável, esse líquido tem como função primordial lubrificar e também levar nutrientes para todas as células da cavidade articular. Os valores de referência para os componentes do líquido sinovial em adultos normais estão na Tabela 16.1.
Por meio da análise do líquido sinovial, as desordens da cavidade articular podem ser divididas em cinco categorias: Grupo I - Não inflamatório; Grupo II - Inflamatório; Grupo III - Séptico/Infeccioso; Grupo IV - Induzido por cristais; e Grupo V - Hemorrágico. A Tabela 16.2 traz somente algumas das principais patologias agrupadas nesses critérios, tendo em vista o grande número de doenças que, de maneira direta ou indireta, acometem a cavidade articular. Tabela 16.2 Classificação em grupos das principais artropatias. Grupo I
Osteoartrite
Não inflamatório
Artrite traumática Acromegalia
Grupo II
Artrite reumatoide
Inflamatório
Lúpus eritematoso sistêmico Febre reumática Artrite psoríase Síndrome de Reiter Colite ulcerativa
Séptico/infeccioso
Artrite séptica (bactérias, fungos, Mycobacterium, vírus...)
Grupo IV
Gota
Induzido por cristais
Pseudogota (condrocalcinose)
Grupo V
Artrite traumática
Hemorrágico
Distúrbios de coagulação (Hemofilia)
Grupo III:
Hemangioma Fonte: Adaptada de Kjeldsberg C, et al., 1992.
Tabela 16.1 Valores de referência de líquido sinovial para adultos normais.
Leucócitos
< 150/µL
• Neutrófilos
< 25%
• Linfócitos
< 15%
• Monócitos
< 70%
Glicose (≠ entre sangue e LS)
< 10 mg/dL
Lactato
< 25 mg/dL
Proteínas
1-3 g/dL
Ácido úrico
< 8 mg/dL
Fonte: Adaptada Strasinger SK, et al., 2008.
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Qualquer alteração na função do LS, devido à idade ou a um mecanismo patológico, pode contribuir no desenvolvimento de doenças degenerativas nas articulações, como a osteoartrite. Os processos inflamatórios, independentemente de sua origem, ocasionam um crescente aumento de neutrófilos na cavidade articular, os quais produzem várias enzimas líticas como a hialuronidase e as metaloproteinases que despolimerizam o ácido hialurônico e reduzem consideravelmente sua viscosidade, por consequência, reduzindo sua capacidade de lubrificar as articulações.
PUNÇÃO ASPIRATIVA DO LÍQUIDO SINOVIAL (ARTROCENTESE) A artrocentese traz inicialmente um alívio ao paciente, devido à drenagem do excesso de líquido na cavidade, com a Parte 4
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Líquido Sinovial
redução da pressão exercida no espaço articular, efeito descompressivo. No momento da punção, o clínico já obtém informações importantes quanto ao aspecto macroscópico da amostra, que será então encaminhada para a análise laboratorial visando à sua classificação em um dos cinco grupos já mencionados para elucidação da etiologia do derrame articular. As contraindicações para a aspiração do LS são a presença de infecção de pele ou subcutânea adjacente ao local da punção, como as celulites, ou uma desordem de coagulação primária ou secundária ao uso de medicamentos que alteram a hemostasia sanguínea. A incidência de complicações sépticas é baixa quando o procedimento é realizado por um médico experiente. A punção articular para a obtenção do LS é rotineiramente realizada com uma seringa heparinizada, que é prontamente encaminhada ao laboratório para a realização de todos os exames laboratoriais. É fundamental que seja obedecida a sequência de setores que irão manusear a amostra, sendo evidentemente o setor de microbiologia o primeiro, em seguida a citologia, e por último os setores de bioquímica e imunologia. A amostra de LS pode ser também fracionada em tubos com anticoagulante específico para cada setor do laboratório, para posterior análise, contanto que essa transferência seja realizada rapidamente ou de preferência no momento da coleta. É de fundamental importância que, se fracionado, se obedeça a critérios de separação no que se refere à homogeneização e cuidados de contaminação da amostra. Para o setor de citologia, seria aconselhável uma alíquota anticoagulada com EDTA a fim de se evitar a formação de coágulos e preservar o aspecto morfológico das células, de grande interesse tanto para a diferenciação dos leucócitos como para a análise da citologia oncótica. Os setores de imunologia e bioquímica, normalmente, não requerem frascos com anticoagulante. Nesses setores, as amostras devem ser centrifugadas para remover todas as células do sobrenadante. As células presentes no líquido sinovial podem alterar a concentração de algumas substâncias e também a composição química do fluído. Amostras sugestivas de artropatias sépticas devem, se possível, no momento da coleta, ser inoculadas em frascos de hemocultura ou, então, semeadas no laboratório em ágar sangue e ágar chocolate. O procedimento de coleta e envio ao laboratório, com seringa heparinizada ou frascos com anticoagulante, irá depender da padronização do laboratório e do volume da amostra colhida. É importante que os testes e as análises do LS sejam realizados em um tempo máximo de 1 hora após a coleta da amostra, pois os prejuízos na citologia, as alterações bioquímicas e os riscos de contaminação são significativos com o passar do tempo. Se a análise do LS não puder ser realizada no prazo estipulado ou houver a necessidade de ser enviado para outro centro de diagnóstico para testes posteriores, a amostra deverá ser refrigerada. capítulo 16
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ANÁLISE DO LÍQUIDO SINOVIAL A análise de líquido sinovial desempenha um importante papel no diagnóstico de doenças articulares, principalmente das monoartrites infecciosas e induzidas por cristais, para um diagnóstico definitivo. Em algumas outras situações patológicas, os testes realizados no LS não irão fornecer um diagnóstico preciso, porém irão direcionar o clínico para a realização de outros exames complementares. A interpretação dos resultados de laboratório deve ser cuidadosamente correlacionada com um histórico clínico e o exame físico do paciente. Exames de rotina do líquido sinovial devem incluir: 1) descrição de cor e aspecto; 2) determinação da viscosidade; 3) contagem total de células (leucócitos e eritrócitos/m3) e contagem diferencial de leucócitos (%); 4) estudos microbiológicos; 5) observação de cristais, se possível em microscopia de luz polarizada; 6) testes bioquímicos para determinar a concentração de glicose e proteínas. Outros procedimentos laboratoriais podem ser realizados em circunstâncias específicas para contribuir no diagnóstico.
Volume A análise de líquido sinovial começa com a constatação do volume de amostra puncionada, sendo que um volume superior a 4 mL em joelho sugere um derrame articular. Esta informação normalmente é constatada pelo clínico no momento da punção. Em algumas situações em que a etiologia do derrame articular é conhecida, a artrocentese tem um objetivo especificamente descompressivo.
Cor e aspecto O LS normal é amarelo-claro e límpido. Quando seu aspecto normal é modificado, se torna bastante interessante sua caracterização, pois existe relação direta com a etiologia do derrame. Nas artropatias não inflamatórias (grupo I) é de se esperar que o aspecto do líquido não se altere de maneira significativa; normalmente ocorre uma intensificação da cor amarela, mas sem turvação. Quando ocorre uma infiltração inflamatória (grupo II) de leucócitos, esse líquido adquire uma tonalidade cinza e apresenta turvação. Essa característica se intensifica quando o processo é de origem séptica, tornando essa amostra purulenta, extremamente turva (grupo III). Um aspecto branco e turvo pode indicar a presença de cristais (grupo IV), como ocorre na gota ou na pseudogota (condrocalcinose); derrames quilosos, embora raros, podem determinar esse mesmo aspecto e cor ao LS, como observado na artrite reumatoide. Uma amostra hemorrágica sugere extravasamento de sangue na cavidade (grupo V). Na evolução desses derrames, podemos constatar amostras xantocrômicas devido ao metabolismo da hemoglobina. Além da observação do aspecto e cor, o LS pode conter inclusões, como os chamados “corpos de arroz”, resultantes da degeneração da membrana sinovial, encontrados principalmente na artrite reumatoide. Em pacientes portadores de próteses metálicas ou plásticas podemos observar partículas pigmentadas, que se assemelham a pimenta moída, chamados de resíduos ocronóticos. 215
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Tratado de Análises Clínicas
A observação macroscópica da presença de coágulos na amostra é importante devido ao fato de o LS normalmente não apresentar fibrinogênio. A formação de coágulos ocorre normalmente em amostras de processos inflamatórios ou hemorrágicos.
maior valor. Os níveis de ácido úrico sinovial variam de acordo com os níveis plasmáticos, e seu valor de referência é de 6 a 8 mg/dL. Os níveis aumentados de ácido úrico levam à formação de cristais de urato monossódico na cavidade articular e consequente desenvolvimento do processo inflamatório.
Teste de viscosidade
Lactato
A avaliação da concentração ou da integridade do ácido hialurônico polimerizado é feita pela observação subjetiva da viscosidade do LS. Essa observação pode ser realizada no momento da transferência da amostra para um tubo onde se formam fios mucinosos ou pelo simples gotejamento da amostra. Em amostras normais os “fios mucinosos” formados apresentam entre 3 e 5 centímetros. Ainda, o teste de coágulo de mucina (teste de Ropes), também é usado para avaliação do complexo ácido hialurônico-proteína (mucina). O teste reflete o grau de polimerização do ácido hialurônico pela precipitação de sal proteico após a acidificação do líquido pelo ácido acético a 2%. Quando o coágulo formado é consistente indica que a integridade do complexo ácido hialurônico-proteína está adequada ou normal. A qualidade do coágulo é avaliada depois de 2 horas, como: 1) boa (coágulo viscoso, firme, com fluido claro sobrejacente); 2) fraco (o coágulo é macio e o sobrenadante ligeiramente turvo); e 3) pobre (coágulo pequeno, com sobrenadante turvo); e 4) muito pobre (manchas de precipitado com sobrenadante turvo). Tanto a formação do coágulo de mucina quanto a concentração do ácido hialurônico estão diminuídas nas condições inflamatórias. A importância dos testes de viscosidade e formação do coágulo de mucina são considerados por alguns autores como sendo testes não confiáveis para a classificação dos líquidos sinoviais.
A determinação dos níveis de lactato no LS tem interesse na maioria dos casos de artropatias, porém é útil nas artrites sépticas onde os níveis de lactato são superiores a 25 mg/dL. Como mencionado anteriormente, as determinações bioquímicas no LS têm pouco interesse diagnóstico na maioria dos casos, pois não fornecem informações além das obtidas com outros exames laboratoriais. Esse motivo levou muitos laboratórios a não mais realizar rotineiramente as dosagens de glicose, proteína e ácido úrico em amostras de LS.
Dosagens bioquímicas Glicose A dosagem de glicose tem um discreto valor diagnóstico em LS e deve sempre ser comparada com a glicemia. O valor de referência da glicose sinovial é de, no máximo, 10 mg/dL inferior à glicose sérica. Os processos infecciosos/sépticos são os que apresentam os valores mais reduzidos de glicose sinovial, podendo apresentar diferenças superiores a 25 mg/dL.
Proteína Embora a concentração proteica no LS seja muito inferior à sérica, quase todos os tipos de proteína estão presentes no líquido, com exceção das proteínas de alto peso molecular como o fibrinogênio. A concentração proteica normal é de 1 a 3 g/dL e o seu aumento ocorre em condições inflamatórias de diversas origens.
Ácido úrico O ácido úrico pode ser dosado em amostras de LS de pacientes suspeitos de gota com a intenção de diagnóstico, embora a pesquisa dos cristais de urato monossódico seja de 216
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Citologia A contagem total e a contagem diferencial dos leucócitos são de grande importância na análise do LS para a classificação da amostra quanto à sua etiologia, principalmente na distinção entre um líquido séptico, inflamatório e não inflamatório. É importante ressaltar que em uma artrite séptica inicial, a contagem de leucócitos pode ser normal ou discretamente elevada, o que também poderia ser relacionado a uma artropatia inflamatória não infecciosa. A quantidade de leucócitos que se infiltra na cavidade articular é relacionada, evidentemente a etiologia do processo, mas também ao tempo de exposição ao agente ou ao tempo de mobilização celular. A contagem de leucócitos em amostras normais não ultrapassa a 200 leucócitos/mm3 e com uma discreta presença de neutrófilos. A maioria dos autores considera como referência valores de 0 a 150 leucócitos/mm3, apresentando em torno de 10% de neutrófilos, 25% de linfócitos, 50% de monócitos, 10% de macrófagos, e 5% de células de revestimento sinovial. Outras células podem estar presentes em LS de relevância diagnóstica como os eosinófilos, plasmócitos e macrófagos específicos, ainda a célula de Reiter (macrófagos vacuolizados com neutrófilos englobados), e o Ragócito (neutrófilos com grânulos escuros). Na classificação do LS, de acordo com a sua etiologia, temos como regra geral, mas não absoluta, que as desordens do Grupo I (não inflamatórias) são geralmente associadas com uma contagem de leucócitos entre 200 e 3.000/mm3, com predomínio de monócitos e linfócitos; desordens do grupo II (inflamatórias) apresentam uma contagem entre 3.000 e 7.5000/mm3 com um percentual alto de neutrófilos; as desordens do grupo III (infecciosas) geralmente com contagem entre 50.000 e 200.000/mm3 com grande predomínio de neutrófilos; e finalmente as desordens do grupo IV (induzidas por cristal), com contagem de leucócitos que pode variar de 500 até 200.000/mm3, como mostra a Tabela 16.3. A relação de mobilização dos leucócitos em processos patológicos deve ser interpretada levando-se em consideração aspectos tais Parte 4
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Líquido Sinovial
como: característica do agente etiológico, tempo de exposição ao agente, tempo de mobilização celular, e característica de integridade do paciente para uma correta correlação na classificação do LS, pois tanto a quantidade quanto a relação diferencial de leucócitos podem não ser específicos a um grupo de classificação ou apresentar relação a dois ou mais grupos. A contagem diferencial de leucócitos também acrescenta informações valiosas ao diagnóstico. Como regra, observamos um predomínio absoluto de neutrófilos nos processos sépticos, geralmente acima de 90%. Esse predomínio também ocorre, mas de maneira não tão intensa nas artrites inflamatórias e artropatias induzidas por cristais (Tabela 16.3). Por outro lado, nos processos não inflamatórios a contagem percentual de neutrófilos normalmente é inferior a 50%. Podemos observar um predomínio de linfócitos com percentual menor de monócitos nas fases iniciais da artrite reumatoide, em infecções crônicas, no lúpus eritematoso sistêmico, e em outras colagenoses. Por outro lado, os monócitos predominam com um percentual menor de linfócitos nas infecções virais, e principalmente nas artrites crônicas induzidas por cristais. A análise citológica do LS pode também demonstrar a presença de células LE em um percentual baixo de pacientes, que possuem lúpus eritematoso sistêmico ou artrite reumatoide. Ainda, em pacientes com artrite reumatoide tardia, podemos observar ragócitos, neutrófilos, que possuem inclusões citoplasmáticas escuras provenientes de complexos imunes, fibrina e imunoglobulinas. Essas células não são específicas da artrite reumatoide. Os condrócitos, células da cartilagem, podem estar presentes no LS de pacientes com osteoartrite ou artrite traumática. Por último, a visualização e diferenciação das células da membrana sinovial não parece ter importância diagnóstica relevante. Essas células apresentam um aspecto morfológico semelhante às células mesoteliais da pleura e do peritônio, e em algumas situações pode ser difícil a sua diferenciação com macrófagos e histiócitos. Como foi descrito, o exame citológico deve preferencialmente ser realizado dentro de 1 hora após a punção do LS. A citologia consiste inicialmente na contagem global de leucócitos e eritrócitos em câmara de Fuchs-Rosenthal. Conta-
gens celulares em equipamentos de automação se mostram cada vez mais confiáveis, sendo observados alguns cuidados quanto à presença de redes de fibrina, coágulos, cristais ou qualquer tipo de substância que possa interferir na qualidade do resultado. Amostras que apresentam coágulos ou retículos de fibrina têm comprometida a qualidade do resultado citológico e não devem ser avaliadas para formulação do diagnóstico. Em amostras purulentas, com uma quantidade muito grande de leucócitos, podemos diluir as amostras com a própria solução diluente do equipamento ou, então, usar uma solução de NaCl 0,9%. É importante que cada laboratório desenvolva contagens paralelas para conhecer a linearidade e a confiabilidade de seu equipamento em amostras de líquidos cavitários. Seguindo com o exame citológico, a contagem diferencial de leucócitos deve ser realizada preferencialmente em preparações feitas em citocentrífuga, onde a velocidade de rotação é, em média, de 600 a 700 RPM por 3 minutos. Esse tipo de preparação proporciona uma excelente qualidade e quantidade de células para a diferenciação dos leucócitos ou a pesquisa de células neoplásicas. A coloração hematológica usada deve manter a qualidade de toda a preparação. Na experiência do autor, a coloração de May-Grünwald/Giensa satisfaz a expectativa de citologistas de boa coloração.
Pesquisa de cristais O mecanismo que desencadeia a precipitação e o depósito de cristais na cavidade articular, ainda não foi bem esclarecido, mas vários fatores parecem pressupor que o envelhecimento, a predisposição familiar, e dano às articulações favorecem o depósito de cristais.Várias alterações metabólicas estão associadas com o depósito de certos tipos de cristais, como no hipotireoidismo, na hemocromatose, particularmente na osteoartrite e no lúpus eritematoso sistêmico. Tem sido especulado que mudanças locais na química do tecido, anomalias na matriz da cartilagem, e perda de certos inibidores podem contribuir para a deposição de cristais. As artrites induzidas por cristais e artrites sépticas representam as duas indicações mais importantes para a artrocentese e posterior análise de líquido sinovial. Portanto, se um
Tabela 16.3 Classificação do liquido sinovial e relação do aspecto com a celularidade. NO WBC/mm3
% Neutrófilos
0-200
< 10%
Amarelo- claro a levemente turvo e viscoso
200-2.000
< 20%
Inflamatório
Amarelo, levemente turvo e pouco viscoso
2.000-50.000
20-70%
Séptico
Turvo com perda de viscosidade
> 50.000
>70%
Induzido por cristais
Branco opaco
500-50.000
20-70%
Hemorrágico
Vermelho ou xantocrômico
50-10.000
20-70%
Tipo
Aspecto
Normal
Amarelo-claro e viscoso
Não inflamatório
Fonte: Adaptada de Mundt LA, et al., 2011.
capítulo 16
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processo infeccioso não faz parte da suspeita diagnóstica, a análise do líquido sinovial para pesquisa de cristais representa a parte mais essencial de todos os exames laboratoriais do líquido sinovial. São enfermidades relacionadas com as manifestações inflamatórias osteoarticulares decorrentes da deposição de microcristais nas articulações e foram denominadas artrites microcristalinas. Em 1876, Garrod identificou com microscopia de luz polarizada diversos tipos diferentes de cristais em LS, e somente em 1962 McCarty demonstrou que fagócitos englobam esses cristais na cavidade articular e desencadeiam um processo inflamatório. Após essas descobertas, diversos cristais foram descritos ao longo do tempo, como os cristais de monourato de sódio ou também conhecidos como urato monossódico, pirofosfato de cálcio di-hidratado, fosfato básico de cálcio (apatita), de colesterol, oxalato de cálcio, entre outros. A identificação de cristais no LS é um dos poucos testes patognomônicos no estudo das artropatias. A observação de cristais em LS pode ser feita em microscopia óptica, levando-se em consideração o aspecto morfológico e a coloração do cristal, mas a examinação de cristais à microscopia com luz polarizada é extremamente importante para o diagnóstico diferencial das artropatias induzidas por cristais. Em alguns casos, somente esta metodologia é capaz de diferenciar certos cristais. Os cristais podem ser classificados segundo seu aspecto morfológico e sua característica de birrefringência. A análise de cristais é mais comumente realizada para o diagnóstico da gota, com a observação de cristais de urato monossódico, que apresentam aspecto de agulha e, sob luz polarizada, birrefringência negativa. Outros cristais que podem ser encontrados no LS e que têm interesse clínico incluem os cristais de pirofosfato de cálcio di-hidratado presentes na pseudogota. Esses cristais são romboides ou retangulares, com birrefringência positiva. Os cristais de colesterol podem ser vistos em derrames articulares crônicos de pacientes com osteoartrite ou artrite reumatoide de forma retangular achatada e forte birrefringência positiva. Além destes, podemos observar cristais de oxalato de cálcio, que apresentam uma forma bipiramidal, exatamente iguais aos que aparecem em urina, e os cristais de hidroxiapatita.
Análise microbiológica Vários agentes infecciosos podem penetrar na cavidade articular através da via hematogênica (decorrente de uma infecção a distância, como pneumonia, meningite ou septicemia), por contiguidade (após um quadro de celulite, abscesso ou osteomielite), ou trauma (por inoculação direta) e desencadear uma artrite séptica. Embora as bactérias sejam os agentes mais frequentes, os vírus, as espiroquetas e os fungos também podem ser isolados como agentes causadores de artropatia infecciosa. A coloração de Gram e Ziehl-Neelsen, e culturas em ágar sangue e ágar chocolate para agentes aeróbios e anaeróbios devem ser realizadas. Alguns laboratórios para o estudo microbiológico inoculam uma alíquota da amostra diretamente em um frasco de hemocultura (para aeróbios e anaeróbios), o que aumenta a sensibilidade na detecção de microrganismos, e a probabilidade de cultura po218
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sitiva para aeróbios no líquido sinovial, principalmente nos doentes sob antibioticoterapia. Culturas específicas podem ser importantes no caso de suspeita de agentes como fungos, Mycobacterium ou vírus. A artrite séptica ocorre quando o agente infeccioso está presente na articulação e desencadeia uma resposta inflamatória que se apresenta, geralmente, como monoartrite. A articulação do quadril é a mais acometida (principalmente nos recém-nascidos e lactentes), seguida por joelhos, cotovelos e tornozelos. O agente etiológico bacteriano mais frequente em qualquer faixa etária é o Staphylococcus aureus. Outros agentes bacterianos de relevância clínica estão relacionados na Tabela 16.4. Tabela 16.4 Agentes etiológicos da artrite séptica conforme faixa etária.
Recém-nascidos
Gram-negativos Estreptococos do grupo B
Lactentes e pré-escolares
Hemophilus influenzae
Período escolar
Estreptococos
Adolescentes
Neisseria gonorrhoeae
Fonte: Adaptada de Wang CL, et al., 2003.
Como vimos, para o diagnóstico de artrite séptica é obrigatória a realização da coloração de Gram, que é realizada em esfregaços de amostras centrifugadas ou preparações em citocentrífuga. Essa coloração pode apresentar certa dificuldade em amostras extremamente purulentas. A cultura do LS se mostra positiva em cerca de 70% dos casos de artrite séptica. Por outro lado, alguns agentes infecciosos são difíceis de ser cultivados, como nas artrites gonocócicas, onde mais de 2/3 das culturas são negativas. Contribuindo para o diagnóstico de artrite séptica bacteriana, ainda observamos o líquido sinovial geralmente purulento, com aumento do número de leucócitos e predomínio de neutrófilos, diminuição dos níveis de glicose, aumento de proteínas e desidrogenase lática, além de baixa viscosidade.
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Líquido Sinovial
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capítulo 16
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capítulo Patrícia Haas Pedro Luis Colturato Samuel Ricardo Comar
Líquidos Cavitários ou Líquidos Serosos INTRODUÇÃO
Pericárdio parietal
No folheto embrionário mesoderme forma-se a cavidade celomática embrionária que, por sua vez, dá origem a três cavidades denominadas cavidade pleural, peritoneal e pericárdica, as quais são revestidas por duas membranas ditas membranas serosas, constituídas por tecido conjuntivo, e uma única camada de células ditas células mesoteliais, em virtude da origem mesodérmica. Uma dessas membranas reveste a parede da cavidade e se chama membrana parietal, e a outra reveste os órgãos do interior da cavidade e se chama membrana visceral. Essas membranas recebem nomes diferentes de acordo com o órgão que estão revestindo. No pulmão recebem o nome de pleura, no coração, pericárdio, e na cavidade abdominal, peritônio. Em condições normais, a lubrificação entre estas membranas é feita por uma pequena quantidade de um fluido que possui aspecto semelhante ao do soro humano, fato este que deu origem ao nome “líquidos serosos”.Tal lubrificação é imprescindível para diminuir o atrito entre as membranas durante a movimentação dos órgãos. Certas condições patológicas provocam o acúmulo de líquido dentro das cavidades serosas, dando origem às chamadas efusões serosas, e o exame desse líquido acumulado possui grande valor no diagnóstico, especialmente a análise microscópica das células e a análise bioquímica. A Figura 17.1 ilustra as membranas serosas, as cavidades corporais e as vísceras. Diariamente, muitos laboratórios de análises clínicas recebem amostras de líquidos serosos, principalmente os hospitalares. Contudo, a análise desses líquidos pelos profissionais do laboratório é normalmente realizada mediante apreensão e esquiva, talvez pelo fato de a literatura laboratorial referente aos líquidos serosos ser ainda escassa. Este capítulo tem o objetivo de fornecer subsídios, por intermédio do conhecimento e da experiência dos autores para analisar líquidos serosos com confiança, habilidade, exatidão e precisão. Geralmente, o propósito da análise laboratorial de líquidos serosos é detectar e monitorar condições tais como: inflamação, neoplasias, sangramentos e infecções nas cavidades serosas. Uma vez que a amostra de líquido seroso chega ao laboratório para ser analisada, os testes realizados devem ser plane-
Pericárdio visceral
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Pulmão Pleura visceral Cavidade pleural Pleura parietal
Cavidade pericárdica
Peritônio parietal Cavidade peritoneal Peritônio visceral
Parede torácica Figado Estomago Intestino
Figura 17.1 Cavidades pleural, pericárdica e peritoneal. Fonte: CLSI, 2005.
jados para maximizar as informações que podem ser obtidas das amostras. Os tipos de testes a serem realizados devem ser selecionados e agrupados, dependendo do tipo da amostra e dos questionamentos a serem respondidos para a adequada conduta clínica. A análise macroscópica de cor e aspecto deve ser anotada e, na maioria dos casos, a contagem global e diferencial de células nucleadas torna-se item indispensável. Sempre que há suspeita da presença de células malignas, uma porção da amostra deve ser enviada ao laboratório de citologia/anatomia patológica e, nos casos de doenças hematológicas, outra porção da amostra deve ser enviada para a citometria de fluxo. Se há suspeita de infecção, uma porção da amostra deve ser enviada para cultura e Gram. Os líquidos serosos devem ser submetidos ao laboratório de bioquímica para determinação de proteínas e glicose, além de outros testes quando clinicamente recomendados. Em alguns casos, estudos complementares, como imuno-histoquímica e biologia molecular podem ser úteis, particularmente nos casos de neoplasias.
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Tratado de Análises Clínicas
LÍQUIDO PLEURAL Formação, composição e funções O líquido pleural é derivado do plasma, que atravessa os vasos sanguíneos sistêmicos das membranas pleurais a uma velocidade aproximada de 0,6 mL/h, e é absorvido em velocidade semelhante pelos vasos linfáticos da pleural parietal. A irrigação da membrana parietal é realizada pela circulação sistêmica e a da membrana visceral pela circulação sistêmica e pulmonar. O espaço entre as duas membranas é preenchido pelo líquido pleural, um microfiltrado vascular cuja principal função é a lubrificação das superfícies pleurais internas para facilitar o deslizamento das pleuras visceral e parietal durante os movimentos respiratórios. O líquido pleural, contido na cavidade pleural, normalmente apresenta volume pequeno, em torno de 1 a 20 mL ou 0,25 mL/kg. Também apresenta baixa concentração de proteínas, aproximadamente 15% da concentração de proteínas do plasma (constituídas principalmente por albumina, globulinas e fibrinogênio), e de células (principalmente células mesoteliais, monócitos/macrófagos e linfócitos), e é renovado continuamente por um balanço de forças entre a pressão hidrostática e a oncótica da microcirculação e do espaço pleural. A espessura uniforme da cavidade pleural é mantida pela sua recirculação em decorrência tanto da força da gravidade como pelos movimentos ventilatórios e cardiogênicos. As alterações nesse balanço homeostático provocam um derrame ou efusão pleural, ou seja, o aumento do volume desse fluido na cavidade pleural, como resultado de um aumento da produção que excede a taxa de remoção. Nesse desequilíbrio pode estar envolvido o aumento da permeabilidade da membrana pleural ou da pressão dos capilares pulmonares, a diminuição da pressão oncótica ou intrapleural, e/ou a obstrução do fluxo linfático.
COLETA – TORACOCENTESE A coleta de líquido pleural é realizada por meio de um procedimento chamado toracocentese, no qual uma agulha é inserida, mediante anestesia local, na cavidade pleural para a retirada do líquido pleural. É uma técnica considerada pouco invasiva, contudo deve ser realizada pelo médico requisitante, seguindo diretrizes internacionalmente recomendadas, no intuito de acessar a cavidade pleural com segurança e minimizar possíveis variáveis pré-analíticas que possam afetar os resultados. A toracocentese é contraindicada em casos de alterações na hemostasia e quando existem lesões de pele como queimaduras por radioterapia, herpes-zóster ou piodermite, devido aos riscos de infecção e sangramento cutâneo. A complicação mais frequente do procedimento é o acúmulo de ar na cavidade pleural, conhecida como pneumotórax, cuja incidência é de 3% a 19%. Previamente à toracocentese é necessário verificar a quantidade de líquido no espaço pleural através de radiografia ou ultrassonografia a fim de saber a quantidade que poderá ser retirada. Para a maioria dos testes, 50 a 100 mL de líquido são adequados. A amostra de líquido pleural, após a coleta, deve ser fracionada em tubos. 222
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O tubo destinado às contagens celulares deve conter EDTA, mas se a análise for realizada logo após a coleta, pode-se utilizar heparina (1 a 2 gotas para 5 mL). Para exames citopatológicos recomenda-se um volume de 50 mL (mínimo de 15 mL). Não se requer amostras estéreis, a não ser para pesquisa de microrganismos, contudo caso seja utilizado algum anticoagulante, o mesmo não deve ter efeito bactericida ou bacteriostático. O anticoagulante mais utilizado nesses casos é o polianetol sulfonato de sódio (SPS). Caso seja coletada uma pequena quantidade de amostra, a mesma deve ser enviada primeiramente ao setor de microbiologia, em seguida hematologia/citologia, e, por fim, para as análises imunoquímicas.
MANIPULAÇÃO, TRANSPORTE E ARMAZENAMENTO Líquidos pleurais oriundos de coletas com grandes volumes devem ser aliquotados em volumes menores antes de serem transportados para o laboratório. As amostras devem ser gentilmente agitadas antes da aliquotagem. Recomenda-se que o transporte do local de coleta até o laboratório seja feito em temperatura ambiente, e em tempo aceitável, para manter a integridade da amostra, caso contrário pode ocorrer lise e degradação celular, assim como crescimento bacteriano. O método de transporte também pode afetar a integridade da amostra e deve ser analisado com cautela. Por exemplo, na utilização de sistema de tubos pneumáticos deve-se verificar a ocorrência de agitação excessiva dos fluidos, a qual pode resultar em dano dos constituintes celulares. É recomendado que a análise do fluido seja iniciada imediatamente após a coleta. No entanto, se não for possível, a amostra pode ser armazenada em refrigeração entre 2 ºC e 8 ºC, por até 48 horas. Os detalhes celulares evidenciados por colorações citológicas como May Grünwald-Giemsa e Papanicolaou permanecem adequadamente preservados com a refrigeração da amostra por alguns dias. Os autores recomendam não ultrapassar 4 (quatro) dias para evitar degradação das células. Amostras coaguladas, envelhecidas ou sem identificação devem ser rejeitadas.
PATOLOGIAS ASSOCIADAS AO DERRAME PLEURAL - TRANSUDATOS E EXSUDATOS As efusões que podem ocorrer na cavidade pleural podem ser classificadas em transudatos e exsudatos. Os transudatos são derrames de origem não inflamatória, que ocorrem devido a um aumento da formação do ultrafiltrado vascular pelas membranas serosas, resultante de um desequilíbrio da pressão hidrostática ou osmótica. Por sua vez, os exsudatos se desenvolvem como consequência de condições patológicas tais como neoplasias, doenças infecciosas e inflamatórias, as quais aumentam a permeabilidade capilar e permitem que moléculas de alto peso molecular entrem na cavidade pleural. O diagnóstico diferencial dos exsudatos é mais extenso e comumente necessita de outras análises para se determinar a causa. O diagnóstico preciso é importante para garantir a efetividade do tratamento, sendo que o desenvolvimento do derrame e subsequente empiema pode ser debilitante e reParte 4
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Líquidos Cavitários ou Líquidos Serosos
sultar em internação prolongada e aumentar a morbidade. A Tabela 17.1 relata as principais causas de efusões pleurais.
ANÁLISE FÍSICA MACROSCÓPICA O passo inicial na investigação de efusões pleurais é a análise macroscópica através da visualização da cor e do aspecto do líquido pleural e deve ser realizada antes e após a centrifugação da amostra, pois essas características auxiliam na identificação da etiologia do derrame. A cor, o aspecto e a presença ou ausência de coágulos de fibrina devem ser rotineiramente reportados pelo laboratório. Os transudatos possuem tonalidade palha, aspecto límpido, e ausência de coágulos. Outras cores observadas em fluidos patológicos incluem: vermelho, marrom, verde, branco e preto. Um líquido purulento geralmente é associado com processo infeccioso e a presença claramente visível de pus evidencia diagnóstico de empiema. Infecções da pleura por bactérias anaeróbicas podem produzir um odor fétido, e pleurite reumatoide pode ocasionar um líquido turvo e branco esverdeado. O aspecto pode ser descrito como lím-
pido, turvo, purulento e hemorrágico. Se o líquido for viscoso, deve ser anotado no resultado. Quando um líquido pleural é turvo, leitoso ou hemorrágico, a amostra deve ser centrifugada e o sobrenadante examinado. Se a turbidez desaparece com a centrifugação, é provável que a mesma tenha ocorrido devido a um aumento do número de células ou detritos. Todavia, se a turbidez persiste, o quadro pode ser de quilotórax ou pseudoquilotórax. A Tabela 17.2 descreve as principais possibilidades de coloração, aspecto, e sua correlação com a provável etiologia.
ANÁLISE MICROBIOLÓGICA O líquido pleural pode ser infectado por diversos tipos de microrganismos, entre eles bactérias, fungos, vírus ou parasitas. Quanto maior o volume de líquido encaminhado para a análise, melhor a positividade, visto que o número de patógenos na amostra pode ser muito baixo. Assim sendo, qualquer quantidade de um patógeno importante isolado em método direto ou número de colônias isoladas em cultura deve ser considerada.
Tabela 17.1 Causas de efusões pleurais. Transudatos
Exsudatos
Pressão hidrostática aumentada ou pressão oncótica plasmática reduzida
Permeabilidade capilar aumentada ou reabsorção linfática reduzida
Situações clínicas gerais Atelectasia lobar aguda Insuficiência cardíaca congestiva Cirrose com ascite Síndrome nefrótica com hipoproteinemia Pós-operatório de cirurgia abdominal Efusão pós-parto Diálise peritoneal Doenças veno-oclusivas Hidrotórax hepático Urinotórax Doença pericárdica Mixedema Procedimento de Fontan Transplante de medula óssea Causas iatrogênicas
Doenças infecciosas Pneumonia bacteriana (efusão parapneumônica) Tuberculose Infecção viral Infecção fúngica Infecção parasitária Abscesso pulmonar Neoplasias Carcinoma metastático Câncer de pulmão Mesotelioma Leucemia e linfoma Embolia pulmonar Doença vascular do colágeno Artrite reumatoide Lúpus eritematoso sistêmico Drogas indutoras de lúpus Linfadenopatia imunoblástica Síndrome de Sjögren Síndrome de Churg-Strauss Granulomatose de Wegener
(Continua) capítulo 17
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Tabela 17.1 Causas de efusões pleurais.
(Continuação)
Transudatos
Exsudatos
Pressão hidrostática aumentada ou pressão oncótica plasmática reduzida
Permeabilidade capilar aumentada ou reabsorção linfática reduzida
Doenças gastrointestinais Pancreatite Ruptura esofágica Abscesso subfrênico Abscesso hepático Pós-enfarte do miocárdio Drogas Nitrofurantoína Amiodarona Dantroleno Metisergida Bromocriptina Procarbazina Sarcoidose Uremia Síndrome de Meigs Queimaduras elétricas Injúria iatrogênica Radioterapia Síndrome da unha amarela Exposição ao asbesto Trauma Hemotórax Quilotórax Efusões quilosas Trauma Linfoma Carcinomas Tuberculose Fonte: Kjeldsberg e Knight, 1993; Mason et al., 2005.
Procedimento A amostra do líquido pleural para análise microbiológica deverá ser coletada em frasco estéril, sem adição de qualquer anticoagulante, pois esses podem inibir o crescimento de alguns microrganismos, com exceção para a cultura de mico224
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bactérias, que deverá ter adição de heparina no momento da coleta. Deve ser encaminhada ao laboratório à temperatura ambiente, o mais rápido possível, no máximo 2 horas após a coleta, para a realização dos exames diretos e culturas (cultura em geral para bactérias aeróbias, bacterioscopia, pesquisa e Parte 4
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Líquidos Cavitários ou Líquidos Serosos
Tabela 17.2 Cor e aspecto do líquido pleural antes e após a centrifugação e o possível significado clínico. Aspecto
Coloração pré-centrifugação Coloração pós-centrifugação
Etiologia
Límpido
Amarelo-claro
Amarelo-claro
Transudato
Turvo/hemorrágico
Róseo/vermelho
Amarelo-claro
Punção traumática Parapneumônico Empiema Neoplasia Tuberculose Aneurisma aórtico Trauma torácico Pancreatite
Turvo
Turvo
Branco leitoso
Quilotórax Linfoma Câncer Trauma
Turvo
Amarelo esbranquiçado
Branco leitoso
Pseudoquilotórax Doenças crônicas Artrite reumatoide Tuberculose
Fonte: Kjeldsberg e Knight, 1993.
cultura de BAAR, pesquisa e cultura de fungos). O líquido pleural jamais deve ser refrigerado ou congelado para a realização dos testes microbiológicos.
Cultura para bactérias aeróbias As amostras devem ser semeadas em meios seletivos e diferencias para bactérias Gram-positivas e negativas (Ágar sangue, MacConkey e Ágar chocolate). Quando o volume de material colhido for superior a 1 mL, o mesmo deve ser inoculado, de preferência, na beira do leito, em frascos de hemocultura, e transportados à temperatura ambiente até 6 horas após a coleta. Esse procedimento aumenta a positividade e inibe a ação de antibióticos. Volumes de amostras menores do que 1 mL devem ser centrifugados e semeados em placas. Havendo suspeita de infecção por anaeróbios, a coleta deve ser em frascos a vácuo.
Bacterioscopia (Gram) Para a confecção da lâmina, a amostra deve ser centrifugada por 15 minutos a 5.000 rpm, após remover o sobrenadante e suspender o sedimento, montar as lâminas para coloração de Gram e pesquisa de BAAR. A sensibilidade da coloração de Gram não está muito bem-documentada para o liquido pleural, mas como em outros líquidos corporais, ela raramente excede 70%. Recomenda-se a elaboração da coloração de Gram no líquido centrifugado como diagnóscapítulo 17
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tico prévio à cultura. O crescimento em meios de cultura sem a visualização de bactérias na coloração prévia pelo Gram seria devido à baixa concentração de microrganismos na amostra.
Pesquisa e cultura de bacilo de Koch (BAAR) Exame direto para pesquisa de BAAR usar a técnica de coloração de Kinyoun ou Ziehl-Neelsen, em líquido pleural centrifugado. Cultura de micobactérias. Método convencional, cultura realizada em meio sólido de Loewenstein e Jansen, de preferência com o sedimento após centrifugação. Realizada em líquido pleural heparinizado (5.000 UI/ 10 mL), no momento da colheita para evitar a formação de coágulos, fato esse que aprisionaria os bacilos na rede de fibrina. O rendimento da baciloscopia direta do líquido pleural tem sido próximo de zero, e a positividade de cultura em Löwenstein-Jensen de 10% a 60%.
Pesquisa e cultura para fungos Exame direto para fungos, com uso de KOH a 20% e quando clinicamente indicado “tinta da china” (nanquim) para pesquisa da criptococose. Cultura para fungos semear em Sabouraud e/ou seletivo para fungos. A infecção por Cryptococcus neoformans, Aspergillus spp e Rhizopus spp são as doenças fúngicas graves mais frequentes em pacientes com derrames pleurais em portadores do vírus HIV e uso 225
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Tratado de Análises Clínicas
de imunossupressores. As infecções fúngicas nos derrames pleurais são raras, e o acometimento pleural sem doença sistêmica ou pulmonar associada é excepcional. Blastomicose e coccidioidomicose são causas menos comuns e raras de derrames pleurais.
Considerações Culturas para anaeróbios e fungos são indicadas quando há fracasso no tratamento ou quando há forte suspeita clínica dessas infecções. Culturas para micobactérias são sugeridas onde há grande prevalência dessas doenças na população. A execução de bacterioscopia (Gram) e de baciloscopia (Ziehl-Neelsen) são, apesar de baixa sensibilidade e especificidade, auxiliares no diagnóstico, mas não excluem as culturas. Os principais agentes encontrados nas culturas de líquidos pleurais são o Streptococcus pneumoniae, o Staphylococcus aureus, as Enterobactérias, o Mycobacterium tuberculosis o Streptococcus pyogenes, o Haemophylus influenza, o Mycoplasma spp e, raramente, a Legionella spp. Conforme Tabela 17.3, observa-se que o Streptococcus pneumoniae é o agente mais frequentemente encontrado em crianças. Com relação ao diagnóstico do derrame pleural causado por Mycobacterium tuberculosis em um estudo recente realizado no Brasil foi demonstrado que os rendimentos da baciloscopia direta e da cultura para M. tuberculosis do escarro induzido de pacientes com derrame pleural por tuberculose, mesmo na ausência de lesão no parênquima pulmonar radiologicamente
visível, alcançaram 50%. Desta forma, em pacientes com derrame pleural e suspeita de etiologia tuberculosa, a realização do escarro induzido está indicada independentemente do aspecto da radiografia de tórax. A Tabela 17.4 representa o rendimento dos diversos exames diagnósticos, incluindo bacteriologia e cultura, em 84 casos de tuberculose pleural.
Comentários para a microbiologia Culturas tanto para bactérias aeróbicas quanto anaeróbicas irão identificar o microrganismo responsável em cerca de 40% dos derrames parapneumônicos (70% se o líquido for totalmente purulento). O rendimento com a cultura é aumentado se o líquido pleural for inoculado na cabeceira do leito, em frascos de hemocultura. Além disso, tanto líquido pleural e expectoração devem ser cultivados para micobactérias quando pleurite tuberculosa é suspeita. O rendimento de culturas de escarro na efusão pleural tuberculosa varia de 10% a 60%, em grande parte dependente do grau de envolvimento pulmonar associado. A hipersensibilidade retardada desempenha importante papel na patogênese da pleurite tuberculosa, por isso não é possível isolar o Mycobacterium tuberculosis a partir de amostras de líquido pleural em mais do que 60% dos pacientes. Cerca de 1/3 dos pacientes com pleurite tuberculosa tem um teste cutâneo tuberculínico negativo.
Tabela 17.3 Principais agentes encontrados em derrames pleurais e culturas de sangue em 117 casos no Hospital Universitário de São Paulo. Agente
Total
Derrame pleural
Cultura de sangue
45 (61,6%)
34 (58,6%)
11 (73,4%)
Staphylococcus aureus
11 (15%)
9 (15,5%)
2 (13,3%)
Haemophilus influenza
4 (5,5%)
2 (3,5%)
2 (13,3%)
Streptococcus pyogenes
4 (5,5%)
4 (6,9%)
-
Escherichia coli
3 (4,1%)
3 (5,2%)
-
Enterococcus sp
2 (2,7%)
2 (3,5%)
-
Klebsiella pneumoniae
1 (1,4%)
1 (1,7%)
-
45 (61,6%)
34 (58,6%)
11 (73,4%)
Staphylococcus aureus
11 (15%)
9 (15,5%)
2 (13,3%)
Haemophilus influenza
4 (5,5%)
2 (3,5%)
2 (13,3%)
Streptococcus pyogenes
4 (5,5%)
4 (6,9%)
-
Escherichia coli
3 (4,1%)
3 (5,2%)
-
73 (100%)
58 (100%)
15 (100%)
Streptococcus pneumoniae
Streptococcus pneumoniae
Total Fonte: Cirino et al., 2004.
226
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Líquidos Cavitários ou Líquidos Serosos
Tabela 17.4 Rendimento dos vários métodos diagnósticos em 84 casos de tuberculose pleural. Método diagnóstico
Total
*HIV (-)
HIV (+)
84 casos
71 casos
13 casos
N (%)
N (%)
N (%)
5 (6)
5 (7)
0 (0)
Fragmento pleura
78 (93)
65 (9)
13 (100)
Diagnóstico bacteriológico
52 (62)
42 (59)
10 (77)
Diagnóstico histológico
66 (78)
54 (76)
12 (92)
Líquido pleural
10 (12)
7 (10)
3 (23)
BAAR**
2 (2)
1 (1)
1 (8)
Cultura para TB***
9 (11)
7 (10)
2 (15)
Escarro induzido
44 (52)
34 (48)
10 (77)
BAAR
10 (12)
7 (10)
3 (23)
Cultura para TB
44 (52)
34 (48)
10 (77)
Diagnóstico presuntivo
*HIV: vírus da imunodeficiência humana. ** BAAR: bacilo-álcool ácido resistente. ***TB: tuberculose. Fonte: Seiscento et al., 2006.
ANÁLISE MICROSCÓPICA DAS CÉLULAS Na realização da contagem global de células nucleadas no líquido pleural e nos demais líquidos serosos, o setor de hematologia/citologia deve utilizar, preferencialmente, amostras frescas, não centrifugadas e devidamente homogeneizadas, enquanto para a contagem diferencial de células nucleadas deve-se utilizar o sedimento obtido por centrifugado em baixa rotação, seguido de ressuspensão em solução salina - NaCl 0,9%. Uma alíquota do sobrenadante do líquido centrifugado deve ser identificada e armazenada em geladeira durante 30 dias para eventuais necessidades de outras dosagens.
Contagem global de células A contagem global de células é uma etapa muito importante para fazer a diferenciação entre transudatos e exsudatos. Os tipos celulares que são normalmente encontrados no líquido pleural e nos demais líquidos serosos são os eritrócitos e as células nucleadas, que incluem leucócitos, macrófagos e células mesoteliais. A contagem global de células é realizada rotineiramente em câmara de Neubauer. No entanto, pode ser realizada em qualquer câmara de contagem celular equivalente, por exemplo, Fuchs-Rosenthal, Nageotte, Büerker, Thoma e Malassez. Há variações do procedimento manual de contagem, tanto que alguns laboratórios contam as células em microscópio óptico com o emprego de corantes para capítulo 17
analise-book.indb 227
melhorar o reconhecimento das células, e outros utilizam microscopia de contraste de fase. O importante é que cada laboratório estabeleça e padronize seu próprio procedimento. Previamente ao procedimento de contagem, a amostra deve ser devidamente homogeneizada por rotação durante 2 a 5 minutos, ou por inversão do tubo 10 a 15 vezes. A correta homogeneização da amostra impacta diretamente na acurácia da contagem. Contagens de células nucleadas de aproximadamente 200/µL ou eritrócitos de cerca de 400/µL provocam uma discreta turvação no líquido. Se o líquido estiver levemente hemorrágico, a contagem de eritrócitos pode ser realizada com a amostra não diluída, contudo a contagem de células nucleadas deve ser feita com o uso de uma pequena diluição (1:2) com líquido de Türk ou solução aquosa de fucsina 0,2% para lisar os eritrócitos e permitir uma contagem acurada. Apesar de a contagem de eritrócitos possuir limitado valor diagnóstico, muitos laboratórios ainda a realizam. Portanto, se o fluido estiver francamente hemorrágico, uma diluição de 1:200 com solução salina isotônica e 1:2 ou 1:20 com líquido de Türk ou solução aquosa de fucsina 0,2% pode ser utilizada para obter contagens acuradas de eritrócitos e células nucleadas respectivamente. O número de quadrantes a serem contados no hemocitômetro deve ser determinado com base no número de células presentes na amostra. De modo geral, todos os nove quadrantes de ambos os lados do hemocitômetro devem ser 227
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Tratado de Análises Clínicas
contados. Se o número de células for elevado, entretanto, quatro ou menos quadrantes podem ser contados. Cada quadrante possui uma área de 1 mm2 e profundidade de 0,1mm, resultando em um volume de 0,1 mm3. A fórmula para calcular o número de células é: Contagem de células/mL =
Células contadas × fator de diluição Área contada (mm2) × profundidade da câmara (mm)
Observação: µL = mm3 As diretrizes a seguir são recomendadas para definição da área a ser contada: 1. Se um número estimado de menos de 200 células estiver presente nos nove quadrantes, deve-se contar todos os nove quadrantes. Neste caso, a área contada é de 9 mm2. 2. Se um número estimado de mais de 200 células estiver presente nos nove quadrantes, deve-se contar os quatro quadrantes laterais. Neste caso, a área contada é de 4 mm2. 3. Se um número estimado de mais de 200 células estiver presente em um quadrante, deve-se contar cinco qua-
drados menores, que ficam dentro do quadrante central. Neste caso, a área contada é de 0,2 mm2. A câmara de contagem deve ser colocada sob o microscópio óptico e no aumento de 100× (objetiva 10× e ocular 10×) deve-se verificar a distribuição das células nos quadrantes. Para uma boa precisão, não deve haver mais que 10% de variação do número de células entre os quadrantes maiores. Diferenças maiores que 10% indicam erros técnicos de preenchimento da câmara e o procedimento deve ser repetido. Não deve haver sobreposição de células. A contagem propriamente dita deve ser feita no aumento de 400×. Um número apropriado de quadrantes deve ser contado, dependendo do número de células presentes, sendo que quanto mais células presentes, menos quadrantes necessitam ser contados. A câmara de Neubauer possui profundidade de 0,1 mm, e a área total de contagem é de 9 mm2. Essa área de contagem é dividida em nove quadrantes de 1 mm2. O quadrante central é dividido em 25 quadrantes pequenos, e estes, por sua vez, são subdivididos em 16 quadrantes ainda menores, conforme Figura 17.2. Para diferenciar as células nucleadas dos eritrócitos na contagem global, é necessário conhecer as características de
1,00 mm
1,00 mm 0,05 mm
1,0 mm 0,25 mm
Figura 17.2 Área de contagem da câmara de Neubauer. Fonte: Science services, 2012.
228
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Parte 4
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Líquidos Cavitários ou Líquidos Serosos
cada uma dessas células. Os eritrócitos têm um contorno regular, com halos e centro celular limpo. Se tiverem crenados, aparecem muitas projeções finas e pontudas. Os leucócitos apresentam aspecto granular e são levemente refringentes, e as células mesoteliais e macrófagos são geralmente células grandes e granulares, com contornos irregulares. A diferenciação entre células mesoteliais e leucócitos é realizada na contagem diferencial, e no laudo pode-se relatar a quantidade total de células nucleadas e especificar quantos leucócitos fazem parte desse total.
Contagem diferencial de células nucleadas A confecção da lâmina para a realização da contagem diferencial de leucócitos é realizada rotineiramente em câmara de Suta ou em citocentrífuga, utilizando o sedimento obtido da centrifugação ressuspenso em solução salina. A câmara de Suta possui um sistema de filtros de papel que absorve a parte líquida da amostra permitindo a concentração das células. A quantidade de líquido a ser colocada na câmara depende da quantidade de células nucleadas presentes (Tabela 17.5). É um processo trabalhoso e demorado, porém fornece um esfregaço de boa qualidade.
Tabela 17.5 Volume de amostra utilizado na câmara de Suta de acordo com a celularidade da amostra. Contagem global (/mL)
Volume de amostra (mL)
10-50
1,5-2,0
50-100
1,2-1,8
100-200
1,0-1,5
200-500
0,8-1,0
500-1.000
0,5-0,8
> 2.000
0,2-0,3
Fonte: Comar et al., 2009.
Nessa técnica deve-se envolver a lâmina sob um papel absorvente, o qual deve conter um halo de diâmetro discretamente menor que o diâmetro do tubo conector da câmara. Coloca-se, então, a lâmina na câmara e parafusa-se o tubo conector até ele tocar na lâmina. Não se deve apertar muito, pois pode impedir a absorção por capilaridade. Na sequência, coloca-se na câmara a quantidade de líquido necessária e, então, espera-se as células se concentrarem no centro do halo, à medida que o líquido for absorvido por capilaridade. Quando estiver seca, o tubo conector e o papel absorvente devem ser retirados com cuidado para não arrastar as células aderidas. Em seguida, realiza-se a coloração de May Grünwald-Giemsa. capítulo 17
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Para melhores resultados na confecção de lâminas para contagem diferencial em líquidos biológicos, recomenda-se a utilização de citocentrífuga por possibilitar melhor concentração das células, minimizando distorções celulares e produzindo uma monocamada de células randomicamente dispersas em uma pequena área circular, ideal para realizar a contagem diferencial e subclassificar as células nucleadas. A citocentrífuga geralmente possui uma tigela com várias unidades de montagem das lâminas. Essas unidades consistem de um papel de filtro colocado logo após uma lâmina de vidro e uma câmara para conter a amostra, seguramente unidas por um grampo. A câmara possui uma passagem interna cilíndrica por onde a amostra passa e entra em contato com a lâmina de vidro. Durante a centrifugação o fluido contendo as células é forçado em direção à lâmina de vidro e o papel de filtro absorve a parte líquida enquanto as células são depositadas na lâmina. Mesmo amostras hipocelulares, com contagem em câmara igual a zero, podem ter um campo de aproximadamente 35 células. A velocidade e o tempo de centrifugação, a quantidade de amostra dispensada na câmara e a qualidade de absorção do papel de filtro são fatores que podem influenciar tanto a celularidade do botão quanto a morfologia das células. Os corantes do tipo Romanowsky fornecem excelentes detalhes morfológicos e as células se apresentam de maneira semelhante a suas contrapartidas no sangue periférico e na medula óssea. Quando há suspeita de células malignas, todo o botão celular deve ser observado microscopicamente, uma vez que as células malignas podem estar presentes em pequenas quantidades. Embora a citocentrífuga não seja um equipamento de manuseio complexo, algumas orientações podem melhorar a qualidade das lâminas: 1. Para a confecção da lâmina deve-se utilizar, preferencialmente, amostras frescas e não fixadas. Se há atraso prolongado no preparo das lâminas, maior que 8 horas, deve-se colocar uma observação nos resultados de que a contagem diferencial pode ter sido prejudicada devido à degeneração celular. 2. Líquidos serosos podem conter fibrina e outras proteínas que podem obstruir a área circular do papel de filtro, reduzindo o tamanho do botão celular e afetando a distribuição randômica das células na lâmina. Lavar as células antes da citocentrifugação, por meio de centrifugação de uma alíquota e ressuspensão em solução salina pode evitar problemas com o botão celular e a morfologia das células. 3. Se coágulos estiverem presentes na amostra, ambas as contagens − global e diferencial de células − podem perder precisão e exatidão. Contudo, lâminas podem ser preparadas para a pesquisa de células malignas. Os coágulos podem ser agitados gentilmente para libertar células aprisionadas antes de aliquotar uma porção da amostra para lavagem e citocentrifugação. 4. Amostras com elevada celularidade devem ser diluídas com salina antes da citocentrifugação para evitar sobreposição de camadas de células na lâmina. Esse 229
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Tratado de Análises Clínicas
tipo de lâmina é de difícil interpretação devido ao agrupamento das células e à distorção da morfologia. Utilizando-se um esquema padronizado para a diluição das amostras com base na contagem global, uma lâmina com monocamada uniforme de células pode ser obtida. A diluição apropriada vai depender da quantidade de amostra inserida na câmara e da velocidade e do tempo de citocentrifugação. Alternativamente, para amostras hemorrágicas, alguns laboratórios preferem gentilmente lisar os eritrócitos antes da citocentrifugação. 5. Adicionando-se uma gota de albumina 22% na câmara, juntamente com a amostra, acentua-se a aderência das células ao vidro da lâmina e reduz-se a desintegração celular, especialmente em amostras com baixa concentração de proteínas. 6. Um alinhamento adequado da câmara de amostra com o orifício do papel de filtro é essencial para se formar um botão celular apropriado. 7. Após a citocentrifugação, as lâminas devem ser mantidas longe de umidade até serem fixadas ou coradas para evitar artefatos que resultam em encolhimento ou arredondamento das células. A lâmina confeccionada é lida em microscópio óptico, sendo que é necessário correr a lâmina corada usando as objetivas de 10× e 40× inicialmente para verificar a distribuição dos tipos celulares e procurar agrupamentos de células. A contagem é realizada na objetiva de imersão e 100 células devem ser diferenciadas. Se não for possível, é necessário contar todas as células presentes e posteriormente calcular a porcentagem de cada tipo celular presente. É necessário diferenciar os leucócitos das células mesoteliais que, por participarem do processo inflamatório, podem se desprender e aparecer no líquido pleural. O procedimento deve ser repetido quando a celularidade presente na lâmina não corresponder ao esperado, de acordo com a contagem global de células, e nos casos em que houver sobreposição de células, dificultando a contagem. De acordo com o resultado obtido na contagem diferencial, deve-se calcular qual é o número de células mesoteliais e leucócitos presentes na contagem global.
Celularidade encontrada no líquido pleural Os tipos celulares encontrados no líquido pleural incluem leucócitos, macrófagos, células mesoteliais e células metastáticas de tumores sólidos. Dentre os leucócitos estão incluídos neutrófilos, eosinófilos, basófilos, monócitos, linfócitos, plasmócitos, granulócitos imaturos e blastos. Embora a morfologia dessas células nos líquidos serosos seja similar à encontrada no sangue periférico e na medula óssea, as mudanças morfológicas em decorrência de alterações degenerativas são mais frequentes. Microrganismos como bactérias e fungos podem ser visualizados. A Tabela 17.6 mostra a interpretação dos tipos celulares encontrados no líquido pleural. 230
analise-book.indb 230
Tabela 17.6 Interpretação dos tipos celulares encontrados no líquido pleural. Tipo celular
Condição
Neutrofilia > 50% de PMN
Inflamação aguda e processos infecciosos
Eosinofilia > 10%
Pneumotórax, embolia pulmonar, hemotórax traumático, doenças parasitárias, síndrome de ChurgStrauss
Linfocitose > 50%
Transudatos, tuberculose, câncer, cirurgia coronariana, doenças linfoproliferativas, efusões quilosas
Macrófagos
Limitado valor diagnóstico, eritrófagos, siderófagos e hematoidinófago são úteis na distinção entre fluidos patológicos e punções traumáticas
Blastos
Neoplasias hematológicas
Plasmócitos
Condições reativas, mieloma múltiplo
Células mesoteliais
Constituinte normal (> 2%), diminuída na tuberculose (< 0,1%)
Células neoplásicas de tumores sólidos
Carcinoma metastático
Miscelânea Células LE Células de ReedSternberg Megacariócitos
Lúpus eritematoso sistêmico Doença de Hodgkin Doenças mieloproliferativas
Fonte: CLSI, 2005.
Pesquisa de células LE no líquido pleural A pesquisa de células LE é um teste citomorfológico que avalia indiretamente a presença de anticorpos antinucleares. Sua formação ocorre em duas fases distintas. Inicialmente, acontece a interação do núcleo com o anticorpo antinuclear, geralmente da classe IgG. O núcleo já sensibiParte 4
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Líquidos Cavitários ou Líquidos Serosos
lizado é fagocitado por leucócitos íntegros, especialmente neutrófilos e monócitos, na presença da fração C1 do complemento, dando origem à célula LE. É um fenômeno inespecífico, que ocorre em cerca de 60% a 80% dos casos de lúpus eritematoso sistêmico, mas que pode ser encontrado em outras colagenoses e em reações ao uso de medicamentos como hidralazina, procainamida, dentre outros. A pesquisa normalmente é realizada em amostra de sangue periférico, embora também possa ser realizada em amostras de líquidos serosos. A presença de célula LE no líquido pleural parece ser altamente específica para pleurite lúpica, contudo sua sensibilidade é baixa e variável. A técnica possui pequenas diferenças em relação à utilizada no sangue periférico e é descrita abaixo: 1. Colher 10 mL de sangue total de um doador normal em um tubo com uma gota de heparina. 2. Transferir a amostra para um frasco com 10 pérolas de vidro. 3. Agitar durante 30 minutos a 180 rpm em agitador de Kline. 4. Passar a amostra para um tubo de ensaio, centrifugar por 15 minutos a 3.000 rpm. 5. Com uma agulha grossa, retirar 2 mL da camada de leucócitos e transferir para um tubo de macro-hematócrito ou de VHS (utilizado na automação). 6. Adicionar a este tubo 2 mL do líquido pleural em teste. 7. Homogeneizar durante 10 minutos e, em seguida, deixar em repouso por 60 minutos à temperatura ambiente. 8. Centrifugar durante 15 minutos a 3.000 rpm. 9. Com uma agulha grossa, retirar 2 mL da camada de leucócitos e transferir para um tubo de macro-hematócrito ou de VHS (utilizado na automação). 10. Centrifugar durante 15 minutos a 3.000 rpm. 11. Com uma agulha grossa, retirar a camada de leucócitos e fazer cinco extensões sanguíneas. 12. Corar a lâmina pelo método de May Grünwald-Giemsa. 13. Observar em microscópio óptico e procurar as células LE em todas as lâminas preparadas. A positividade do teste se dá pelo aparecimento de leucócitos com inclusões homogêneas, violáceas, amorfas ou de rosetas. Diversos leucócitos podem envolver o material nuclear amorfo e, juntamente com estes, ainda podem aparecer corpos nucleares amorfos livres.
DIFERENCIAÇÃO DE TRANSUDATO E EXSUDATO A análise citológica e bioquímica do líquido pleural permite a diferenciação entre transudato e exsudato, que é indispensável para definir a etiologia do derrame. As Tabelas 17.7 e 17.8 mostram os valores que caracterizam a amostra como transudato ou exsudato. capítulo 17
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Tabela 17.7 Valores que caracterizam a amostra como um transudato. Transudatos
Contagem de leucócitos < 1.000/ μL Razão de proteínas líquido/soro < 0,5 Proteínas totais < 3 g/dL Razão de glicose líquido/soro < 0,5 Glicose > 60 mg/dL Razão LDH líquido/soro < 0,6 Colesterol < 60 mg/dL pH = 7,6 Albumina soro - Albumina líquido = 1,6 ± 0,5 g/dL Aparência = transparente (amarelo-claro e límpido) Amilase = de 0 a 130 UI/L Densidade < 1,015 Lactato desidrogenase (LDH) < 200 UI/L Coagulação espontânea = ausente Bilirrubina direta (BD) = 0,1-0,5 mg/dL Bilirrubina total (BT) = 0,2-1,5 mg/dL Triglicerídeos < 200 mg/dL Fonte: Kjeldsberg e Knight, 1993.
Tabela 17.8 Valores que caracterizam a amostra como um exsudato. Exsudatos
Contagem de leucócitos > 1.000/ μL Razão de proteínas líquido/soro 0,5 Proteínas totais > 3 g/dL Razão de glicose líquido/soro > 0,5 Glicose < 60 mg/dL Razão LDH líquido/soro 0,6 Colesterol > 60 mg/dL pH < 7,6 Albumina soro - Albumina líquido = 0,6 ± 0,4 g/dL Aparência = opaca, turva Densidade > 1,015 Lactato desidrogenase (LDH) > 200 UI/L Coagulação espontânea = possível Fonte: Kjeldsberg e Knight, 1993.
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Tratado de Análises Clínicas
ANÁLISE BIOQUÍMICA Quando se constata que um paciente apresenta derrame pleural, a primeira etapa é definir se o derrame é um transudato ou exsudato. O líquido pleural normal é um transudato, e as efusões transudativas ocorrem em consequência do aumento da pressão hidrostática capilar ou diminuição da pressão oncótica; já os exsudatos são associados com distúrbios localizados, que aumentam a permeabilidade capilar ou reabsorção linfática diminuída. Os critérios de Light foram difundidos na prática clínica para distinção dos líquidos pleurais e são baseados na dosagem bioquímica de proteínas, LDH e sua relação entre líquido/soro. Sugere-se que basta preencher um ou mais dos critérios descritos na Tabela 17.9 para classificar o líquido como um exsudato.
O gradiente sérico-pleural de albumina consegue reduzir significativamente as classificações falsas de exsudatos. Os transudatos apresentam um gradiente > 1,2 g/dL, enquanto os exsudatos apresentam um gradiente < 1,2 g/dL. Outros critérios foram adotados para a classificação dos derrames pleurais conforme Tabela 17.11. Tabela 17.11 Critérios de diagnóstico de exsudato pleural.
Gradiente sérico-pleural de albumina 1,2 g/dL Colesterol pleural > 60 mg/dL Relação pleural-sérica de colesterol > 0,3
Tabela 17.9 Critérios de Light para o diagnóstico de exsudato no derrame pleural.
Relação pleural-sérica de bilirrubina > 0,6 Fonte: Roth et al., 1990.
Proteína líquido pleural/proteína 0,5 sérica total LDH líquido pleural LDH sérico total
0,6
LDH líquido pleural
>2/3 LDH sérico ou >220 U/L
Fonte: Light, 2002.
Os exames bioquímicos no líquido pleural devem ser simultaneamente coletados com o soro do paciente. Todos os exames de bioquímica no líquido pleural são realizados em frasco seco, estéril, e sem anticoagulante.
Proteínas e gradiente de albumina As proteínas não devem ser usadas de forma isolada para a classificação dos derrames pleurais, devendo ser combinadas com outros parâmetros para diferenciar os transudatos e exsudatos. A Tabela 17.10 demonstra os valores de proteínas nos derrames pleurais para auxiliar na classificação dos transudatos e exsudatos. Tabela 17.10 Valores de proteínas nos derrames pleurais para classificação dos transudatos e exsudatos.
Proteínas 3,0 mg/dL
Transudato
Proteínas entre 3,0 e 3,5 mg/dL
Transudato ou Exsudato (aplicar Light)
Proteínas 3,5 mg/dL
Comumente Exsudato (aplicar Light)
Proteínas 4,5 mg/dL
Sugere-se, como primeira hipótese, Tuberculose
Fonte: Xaviel et al., 2005.
232
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Glicose O nível de glicose do líquido pleural é semelhante ao sérico. A dosagem dos níveis de glicose no líquido pleural tem sido usada no diagnóstico diferencial das doenças que originam exsudatos. Valores inferiores a 60 mg/dL ou uma relação glicose líquido pleural/soro inferior a 0,5 são consistentes com derrames parapneumônicos, empiema, artrite reumatoide, doença neoplásica e tuberculose. Quando o líquido é espesso e purulento, o nível de glicose é frequentemente próximo de zero. Os transudatos apresentam valores de glicose no líquido pleural similares aos séricos.
Lactato Desidrogenase (LDH) A dosagem de LDH é primordial na diferenciação entre transudatos e exsudatos conforme os critérios de Light. Está aumentada nos exsudatos, principalmente de origem neoplásica, infecciosa ou no tromboembolismo pulmonar. Valores de LDH superiores a 200 UI/L ou relação LDH do líquido pleural/soro maior que 0,6 indicam exsudatos. Níveis superiores a 1.000 UI/L são caracteristicamente encontrados em empiema, pleurisia reumatoide e malignidades.
pH Deve ser coletado numa seringa de gasometria heparinizada e encaminhado ao laboratório conservado em gelo. O pH normal do líquido pleural é de 7,64. Uma combinação de pH < 7,20 com glicose < 40 mg/dL pode indicar necessidade de drenagem torácica cirúrgica por efusão parapneumônica associada com empiema, pleurite reumatoide ou efusão maligna com mau prognóstico. Um pH abaixo de 6,0 é característico de ruptura esofágica. Parte 4
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Líquidos Cavitários ou Líquidos Serosos
Amilase Deverá ser dosada somente em casos sugestivos de pancreatite ou pseudocisto pancreático. A dosagem de amilase pode ser elevada em certas neoplasias, não necessariamente do pâncreas. Diferenciar amilase pancreática de amilase salivar, sendo que a última sugere fístula esofágica ou trauma de esôfago.
Adenosina Desaminase (ADA) Devido à necessidade de um marcador rápido e eficaz para a tuberculose, a ADA vem aparecendo como mais um parâmetro bioquímico. Foi recomendado o valor de corte adequado da ADA de 35 U/l no líquido pleural para o diagnóstico da tuberculose, em nosso país, devido à alta prevalência desse microrganismo em nossa população. A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia sugere, entretanto, o valor de corte de 40 U/l no líquido pleural. Com uma atividade baixa de ADA, num derrame pleural, pode-se praticamente excluir a etiologia por Mycobacterium tuberculosis, mas valores elevados devem ser distinguidos de outras causas como empiemas e linfomas.
Lipídios O aparecimento de um líquido pleural leitoso pode ser causado pela presença de material quiloso do ducto torácico ou material pseudoquiloso, produzido em condições inflamatórias crônicas. O material quiloso apresenta altas concentrações de triglicerídeos; já o material pseudoquiloso tem maior concentração de colesterol. Um nível de triglicerídeos superior a 110 mg/dL indica uma efusão quilosa. Para os valores intermediários entre 50 e 110 mg/ dL o diagnóstico pode ser feito pela demonstração de quilomícrons no líquido pleural por eletroforese das lipoproteínas. As dosagens de colesterol são recomendadas quando os valores de LDH e proteínas são duvidosos, valores de colesterol no líquido pleural superiores a 60 mg/dL ou relação líquido pleural/soro superiores a 0,3 estão associados com exsudatos.
Bilirrubinas Meisel et al., 1990, concluíram que uma relação pleural-sérica de bilirrubina > 0,6 seria um parâmetro alternativo aos critérios de Light para a determinação dos exsudatos.
Marcadores tumorais São úteis no acompanhamento e na diferenciação de algumas neoplasias, carcinomas ou mesoteliomas, e avaliação da resposta ao tratamento e prognóstico. A Tabela 17.12 descreve os principais marcadores utilizados em líquidos serosos. capítulo 17
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Tabela 17.12 Relação dos marcadores tumorais e principais afecções. Marcadores tumorais
Principais afecções relacionadas
Ácido hialurônico
Mesotelioma.
Antígeno carcinoembriogênico (CEA)
Adenocarcinoma de cólon e reto, Ca de pulmão, trato gastrintestinal, biliar, cérvice e mama
Alfafetoproteína (AFP)
Tumor gastrintestinal, hepatocarcinoma, hepatite e cirrose
CA 15-3
Mama, ovário, pulmão e linfomas
CA 19-9
Pâncreas, vesícula biliar, estômago, mama e pulmão
CA 125
Ovário e gástrico, células pequenas de pulmão, mesotelioma
CYFRA 21-1
Cânceres de pulmão
Fonte: Fonseca, 2011.
Provas reumáticas Cerca de 5% dos doentes com artrite reumatoide e 50% dos doentes com lúpus eritematoso sistêmico desenvolvem derrames pleurais durante a evolução da doença. Na suspeita de colagenoses podem ser dosados no líquido pleural o fator antinuclear (FAN), fator reumatoide (FR), anti-DNA, anticorpo anticitoplasma de neutrófilos (ANCA). A Tabela 17.13 apresenta um resumo dos testes realizados no líquido pleural.
CASOS CLÍNICOS Caso 1 Uma mulher de 45 anos de idade com história de câncer de mama apresentou uma efusão pleural. O líquido obtido tinha aspecto hemorrágico e apresentou uma contagem de células nucleadas de 650/µL. Foi preparada uma lâmina na citocentrífuga, a qual apresentou na análise microscópica vários neutrófilos e poucos macrófagos e linfócitos. Observaram-se, também, vários grupamentos de células grandes e fortemente coradas. O grupamento tinha aspecto tridimensional e continha algumas figuras de mitose. Qual é a mais provável identificação dessas células? a) Condrócitos b) Pneumócitos c) Células mesoteliais ativadas d) Células tumorais metastáticas Resposta: d. 233
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Tratado de Análises Clínicas
Tabela 17.13 Resumo dos testes no líquido pleural. Teste
Valor do teste
Diagnóstico sugerido
Comentários
A adenosina desaminase (ADA)
> 40 U/L
A tuberculose (> 90%), empiema (60%), derrame parapneumônico complicado (30%), malignidade (5%), artrite reumatoide
Deve ser solicitada com frequência devido ao alto valor preditivo positivo para TB
Citologia
Eficácia de 40% a 87%
Malignidade
Eficácia depende de diversos fatores: tipo histológico do tumor, capacidade de esfoliação das células, número de lâminas examinadas e perícia do citologista
Glicose
< 60 mg/dL
Derrame parapneumônico Em geral, os fluidos pleurais com baixo nível de complicado ou empiema, glicose também têm pH baixo e os níveis elevados tuberculose (20%), de LDH malignidade ( Dois terços dos limites superiores do normal para soro LDH
Qualquer condição que causa um exsudato
Níveis muito elevados de LDH pleural (> 1.000 UI/L) normalmente são encontrados em pacientes com derrame pleural parapneumônico complicado e em cerca de 40% das pessoas com pleurisia tuberculosa
Derrame – LDH relação sérica
> 0,6
Qualquer condição que causa um exsudato
A maioria dos pacientes que preenchem os critérios para uma efusão exsudativa com LDH, mas não com os níveis de proteína tem derrames parapneumônicos ou malignidade
Derrame proporção de proteína /soro
> 0,5
Qualquer condição que causa um exsudato
Um nível de proteína do fluido pleural > 3 mg por dL sugere um exsudado. Não usar isoladamente
Amilase
> Limite superior do normal
Malignidade (< 20%), doença pancreática ou ruptura esofágica
Dosar quando a ruptura esofágica ou doença pancreática é suspeita
Colesterol
> 45 a 60 mg/dL
Qualquer condição que causa um exsudato
Dosar na suspeita de quilotórax ou pseudoquilotórax. Valores superiores a 60 mg/dL são favoráveis a exsudato.
Cultura
Positivo
Infecção
Realizar em todos os derrames pleurais parapneumônicos, pois bactérias no Gram ou cultura sugerem drenagem torácica
pH
< 7,20
Derrame parapneumônico Obter em todas as efusões não purulentas, se complicado ou empiema, houver suspeita de infecção. Um pH reduzido de malignidade ou tuberculose líquido pleural indica a necessidade de drenagem apenas para derrames pleurais parapneumônicos
Triglicerídeos
> 110 mg por dL
Quilotórax
Marcadores tumorais
Diversos pontos de Malignidade cutoff
Realizar quando o líquido pleural é turvo ou leitoso. O QT é causado por linfoma ou trauma. Nem todos os derrames pleurais quilosa aparecem branco leitoso ou esbranquiçados CEA, CA 15-3, CA 125, Cyfra 21-1, a-fetoproteínas; dosar ácido hialurônico quando suspeitar de mesotelioma
Fonte: Porcel e Light, 2006.
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Líquidos Cavitários ou Líquidos Serosos
Caso 2 Um homem de 72 anos apresentou os seguintes resultados na análise do líquido pleural. EXAME FÍSICO MACROSCÓPICO: coloração amarelada, aspecto turvo e presença de coágulos de fibrina. EXAME MICROSCÓPICO: Total de células nucleadas = 1.950/µL. Contagem diferencial: Macrófagos 54%, Linfócitos 41% e neutrófilos 5%. EXAME MICROBIOLÓGICO: Na coloração de Gram nenhum microrganismo foi visualizado, porém leucócitos estavam presentes. ANÁLISES BIOQUÍMICAS: Sangue (proteínas totais = 6,8 g/dL; LDH = 515 U/l; glicose jejum = 75 mg/dL). Líquido (proteínas totais = 4,0 g/dL; LDH = 350 UI/L; glicose = 55 mg/dL). Com base no exposto, responda às seguintes questões: a) Você realizaria a contagem de células desse líquido pleural em um analisador automatizado ou em câmara de contagem? Explique. b) Calcule a razão líquido/soro para proteinase LDH. c) O coágulo de fibrina presente nesta amostra sugere transudato ou exsudato? d) Com as informações fornecidas, classifique esta amostra em transudato ou exsudato. e) Cite 4 condições conhecidas que causam esse tipo de efusão. f) Qual é o significado da contagem diferencial e da coloração de Gram nesse caso em particular? Respostas: a) Câmara de contagem. A presença de coágulos é uma forte razão para não examinar líquidos nos analisadores automatizados pelo fato de poder obstruir o orifício por onde passam as células durante a contagem. A presença de bactérias também é uma causa, contudo neste caso não foram observadas bactérias. b) Proteínas = 4,0/6,8 = 0,59. LDH = 350 / 515 =0,68. c) Exsudatos, haja vista frequentemente possuírem quantidades elevadas de proteínas da coagulação. A ativação do fibrinogênio provoca a formação de fibrina. d) As duas relações, proteínas e LDH, são os mais importantes indicadores na diferenciação entre transudato e exsudato neste caso. A contagem de células nucleadas e o aspecto também são úteis, porém menos confiáveis. e) Infecção, neoplasia, trauma e artrite reumatoide. f) Descartam a presença de infecção bacteriana. Devese considerar neoplasia, artrite reumatoide ou trauma como a causa. Contudo, testes adicionais são indicados para determinar a causa exata.
Caso 3 Homem de 69 anos de idade com história de exposição ao amianto e tabagismo foi internado devido a fortes dores no peito, dispneia crescente e tosse seca. O paciente nega capítulo 17
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presença de febre. Um grande derrame pleural foi diagnosticado. Foi realizada a toracocentese e um cateter de drenagem foi colocado, sendo que 6 litros de fluido foram removidos. A análise do líquido pleural apresentou os seguintes resultados: Viscosidade aumentada, aspecto sanguinolento e turvo. A cultura para bactérias aeróbicas resultou negativa. A contagem de leucócitos foi de 7.700/ μL, com diferencial de 90% de linfócitos, 5% macrófagos e 5% de polimorfonucleares. Valores de proteínas no líquido pleural = 4,6 g/dL, glicose = 30 mg/dL e LDH = 2.250 UI/L. Os valores séricos correspondentes foram: proteínas = 6,6 g/dL, glicemia = 102 mg/ dl e LDH = 1.250 UI/L. O ADA no líquido pleural foi de 5 U/l.Valores de ácido hialurônico no líquido pleural se apresentaram elevados. Na citologia oncótica foram visualizados inúmeros aglomerados celulares com núcleos arredondados, nucléolos proeminentes e hipercromáticos, multinucleações e citoplasma denso. Com base no exposto, responda às seguintes questões: a) Qual a hipótese diagnóstica mais provável? Por quê? b) Se trata de um transudato ou exsudato? Por quê? c) Qual exame deve ser solicitado para o diagnóstico definitivo? Respostas: a) Mesotelioma. Porque frequentemente os casos de mesotelioma estão associados à exposição ao amianto. Esse tipo de neoplasia apresenta valores elevados de ácido hialurônico. Diagnóstico citológico. Exibe caracterísitcas oncologicamente positivas para mesotelioma. b) EXSUDATO, Contagem de leucócitos > 1.000/ μL, razão de proteínas líquido/soro > 0,5, Proteínas totais > 3 g/dL, razão de glicose líquido/soro > 0,5, Glicose < 60 mg/dL e razão LDH líquido/soro > 0,6. c) O diagnóstico conclusivo pode ser feito com a obtenção de uma biópsia do tecido afetado.
Caso 4 A pleura consiste de uma dupla membrana que envolve o pulmão e o separa da parede torácica, do diafragma e mediastino. O espaço entre as duas membranas forma a cavidade pleural, e nele está contido o líquido pleural. Com base na interpretação dos resultados e realizando o cálculo da contagem global de leucócitos em função das células nucleadas que não são consideradas leucócitos do sangue periférico, assinale a alternativa correta: a) A contagem global de leucócitos é de 200/µL, os resultados podem ser considerados normais para esse tipo de amostra, e o procedimento de aspiração do líquido pleural se chama toracentese. Esse mesmo resultado associado a um volume aumentado de líquido pleural preexistente no paciente pode caracterizar um transudato devido, por exemplo, a uma insuficiência cardíaca congestiva. 235
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Tratado de Análises Clínicas
b) A contagem global de leucócitos é de 350/µL, os resultados não são normais para esse tipo de amostra, e o procedimento de aspiração do líquido pleural se chama toracentese. Chama a atenção nesse resultado a presença de células mesoteliais no líquido pleural, fato este que pode estar correlacionado, por exemplo, a um mesotelioma ou carcinoma metastático. c) A contagem global de leucócitos é de 200/µL, os resultados não são normais para esse tipo de amostra, e o procedimento de aspiração do líquido pleural se chama paracentese. Chama a atenção nesse resultado a elevada quantidade de linfócitos, macrófagos e células mesoteliais, fato este que pode estar correlacionado, por exemplo, com infecção viral, fúngica, e até mesmo lúpus eritematoso sistêmico. d) A contagem global de leucócitos é de 350/µL, os resultados podem ser considerados normais para esse tipo de amostra e o procedimento de aspiração do líquido pleural se chama toracentese. Esse mesmo resultado, porém desconsiderando o aspecto límpido e considerando o aspecto leitoso-esbranquiçado pode caracterizar um exsudato devido, por exemplo, a uma efusão quilosa. e) A contagem global de leucócitos é de 200/µL, os resultados não são normais para esse tipo de amostra, e o procedimento de aspiração do líquido pleural se chama toracentese. Chama a atenção nesse resultado a elevada presença de macrófagos, fato este que pode estar correlacionado, por exemplo, a uma efusão parapneumônica seguida de abscesso pulmonar. Resposta: a.
Caso 5 Paciente WC, 85 anos, foi submetido a uma toracocentese e, após análise bioquímica do líquido, foram detectados valores de proteínas fluido/soro superiores a 0,5, e LDH de 990 U/L, ADA de 3,0 U/L e pH inferior a 6,0. Qual o líquido colhido, qual a patologia mais provável e qual o anticoagulante utilizado para a análise do pH? a) Líquido ascítico, tuberculose e EDTA. b) Líquido pleural, neoplasia e Citrato. c) Líquido pleural, ruptura do esôfago e heparina. d) Líquido pericárdico, pancreatite e sem anticoagulante. Resposta: c.
a) Mesotelioma maligno b) Derrame parapneumônico c) Insuficiência cardíaca congestiva d) Tuberculose Resposta: d.
Caso 7 Com relação aos líquidos pleurais de aspecto leitoso responda: a) Quais as principais doenças relacionadas? b) Como diferenciar as formas quilosa e pseudoquilosa do líquido pleural? c) Qual exame pode ser solicitado para diferenciar as formas duvidosas de líquidos pleurais leitosos? Respostas: a) Material quiloso de lesão de ducto torácico (trauma ou linfoma) e material pseudoquiloso de inflamação crônica. b) A efusão quilosa apresenta valores de triglicerídeos superiores a 110 mg/dL, coloração de Sudan III fortemente positiva e valores de colesterol baixos, enquanto a pseudoquilosa possui valores de triglicerídeos inferiores a 50 mg/dL e valores de colesterol superiores a 60 mg/dL. c) Através da demonstração de quilomícrons pela eletroforese de lipoproteínas.
Caso 8 Paciente de 7 anos foi internada com dispneia, fortes dores no peito, tosse e febre. Após radiografia do tórax foi evidenciado um forte derrame pleural. Foi indicada uma toracentese para análise do líquido pleural, que apresentou as seguintes características: líquido purulento, Glicose < 40 mg/dL; pH < 7,2 e DHL > 1.000 UI/L. Pela bacterioscopia foi evidenciada a presença de diplococos Gram-positivos encapsulados; presença acentuada de leucócitos com granulocitose. Qual a possível hipótese diagnóstica e conduta de tratamento? a) Derrame parapneumônico e há necessidade de drenar. b) Tuberculose e tratamento com antibióticos. c) Derrame parapneumônico e não há necessidade de drenar. d) Mesotelioma maligno e quimioterapia. Resposta: a
Caso 6
LÍQUIDO PERITONEAL Formação, composição, localização e funções
Foram obtidos os seguintes resultados de um líquido pleural de um paciente submetido a uma toracocentese: Aspecto turvo, com glicose de 30 mg/dL (glicose sérica de 155 mg/dL), proteínas de 4,6 g/dL (proteína sérica de 6,66 g/dL), ADA de 225 U/L e LDH de 2250 U/L. A contagem de leucócitos foi de 3.500/µL, e diferencial com linfocitose, foi observada a redução do número de células mesoteliais. Qual a principal hipótese diagnóstica?
O peritônio é uma membrana serosa, tridimensional, constituída de fibroblastos, matriz extracelular, vasos sanguíneos e células mesoteliais sobrejacentes. Apresenta dois folhetos, que são o parietal, que reveste a cavidade abdominal, e o visceral, que reveste os órgãos. Entre esses folhetos existe uma cavidade virtual denominada cavidade peritoneal, por onde circula o líquido peritoneal ou ascítico. A cavidade peritoneal contém, aproximadamente, 50 mL de fluido, o qual se apresenta sob
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Líquidos Cavitários ou Líquidos Serosos
a forma de um líquido transparente, amarelo-claro, estéril e viscoso, e é produzido pelas células de membrana como um ultrafiltrado do plasma. Tanto a sua produção quanto sua reabsorção dependem de vários fatores, como a permeabilidade dos capilares peritoneais, as forças hidrostáticas no sistema circulatório, a pressão oncótica do plasma e a reabsorção linfática. A principal função do líquido peritoneal é a proteção da cavidade abdominal, banhando-a e lubrificando-a, reduzindo, assim, o atrito entre os órgãos e permitindo a movimentação destes durante o processo da digestão. Descobriram-se também importantes papéis no transporte de fluidos e células na mediação da resposta inflamatória, no reparo tecidual, na lise de depósitos de fibrina, na proteção contra microrganismos invasores, e possivelmente na disseminação tumoral. Evidências sugerem que um distúrbio de transporte de eletrólitos e fluidos na monocamada de células mesoteliais atuam como importante fator na formação de derrames peritoneais, seja por aumento da produção e/ou deficiência de remoção. O acúmulo de líquido é chamado de ascite, e esta pode ser classificada em três níveis, de acordo com a gravidade, descomplicada, complicada e ascite refratária. Juntamente com a classificação do líquido ascítico em transudato ou exsudato, a determinação do gradiente soro/ascite de albumina (GASA) é de fundamental importância para o fornecimento de subsídios para uma posterior abordagem clínica e laboratorial. Tendo em vista a correlação que se observa entre a presença de hipertensão portal e um gradiente elevado de GASA, pode-se afirmar que níveis maiores ou iguais a 1 g/dL associados a níveis de proteínas inferiores a 3,0 g/dL sugerem o diagnóstico de cirrose. Naqueles casos em que o gradiente for menor ou igual a 1,1 g/dL, com a presença de níveis proteicos elevados, deveria se pensar em doença peritoneal, e quando ambos os parâmetros estivessem acima dos níveis críticos discriminativos propostos, a hipótese seria de hipertensão portal pós-sinusoidal. Doenças crônicas do fígado, como a cirrose, associadas à hipertensão portal são as causas mais frequentes de ascite. Outras etiologias menos comuns incluem neoplasia maligna, principalmente de ovário e mama, insuficiência cardíaca, nefropatia, tuberculose e doenças pancreáticas. Pacientes com grande derramamento de líquido ascítico podem desenvolver hérnias inguinais, umbilicais e incisionais. O diagnóstico precoce da ascite é extremamente importante, considerando que algumas formas são benignas e possuem bons prognósticos, no entanto, outras podem se expressar de forma muito agressiva e potencialmente letais, que se não descobertas a tempo apresentam poucas chances de cura.
COLETA – PARACENTESE A fim de se obter a confirmação etiológica da ascite, realiza-se a remoção de líquido ascítico da cavidade peritoneal por meio de um procedimento chamado paracentese. Pacientes com sintomas e suspeita de ascite têm seu diagnóstico confirmado pela ultrassonografia, que detecta volumes variados de fluido, auxiliando tanto no diagnóstico quanto na escolha do melhor local para a realização da paracentese, capítulo 17
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especialmente quando se lida com um volume pequeno de líquido ascítico. Em geral, esse procedimento é seguro, mas não isento de riscos iatrogênicos. As principais complicações são relacionadas à perfuração de órgãos abdominais, desvio da agulha do local indicado, deposição de fragmentos do cateter no local da incisão, e eventuais sangramentos. A técnica é contraindicada nos casos de pacientes inconscientes não colaborativos com o procedimento, infecções na pele, gravidez e distensão intestinal. Uma paracentese bem-sucedida deve satisfazer aos seguintes critérios: quantidade suficiente de fluido na primeira coleta, ausência de complicações, e o mínimo de desconforto ao paciente durante o procedimento. O paciente é colocado em posição supina, com uma inclinação de 30 a 45 graus para a retirada de grandes volumes, ou em decúbito lateral para a retirada de pequenos volumes. Os locais normalmente indicados para a incisão da agulha são na linha média, 2 cm abaixo do umbigo, ou no quadrante inferior esquerdo, lateralmente ao músculo reto abdominal. A agulha é inserida na parede abdominal, com anestesia local. Após coletar uma quantidade suficiente de amostra, a agulha é retirada rapidamente, e, assim, a pele retorna à sua posição normal. Um curativo é feito no local e a amostra encaminhada para análise.
MANIPULAÇÃO, TRANSPORTE E ARMAZENAMENTO Seguir as mesmas orientações descritas para o líquido pleural.
PATOLOGIAS ASSOCIADAS AO DERRAME PERITONEAL OU ASCITE – TRANSUDATOS E EXSUDATOS Inúmeras doenças podem evoluir para uma ascite, sejam associadas à hipertensão portal, sejam associadas a alterações no próprio peritônio. Sabe-se que a doença crônica do fígado, principal causa de hipertensão portal, é responsável por cerca de 75% dos casos de ascite. O desenvolvimento de ascite é uma alteração patológica importante para a história natural da cirrose, uma vez que está associada a mortalidade de 50% ao longo de dois anos, além de indicar a necessidade de se considerar o transplante de fígado como uma opção terapêutica. A maior parte (75%) dos pacientes que apresentam ascite possui cirrose; o restante pode ser devido a neoplasias (10%), insuficiência cardíaca congestiva (3%), tuberculose (2%), pancreatite (1%), e outras causas raras. As principais doenças causadoras de derrames peritoneais estão listadas na Tabela 17.14.
ANÁLISE FÍSICA MACROSCÓPICA A primeira análise após a coleta é a macroscópica. O aspecto visual do derrame (límpido, hemorrágico, purulento etc.) é o critério inicial para agrupar diversas hipóteses diagnósticas e direcionar para exames específicos de análise laboratorial, além 237
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Tratado de Análises Clínicas
Tabela 17.14 Principais causas de efusões peritoneais. Transudatos
Exsudatos
Devido a um aumento na pressão hidrostática ou diminuição da pressão oncótica do plasma
Devido a um aumento da permeabilidade capilar ou diminuição da reabsorção linfática Infecções Tuberculose Peritonite bacteriana primária Peritonite bacteriana secundária Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis Aids
Insuficiência cardíaca congestiva Cirrose hepática Síndrome nefrótica com hipoproteinemia Metástase hepática Oclusão da veia porta
Neoplasias Carcinoma metastático Carcinomatose peritonela Pseudomixoma Hepatoma Mesotelioma Linfoma Trauma Pancreatite Peritonite Biliar Efusões quilosas Trauma Linfoma Carcinomas Tuberculose Infestação parasitária Fonte: Andrade Junior, 2009; Karsher e Mcpherson, 2011; Kjeldsberg e Knight, 1993.
de permitir adotar medidas terapêuticas imediatamente, como a drenagem no caso de empiema. O aspecto e a coloração devem ser anotados antes e após a centrifugação. Fisiologicamente o líquido ascítico é transparente, amarelo-claro, estéril e viscoso, mas em alguns casos ele pode sofrer transformações, como por exemplo, apresentar turbidez devido a infecções bacterianas, coloração esverdeada em perfurações do trato gastrointestinal, pancreatite e colecistite, um aspecto leitoso que não clareia após a centrifugação em efusão quilosa ou pseudoquilosa. Um líquido macroscopicamente hemorrágico deve ser diferenciado de punção traumática, evitando, assim, erros de diagnóstico. Na punção traumática o clareamento do fluido ascítico é observado no decorrer da paracentese, enquanto na ascite hemorrágica pequenas quantidades de sangue coram aproximadamente 1 litro de líquido peritoneal de vermelho-vivo e opaco. Isso corresponde a uma contagem eritrocitária de aproximadamente 100.000/µL. A Tabela 17.15 relata as principais possibilidades de coloração e aspecto, e sua correlação com a provável etiologia. 238
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ANÁLISE MICROBIOLÓGICA As análises microbiológicas deverão ser realizadas quando existir suspeita de Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE), sendo uma complicação frequente e grave em pacientes cirróticos com ascite. O diagnóstico é definido pela presença de 250 ou mais polimorfonucleares por mm3 no líquido ascítico. Cultura de líquido ascítico para bactérias, de modo geral, não se faz necessária em pacientes assintomáticos.
Gram O teste de Gram tem baixa positividade para a pesquisa de PBE, sendo de 7% a 10%. Esses valores baixos de detecção são explicados pela sensibilidade do teste de Gram, que exige 10.000 bactérias/mL para a sua positividade, enquanto na PBE ocorre densidade baixa de até uma bactéria/mL. Apesar da sua pouca sensibilidade, se múltiplas formas bacterianas forem vistas no teste de Gram, sugere fortemente a suspeita de peritonite secundária (ex.: perfuração de víscera oca, apendicite) é mais provável do que a PBE. Parte 4
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Líquidos Cavitários ou Líquidos Serosos
Tabela 17.15 Cor e aspecto do líquido peritoneal antes e após a centrifugação e o possível significado clínico. Aspecto
Coloração pré-centrifugação
Coloração póscentrifugação
Etiologia
Límpido
Amarelo-claro
Amarelo-claro
Transudato Cirrose
Turvo
Amarelo, branco
Amarelo
Peritonite bacteriana Pancreatite Neoplasias
Turvo
Marrom esverdeado
Marrom esverdeado
Doença do trato biliar Ruptura do intestino
Leitoso
Branco
Branco
Ascite quilosa Ascite pseudoquilosa
Hemorrágico
Vermelho
Amarelo ou xantocrômico
Trauma neoplasias Pancreatite Infarto intestinal
Fonte: Kjeldsberg e Knight, 1993.
Coloração de Ziehl
ANÁLISE MICROSCÓPICA DAS CÉLULAS
Dificilmente é positiva devido à baixa concentração do bacilo no liquido ascítico. A sensibilidade das colorações é de apenas 5% dos pacientes com peritonite tuberculosa. Deverão ser solicitadas somente se houver forte suspeita clínica.
Seguir as mesmas orientações descritas para o líquido pleural.
Contagem global de células nucleadas
Pesquisa de fungos
Seguir as mesmas orientações descritas para o líquido pleural.
As ascites de etiologia fúngica são raras e não se costuma solicitar rotineiramente a cultura e a pesquisa direta desses agentes.
Contagem diferencial de células nucleadas
Cultura As amostras para cultura deverão ser inoculadas na beira do leito, em frascos de hemocultura. Os frascos de hemocultura aumentam a positividade da cultura em ascites, com contagem de PMN 250 células/µL, de cerca de 50% (pelas técnicas convencionais) para 80%. Técnicas convencionais de cultura em ágar apresentam sensibilidade de 25% a 50%, enquanto se a inoculação de líquido peritoneal for de 5 a 10 mL em frasco de hemocultura, à beira do leito há um aumento da sensibilidade de 80% a 90%. As bactérias mais comumente isoladas são Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Streptococcus pneumoniae. As culturas para BK apresentam positividade somente em 50% dos casos, mesmo com ótimo processamento da amostra. Os exames laparoscópicos com biópsia pleural podem ser úteis nos casos em que a tuberculose é suspeita. capítulo 17
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Seguir as mesmas orientações descritas para o líquido pleural.
Celularidade encontrada no líquido peritoneal Os tipos celulares encontrados no líquido peritoneal incluem leucócitos, macrófagos, células mesoteliais e células metastáticas de tumores sólidos. Dentre os leucócitos estão incluídos neutrófilos, eosinófilos, basófilos, monócitos, linfócitos, plasmócitos, granulócitos imaturos e blastos. Embora a morfologia dessas células nos líquidos serosos seja similar à encontrada no sangue periférico e na medula óssea, as mudanças morfológicas em decorrência de alterações degenerativas são mais frequentes. Microrganismos como bactérias e fungos podem ser visualizados. A Tabela 17.16 descreve os tipos celulares encontrados nos líquidos serosos.
Pesquisa de células LE no líquido peritoneal Seguir as orientações descritas para o líquido pleural. 239
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Tratado de Análises Clínicas
Tabela 17.16 Tipos celulares encontrados nos líquidos serosos. Tipo celular
Série mieloide: neutrófilos, eosinófilos, basófilos e mastócitos Neutrófilos degenerados: cariorréxis e cariopicnose Série eritroide: eritrócitos, equinócitos e eritroblastos Série linfoide: linfócitos, linfócitos atípicos, plasmócitos Série de fagócitos mononucleares: monócitos, macrófagos, signet cell, eritrófagos, neutrófagos, lipófagos, siderófagos, hematoidinófagos Células mesoteliais Células neoplásicas: blastos, células de linfoma, células neoplásicas não hematológicas Fonte: CLSI, 2005.
Diferenciação de transudato e exsudato Os critérios laboratoriais para diferenciar em transudatos e exsudatos os líquidos peritoneais ainda não são bem definidos como no liquido pleural. É comum que amostras infectadas ou com neoplasias tenham concentrações de proteínas na faixa de transudato e pacientes com cirrose ou insuficiência cardíaca com proteínas na faixa de exsudato. O gradiente de albumina soro - ascite (GASA) (Quadro 17.1), que é a subtração entre a albumina do soro e a do líquido de ascite, caracteriza melhor a ascite do que o conceito de transudato/exsudato baseado na dosagem de proteína total do líquido ascítico. A Tabela 17.17 mostra a classificação da ascite quanto ao GASA. Quadro 17.1 Gradiente de albumina no soro – ascite (GASA).
Gasa = albumina (soro) – albumina (líquido ascítico) Gasa 1,1 g/dL → Transudato → Hipertensão portal (valor preditivo positivo (97%) Gasa < 1,1 g/dL → Exsudato → Outras causas de ascite Fonte: Lopes, 2006.
Exemplo: albumina soro = 3,50 g/dL albumina líquido ascítico = 0,70 g/dL Gasa = 3,50 – 0,70 = 2,80 g/dL ( 1,1 g/dL → transudato) 240
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Tabela 17.17 Classificação da ascite quanto ao GASA (Gradiente Albumina Soro – ascite).
Gasa elevado 1,1 g/dl = transudato (Pressão hidrostática aumentada ou pressão oncótica plasmática diminuída) Hipertensão portal Cirrose Hepatite alcoólica Ascite cardíaca Insuficiência hepática grave Síndrome de Budd-Chiari Trombose de veia porta Doença hepática veno-oclusiva Gasa baixo < 1,1 g/dL = exsudato (Permeabilidade capilar aumentada ou reabsorção linfática diminuída) Doença peritoneal Carcinomatose peritoneal Peritonite tuberculosa Peritonite bacteriana Ascite pancreática Ascite biliar Síndrome nefrônica Doença do colágeno Fonte: Xavier et al., 2005.
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Líquidos Cavitários ou Líquidos Serosos
As análises citológica e físico-química do líquido peritoneal permitem a diferenciação entre transudato e exsudato, indispensáveis para definir a etiologia do derrame. As Tabelas 17.6 e 17.7 (líquido pleural) mostram os valores que caracterizam a amostra como transudato ou exsudato (ver líquido pleural).
ANÁLISE BIOQUÍMICA Proteínas Convencionalmente, o tipo de ascite é dividido em exsudatos e transudatos, em que a concentração de proteína ascítica é > 2,5 g/dL ou < 2,5 g/dL, respectivamente. O propósito dessa subdivisão é ajudar a identificar a causa da ascite. Assim, “doença maligna classicamente provoca uma ascite exsudativa e cirrose provoca um transudato”. No entanto, há muitos equívocos na prática clínica. Por exemplo, nas ascites transudativas, 30% dos pacientes com cirrose apresentam valores de proteínas superiores a 2,5 g/dL, e 50% dos pacientes com insuficiência cardíaca apresentam proteínas acima de 3,0 g/dL. Outro exemplo que dificulta a valorização da dosagem de proteínas totais é que 25% das neoplasias e tuberculose peritoneais apresentam proteínas abaixo de 3,0 g/dL. O gradiente albumina-soro-ascite (GASA), como visto anteriormente, é muito superior na categorização ascite com precisão de 97%. Pacientes com nível de proteína na ascite 1 g/dL; b) glicose < 50 mg/dL; c) LDH maior que o limite superior para o soro. Nesses casos, a possibilidade de uma peritonite secundária aumenta.
Glicose A concentração de glicose no líquido ascítico é similar ao soro. Na PBE a concentração de glicose permanece acima de 50 mg/dL, mas em casos de peritonite secundária à perfuração intestinal, a glicose pode ser indetectável. Os níveis de glicose estão diminuídos em 30% a 60% dos casos de peritonite tuberculosa e em 50% dos pacientes com carcinoma abdominal. Sua sensibilidade e especificidade são muito baixas para terem utilidade prática.
Lactato Desidrogenase (LDH) Os níveis de LDH nos líquidos ascíticos estéreis são geralmente 50% menores que os séricos. Podem estar elevados, com níveis superiores a 150 U/L nas peritonites bacterianas espontâneas e secundárias, na tuberculose peritoneal e nos carcinomas. capítulo 17
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Fosfatase alcalina Valores aumentados são observados em pacientes com perfuração gastrointestinal.
Amilase A concentração da amilase na ascite do cirrótico não complicado é de 40 UI/L e a razão ascite/soro é de 0,4. Há duas causas clássicas para o aumento de amilase no líquido ascítico: pancreatite e perfuração intestinal. Qualquer segmento do intestino pode liberar amilase quando perfurado, com exceção da vesícula biliar. Na pancreatite aguda, os níveis em geral são maiores que 10.000 U/L.
pH Pode ser útil na diferenciação da peritonite bacteriana espontânea em pacientes com ascite com cirrose, se for utilizado em conjunto com contagem leucocitária. Um pH abaixo de 7,32 apresenta especificidade de 90% para PBE.Valores de pH baixo também são observados com ascite maligna e pancreática.
Bilirrubinas Devem ser solicitadas a pacientes com líquidos ascíticos de coloração marrom-escuro.Valores acima de 6,0 mg/dL sugerem perfuração biliar ou intestinal alta.
Lipídios A dosagem de triglicérides deve ser solicitada quando o líquido ascítico for leitoso. Na ascite quilosa o nível de triglicérides é maior que 200 mg/dL, podendo atingir valores maiores que 1.000 mg/dL. O colesterol dever ser solicitado se houver suspeita de ascite neoplásica, onde encontramos valores superiores a 50 mg/dL.
Marcadores tumorais São raramente necessários para o diagnóstico de carcinoma, mas possuem algum valor prático no acompanhamento da resposta do paciente à terapia. O antígeno carcinoembriogênico utilizando uma linha de corte de 3,0 ng/mL apresenta especificidade de quase 100% para ascite maligna de origem gastrointestinal, e o CA-125 apresenta níveis, no líquido ascito, extremamente elevados, produzidos por carcinomas epiteliais de ovário.
Adenosina Deaminase (ADA) Os níveis encontram-se aumentados na peritonite tuberculosa. A sensibilidade e especificidade da dosagem de ADA na ascite tuberculosa são de 100% e 97%, respectivamente, utilizando-se como corte o valor de 33 UI/L. Entretanto, a sensibilidade da determinação da ADA na ascite cai cerca de 30% em pacientes com cirrose (devido à pior imunidade humoral e celular). Portanto, a ADA tem maior utilidade para o diagnóstico de peritonite tuberculosa em pacientes não cirróticos. O diagnóstico de peritonite tuberculosa deve 241
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Tratado de Análises Clínicas
ser considerado em todos os pacientes que apresentam ascite linfocítica inexplicada, com o GASA < 1.1 g/dL. A Tabela 17.18 traz um resumo dos exames laboratoriais do líquido ascético.
Tabela 17.18 Exames laboratoriais do líquido ascítico. Realizados de rotina